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Reflexões baseadas no Tidal Model sobre no conceito de psicose

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre o conceito de psicose usando o referencial do Tidal Model.

Método:

Estudo reflexivo desenvolvido a partir do livroEl modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación de Phil Barker e Poppy Buchanan-Barker e demais textos. Resultados: A reflexão organizou-se em três eixos de discussão: “O Tidal Model”, “A metáfora, a psicose e o domínio do eu” e “O Tidal Model, a não linearidade e a psicose: sinergismos com a política de saúde mental brasileira”.

Considerações finais:

O Tidal Model abrange o conceito de psicose, além de ser sinérgico aos aspectos da reforma psiquiátrica e as políticas de saúde mental do Brasil. As limitações do estudo estão relacionadas ao fato de apresentarem apenas aproximações iniciais e gerais sobre a relação entre o conceito de psicose e o Tidal Model, sendo necessário o aprofundamento desse conhecimento no contexto específico da prática assistencial.

Palavras chave:
Saúde mental; Enfermagem psiquiátrica; Teoria de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To reflect on the concept of psychosis using the Tidal Model framework.

Method:

Reflective study developed from the bookEl modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación by Phil Barker and Poppy Buchanan-Barker and other texts.

Results:

The reflection was organized into three axes of discussion: “The Tidal Model”, “The metaphor, psychosis and the domain of the self” and “The Tidal Model, nonlinearity and psychosis: synergisms with the Brazilian mental health policy”.

Final considerations:

The Tidal Model encompasses the concept of psychosis, in addition to being synergistic with aspects of psychiatric reform and mental health policies in Brazil. The limitations of the study are the fact that it only presents initial and general approximations about the relationship between the concept of psychosis and the Tidal Model, and it is necessary to deepen this knowledge in the specific context of care practice.

Keywords:
Mental health; Psychiatric nursing; Nursing theory

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre el concepto de psicosis utilizando el marco del Tidal Model. Método:Estudio reflexivo desarrollado a partir del libro El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación de Phil Barker y Poppy Buchanan-Barker y otros textos.

Resultados:

La reflexión se organizó en tres ejes de discusión: “El Tidal Model”, “La metáfora, la psicosis y el dominio del yo” y “El Tidal Model, la no linealidad y la psicosis: sinergismos con la política brasileña de salud mental”.

Consideraciones finales:

El Tidal Model abarca el concepto de psicosis, además de ser sinérgico con aspectos de la reforma psiquiátrica y las políticas de salud mental en Brasil. Las limitaciones del estudio están relacionadas con el hecho de que sólo presentan aproximaciones iniciales y generales sobre la relación entre el concepto de psicosis y el Tidal Model, siendo necesario profundizar ese conocimiento en el contexto específico de la práctica asistencial.

Palabras clave:
Salud mental; Enfermería psiquiátrica; Teoría de enfermería

INTRODUÇÃO

A psicose pode ser definida como um conjunto de experiências que envolvem alucinações, delírios, alterações do pensamento e alterações do comportamento. Trata-se de um conceito trabalhado em diferentes abordagens psicológicas, possuindo aspectos diferenciados em cada uma, não havendo um consenso único sobre sua definição11. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.,22. Messias CL. Arte e psicanálise no tratamento da psicose: proximidades e diferenças entre a proposta de Nise da Silveira e Henry Bauchau. Temáticas. 2020;28(55):195-226. doi: https://doi.org/10.20396/tematicas.v28i55.14163.
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Apesar da pluralidade de visões sobre o fenômeno da psicose, há uma hegemonia na adoção das definições advindas da Classificação Internacional da Doença (CID) e do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), que acabam por direcionar a forma de perceber esse conceito na prática assistencial11. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019..

Como meio de fornecer novos subsídios para compreender o fenômeno da psicose no contexto da saúde mental, tem-se o Tidal Model, como um referencial teórico que considera a experiência humana como algo natural, com fluxo próprio e em constante movimento de mudança. Essa teoria valoriza a singularidade da pessoa e sua capacidade de resolução intrínseca, possibilitando o alcance de novos horizontes da experiência humana33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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-55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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O Tidal Model é uma vertente alternativa ao modelo hegemônico, com uma abordagem filosófica, proposta por Philip J. Barker e Poppy Buchanan-Barker. A teoria define a saúde mental como uma descoberta a ser feita por cada pessoa, na esperança de que o indivíduo encontre o sentido de saúde mental para si, como pessoa única66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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Dentro dessa perspectiva, os termos utilizados para rotular os fenômenos de doenças mentais, transtornos mentais, neurose, psicose e entre outras, representam formas de manifestações da vida humana, cabendo um olhar centrado na pessoa, que é frequentemente ofuscada em meio aos sinais e sintomas. Esse olhar permite entender que as alterações de saúde mental são transversais aos processos psicológicos humanos, e não se trata de uma excepcionalidade restrita a um grupo de indivíduos33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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Os autores33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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-55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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abordaram o Tidal Model desenvolvendo estudos com métodos de revisão integrativa, reflexão teórica e análise de teoria, no entanto, em nenhum dos trabalhos o conceito de psicose constou nos resultados apresentados. Nas referências66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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,77. Barker P. From chaos to complex order: personal values and resources in the process of psychotherapy. Perspect Psychiatr Care. 2000;36(2):51-7. doi: https://doi.org/10.1111/j.1744-6163.2000.tb00691.x.
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o autor da teoria aborda a psicose, mas não trata desse conceito de forma central, caracterizando lacunas no conhecimento a serem desenvolvidas. Diante dessa problemática, desenvolveu-se a seguinte questão de pesquisa: seria o Tidal Model um referencial teórico capaz de abranger o conceito de psicose?

O presente estudo envolve a possibilidade de trabalhar o conceito de psicose a partir de referenciais próprios da disciplina de enfermagem, fortalecendo o uso de teorias no âmbito da assistência, favorecendo a identidade profissional do enfermeiro em saúde mental, além de proporcionar novas percepções sobre as respostas humanas durante a relação terapêutica88. Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolim KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco. 2019;10(3):64-9. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291.
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Ademais a resolução 678/2021 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) estabelece que o enfermeiro generalista no contexto de saúde mental deve utilizar modelos teóricos para fundamentar e sistematizar ações de cuidado, por meio do Processo de Enfermagem (PE). Cabe ao Enfermeiro, com título de especialista em saúde mental, desenvolver o relacionamento terapêutico como base do processo de cuidar em saúde mental, com fundamentação em teorias de enfermagem88. Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolim KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco. 2019;10(3):64-9. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291.
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,99. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 678 de 19 de agosto de 2021. Aprova a atuação da Equipe de Enfermagem em Saúde Mental e em Enfermagem Psiquiátrica. Diário Oficial União. 2021 ago 26 [cited 2021 May 27];159(162 Seção 1):97. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/08/2021&jornal=515&pagina=97&totalArquivos=97 .
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Percebe-se que há uma sinergia entre o referencial teórico supracitado e o contexto das políticas públicas de saúde mental do Brasil, principalmente ao considerar os valores da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. Ambos foram movimentos sociais importantes para consolidar a lei 10.216 de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtorno mental e redefine o paradigma assistencial em saúde mental no Brasil22. Messias CL. Arte e psicanálise no tratamento da psicose: proximidades e diferenças entre a proposta de Nise da Silveira e Henry Bauchau. Temáticas. 2020;28(55):195-226. doi: https://doi.org/10.20396/tematicas.v28i55.14163.
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,1010. Pitta AMF, Guljor AP. A violência da contrarreforma psiquiátrica no Brasil: um ataque à democracia em tempos de luta pelos direitos humanos e justiça social. Caderno CEAS. 2019;(246):6-14. doi: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14.
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Consoante aos autores supracitados, percebe-se que esses valores estão orientados em uma difusão de um modelo de saúde mental de base comunitária, territorializada, com assistência multiprofissional e integrada a uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo refletir sobre o conceito de psicose usando o referencial do Tidal Model.

MÉTODO

As problematizações que culminaram com o desenvolvimento desta presente reflexão foram provenientes da disciplina Conceitos e Práticas do Cuidado Clínico de Enfermagem e Saúde, do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS).

A partir do estudo do livro El Modelo Tidal: salud mental, reinvidicación y recuperación de Phil Barker e Poppy Buchanan-Barker e demais textos, a reflexão organizou-se em três eixos de discussão: “O Tidal Model”, “A metáfora, a psicose e o domínio do eu” e “Tidal Model, a não linearidade e a psicose: sinergismos com a política de saúde mental brasileira”.

O primeiro eixo apresenta a história da teoria, sua classificação, seus 10 compromissos, influências e alguns dos outros conceitos centrais. O segundo eixo aborda os aspectos da metáfora Tidal, além de explorar conexões entre o conceito do domínio do eu de Barker com o ego, self e o inconsciente, na perspectiva de Carl Gustav Jung. O terceiro eixo aborda os aspectos não lineares envolvidos na dinâmica da psicose, contemplando o Tidal Model e a contextualização com elementos da política de saúde mental no Brasil, além de propor os 10 compromissos orientados a pessoa com psicose.

O TIDAL MODEL

O Tidal Model começou a ser desenvolvido entre os anos de 1995 e 1997, com os primeiros estudos científicos aplicados entre os anos de 1997 e 1999, em serviços de emergência psiquiátrica na Inglaterra. O teorista Philip J. Barker foi o pioneiro desse modelo teórico, sendo o primeiro professor de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiatria do Reino Unido. A teoria teve, posteriormente, contribuições de Poppy Buchanan-Barker, que é uma especialista em serviço social66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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Em análise da Teoria da Maré, baseada na perspectiva de Meleis, foi constatada clareza nos componentes funcionais, nos pressupostos, nos conceitos e nas proposições da teoria. A quantidade de proposições foi superior ao de pressupostos, e os conceitos possuem adequação lógica. Seu aspecto centrado na pessoa facilita a identificação de necessidades humanas. A linguagem metafórica, adotada na teoria, se incorpora no aspecto cotidiano de várias culturas, aumentando a capilarização em diferentes cenários, proporcionando atuação assistencial baseada em dados científicos55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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O Tidal Model conta com influências de outras teoristas da Enfermagem, como Hildegard Peplau e Joyce Travelbee, indicando uma posição dentro do campo das teorias de cunho interacionista. Por se tratar de uma teoria de médio alcance, com quantidade menor de conceitos e menor abstração, torna-se vantajosa para implementação na rotina assistencial33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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,88. Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolim KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco. 2019;10(3):64-9. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291.
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Essa implementação assistencial parece estar sendo concretizada, considerando a sua aplicação em diversos países, como: Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Japão, Escócia e País de Gales. Essa diversidade de cenários pode indicar sua importância para melhorar a assistência de pessoas que vivem com psicose, um público presente nos serviços de saúde mental33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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,44. Bag B. Tidal model in mental health and psychiatric nursing practices. Curr Approaches Psychiatry. 2019;11(4):547-60. doi: https://doi.org/10.18863/pgy.411672.
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A respeito das proposições da teoria, percebe-se que são expressas por meio de 10 compromissos, sendo: 1) valorizar a voz do sujeito, 2) respeitar a sua linguagem do dia-a-dia, 3) se tornar o aprendiz da história do sujeito, 4) utilizar as ferramentas pessoais para mobilizar resoluções intrínsecas, 5) ajudar a dar um passo além em direção a resolução e meta, 6) dar valor ao período dispensado entre enfermeiro-paciente, 7) desenvolver a curiosidade genuína, 8) saber que a mudança é constante, 9) mostrar sabedoria pessoal ao ajudar o sujeito a ter consciência de suas forças e fraquezas para desenvolver autoconfiança e habilidades pessoais de ajuda, 10) ser transparente no processo de cuidado66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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O nome Tidal Model pode ser traduzido para o português como a Teoria da Maré55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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, representando uma metáfora que estabelece uma relação entre a experiência humana com a água no oceano, tendo em vista que ambas são dotadas de um fluxo natural, em constante movimento e mudança. Esse estar no mundo do oceano de experiências humanas traz ao navegante o desenvolvimento de seu ser, por meio de sua jornada.

Os autores desta reflexão utilizaram os estudos33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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,55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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,66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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) para abordar os metaparadigmas saúde, pessoa, enfermagem e ambiente, segundo o referencial do Tidal Model, realizando também o processo de organização e definição desses conceitos, estando representados na figura 1.

Figura 1 -
Representação dos metaparadigmas de enfermagem com suas respectivas definições pautadas na perspectiva do Tidal Model. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021

O enfermeiro é tido como um salva-vidas, mas como esperado para um salvamento, precisa da colaboração da pessoa que está se afogando, ficando explícita a necessidade de um estar com, reivindicando o protagonismo do sujeito, fazendo com que terapeuta e pessoa flutuem juntos em direção à recuperação66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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Outro aspecto importante é a definição sobre o cuidado de enfermagem, processo orientado pelos 10 compromissos da Tidal Model, e tem como referência o ponto de vista da pessoa, seus significados associados, ajudando-a a ter condições necessárias para a promoção do crescimento e desenvolvimento. Destaca-se que, dentro dessa perspectiva, o enfermeiro não é detentor do que é melhor para o cliente, mas sim alguém que viabiliza a construção desse melhor a partir da pessoa, reconhecendo-a como aquela que possui o maior conhecimento sobre sua própria vida33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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Esse cuidado é tido como imediato quando está relacionado aos eventos agudos; é um cuidado intermediário quando existe a transição de um cuidado agudo em direção a um cuidado de longo prazo. Por fim, o cuidado de desenvolvimento é aquele que se caracteriza como de longo prazo66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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. Percebe-se a compatibilidade desses conceitos de cuidado quando se pensa nos diferentes contextos dos serviços de saúde mental33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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Diante do exposto sobre o Tidal Model, percebe-se sua relevância para a enfermagem em saúde mental, deixando mais clara a sua importância e aplicação de seus conceitos.

A METÁFORA, A PSICOSE E O DOMÍNIO DO EU

Navegar pelo oceano da experiência não implica, necessariamente, em ter uma viagem tranquila, pois o mar também guarda tempestades, naufrágios, pirataria e encalhamento. Dentro desse contexto, o navegante utiliza seu barco para desbravar a jornada de sua vida, pondo-se em alto mar. É possível perceber que há um paralelo entre o navio metafórico e o conceito de domínio do eu, representando as possibilidades singulares que cada ente possui, além de sua própria forma de navegar55. Teixeira LA, Monteiro ARM, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. The Tidal model: analysis based on Meleis’s perspective. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):457-62. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0394.
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A psicose é exemplificada, por Barker, como um processo de naufrágio, no qual as experiências inundam essa constituição do navio, o domínio do eu. Diante desse panorama, se faz necessário o cuidado em saúde mental, pois esses sinais apontam que algo precisa ser feito, sendo as intervenções voltadas para ajudar a lidar com as águas da crise ou a submergir em direção às suas causas66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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O processo terapêutico oferece essa terra firme dentro da metáfora do Tidal Model, em que são construídas as narrativas que levarão a consciência necessária para a assimilação dessa experiência, ao reparo desse barco, para que volte ao oceano da experiência da vida. Aqui a água também representa tanto a dinâmica intrapsíquica, como interpessoal, guardando profundezas desconhecidas, monstros internos, tempestades, correntes de água forte e etc77. Barker P. From chaos to complex order: personal values and resources in the process of psychotherapy. Perspect Psychiatr Care. 2000;36(2):51-7. doi: https://doi.org/10.1111/j.1744-6163.2000.tb00691.x.
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Nesse contexto, o domínio do eu trata-se de um ambiente pessoal, íntimo, no qual a pessoa vivencia pensamentos, sensações, emoções, sendo o mundo privado onde os problemas mentais são vividos no âmbito da pessoa66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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Há uma correspondência desse conceito com outros construtos teóricos de diferentes abordagens psicológicas. Pode-se destacar as diferentes concepções sobre Self de autores como: Freud, Carl Jung, Carl Rogers, William James, Karl Jaspers e entre outros. As alterações desse campo do self podem se manifestar em perturbações psicóticas, que incluem: processos relacionados à perda da consciência da unidade do eu, da identidade do eu no tempo, dos limites entre o eu e o mundo, das alterações de sonorização do pensamento, eco do pensamento, roubo de pensamento, além das alterações sensoriais e somáticas11. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019..

A perspectiva da Psicologia Analítica de Carl Jung considera o ego como o centro da consciência e imerso em um inconsciente com um estrato pessoal e também coletivo. No contexto da psicose, a instância do ego sofre com invasões, que causam danos a esse ente integrado, cindindo-o e tornando-o permeável ao conteúdo do inconsciente pessoal e coletivo. A perda dessa integralidade resulta em um nível de desorganização psíquica1111. Jung CG. O eu e o inconsciente, vol. 7/2: dois escritos sobre psicologia analítica. Petrópolis: Vozes; 2011.

Consoante ao autor supracitado, destaca-se a importância do símbolo como uma representação das imagens do inconsciente, sendo ele dotado de uma grande carga afetiva. A pessoa com psicose, ao ser confrontada por esses conteúdos psíquicos de natureza pessoal e arquetípica, vê-se obrigada a lidar com a intensidade desse fenômeno. Jung trabalha uma noção que o ego está direcionado a tornar-se o Self (si-mesmo), nesse sentido, o indivíduo não está finalizado ou dado, mas em uma dinâmica progressiva voltada para tornar-se quem é.

Destaca-se que foi, predominantemente na abordagem da psicologia analítica, que a psiquiatra Nise da Silveira se tornou uma das maiores referências no campo da Saúde Mental Brasileira, tendo conhecido Carl Jung pessoalmente e aplicado muitos de seus conceitos em um cuidado humanizado, utilizando a arte e definindo sua prática como emoção de lidar22. Messias CL. Arte e psicanálise no tratamento da psicose: proximidades e diferenças entre a proposta de Nise da Silveira e Henry Bauchau. Temáticas. 2020;28(55):195-226. doi: https://doi.org/10.20396/tematicas.v28i55.14163.
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A noção do ego para a psicologia analítica possui paralelos com o domínio do eu no Tidal Model, considerando que ambas as definições dos conceitos parecem convergir para a noção de uma instância integrada do eu. Nesse sentido, a metáfora Tidal do naufrágio pode representar, de forma simbólica, acontecimentos em processos psíquicos. O estudo dessas representações simbólicas ganha destaque na abordagem da psicológica analítica, principalmente porque Jung desenvolve sua teoria a partir da psicose66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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,1111. Jung CG. O eu e o inconsciente, vol. 7/2: dois escritos sobre psicologia analítica. Petrópolis: Vozes; 2011.

Constata-se que o conceito do domínio do eu traz nuances importantes para a disciplina de Enfermagem em Saúde Mental, cabendo em diferentes aplicabilidades no fenômeno da psicose, principalmente a correlacionar-se com outros conceitos de teorias compartilhadas de outras disciplinas acadêmicas. É importante reforçar a necessidade de teorias práticas que fortaleçam esse campo assistencial, tornando a operacionalização dos conceitos uma realidade do cuidado clínico33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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,1212. McEwen M, Wills EM. Theoretical basis for nursing. 5. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2019..

Diante desses aspectos, percebe-se que a metáfora, a psicose e o domínio do eu são fenômenos com relações entre si, com importância tanto para a disciplina de enfermagem, como para outras áreas do conhecimento. Destaca-se a necessidade de mais estudos para explorar a relação desses conceitos para o contexto do cuidado clínico em saúde mental.

O TIDAL MODEL, A NÃO LINEARIDADE E A PSICOSE: SINERGISMOS COM A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL BRASILEIRA

A linguagem verbal e não verbal envolvida no atendimento da pessoa com psicose nem sempre tende ao aspecto linear, lógico e racional, ou seja, as desorganizações do pensamento, do discurso, as alucinações e as alterações de comportamento, exigem também formas não lineares de estar com a pessoa11. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019..

A teoria do Caos fundamenta diferentes conceitos envolvidos no Tidal Model, sendo importante para justificar esse olhar diferenciado para o contexto da psicose e a não linearidade dos seus fenômenos. Essa teoria considera que a realidade também possui um aspecto caótico, imprevisível e sem delimitações bem estabelecidas6,6. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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77. Barker P. From chaos to complex order: personal values and resources in the process of psychotherapy. Perspect Psychiatr Care. 2000;36(2):51-7. doi: https://doi.org/10.1111/j.1744-6163.2000.tb00691.x.
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Dentro dessa perspectiva, é possível perceber que o contexto da crise em saúde mental traz também à tona elementos novos sobre a experiência humana, não cabendo um olhar reducionista para esse fenômeno. Mesmo diante de situações desafiadoras, o enfermeiro deve continuar a investir na pessoa, que apesar de estar em um contexto de saúde que demanda cuidados imediatos, também continua a ser o centro dessa assistência44. Bag B. Tidal model in mental health and psychiatric nursing practices. Curr Approaches Psychiatry. 2019;11(4):547-60. doi: https://doi.org/10.18863/pgy.411672.
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É importante salientar que ultrapassado o contexto de crise, essa pessoa começa a vivenciar o cuidado de transição, no qual o enfermeiro ajuda a pessoa a preparar-se para ser inserida de volta ao meio em que vive, cabendo ao cuidado de desenvolvimento a efetivação desses cuidados em nível comunitário66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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Esses tipos de cuidado estabelecidos pelos autores66. Barker P, Buchanan-Barker P. El modelo Tidal: salud mental, reivindicación y recuperación [Internet]. Sevilla: Servicio Andaluz de Salud; 2007 [cited 2021 May 27]. Available from: https://www.1decada4.es/pluginfile.php/760/mod_label/intro/TidalManual_espaniol.pdf .
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são sinérgicos com o trabalho do enfermeiro no Brasil, principalmente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde desenvolvem-se ações territoriais, comunitárias, com ações multiprofissionais e também internamento. Essas ações possuem foco na promoção, proteção, tratamento e reabilitação psicossocial77. Barker P. From chaos to complex order: personal values and resources in the process of psychotherapy. Perspect Psychiatr Care. 2000;36(2):51-7. doi: https://doi.org/10.1111/j.1744-6163.2000.tb00691.x.
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Sabe-se que grande parte de pessoas que vivem com psicose é usuária dos CAPS, tendo em vista que, na maioria das vezes, as psicoses caracterizam transtornos mentais graves e persistentes. Outros serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) também prestam assistência às psicoses, como é o caso do Serviço Médico de Urgência e Emergência (SAMU), Hospitais Gerais com enfermarias especializadas, Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Unidades Básicas de Saúde (UBS) e entre outros.

A RAPS deve valorizar o cuidado em liberdade pautado em perspectivas do movimento da reforma psiquiátrica e do movimento da luta antimanicomial, que historicamente vem difundindo a necessidade de uma rede substitutiva de serviços comunitários em saúde mental. Esses movimentos marcaram transformações importantes nas políticas públicas em saúde do Brasil, pois se somaram a reforma sanitária, culminando com o processo de redemocratização e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela constituição federal de 19881010. Pitta AMF, Guljor AP. A violência da contrarreforma psiquiátrica no Brasil: um ataque à democracia em tempos de luta pelos direitos humanos e justiça social. Caderno CEAS. 2019;(246):6-14. doi: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14.
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Com isso, o Tidal Model fornece proposições que favorecem a humanização da assistência, o cuidado comunitário, a superação do paradigma biomédico, a inclusão social, além de sustentar conceitos que formam uma teoria centrada na pessoa e dela é proveniente todo processo terapêutico33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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Trata-se de uma teoria de enfermagem sensível ao contexto da saúde mental, que fornece embasamento para o cuidado de enfermagem dentro dessa especialidade, como preconizado pela Resolução 678/2021, além de ter aspectos convergentes com as políticas públicas de saúde mental, contemplando novos olhares para a prática do cuidado clínico de enfermagem99. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 678 de 19 de agosto de 2021. Aprova a atuação da Equipe de Enfermagem em Saúde Mental e em Enfermagem Psiquiátrica. Diário Oficial União. 2021 ago 26 [cited 2021 May 27];159(162 Seção 1):97. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/08/2021&jornal=515&pagina=97&totalArquivos=97 .
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As principais limitações do Tidal Model estão relacionadas ao reduzido número de publicações nacionais que divulgam experiências com a aplicabilidade da teoria e o baixo nível de evidência dos estudos encontrados33. Freitas RJM, Araujo JL, Moura NA, Oliveira GYM, Feitosa RMM, Monteiro ARM. Nursing care in mental health based on the Tidal Model: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180177. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0177.
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. Destaca-se que as estratégias e práticas dentro do campo da atenção psicossocial, no contexto da reforma psiquiátrica, são bastante amplas e diversas, transcendendo a disciplina de enfermagem e seu fazer específico, abrangendo um processo global de cuidado em saúde mental. Cabe ao Tidal Model ser adotado como mais um referencial na prática de enfermeiros no contexto da saúde mental.

Tendo como base o que foi apresentado durante o texto, viu-se a necessidade de explanar novamente sobre as proposições dos 10 compromissos do Tidal Model, mas agora voltado para o cuidado das pessoas que vivem com psicose.

Verifica-se que, no contexto da psicose, a pessoa continua a reivindicar pela sua capacidade de fazer o que precisa ser feito, continua precisando que sua voz seja valorizada, que o conteúdo da sua linguagem seja respeitado, inclusive a não verbal. A pessoa continua a tecer sua teoria pessoal, que pode conter aspectos não lógicos e não lineares. Necessita que o profissional continue a tornar-se o aprendiz, que valorize e identifique ferramentas de resolução intrínseca e ajude a dar um passo além, mesmo que os objetivos não estejam completamente estruturados e previsíveis.

O enfermeiro deve continuar a valorizar o tempo nessa relação terapêutica, desenvolvendo sua curiosidade genuína e entendendo que há sabedoria pessoal em diferentes níveis de insight. As mudanças constantes continuam acontecendo e elas devem influenciar nessa revelação da sabedoria pessoal que precisa ser conscientizada. Além disso, a pessoa com psicose precisa dessa relação transparente com o enfermeiro, para que seja viabilizado o seu valor e autonomia, e, também, para efetivar o cuidado centrado em quem ela é e não em seus diagnósticos, sinais e sintomas.

É necessário também reconhecer que a implementação dessas proposições não se trata de um processo fácil e que em alguns momentos ultrapassa a governabilidade individual do enfermeiro, no entanto, o processo terapêutico é uma formalização particular de relação humana e necessita de apoio da gestão, uma estrutura adequada e demais fatores envolvidos na efetivação das práticas de enfermagem88. Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolim KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco. 2019;10(3):64-9. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291.
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,1010. Pitta AMF, Guljor AP. A violência da contrarreforma psiquiátrica no Brasil: um ataque à democracia em tempos de luta pelos direitos humanos e justiça social. Caderno CEAS. 2019;(246):6-14. doi: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou refletir sobre o conceito de psicose usando o Tidal Model, com isso, tornou-se perceptível que o referencial teórico consegue abranger o conceito de psicose em diferentes nuances, além de ser sinérgico aos aspectos da reforma psiquiátrica e as políticas de saúde mental do Brasil. Esses elementos caracterizam o potencial que o Tidal Model tem para ser inserido na prática assistencial no contexto da pessoa com psicose.

As principais limitações estão relacionadas ao fato desta reflexão teórica apresentar aproximações iniciais e gerais sobre a relação entre o conceito de psicose e o Tidal Model, sendo necessário o aprofundamento desse conhecimento no contexto específico da prática assistencial voltada à pessoa com psicose, por meio do desenvolvimento de uma análise de conceito e uma derivação teórica, partindo do Tidal Model. Destaca-se também a necessidade de que mais estudos, utilizando o Tidal Model na prática clínica, sejam relatados na literatura nacional, além de pesquisas que ampliem o nível de evidência da teoria.

Portanto, nota-se a importância da disciplina de Enfermagem em Saúde Mental ser fortalecida pelas teorias de enfermagem, sendo o Tidal Model uma das possibilidades estratégicas para melhorar a prática clínica do enfermeiro na especialidade de saúde mental, especialmente para pessoas com psicose.

Agradecimentos:

Pela bolsa de mestrado concedida pela Função Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), processo: BMD-0008-02239.01.04/2021.

REFERENCES

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  • 8. Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolim KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco. 2019;10(3):64-9. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291
    » https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n3.2291
  • 9. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 678 de 19 de agosto de 2021. Aprova a atuação da Equipe de Enfermagem em Saúde Mental e em Enfermagem Psiquiátrica. Diário Oficial União. 2021 ago 26 [cited 2021 May 27];159(162 Seção 1):97. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/08/2021&jornal=515&pagina=97&totalArquivos=97
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  • 10. Pitta AMF, Guljor AP. A violência da contrarreforma psiquiátrica no Brasil: um ataque à democracia em tempos de luta pelos direitos humanos e justiça social. Caderno CEAS. 2019;(246):6-14. doi: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14
    » https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p6-14
  • 11. Jung CG. O eu e o inconsciente, vol. 7/2: dois escritos sobre psicologia analítica. Petrópolis: Vozes; 2011
  • 12. McEwen M, Wills EM. Theoretical basis for nursing. 5. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2019.

Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Aceito
    20 Jun 2022
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