Referencial fenomenológico nas pesquisas brasileiras de enfermagem a nível stricto sensu: panorama brasileiro

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar a produção científica stricto sensu da enfermagem brasileira que utilizou referencial fenomenológico.

Método:

Estudo descritivo-exploratório de caráter documental realizado a partir do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES no período de janeiro a abril de 2022.

Resultados:

A amostra foi constituída por 600 dissertações e teses, com predomínio do referencial heideggeriano, seguido de Schütz e Merleau-ponty. As temáticas se concentraram no cuidado de enfermagem em saúde da mulher, saúde mental, enfermagem pediátrica e do adolescente, enfermagem oncológica, enfermagem obstétrica, Atenção Primária à Saúde, família, e educação em enfermagem.

Conclusão:

A fenomenologia se apresenta como um referencial potente para o desvelamento dos fenômenos de interesse da enfermagem, contribuindo para a construção do conhecimento sobre o ser que cuida, o ser que é cuidado e o próprio cuidado em si.

Palavras-chave:
Pesquisa em enfermagem; Filosofia em enfermagem; Educação de pós-graduação em enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To characterize the stricto sensu scientific production of Brazilian nursing that resorts to phenomenological theoretical frameworks.

Method:

Descriptive, exploratory, and document study carried out using the CAPES catalog of theses and dissertations from January to April 2022.

Result:

The sample included 600 dissertations and theses, with a predominance of the Heideggerian framework, followed by Schütz and Merleau-Ponty. Topics discussed included nursing care in women's health, mental health, pediatric and adolescent nursing, oncology nursing, obstetric nursing, Primary Health Care, as well as family and nursing education.

Conclusion:

Phenomenology was found to be a powerful reference for the unveiling of the phenomena of interest to the field of nursing, contributing to the construction of knowledge about the being who cares, the being who is cared for, and the care itself.

Keywords:
Nursing Research. Philosophy; Nursing. Education; Nursing; Graduate

RESUMEN

Objetivo:

Caracterizar la producción científica stricto sensu de enfermeros brasileños que utiliza encuadres teóricos de la fenomenología.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio y documental hecho por medio de pesquisas en el catálogo de tesis y disertaciones de la CAPES, de enero a abril de 2022.

Resultado:

La muestra incluyo 600 disertaciones y tesis, con una predominancia de referencias a Heidegger, seguido por Schütz y Merleau-Ponty. Los temas discutidos incluyeran cuidados de enfermería en salud de la mujer, salud mental, enfermería pediátrica y adolescente, enfermería oncológica, enfermería obstétrica, Atención Primaria a la Salud, así como enfermería de la familia y educación en enfermería.

Conclusión:

La fenomenologíase ha mostrado una poderosa referencia para desvelar a los fenómenos de interés para el campo de la enfermería, así contribuyendo para la construcción del conocimiento sobre el ser que cuida, el ser que recibe cuidado, y el cuidado mismo.

Palabras-clave:
Investigación en Enfermería; Filosofía en Enfermería; Educación de Postgrado en Enfermería

INTRODUÇÃO

Toda experiência humana é passível de ser estudada, interpretada e compreendida, sendo necessário, para a interpretação, o conhecimento da experiência em si própria na perspectiva do ser. A experiência vivida é o que acontece na cotidianidade do ser humano, logo, tudo que acontece corresponde a um fenômeno, e, portanto, pode ser abordado com uma visão fenomenológica1.

A utilização do referencial fenomenológico em pesquisas qualitativas desenvolvidas pela enfermagem possibilita o desvelamento do vivido pelo ser, desnudando as múltiplas facetas de um existir fáctico. A clarificação de determinado fenômeno e sua compreensão se dá a partir da volta às coisas mesmas, ao ser-aí2.

Em virtude da profundidade de sua abordagem na tentativa de compreender os fenômenos, a fenomenologia ganhou espaço e notoriedade nos cenários das pesquisas qualitativas, sobretudo, por apresentar em seu arcabouço conceitual a possibilidade de ir além do que se vê em uma investigação. Nesse sentido, o foco de sua preocupação reside em evidenciar aquilo que se mostra pelos sentidos, por meio da consciência que se manifesta como um ato intencional dos sujeitos sociais3.

As pesquisas da área da enfermagem têm incorporado significativamente referências da fenomenologia, em busca de melhor compreender os fenômenos e esclarecer dilemas que circundam cenários e contextos inerentes à prática. São estudos importantes, que poderão subsidiar processos reflexivos acerca das necessidades de transformações, iniciativas e melhorias na assistência de enfermagem à saúde4^-6.

Enquanto corrente filosófica, a fenomenologia se constitui a partir da contribuição de diferentes teóricos que, com seus pressupostos, originaram as diferentes correntes de pensamento fenomenológico. No campo dos teóricos, destacam-se Edmund Husserl, o qual defendia que os fenômenos são entendidos pela representação que a consciência faz do mundo7, desenvolvendo a fenomenologia como um método de apreensão das coisas em sua essência; Martin Heidegger, com a tese de uma fenomenologia ontológica que destaca o ser do ente humano; Maurice Merleau-Ponty, que apresentou discussões sobre a corporeidade; e Alfred Schütz, com uma abordagem sobre a fenomenologia sociológica inspirada em Husserl e Max Webber5.

Enquanto método de pesquisa, a fenomenologia é um caminho, ou uma atitude do pesquisador para acessar a essência das coisas5. No âmbito da pesquisa fenomenológica em enfermagem, o enfermeiro deve considerar o fenômeno como algo vivenciado, que aparece no mundo e ao qual são atribuídos significados. Dessa forma, ele deve reconhecer a busca pelo fortalecimento da fenomenologia como método de pesquisa, o que requer consistência na formulação de projetos na disciplina, que permitam desenvolvimento contínuo e bem fundamentado, de forma a preservar a essência de ir às coisas mesmas e o entendimento do ser que está imbricado no processo de cuidar1.

Apesar dessa consideração, observa-se que ainda existem lacunas na incorporação de referenciais filosóficos como a fenomenologia para subsidiar a prática do enfermeiro. Por conseguinte, destaca-se a potencialidade do presente estudo, pois, a partir da apresentação do panorama de produção da enfermagem em nível stricto sensu, pode-se subsidiar o direcionamento de áreas estratégicas dentro da enfermagem que sejam mais capazes de beneficiar-se de intelecções fenomenológicas para aprimoramento do cuidado. Além disso, destaca-se o potencial de indicar caminhos não percorridos, que podem ser potencialmente explorados pela abordagem compreensiva.

Diante do exposto, emerge a questão principal deste estudo: como se caracteriza a utilização do referencial fenomenológico nas pesquisas de nível stricto sensu desenvolvidas pela enfermagem brasileira? Objetivou-se caracterizar a produção científica stricto sensu da enfermagem brasileira que utilizou referencial fenomenológico.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de caráter documental, com a finalidade de evidenciar as características da produção científica stricto sensu da enfermagem brasileira desenvolvida com base no referencial fenomenológico. A operacionalização das etapas se deu mediante buscas no catálogo elencado, seleção das teses e dissertações que compuseram a amostra, criação do banco de dados com informações desses relatórios de pesquisa, e sua análise. Utilizou-se como fonte de dados o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que abriga todos os relatórios das pesquisas produzidas e defendidas em instituições de nível superior (IES) do país.

A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a abril de 2022, e foi realizada por dois pesquisadores independentes. Para tanto, foram utilizados como termos de busca nomes de autores de referência de diversas correntes fenomenológicas, sendo os seguintes: Alfred Schütz, Edmund Husserl, Jean-Paul Sartre, Judith Stein, Martin Bubber, Martin Heidegger, Joel Martins e Maria Aparecida Bicudo, Maurice Merleau-Ponty, Max Van Manen, Michel Henry, Michel Maffesoli, Paul Ricoeur, Viktor Frankl, e Pierre Vermersch. Utilizou-se, ainda, o termo “fenomenologia”, com vistas a captar os estudos que escapassem à estratégia utilizada com base nos nomes dos teóricos, uma vez que a identificação dos autores e/ou corrente teórica nem sempre se apresentava disponível nos títulos ou resumos dos estudos. Assim, as buscas foram realizadas com cada termo chave isolado, com exceção apenas para as buscas utilizando o referencial de Joel Martins e Maria Aparecida Bicudo, em que foi utilizada a combinação (“Martins e Bicudo”) AND (“Fenomenologia”).

A filtragem das buscas foi realizada mediante a aplicação dos filtros disponíveis na plataforma utilizada: grau acadêmico (mestrado, mestrado profissional e doutorado) e área de conhecimento (enfermagem). A composição da amostra incluiu os relatórios de pesquisa (teses e dissertações) sem recorte temporal, disponíveis para acesso na íntegra na plataforma, e, ainda, aquelas que, apesar de terem tido seus títulos e resumos recuperados no catálogo por meio da estratégia de busca, foram extraídas diretamente dos repositórios institucionais, visto que o catálogo não abrange os estudos defendidos antes de 2012 (ano de criação da Plataforma Sucupira), e, em alguns casos, apresenta falhas na extração de estudos mesmo publicizados após esse ano. Foram excluídas as teses e dissertações cuja recuperação não foi possível.

Após a busca inicial e aplicação dos filtros, foram excluídas as produções repetidas e, em seguida, realizada a leitura dos títulos e resumos para seleção dos estudos de interesse. Na etapa seguinte, fez-se a leitura flutuante dos textos completos, com o intuito de verificar o alinhamento com o objeto deste estudo, sendo excluídos os não relacionados. Todos os passos foram percorridos manualmente pelos pesquisadores, com a construção de planilhas para operacionalização e verificação da concordância dos estudos incluídos. Posteriormente, com a amostra já definida, foram extraídas as seguintes variáveis para as análises estatísticas descritivas, utilizando-se o software Microsoft Excel 2013^®: ano de defesa, nível acadêmico, IES de vinculação do autor, e referencial fenomenológico utilizado. A apresentação desses dados se deu de forma descritiva (distribuição de frequências), tabular e gráfica.

As palavras-chave dos resumos dos relatórios de pesquisa que compuseram a amostra também foram extraídas para integrar um corpus textual, o qual foi submetido à análise estatística textual por meio do software Iramuteq^® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), com vistas a realizar uma análise exploratória dos temas abordados nos estudos. Os resultados dessa análise foram apresentados por meio de uma síntese descritiva e de figuras representadas por nuvens de palavras.

Quanto aos aspectos éticos, este estudo dispensou apreciação por um Comitê de Ética em Pesquisa dada a utilização de dados de domínio livre, conforme os pressupostos da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída por 600 dissertações e teses. A figura 1 esquematiza o processo de seleção dos estudos e o quantitativo recuperado por meio da utilização de cada termo.

Figura 1
Etapas percorridas para a constituição da amostra do estudo. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2022

Constatou-se predominância de estudos do tipo dissertação de mestrado, correspondendo a 64,8% (n = 389) da amostra, seguidos por teses de doutorado, com 33% (n = 198). Os estudos desenvolvidos em mestrados profissionais utilizando referenciais fenomenológicos foram pouco expressivos, o equivalente a 2,2% (n = 13) do total. Em relação ao referencial utilizado, observou-se prevalência do referencial heideggeriano, seguido do de Schütz e Merleau-Ponty. No quadro 1, além de uma síntese temática do pensamento de cada teórico, realizada a partir das dissertações e teses que compuseram a amostra, apresenta-se a quantidade de estudos por referencial, distribuídos conforme o tipo, ano inicial (correspondente ao ano em que o primeiro estudo da amostra utilizou determinado referencial) e ano final (último ano em que houve a detecção da produção de estudos sob o referencial em questão).

Quadro 1
Caracterização dos documentos quanto ao nível (mestrado, doutorado e mestrado profissional), ano inicial e final, e pressupostos teóricos dos autores da corrente fenomenológica. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2022

REFERENCIAL	NÍVEL			ANO		Pressupostos teóricos
	M*	MP†	D‡	Inicial	Final
Buber	01	00	01	1998	2007	Preocupa-se, fundamentalmente, com a corresponsabilidade entre a reflexão e a ação, entre o experienciado e o vivido, entre o logos e a práxis; volta-se para o sentido da existência humana em todas as suas manifestações, em relação de dialogicidade e permeada por responsabilidade ética, em busca de propiciar uma reflexão da reflexão e despertar para um compromisso com a vida e com a experiência vivenciada.
Frankl	14	00	06	1992	2016	Concentra-se na logoterapia, escola psicológica de caráter plurifacetado, de cunho fenomenológico-existencial e humanista, como uma forma de encontrar um sentido existencial para cada indivíduo no seu contexto, na sua existência, pois seria a busca de sentido que direciona a vida do ser. Possui na finitude da vida um dos aspectos essenciais da existência humana.
Heidegger	144	00	78	1990	2022	Reconhece a fenomenologia como conceito e método. A questão do ser representa a essência, e transcende o ente, aquilo que se vislumbra quando se olha para alguém. Apresenta o ser-aí (Dasein), uma forma de indicar que o ser só é a partir das maneiras pelas quais ele se manifesta, dos seus modos de ser-no-mundo, que caracteriza uma condição do ser que existe enquanto consciente da sua presença no mundo e no tempo. Analisa a forma como o ser vivencia as próprias experiências conforme se conscientiza do seu estar-lançado-no-mundo. Ainda, o tempo representa um conceito central na fenomenologia heideggeriana, pois a temporalidade se constitui em uma condição ontológica para poder compreender o que é ser.
Husserl	03	00	01	2004	2014	Considerado o principal precursor da fenomenologia. Defendia a construção de uma ciência para as experiências vivenciadas, uma análise das essências a partir de uma “volta às coisas mesmas”, em busca de alcançar a visualização do fenômeno a partir da sua própria realidade, a coisa em si, em seu estado original, sendo preciso, para tanto, realizar uma suspensão (epoché) provisória, suprimindo convicções, julgamentos e conceitos pré-concebidos. Entende fenômeno como tudo que aparece à consciência, e toda consciência como consciência de algo.
Maffesoli	17	00	08	1995	2012	Considera uma lógica existencialista que engloba todo o desvelamento diário e constante da história cotidiana, e não apenas uma situação momentânea, focalizando fenômenos habituais nunca encarados em sua essência e singularidade. Destaca os pressupostos de uma sociologia compreensiva que valoriza o vivido que se constrói diariamente de forma dinâmica, buscando a inteligibilidade e a compreensão como aspectos intrínsecos dos fenômenos sociais, separados dos fenômenos naturais pelos conceitos de intencionalidade e significado.
Martins e Bicudo	10	02	01	1995	2021	Focalizam a análise da estrutura do fenômeno situado, em que a essência dos fenômenos se encontra nas descrições (nas quais estão localizadas essências e intencionalidades) provenientes dos sujeitos e que se referem às experiências vivenciadas. Isso envolve as análises idiográfica, em que se analisa a ideologia que perpassa as descrições ingênuas do sujeito mediante símbolos que representam ideias; e nomotética, que se relaciona à elaboração de leis, e, portanto, permite a saída do específico para o geral.
Max Scheler	01	00	00	2008	2008	Toma a fenomenologia como enfoque (e não como método), procedimento do pensar e contemplação, distanciando-se do rigor husserliano. Salienta que a fenomenologia busca a apreensão dos fenômenos mediante a apreensão das essências e de suas correlações essenciais produzidas no mundo, que diferem dos fatos contingentes e empíricos.
Merleau-Ponty	62	11	27	1992	2021	Compreende a consciência como percepção, a qual se encontra relacionada à atitude do corpo, campo criador dos sentidos e veículo do ser no mundo. Além disso, faz interface entre o conceito de estar no mundo e a expressão da experiência do mundo vivido mediante o corpo, considerando-o como lugar onde o sensível se torna objeto de conhecimento e lugar de manifestação da subjetividade.
Patricia Benner	01	00	01	2019	2020	Sustenta a tese de uma fenomenologia interpretativa, que representa um entendimento de práticas, habilidades e experiências cotidianas, retratando o indivíduo na situação e preservando o contexto e os significados do mundo vida. O fenômeno e o contexto no qual se inserem desenham um projeto interpretativo do mundo dos sujeitos, e tal contexto pode ser acessado mediante a criação de uma relação dialógica entre vivências e preocupações práticas.
Ricoeur	10	00	02	1997	2018	Os pressupostos dos estudos sob esse referencial voltam-se para uma ontologia hermenêutica, considerada a ciência de toda a compreensão linguística, em busca de compreender o sentido do ser mediante sua expressão no mundo, sendo que a interpretação dos fenômenos se situa entre as experiências vivenciadas e a linguagem (pensada não a partir do que diz, e sim do que esconde).
Sartre	01	00	00	2008	2008	Considera importante a relação fenomênica entre o mundo e o homem, assim como da sua ação situada no mundo, conferindo atenção para os dados factíveis dos fenômenos, mediante a compreensão de que a essência é precedida pela existência.
Schütz	125	00	69	1993	2021	Fundamenta uma fenomenologia de cunho sociológico, uma abordagem compreensiva para um fato social. Possui no cenário onde os sujeitos vivem, a constituição do mundo cotidiano, no qual os homens se transformam continuamente e alteram as estruturas sociais. Compreende as ações dos sujeitos no mundo social ancorando-se nas relações intersubjetivas construídas nas experiências do cotidiano.
Stein	00	00	02	2009	2009	Busca fazer uma análise da experiência do ser como origem do conhecimento do eu, e considera que a existência concreta do homem é a fonte da sua vivência, reconhecendo que no ser humano existe um indivíduo espiritual que o liga ao mundo. Aborda interseções entre filosofia e religião, analisando questões teológicas filosoficamente.
Van Manen	00	00	02	2015	2019	Volta-se para uma fenomenologia da prática, a qual se interessa pelo modo como os seres humanos agem e se relacionam como pessoas que estão no mundo, considerando a experiência vivida como ponto de origem e de chegada na pesquisa fenomenológica. Congrega elementos fenomenológicos hermenêuticos e descritivos.

• Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.
• ^*
  Mestrado; ^†Mestrado profissional; ^‡Doutorado.

No que se refere às temáticas mais evidenciadas nos estudos fenomenológicos, identificou-se certa variabilidade, contudo, de acordo com as palavras-chave analisadas, os temas relacionados ao cuidado de enfermagem em saúde da mulher, saúde mental, enfermagem pediátrica e do adolescente, enfermagem oncológica e cuidados paliativos, Atenção Primária à Saúde (APS) e em saúde da família se destacaram, conforme pode ser visualizado na figura 2.

Figura 2 -
Nuvem de palavras das temáticas de estudo das teses e dissertações. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2022.

Dado o corpo mais expoente de estudos que utilizaram o referencial de Martin Heidegger e Alfred Schütz, optou-se por apresentar uma análise exploratória mais pormenorizada dos estudos produzidos à luz desses autores.

Os estudos que utilizaram o referencial heiddegeriano se concentraram na Região Sudeste do país, com maior expressão de produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seguida pela Universidade de São Paulo. Predominaram estudos de dissertação de mestrado. Quanto ao quadro temático, notou-se recorrência de temas como saúde da mulher, enfermagem pediátrica e enfermagem oncológica, saúde do adolescente, família e cuidados paliativos, conforme apresentado na figura 3.

Figura 3 -
Caracterização dos documentos conforme região em que foram desenvolvidos e abordagem de temáticas com o referencial de Martin Heidegger. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2022

No que concerne à Schütz, de semelhante maneira, destaca-se maior expressão da produção de estudos com esse referencial na região Sudeste do país, sobretudo na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Nas regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste, os centros com produção mais expressiva foram, respectivamente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade Estadual do Ceará e a Universidade Federal de Mato Grosso. Com relação à produção temática, a nuvem de palavras a seguir destacou o cuidado de enfermagem relacionado a temas como saúde mental, saúde da mulher e da criança, APS, família, enfermagem psiquiátrica dentre outros, conforme esquematizado na figura 4.

Figura 4 -
Caracterização dos documentos conforme região em que foram desenvolvidos e abordagem de temáticas com o referencial de Alfred Schutz. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2022

Em relação aos demais referenciais utilizados nos relatórios de pesquisa, as pesquisas ancoradas nos pressupostos de Buber abordaram as temáticas materno-infantil, com enfoques na compreensão do que é ser familiar de criança com aids, e no cuidado de enfermagem à mulher e família durante o processo de nascimento. Os estudos foram desenvolvidos exclusivamente na Região Sul do país, nas universidades federais de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

As pesquisas desenvolvidas tendo como guia o referencial de Husserl enfatizaram os significados de ser paciente oncológico, e a vivência do familiar cuidador do idoso acometido pela doença de Alzheimer, sendo os estudos desenvolvidos nas Regiões Centro-Oeste, na Universidade Federal de Goiás, e Sudeste, na Universidade Federal Fluminense.

Os estudos com o referencial de Maffesoli, por sua vez, destacaram a compreensão da vivência e do cotidiano dos enfermeiros, dentro outros temas. Foram abordadas temáticas como a prática administrativa, o cotidiano do enfermeiro em hospital universitário e no centro cirúrgico, a dinâmica das relações familiares, o cotidiano daquelas que vivenciam casos de violência contra crianças e adolescentes, o processo de educação em saúde vivenciado pelo paciente diabético, a manifestação da sexualidade em suas dimensões pessoal, social e profissional no cotidiano de enfermeiras, o cuidado de enfermagem apoiado na razão sensível e congruente com a cultura do paciente, além do imaginário de técnicos de enfermagem sobre a promoção da saúde. A produção desses estudos predominou na Região Sul, seguida pela Região Sudeste do país, concentrando-se nas universidades federais de Santa Catarina e de Minas Gerais, respectivamente. Em relação aos anos de defesa, a maior parte foi defendida nos anos de 2002, 2007 e 2009.

Quanto aos estudos sob o referencial de Martins e Bicudo, expoentes da pesquisa fenomenológica no Brasil, cujas ideias se baseiam, entre outros teóricos, na fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty, verificou-se que foram principalmente desenvolvidos no Sudeste do país, majoritariamente na Universidade Federal de Minas Gerais. Outros centros que produziram pesquisas baseadas nos referidos autores foram a Universidade Federal de Feira de Santana e a Universidade de São Paulo. O quadro de temas abordados nos estudos envolveu a compreensão materna acerca do filho com cardiopatia congênita e aqueles que passaram por tratamento oncológico; a compreensão sobre a tentativa de autoextermínio entre jovens e adolescentes; o significado do atendimento ao adolescente na perspectiva de profissionais de saúde da Atenção Primária; e a compreensão acerca da tomada de decisão pelas enfermeiras perante conflitos éticos vivenciados no âmbito do acolhimento e classificação de risco, por exemplo.

A utilização do referencial hermenêutico-fenomenológico de Ricoeur, por seu turno, deu enfoque à compreensão do cuidado/processo de cuidar em diferentes perspectivas, desde o cuidado hospitalar e particularmente na unidade de terapia intensiva, ao cuidado ao neonato, e ao cuidado de si. Foram abordadas, ainda, temáticas como a internação psiquiátrica; o desvelamento do mundo vivido por meninos em situação de rua; e o significado da formação com ênfase em saúde pública para o estudante de enfermagem. Os estudos foram desenvolvidos, principalmente, no sul do Brasil, especialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com defesa mais expressiva no período de 2003 a 2008.

Em relação a Sartre, sua fenomenologia foi utilizada como referencial para explorar a compreensão das condições de vida de mulheres alcoolistas e sua percepção, assim como os fenômenos relacionados ao alcoolismo e os sentidos dessa realidade. O único estudo identificado foi uma dissertação de mestrado desenvolvida na Universidade de São Paulo e defendida em 2008. Assim como o referencial Sartreano, a fenomenologia de Stein foi identificada como quadro teórico de apenas um estudo, que versa sobre a compreensão vivencial da fé e da religiosidade de pacientes com câncer, discutindo ainda as formas como profissionais de saúde significam esse fenômeno. Trata-se de uma tese de doutorado produzida também na Universidade de São Paulo, com defesa em 2009.

No que concerne ao referencial de Max Van Manen, foram identificadas duas teses de doutoramento que se ancoraram na filosofia do autor, defendidas entre 2015 e 2019, nas universidades federais de Santa Catarina e Mato Grosso, respectivamente. Os estudos se encontram relacionados à experiência da empatia vivenciada por enfermeiras neonatais e seus familiares, e à compreensão da experiência vivida por mulheres com complicações puerperais durante a amamentação.

No que se refere ao referencial de Viktor Frankl, foi mais utilizado na Região Nordeste do país, tendo a Universidade Federal da Bahia concentrado cerca de 50% dos estudos produzidos. A Universidade de São Paulo também teve destaque na produção de estudos utilizando esse referencial. Os anos com o maior número de produções sustentadas na perspectiva desse referencial foram 2005 e 2016. Os estudos ancorados em Frankl exploraram significados e sentidos de diversos fenômenos, destacando a análise existencial e a tríade trágica. Constituíram alguns dos fenômenos abordados: o sentido do cuidado de enfermagem para o ser com câncer; o significado da vivência da responsabilidade profissional da enfermeira; o sentido de espiritualidade para a integralidade da atenção à pessoa em cuidados paliativos; as ações de enfermagem que subsidiam a preservação da saúde mental de pessoas com aids; a vivência do cuidado de enfermagem na dimensão espiritual do ser humano por estudantes de graduação em enfermagem; a compreensão da trajetória de resiliência e o encontro de sentido por mães que vivenciaram o adoecimento do filho por câncer; e o entendimento do sentido de tornar-se responsável pelo cuidado nas vivências de estudantes de enfermagem.

Por fim, a utilização de Max Scheler e Patricia Benner foi evidenciada em três estudos. A dissertação utilizando Scheler foi defendida em 2008, na Universidade Federal da Paraíba, e abordou a compreensão de docentes de enfermagem sobre os valores éticos e sua disseminação na formação em enfermagem. Benner, por sua vez, foi utilizada como quadro teórico em uma tese de doutorado defendida em 2020 na Universidade de São Paulo e em uma dissertação de mestrado defendida em 2019 na Universidade de Brasília. Esses estudos investigaram, respectivamente, a vivência moral de familiares de crianças e adolescentes assistidos por tecnologias em âmbito domiciliar e a experiência familiar no convívio com crianças e adolescentes com disfunção intestinal e vesical em acompanhamento ambulatorial.

DISCUSSÃO

Há décadas os estudos de enfermagem se baseiam na tradição filosófica da fenomenologia ao desenvolver e assegurar seus fundamentos teóricos e sua própria metodologia8. Nesse sentido, no Brasil, a enfermagem se destaca entre os campos da saúde que buscam evidenciar o ‘como’ dos objetos e entes que fazem parte da vida5. Assim, o desenvolvimento de pesquisas em enfermagem que buscam aproximar-se da abordagem fenomenológica tem contribuído para a prática profissional, em especial para o alcance daqueles que procuram, no sentido da compreensão do ser, uma aproximação com o cuidado autêntico9.

O enfoque fenomenológico compreende o ser humano enquanto ser lançado no mundo, sendo presente e presença. A abordagem possibilita compreender o ser em sua subjetividade, enquanto ser ex-sistencial, valorizando-o e possibilitando constituir-se como presença no lidar com o outro e considerá-lo em sua vivência, a sua maneira, o ser-em-si9. Nessa perspectiva, uma vez que lida com questões existenciais dos seres humanos dos quais cuida cotidianamente, a fenomenologia oferece uma relevante contribuição para o fazer e o pensar da enfermagem, visto que a compreensão da realidade do cotidiano requer a capacidade de mergulhar na subjetividade e sua essência, sem, contudo, perder de vista a objetividade que a permeia10.

No estudo em tela, a notoriedade da fenomenologia para as pesquisas em enfermagem foi corroborada pelo número considerável de dissertações e teses que utilizaram esse referencial. O maior quantitativo de estudos ancorados respectivamente em Heidegger, Schütz e Merleau-Ponty é uma tendência na enfermagem já constatada desde a década de 200011. A incorporação de diversos outros teóricos demonstra grande capacidade da enfermagem na articulação do conhecimento teórico-filosófico com a prática, sinalizando a busca pelo fortalecimento do cuidado e pela translação do saber construído a nível stricto sensu.

O principal reduto, em termos numéricos, de utilização do referencial fenomenológico foi a Região Sudeste do Brasil, com destaque para a Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Isso pode ser explicado pelo número inferior de cursos de pós-graduação a nível stricto sensu nas demais regiões, assim como pela valorização e dificuldade de fomento para estudos que utilizam essa abordagem, o que influencia a escolha do caminho metodológico para o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado ou doutorado12.

No que concerne aos teóricos utilizados como referenciais fenomenológicos, o destaque para Heidegger se relaciona ao fato da visão do filósofo constituir-se como um método de pesquisa que tem sido empregado na área da saúde, sobretudo na enfermagem, por possibilitar a compreensão dos variados fenômenos vivenciados pelos sujeitos tendo em vista que o cuidado se trata de um fenômeno complexo que envolve a intersubjetividade1. A fenomenologia de Schütz, por sua vez, viabiliza uma maneira de pensar, fundamentar e desenvolver a pesquisa e o cuidado de enfermagem, norteando-se a partir das relações sociais estabelecidas no mundo da vida, também valorizando, por outro lado, a dimensão intersubjetiva do cuidado, traduzindo-o como a mais originária das relações existentes entre os humanos4.

A fenomenologia de Merleau-Ponty, por seu turno, contribui para o desenvolvimento de estudos que almejam o aprimoramento da prática assistencial de enfermagem tendo como base filosófica a exploração de vivências e experiências dos sujeitos, em uma perspectiva que enfoca o corpo humano como origem do conhecimento3. O panorama de produção stricto sensu da enfermagem à luz desse teórico foi recentemente realizado por pesquisadores13, que constataram predomínio de estudos do tipo dissertação de mestrado, desenvolvidos nas Regiões Sudeste e Sul do país, centralizados, sobretudo, na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal de Santa Catarina. O quadro temático de estudos à luz desse referencial envolveu temas como percepção, espiritualidade, família e adolescência. Destaca-se que foi o referencial no qual se ancorou a maioria das dissertações desenvolvidas em mestrados profissionais que utilizaram a abordagem fenomenológica.

Cumpre-se mencionar que devido a suas características intrínsecas, o referencial fenomenológico possui maior adesão pelos programas acadêmicos, e a maior utilização de Merleau-Ponty no âmbito dos programas de mestrado profissionais não implica em afirmar que se trata de uma escolha por um referencial menos complexo, mas pode indicar uma dificuldade dos enfermeiros em pensar em intervenções voltadas para problemas da prática (o que geralmente é feito nos mestrados profissionais), ancoradas em referenciais fenomenológicos. Destaca-se, contudo, que as pesquisas no campo da enfermagem têm utilizado a fenomenologia como referencial teórico e com método para as mais diversas problemáticas14.

Maffesoli, Frankl e Ricoeur representam outros teóricos que se destacam nas dissertações e teses analisadas. O pensamento do primeiro contribui para a construção do conhecimento na saúde e enfermagem e indica caminhos nas dimensões do cuidado no campo acadêmico e profissional a partir do cotidiano dos indivíduos. Tal visão permite ressignificar o cuidado para além da técnica, e chamar atenção para as diferentes nuances do viver e do conviver, de maneira a abandonar o desenvolvimento para envolver-se com um cuidado afetivo, que toca, e é, portanto, efetivo15.

Já o referencial de Frankl volta-se para a análise existencial e possibilita o reconhecimento pela enfermagem de processos de intervenção com características integrais no sentido de considerar o biopsicoespiritual. Dessa forma, propicia formas mais humanas de exercer o cuidado, com enfoque não somente no sentido biológico da vida, mas também em busca do sentido espiritual16.

No que concerne ao referencial de Ricoeur, o qual se fundamenta em uma fenomenologia hermenêutica que, no âmbito da enfermagem, revela outros caminhos, sentidos, e olhares da práxis da enfermagem. A hermenêutica ricoeuriana aponta para um esforço efetivo na busca da compreensão do eu e da realidade na qual ele se encontra vivendo, o que ocorre em um recorte histórico e temporal, sendo necessário, para tanto, uma análise do que se encontra dito/escrito em um determinado tempo, em uma história e cultura, pressupondo que expressões ou textos podem ser ditos ou reescritos de maneiras distintas, uma vez que sempre haverá diferentes interpretações17.

Com relação ao quadro temático, os principais temas constatados corroboram outro estudo de revisão, sendo apontados como recorrentes à luz da fenomenologia especialmente os relacionados à saúde da mulher, à saúde da criança e à saúde mental, os quais demonstraram maior apropriação. Temas como violência contra a mulher, APS e cuidado também apresentaram forte tendência em pesquisa anterior, de maneira similar a este estudo18. Outro estudo, realizado em Portugal a partir da análise de referenciais fenomenológicos utilizados em teses de doutoramento em enfermagem, apontou o tema relacionado à saúde oncológica como recorrente, assim como saúde mental e saúde reprodutiva19.

Infere-se que o destaque obtido pela temática saúde da mulher evidenciado nesta investigação ratifica o pensamento de alguns autores, segundo os quais o cuidado de enfermagem às mulheres, alicerçado nas contribuições da fenomenologia, objetiva o entendimento da solicitude que é o modo de ser com o outro, além de fornecer visibilidade à essência do modo de ser e estar no mundo, compreendido como uma arte prematura, que intenciona importar-se com a realização de algo ou mesmo com o cuidado6. Nessa perspectiva, buscar a essência se faz premente, pois permite que a mulher seja atendida holisticamente e compreendida a partir da facticidade, favorecendo o exercício de um cuidado integral, conforme preconizado pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher6.

No âmbito da saúde mental, a importância da fenomenologia consiste na relevante contribuição que oferece para as questões assistenciais, ao desvelar facetas capazes de aprimorar o desenvolvimento de novas ações em saúde mental, inclusive com a possiblidade de inclusão da família no processo de cuidado20.

Na enfermagem oncológica, a fenomenologia se apresenta como uma maneira ímpar de compreender o mundo do cuidado experimentado de diferentes maneiras, pensado reflexivamente, construído mediante relações humanas e executado de acordo com as potencialidades humanas. Vivenciar o mundo do cuidado é permeado de significados únicos, e captar a essência dessa vivência demanda lançar mão de potencialidades de compreensão do outro como ser-no-mundo, de escuta, diálogo, observação, sensibilidade e empatia, resgatando valores fundamentais necessários para cuidar de forma mais integral e humanizada21.

Notou-se que diversas são as áreas que se utilizam da fenomenologia como abordagem filosófica, dentre elas, além das supramencionadas, a saúde da criança, saúde do trabalhador, saúde da família, saúde pública e educação em enfermagem. Essa diversidade de áreas temáticas sugere que a preocupação por parte dos pesquisadores enfermeiros com o sujeito não se circunscreve a um único setor de atuação profissional, mas contempla o cuidado de maneira global22.

A fenomenologia não prescinde de pressupostos teóricos e de uma fórmula rígida de busca pela verdade, visando ir-à-coisa-mesma, revelá-la da forma como ela se manifesta. Destarte, enquanto ciência que tem norte no cuidado do outro, a enfermagem encontra na fenomenologia um caminho para alcançar a compreensão de fenômenos que, de início, não são de fácil compreensão, uma vez que cuidar do outro desvela aspectos profundamente subjetivos, autênticos e singulares. Por conseguinte, a fenomenologia desponta como um percurso para conferir visibilidade às vivências profissionais e a aspectos do ser cuidado que se encontram aprisionados pelas distrações cotidianas, e que comumente o impedem de interagir, tomar posicionamentos e participar da vida comunitária de maneira autêntica23.

Uma vez que se preocupa com o ser holístico e valoriza suas experiências, em essência, a enfermagem se preocupa com a natureza do ser, do devir, da realidade e/ou da existência, todos os quais são subjetivos e intrínsecos à experiência vivida. Logo, a prática da enfermagem e a fenomenologia são ontologicamente congruentes. A natureza descritiva e explicativa da fenomenologia enquadra os significados das experiências vividas pelos sujeitos, e se alinha com a sua compreensão de mundo. A utilização da fenomenologia na pesquisa em enfermagem, aumenta, dessa forma, a compreensão dos enfermeiros sobre as experiências únicas de um indivíduo e de como ele as interpreta24.

Quanto às limitações deste estudo, destaca-se a indisponibilidade de acesso a determinadas dissertações e teses nos repositórios institucionais e no catálogo consultado, o que pode ter influenciado no estabelecimento do panorama real de produção dos estudos, assim como das áreas temáticas estudadas. Ainda, destaca-se a incipiência de estudos recentes que articulem alguns dos referenciais fenomenológicos com o panorama temático de produção da própria enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizar a produção científica stricto sensu construída pela enfermagem brasileira à luz dos pressupostos fenomenológicos permitiu descortinar o panorama de utilização da fenomenologia como referencial de dissertações e teses desenvolvidas por enfermeiros. Cumpre-se dizer que os objetos de estudos abordados dentro do panorama de áreas temáticas identificadas indicam temas complexos e sensíveis no cotidiano, que podem ser aprofundados para além das aparências pelo enfoque fenomenológico.

Identificou-se que a maioria dos estudos são do tipo dissertações de mestrado, desenvolvidos na Região Sudeste do país e ancorados, sobretudo, em Heidegger, Schütz e Merleau-Ponty. O quadro temático dos estudos apresenta-se variado, contudo, temas como saúde da mulher e da criança, saúde mental, enfermagem oncológica, e APS aparecem de forma recorrente.

A fenomenologia se manifesta como um referencial potente para o desvelamento dos fenômenos de interesse da enfermagem, contribuindo para a construção do conhecimento sobre o ser que cuida, o ser que é cuidado e o próprio cuidado em si, a partir de uma epistemologia compreensiva que não busca a verdade absoluta das coisas, mas sua revelação a partir da ida às coisas mesmas.

Assim, diante dessa potencialidade, assume-se ser necessário que esse referencial seja melhor difundido nos programas de pós-graduação em enfermagem do país, dada sua concentração ainda mais expoente em alguns contextos.

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Editado por

Editor associado:

Cíntia Nasi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  21 Jun 2022
• Aceito
  27 Jul 2022