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Vivências de familiares diante da finitude da criança no processo de adoção de cuidados paliativos

RESUMO

Objetivo:

Desvelar a vivência de familiares após notícia da adoção de cuidados paliativos para a criança.

Método:

Pesquisa fenomenológica na perspectiva de Heidegger. Participaram onze familiares de crianças na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de hospital universitário do sul do Brasil com indicação de cuidados paliativos. Os depoimentos foram obtidos em entrevista semi-estruturada, de janeiro a novembro/2017, submetidos à análise teórico-filosófica de Heidegger. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da instituição.

Resultados:

A comunicação de cuidados paliativos desencadeia no familiar a percepção da facticidade existencial da criança, descortinando reações explicitadas nas dimensões temáticas: Enfrentando a finitude da criança diante da proposta de cuidados paliativos e Necessidade de cuidado compassivo e solícito.

Considerações finais:

A fenomenologia permitiu compreender o familiar em seu propósito existencial. A perspectiva compreensiva pode auxiliar a equipe interdisciplinar na comunicação da decisão de cuidados paliativos, de modo sensível e ético, focalizando o melhor interesse da criança.

Palavras-chave:
Cuidados paliativos; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective:

To reveal the experience of family members after learning their child would adopt palliative care.

Method:

Phenomenological research on Heidegger’s perspective. The participants were eleven family members of children who were recommended palliative care in the Pediatric Intensive Care Unit from a university hospital in southern Brazil. The statements were obtained in a semi-structured interview, from January to November/2017, and submitted to Heidegger’s theoretical-philosophical analysis. Research approved by the institution’s Ethical Committee.

Results:

The communication of palliative care triggers the perception of the child’s existencial facticity in the Family, revealing reactions explained in the thematic dimensions: “Coping with the finiteness of the child when confronted with the proposal of adopting palliative care” and “The need for compassionate and attentive care”.

Final considerations:

Phenomenology allows us to understand the parent's existential purpose. An understanding perspective can help interdisciplinary teams to communicate the adoption of palliative care in a sensitive and ethical way, focusing on the best interest of the child.

Keywords:
Palliative care; Intensive care units, pediatric; Qualitative research

RESUMEN

Objetivo:

Revelar la experiencia de familiares después de descubrir que sus niños serían sometidos a paliativos del niño.

Método:

Investigación fenomenológica em la perspectiva de Heidegger. Participaron once familiares de niños internados en Unidad de Cuidados Intensivos Pediátricos de hospital universitario del sur de Brasil con indicación de cuidados paliativos. Los discursos fueron obtenidos en entrevista semiestructurada, de enero a noviembre/2017, y sometidos al análisis teórico-filosófico Heideggeriano. Investigación aprobada por el Comité de Ética de la institución.

Resultados:

La comunicación de cuidados paliativos dispara la percepción de la facticidad existencial del niño en la Familia, revelando reacciones explicadas en las dimensiones temáticas: Enfrentando la finitud del niño frente a propuesta de cuidados paliativos y La necesidad de cuidado compasivo y solícito.

Consideraciones finales:

La fenomenología permite comprender el propósito existencial de los padres. La perspectiva integral puede ayudar el equipo a comunicar la adopción de cuidados paliativos, de una manera sensible y ética, centrándose en el interés superior del niño.

Palabras clave:
Cuidados paliativos; Unidades de cuidado intensivo pediátrico; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

A geração de um filho, entendida, na linguagem filosófica, como ato de criação, pelas vias naturais ou adoção, consolida o sentimento de gratidão pela constituição da família e a necessidade de assumir responsabilidade sobre uma nova vida, dependente de cuidados. A pessoa não é criada por geração espontânea, sua formação ocorre por meio do processo de ontogênese. A gênese dessa relação reside no seio materno, constituindo-se de forma lenta e gradual. Esse processo está além do sentido genético ou somático do termo, mas no sentido histórico e cultural. O processo de construção da estrutura humana abrange complexa trama de elementos, acontecendo de modo contínuo durante toda a vida11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009..

No processo de construção da existência, o cuidado constitui o ser e sua expressão no mundo22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. Sob o olhar heideggeriano, existir é ser no mundo e o mundo é o contorno do ser, o que lhes confere íntima vinculação. Neste sentido, o ser não é uma subjetividade encapsulada nela própria, mas a expressão de uma identidade que se faz presença na peculiar relação com o mundo, numa existência compartilhada, onde existir é ser com outros. A perspectiva existencial emerge da interação recíproca entre o ser e o mundo, assim, ao ser assinalada pelo projeto ou intenção do ser que se manifesta nas ações que assume e ao dar sentido e valor ao mundo e às relações com os demais22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.-33. Vasconi R. La salud como problema existencial. In: Caponi GA, Leopardi MT, Caponi S. A saúde como desafio ético. Anais do I Seminário Internacional de Filosofia e Saúde. 1995; Florianópolis: Imprensa Universitária UFSC; 1995. p. 26-34., ela ganha significação.

O ser é um ente de cuidado em sua essência, tanto para se constituir em sua plenitude, em seu processo de crescimento e desenvolvimento, percorrendo a linha do tempo que lhe é dada e pela qual é responsável, mergulhado em sua facticidade, necessitando do outro tanto para atendimento de suas necessidades primordiais, quanto para galgar sua evolução humana. Ele é projeto inacabado de si mesmo, enquanto possibilidade contínua de vir a ser, na perspectiva possível de aprimoramento de seu projeto existencial22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. A geração de um filho vem acompanhada de expectativas por parte da família: que seja saudável, possa ser acompanhado em seu crescimento, com ambiente e oportunidade para desenvolver suas potencialidades e talentos, com possibilidade de se assumir como ser no mundo, formular seu projeto de vida para uma existência autêntica, encontrando seu espaço na sociedade.

A doença na criança, principalmente a doença grave e incapacitante, é potencialmente indutora de ruptura nestas expectativas. O olhar fenomenológico possibilita compreender que, diante da facticidade existencial da doença, questionamentos filosófico-existenciais afloram no viver da família e permeiam esse processo singular de sofrimento humano, suscitando inquietações difíceis de enfrentar11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009.,33. Vasconi R. La salud como problema existencial. In: Caponi GA, Leopardi MT, Caponi S. A saúde como desafio ético. Anais do I Seminário Internacional de Filosofia e Saúde. 1995; Florianópolis: Imprensa Universitária UFSC; 1995. p. 26-34.-55. Schneider AS, Ludwig MCF, Neis M, Ferreira AM, Issi HB. Perceptions and experiences of the nursing team before the pediatric patient in palliative care. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e41789. doi: https://doi.org/10.4025/ciencuidsaude.v19i0.41789
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. À medida que a doença avança e as chances de cura diminuem, várias expectativas vão sendo destruídas, cedendo espaço ao medo da finitude da criança, prevalecendo,então, a desesperança44. Freitas JL. Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicol USP. 2018;29(1):50-7. doi: https://doi.org/10.1590/0103-656420160151
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.

A proposta de Cuidados Paliativos emerge como fonte de atenção à qualidade de vida da criança e da família diante da impossibilidade de cura efundamenta-se em princípios que priorizam o alívio da dor e das repercussões negativas da doença, atenção multidisciplinar e holística imbuída de compaixão e empatia ao ser doente e família, focando as intervenções na pessoa e não na doença, promovendo uma vida o mais ativa possível enquanto dura, aceitando a morte como componente natural da existência66. Floriani CA. Considerações Bioethical considerations on models for end-of-life care. Cad Saúde Pública. 2021;37(9):e00264320. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00264320
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-88. World Health Organization. Palliative care [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2017 Oct 15]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs402/en /
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. No entanto, pode haver entraves para que a adoção de Cuidados Paliativos seja compreendida pela família como benefício e não como abandono, e gerar, ao invés de conforto, incertezas e sofrimento99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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O sentido da compreensão e do compreender, enquanto fenômeno existencial inerente aos processos fáticos da vida, é ponto fundamental para a promoção de um cuidado sensível e solícito às vicissitudes das famílias diante da possibilidade de perda de suas crianças. Na filosofia heideggeriana, o fenômeno da comunicação precisa ser ontologicamente entendido. E nessa compreensão, a comunicação, ou seja, a informação sobre algo, é essencial para a existência, desvela-se no encontro entre seres, numa espécie de articulação do “ser-um-com-o-outro”22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020..

A comunicação proporciona “a partilha do coencontrar-se e do entendimento do ser-com. A comunicação nunca é algo assim como um transporte de vivências, por exemplo, de opiniões e desejos, do interior de um sujeito para o interior de um outro”22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. “Aquilo-sobre-que o discurso discorre”22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020. tem, em essência, o caráter da significação, necessita fazer sentido e ser expresso com sentido para que o resultado da linguagem do discurso, nos momentos de encontro, propicie ao outro uma compreensão de mundo, resultando espaços dialógicos singulares de aprendizado e cuidado1010. Issi HB, Motta MGC. Care and temporality: pediatric nursing in the Joint Permanence System of a teaching hospital. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41(spe):e20190170. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190170
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O medo avassalador de encontrar-se frente à possibilidade de perder o(a) filho(a) inexoravelmente para a morte, acarreta barreiras difíceis de serem transpostas nos momentos da comunicação de notícias que colocam o Ser diante da fragilidade da condição humana exposta com tanto vigor1111. Issi HB. O mundo vivido da enfermagem pediátrica: trajetória de cuidado [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/133141
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inerente à condição da necessidade de adoção de cuidados paliativos, quando esgotadas as possibilidades terapêuticas1212. Alves KMC, Comassetto I, Almeida TG, Trezza MCSF, Silva LMO, Magalhães APN. The experience of parents of children with cancer in treatment failure conditions. Texto Contexto Enferm. 2016;25(02):e2120014. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016002120014
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Diante dessas considerações, estabeleceu-se como fio condutor deste estudo a questão norteadora: como a família vivencia receber da equipe a notícia de que seu filho(a) tem indicação para cuidados paliativos na terapia intensiva pediátrica? Dessa forma, estabeleceu-se como objetivo desvelar a vivência de familiares de crianças em intensivismo pediátrico após notícia da adoção de cuidados paliativos para o(a) filho(a). Compreender como ocorre esta experiência e os sentimentos que dela emanam possibilita à equipe de saúde planejar cuidadosamente este tipo de abordagem no intuito de promover cuidado e conforto,minimizandotraumas oriundos de uma experiência negativa.

MÉTODO

Trata-se de recorte de dissertação de Mestrado99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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ao qual aplicou-se uma reflexão teórico-filosófica fenomenológica na perspectiva de Heidegger22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020., para a leitura das mudanças existenciais vividas por familiares responsáveis de crianças internadas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de hospital universitário do sul do Brasil recomendadas para a modalidade de cuidados paliativos.

A ontologia existencial de Heidegger caracteriza-se pela compreensão do sentido do ser, por meio da análise fenomenológica das diferentes modalidades da presença do Ser no mundo (do Dasein: “ser - aí”, “existência”, ou “presença”). Nela, o filósofo esclarece que o sentimento original da existência é percebido pelo homem na angústia, pela qual se compreende como “ser para a morte”. Ao pensar acerca de sua condição humana o ser encontra-se diante da contingência de seu nascimento (passado) e com a inelutabilidade da morte (futuro). Resulta desta reflexão o sentimento autêntico da finitude, real condição humana22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.,1313. Japiassú H, Marcondes D. Dicionário básico de filosofia. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008..

As informações foram obtidas em pesquisa com abordagem qualitativa. Como critérios de inclusão, para participar na pesquisa, estabeleceu-se ser familiar responsável pela criança e ter passado por reunião com a equipe de saúde para comunicação da proposta de adoção de cuidados paliativos. Não foram estabelecidos critérios de exclusão. Os participantes da pesquisa foram selecionados por conveniência e constituídos por onze familiares responsáveis de pacientes internados na UTIP com situação clínica que justificava adoção de cuidados paliativos. Os convites foram feitos pessoalmente dentro do ambiente hospitalar pela pesquisadora, que neste ínterim era mestranda e enfermeira assistencial desta unidade e todos foram aceitos. Determinou-se que as entrevistas deveriam ser realizadas com um prazo máximo de 48 horas após a realização da reunião com a equipe para proposta de cuidados paliativos.

A coleta ocorreu no período de janeiro a novembro de 2017 na UTIP. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas pela pesquisadora em uma sala reservada no interior da unidade, com duração média de 45 minutos, gravadas e posteriormente transcritas pela pesquisadora. As entrevistas focalizaram questões disparadoras para os participantes, e trataram sobre: conhecimento do familiar acerca da doença da criança; o que foi abordado durante a conversa com a equipe de saúde; expectativas do familiar sobre o tratamento após esta conversa e sentimentos suscitados em relação ao que foi conversado. Adotou-se como critério para o encerramento das entrevistas o da saturação de dados1414. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017 [cited 2017 Oct 15];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82
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, quando as informações tornaram-se repetitivas e redundantes.

As transcrições das entrevistas não foram validadas pelos participantes para comentários e/ou correções pelo fato de a equipe de pesquisa entender ser um assunto sensível para os familiares, possível gerador de sentimentos de pesar. Para respeitar o anonimato, foi conferido um código alfa-numérico para cada participante utilizando a letra F de familiar e os números da data de realização da reunião. Da interpretação dos resultados emergiram as dimensões temáticas do estudo, analisadas à luz da fenomenologia heideggeriana22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.,1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

O projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, CAEE nº. 58643816.4.0000.5327. As exigências éticas foram respeitadas conforme as normas regidas pela Resolução 466/2012 e 510/2016 do Ministério da Saúde. Os participantes receberam as informações sobre os objetivos da pesquisa, garantia de anonimato e a liberdade de retirar-se a qualquer momento, manifestando sua aceitação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

À luz dos depoimentos obtidos nas entrevistas com os familiares que vivenciaram a reunião para proposta de cuidados paliativos ao filho(a), submetidos à interpretação fenomenológica22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.,1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. , desvelaram-se significados que permitiram a compreensão de que a comunicação de cuidados paliativos desencadeia no íntimo do Ser mãe ou pai, cuidador familiar, a percepção da facticidade existencial da criança. Diante da realidade desafiadora e intransferível, o Ser percebe-se lançado a uma situação que simplesmente existe, sem possibilidade de ser de outra forma22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. A partir desse momento, em sua trajetória existencial de sofrimento, descortinam-se diversas e singulares reações que serão abordadas na sequência e que foram categorizadas em duas dimensões temáticas: “Enfrentando a finitude da criança diante da proposta de adoção de cuidados paliativos” e "A necessidade de cuidado compassivo e solícito". A seguir, as dimensões temáticas que elucidam a facticidade existencial de vivenciar o processo de decisão para cuidados paliativos de um filho ou de uma filha.

Enfrentando a finitude da criança diante da proposta de adoção dos cuidados paliativos

Receber a notícia da proposta de adoção dos cuidados paliativos para acriança desencadeia no familiar que vivencia esta facticidade existencial uma ruptura ou repensar de seus referenciais de existência. Compreender sua condição existencial impõe ao Ser assumir relações possíveis com o mundo somente sendo como-ser-no mundo (Dasein)22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. Dasein, ou ser-aí22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020. ― construção heideggeriana que caracteriza a existência humana ― é um estar lançado num mundo concebido como a consciência do ser em presente, passado e futuro1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

Vivenciar a proposta de cuidados paliativos significa para o cuidador familiar trilhar a dimensão temporal da consciência que se concretiza pelo ato de atribuir sentido às experiências pretéritas (convívio com a criança), a partir de uma vivência atual (receber a notícia da paliatividade), entendida como o devir de um projeto existencial de futuro em curso (a possibilidade da finitude da criança)1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. . Esta possibilidade coloca o Ser diante da finitude de Ser, potencializando um movimento existencial que reside na preocupação. A preocupação é o elemento existencial que move o Ser, sendo entendida pela ontologia existencial como cuidado22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. Assim, o cuidador familiar na perspectiva da preocupação-cuidado, visualiza nesta facticidade existencial o filho enquanto um “vir-a-ser o que ele pode ser em seu ser livre para suas possibilidades mais-próprias”1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. (no projeto), porém com uma interrupção abrupta da sua existência22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.,1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

Diante da propriedade inalienável de ser para a morte do filho, afloram peculiares, sentimentos e percepções explicitadas por: angústia e tristeza intensa, sensação de vazio e solidão e, de forma antitética, uma atitude de aceitação. Tais sentidos revelam-se num movimento que redireciona o ser na temporalização de sua existência, num tempo único deste acontecer22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020., na perspectiva de enfrentamento da possibilidade da morte da criança. Esta dimensão temporal que caracteriza o processo de enfrentamento inerente vivenciado pelo familiar, evidencia um caminho intransferível que, por não poder dele recuar, está sempre a evoluir, no processo de transcendência de Ser22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020..

O processo de enfrentamento que se evidencia nem sempre é fácil ou espontâneo, requer tempo e condições facilitadoras(15). Neste desdobramento, desponta a Angústia pela possibilidade da perda do filho:

[...] O que eu vou dizer… Eu fiquei bem desacreditada, sabe? Eu tinha uma esperança ainda, mas o meu filho não melhorou nada. Ele cada vez piora mais. Cada dia, cada semana… E para mim está muito difícil aceitar… Eu… não sei o que vai ser de mim… Como é que eu vou voltar para casa sem ele… eu não sei. Nesse momento eu não sei te dizer [choro]. Mas para mim está sendo muito difícil ficar sem ele… Lá no fundo eu sei que eu não quero enxergar, mas eu sei que ele não vai ficar muito tempo. E também não quero que ele sofra. (F211117)

[...] Nem tem o que dizer [...] Ela é a minha primeira filha, estava bem [...] Eu me sinto um caco, porque a gente coloca eles no mundo para cuidar. Eu parei de trabalhar, parei de estudar para ficar com ela, para não colocar em creche, para ninguém cuidar, só eu cuidar [...] Eu tenho esperança, mas, eu não sei porque, eu já vejo cena de caixão, velório, com a roupinha que eu comprei para ela. É uma coisa louca [choro]. (F200417)

[...] Eu assim… A doença dele, o nascimento dele, tudo o que está em volta do B., tudo me obrigou a experimentar coisas que eu não estava preparado. Tudo, tudo, tudo… Porque eu estava preparado para receber uma criança, trocar a fralda dela, curtir ela, apresentar para a família… Na realidade tinha uma novelinha de romance na minha cabeça, só que foi me dado um drama. (F170217)

A maternidade é concebida como um modo de existir significativo, que depende da existência de um outro ser, personificado no filho. E como, na ordem natural, existe a expectativa de que o filho tenha uma longa vida, a sua morte prematura acarreta um transtorno, uma inversão no curso natural, para o qual as famílias mostram-se despreparadas1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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. Assim, atitudes singulares desvelam-se neste processo como manter a esperança - ou negar a possibilidade da perda - ou aceitar o fato de que a perda vai acontecer. Na concepção heideggeriana, a morte é desvelada como perda - a perda experimentada por aqueles que ficam - pois não existe como experimentar a morte do outro22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.,1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

O estado de profunda tristeza e desânimo apareceu nas falas de alguns dos familiares entrevistados. Em seus relatos, manifestações orgânicas, como inapetência e dificuldade de conciliar o sono, surgiram como consequência do medo de perder a criança.

[...] perdi o chão, me senti perdida, fiquei muito desesperada, chorei muito, não dormi de noite. A caminha dela fica do lado da minha cama, eu olhava para a caminha dela, parece que já estava enxergando ela já... que não iria mais voltar para a caminha dela. Chorava muito, nem comer eu estava comendo. (F040717)

[...] É muito ruim, porque eu tinha uma criança que sorria, que brincava, que só queria ficar comigo, queria carinho… e agora ver ele assim - ele só abre o olhinho e mesmo assim não olha a gente, não procura a gente, fica bem paradinho - é muito difícil para a gente! [...] Foi estranho, porque ficou mais evidente a possibilidade de perdermos ele, ficou mais nítido [...] nós entendemos perfeitamente o que está acontecendo, mas tu fica ali, daí tu cria uma esperança, até porque se tu não cria essa esperança, tu não consegue viver. (F041017)

Em sentido filosófico, a pessoa é uma “estrutura” e isso significa estar constituída, de forma dinâmica, por elementos integrantes de cada um desses sistemas: os de caráter orgânico e os de caráter psíquico. Favorecer a reestruturação do Ser é o verdadeiro sentido do cuidar11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009.. A dificuldade que as mães encontram em projetar um futuro após a morte da criança vem se estabelecer no mundo da vida, pois todos os sonhos da mãe a respeito do futuro do filho e a possibilidade de novas experiências morrem junto com ele, ocasionando a quebra de uma promessa que não será concretizada, um duro golpe no destino para ela. O sentimento de angústia vem exatamente dessa falta de perspectiva de futuro1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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-1717. Assis GAP, Motta HL, Soares RV. Falando sobre presenças-ausentes: vivências de sofrimento no luto materno. Rev Nufen Phenom Interd 2019 [cited 2017 Oct 15];11(1):39-54. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v11n1/a04.pdf
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. Assim, é possível compreender porque a proposta de adoção de cuidados paliativos tem a capacidade de gerar, em alguns familiares, o início do processo de vivência do luto.

[...] Eu tenho a sensação que ele não está mais ali, que é como se já tivéssemos perdido ele, que eu estou cuidando do corpinho dele em memória a ele [choro] e não mais cuidando como se ele tivesse ali, eu sinto como se ele estivesse comigo assim na presença de espírito e no meu colo como ele sempre ficava [choro] mas não mais ali no corpinho dele. Porque se eu começo a pensar que ele está ali no corpinho dele, parece que ele está preso ali, que ele não consegue mais nem olhar, sabe, nem um olharzinho… Eu prefiro pensar que ele já saiu dali, que ele só está em volta de nós, cuidando, nos preparando para quando ele tiver que partir mesmo [choro]. (F041017).

A definição de luto para alguns autores44. Freitas JL. Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicol USP. 2018;29(1):50-7. doi: https://doi.org/10.1590/0103-656420160151
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,1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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-1717. Assis GAP, Motta HL, Soares RV. Falando sobre presenças-ausentes: vivências de sofrimento no luto materno. Rev Nufen Phenom Interd 2019 [cited 2017 Oct 15];11(1):39-54. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v11n1/a04.pdf
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refere-se à reação de um indivíduo ao rompimento de um vínculo significativo, causado pela morte; quanto maior o vínculo que havia entre ele e o ser pedido, maior será a intensidade do luto44. Freitas JL. Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica. Psicol USP. 2018;29(1):50-7. doi: https://doi.org/10.1590/0103-656420160151
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. As mães definem o vínculo com seus filhos como algo extraordinário, impossível de comparar com outros vínculos normais das relações humanas. Assim, para elas, a perda de um filho é sinal da perda de uma parte de si mesmas1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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-1717. Assis GAP, Motta HL, Soares RV. Falando sobre presenças-ausentes: vivências de sofrimento no luto materno. Rev Nufen Phenom Interd 2019 [cited 2017 Oct 15];11(1):39-54. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v11n1/a04.pdf
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. Quando a equipe de saúde faz a proposta de adoção de cuidados paliativos, gerando nas mães a necessidade de enfrentar a finitude da criança, é compreensível que seja desencadeado um sentimento de angústia muito profunda, talvez a maior experimentada na vida até aquele momento, devido à força do vínculo que existe entre elas e seus filhos.

A percepção de vazio e solidão revela-se enquanto dimensão inerente à irreversibilidade do fenômeno que se antecipa ao vivido:

[...] depois que eu saí daqui da reunião fiquei o dia todo com essa sensação de vazio, uma sensação de… Tu sabes que é como antecipar a dor no caso da minha mãe, acabamos sentindo também, porque tu sabes que ele está numa fase da vidinha dele que já está no fim, tu sabes que ele está sofridinho, tu vês o olhar dele, tu percebes dor ali, e tu quer evitar isso, mas tu não quer perder… Tu está acostumado, tem aquele vínculo, tu não quer perder aquilo ali… E é uma escolha difícil, afinal de contas, porque é a vida de um ser humano que tu tem como teu, mas… temos que sobreviver e temos que continuar. (F160217)

[...] eu me sinto mais sozinha ainda porque tu tem que te dividir… entre ir nas visitas. Eu não vou mais, mas é bem difícil. Eu acho que é mais difícil por ele estar preso, não estar aqui, por me ligar chorando, dizer que queria estar aqui vendo ela, minha mãe também não pode mais vir porque não querem mais aceitar os atestados no serviço dela… eu estou praticamente sozinha. (F200417)

[...] Eu fiquei muito desesperada na hora… Chorei muito! Muito mais que antes, porque eu estava sofrendo sozinha! Eu aceitei conversar com ela sem ele aqui, mas eu estava sozinha, minha mãe estava aqui. Não queria que ela me visse daquele jeito, porque é pior ainda… A gente se sente culpada por eles estarem sofrendo. E então eu peguei e liguei para ele, falei que eles não tinham mais perspectivas sobre o nenê, que não ía ser dado remédios para tratar ele, só para amenizar a dor… E então ele ficou triste também, pediu para eu ficar calma, para eu ficar perto da minha mãe. (F061017)

Tal sentimento pode ser justificado, especialmente, pela identificação que o familiar tem com a sua missão de cuidador. Assumir a responsabilidade pelo cuidado de uma criança portadora de doença crônica com necessidades especiais acarreta profundas mudanças existenciais, implicando na atitude de dedicar-se exclusivamente aos cuidados da criança, esquecendo de si. Lançado ao novo momento que se mostrou desafiador, percebe-se perdendo a sua identidade e o sentido da vida1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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. A sensação de solidão aflora com intensidade variada pois ser no mundo é ser-com-outros e na fragilidade que abala o ser no mundo da família imprime-se a angústia pela possibilidade da finitude do ser criança, e a dificuldade do compartilhar de vivências de tal natureza11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009.-22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020..

A manifestação da solidão também tem relação com a falta que os familiares sentem da presença de outros membros da família ou amigos provedores de afeto e ajuda para dividir seus medos e angústias sobre a possibilidade de perda da criança. Esta é uma realidade da população atendida em hospitais universitários conveniados ao Sistema Único de Saúde: com muita frequência são pessoas em situação de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social, com suas residências a quilômetros de distância do hospital, cuja hospitalização dos filhos tende a ser prolongada, dificultando o revezamento de acompanhante e as visitas mais frequentes de outros membros da família99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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É muito importante que, ao planejar a reunião para propor a adoção de cuidados paliativos para a criança, a equipe leve em consideração as vulnerabilidades existenciais dos familiares, considerando suas necessidades de apoio do restante da família. A disponibilização de grupos terapêuticos de familiares também configura-se como uma estratégia eficaz para amenizar a sensação de solidão de familiares que passam por períodos conturbados de medo e angústia. Poder exprimir seus sentimentos e percepções, ouvir relatos de outros familiares passando por situações semelhantes e receber afeto e apoio dos demais familiares e dos membros da equipe favorece o fortalecimento de estratégias de enfrentamento e a formação de novos vínculos de amizade e apoio99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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. Porém, é preciso considerar que a falta da presença do ser-aí criança no mundo da vida da família é o principal desencadeador do sentimento de solidão que aflora na facticidade existencial da finitude. Na concepção heideggeriana, presença é uma condição de mundo, é sempre uma abertura de mundo, que não se configura um espaço topográfico, mas reflete e compreende as várias formas de se relacionar, viver e se comportar22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. A compreensão existencial do significado da presença como sentido da vida pode favorecer à equipe de saúde a adoção de um movimento de cuidado solícito para o ressignificar da vida da família pautado na oferta de apoio e espaço para o compartilhar da experiência e a expressão de sentimentos1010. Issi HB, Motta MGC. Care and temporality: pediatric nursing in the Joint Permanence System of a teaching hospital. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41(spe):e20190170. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190170
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Sentimentos de raiva e revolta também foram desvelados nos depoimentos dos entrevistados. Ao serem questionados a respeito de como se sentiram após a reunião com a equipe, alguns familiares declararam sentimentos muito negativos, de não respeito às suas convicções. Ainda que as crianças tivessem indicações claras de adoção de cuidados paliativos, os pais não conseguiram compreender de que forma e porquê seus filhos seriam beneficiados com esta opção terapêutica.

[...] muita raiva! Me senti muito traída! Eu achei que não respeitou o meu momento, não respeitou o que eu estou passando [...] ela querendo me 'enfiar goela abaixo' os cuidados paliativos [...] ela falou que eu não entendi o que é cuidados paliativos, talvez eu nunca entenda, não sou obrigada a entender. (F011017)

[...] O que eu me senti assim muito mal… A gente é mãe, a gente sabe. Só que ainda eles não… Eles não me convencem. Eles tentam entrar no meu… como é que eu vou explicar? No meu… na minha parte sentimental, ali na hora, tudo bem, eu senti… a gente chora na hora, mas depois tu tem que ter forças para poder continuar. É isso que eu sinto. E eu disse para eles que eles tem que e devem fazer todos os procedimentos com o B. até o final da vida dele, até o último dele. (F141117)

O respeito à posição dos pais é algo bastante delicado, pois o desejo de proteger a criança entra em conflito com a percepção de que ela pode morrer. Isso exige que a equipe busque acessar a cultura, os princípios de vida, religiosidade e espiritualidade da família, incluindo suas capacidades cognitiva e social, para considerar a possibilidade de envolvê-la no processo de decisão. Então, fazer escolhas baseadas nos valores, crenças e interesses das famílias das crianças, é um dos maiores desafios para a equipe1818. Medeiros C, Buckley L, Metcalfe K, Narayanan UG, Widger K. Decision aids available for parents making end-of-life or palliative care decisions for children: a scoping review. J Paediatr Child Health. 2020;56(5):692-703. doi: https://doi.org/10.1111/jpc.14885
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-1919. Eler K, Albuquerque A. Direitos humanos da paciente criança. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2019:8(1):36-52. doi: https://doi.org/10.17566/ciads.v8i1.509
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Para que possam participar do processo decisório, os familiares precisam compreender plenamente as informações que são fornecidas pela equipe de saúde1818. Medeiros C, Buckley L, Metcalfe K, Narayanan UG, Widger K. Decision aids available for parents making end-of-life or palliative care decisions for children: a scoping review. J Paediatr Child Health. 2020;56(5):692-703. doi: https://doi.org/10.1111/jpc.14885
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. Para isso, é necessário que os profissionais de saúde envolvidos em cuidados intensivos desenvolvam suas habilidades comunicativas de forma a dar suporte às famílias no processo de decisão, permitindo que os familiares possam expressar suas dúvidas, pontos de vista, medos e expectativas2020. Santos RP, Garros D, Carnevale F. As difíceis decisões na prática pediátrica e sofrimento moral em unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva.2018;30(2):226-32. doi: https://doi.org/10.5935/0103-507X.20180039
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Um estudo mostrou que a satisfação dos familiares em conferências familiares para tomada de decisão é maior quando a equipe de saúde gasta mais tempo ouvindo-os do que falando2121. Rothschild CB, Derrington SF. Palliative care for pediatric intensive care patients and families. Curr Opin Pediatr. 2020;32(3):428-35. doi: https://doi.org/10.1097/MOP.0000000000000903
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. A comunicação é um elemento imprescindível no ato de cuidar. É fundamental para a existência, capaz de promover o encontro entre os seres em uma espécie de articulação do entender ser-um-com-o-outro22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020..

Uma comunicação acurada é ainda mais pungente quando, dentro da proposta de cuidados paliativos, está contida a sugestão de limitação de suporte vital para a criança, situação que tem respaldo ético e legal para evitar a distanásia, ou seja, o prolongamento do processo de morte da criança2222. Siqueira F, Kasecker I. Cuidados paliativos e a responsabilidade penal do médico por omissão em casos de suspensão de suporte artificial de vida. In: Dadalto L, coordenadora. Cuidados paliativos aspectos jurídicos. Indaiatuba: Foco; 2021. p.191-211.. Esta proposta foi feita em uma das situações que compõem este estudo, e gerou um estado de choque para o familiar, que não conseguiu esboçar sua reação para a equipe no momento da reunião. Após alguns dias de elaboração, transcorrida a reunião, durante a entrevista, o familiar conseguiu verbalizar sua posição em relação à proposta que foi feita de cuidados paliativos para a criança:

[...] eu me senti muito mal [...] a família vai lutar até o último junto comigo. A gente vai brigar, a gente vai lutar por ele [...] eu não acho certo! Como é que tu não vai tentar? [...] Quero que eles [profissionais] me dêem soluções! Eu só vou ficar descansada o dia que eu ver que eles [profissionais] fizeram tudo, tudo, tudo. (F141117)

Exercer a contínua atitude de compreender a família revela a transcendência do cuidado por parte da equipe interdisciplinar. Fornecer espaço e tempo para elaboração das informações é uma expressão de cuidado sensível e ético. Respeitar o tempo único de cada pessoa em seu processo de compreensão, especialmente diante de assuntos potencialmente deflagradores de insegurança, raiva e angústia, constitui-se em atitude de caráter humano e compassivo dirigida àqueles que sofrem em demasia diante da fragilidade da condição humana1010. Issi HB, Motta MGC. Care and temporality: pediatric nursing in the Joint Permanence System of a teaching hospital. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41(spe):e20190170. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190170
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A perplexidade do familiar revelou-se num discurso impregnado de inconformidade no ímpeto de demonstrar o desagrado gerado na comunicação pela equipe da proposta de cuidados paliativos para a sua criança. Situações como esta exigem da equipe a necessidade de um planejamento diferenciado de múltiplas abordagens interdisciplinares programadas de acordo com o conhecimento ampliado do perfil de cada família em sua individualidade. A notícia da morte iminente de um filho(a) é um fator desencadeador de desespero na vida dos pais devido às múltiplas perdas que irão experimentar: seus sonhos e esperanças, sua ilusão de imortalidade, restando uma impressão de fracasso na sua missão como pais1616. Coelho Filho JF, Lima DMA. Luto parental e construção identitária: compreendendo o processo após a perda do filho. Psicol Argum. 2017;35(88):16-32. doi: http://doi.org/10.7213/psicolargum.35.88.18432
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-1717. Assis GAP, Motta HL, Soares RV. Falando sobre presenças-ausentes: vivências de sofrimento no luto materno. Rev Nufen Phenom Interd 2019 [cited 2017 Oct 15];11(1):39-54. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v11n1/a04.pdf
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,2323. Cabeça LPF, Melo LL. From despair to hope: copying of relatives of hospitalized children before bad news report. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20200340. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0340
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. Ao olhar existencial, o desespero resulta da consciência da finitude e ausência de sentido da existência humana1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

Torna-se fundamental acolher a família em um processo de escuta e fornecimento de apoio às suas necessidades, possibilitando um espaço dialógico, incluindo abordagens progressivas sobre o assunto, de forma solícita, compassiva, compreensiva e paciente, deixando claro que o objetivo principal da equipe de saúde é o melhor interesse da criança e o seu benefício máximo, e não o abandono77. Alves RSF, Cunha ECN, Santos GC, Melo MO. Cuidados paliativos: alternativa para o cuidado essencial no fim da vida. Psicol Ciênc Prof. 2019;39:e185734. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703003185734
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,1818. Medeiros C, Buckley L, Metcalfe K, Narayanan UG, Widger K. Decision aids available for parents making end-of-life or palliative care decisions for children: a scoping review. J Paediatr Child Health. 2020;56(5):692-703. doi: https://doi.org/10.1111/jpc.14885
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-1919. Eler K, Albuquerque A. Direitos humanos da paciente criança. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2019:8(1):36-52. doi: https://doi.org/10.17566/ciads.v8i1.509
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Quando a família adquire a percepção de benefício máximo da criança na proposta de cuidados paliativos feita pela equipe, possibilita o desvelamento de sentimentos de serenidade e aceitação diante da proposta. Tais sentimentos foram verbalizados por familiares de crianças com condições crônicas complexas, causadas por doenças genéticas sem chance de cura e de prognóstico muito reservado, que já conviviam com o sofrimento dos filhos há mais tempo.

[...] Então tudo aquilo que eu estou experimentando de novo com o B., ele me obriga a agir de maneiras que eu sou obrigado a aprender. Então a morte para mim hoje não é mais uma situação assim terrível, o fim. No caso do B. ela é o fim do sofrimento, não só dele, mas o meu e da minha esposa. [...] O tratamento que foi feito até então eu acreditei e acredito ainda, tenho esperança. Mas eu entendo que não vai ser uma coisa reparadora, definitiva. Então a morte, no caso do B., é uma coisa que vai dar um descanso para ele e, num futuro, muito em breve, vou ter ele inteirinho de novo, com tudo isso que veio faltando completado e ele não vai ter mais esses problemas. É difícil saber… O que me tortura é quando isso vai acontecer, quanto tempo vai se prolongar… Então é isso que me tortura, mas é a solução. E eu, não é que eu estou feliz com tudo isso… não é de maneira nenhuma. Mas eu entendo e aceito… é isso. (F170217)

[...] Eu, na verdade, estava meio tensa [...] Mas a conversa foi bem melhor do que eu imaginava. Eu achei que iria ficar nervosa, mas não, eu estava bem, e depois da conversa eu me senti mais em paz, porque eu sempre tive, como eu falo, a questão de não prolongar o sofrimento. Eu sempre tive muito medo de chegar num hospital, principalmente um hospital-escola, onde querem investir porque os estudantes precisam aprender e aquela coisa toda, eu tinha muito medo de chegar num hospital e ninguém entender essa parte, porque a decisão é médica, não é minha, o médico tem todo o poder quando a criança está aqui dentro, eu tive sempre muito medo disso. E eu achei muito importante a conversa porque é chegar num acordo: a família querer a mesma coisa que o médico quer. [...] Eu sei que eles também não querem que ela sofra, ninguém quer que ela fique ali dependurada tipo uma árvore de natal, cheia de coisa pingando, não. (F300317)

Essa aceitação configura-se num movimento de reestruturação possível do ser o qual permite o surgimento de novos modos de ver o mundo e compreender os entes e as relações que os ligam entre si, especificamente o vínculo de amor construído com o ser-aí da criança, no devir da existência na atitude de transcendência, de que o homem é algo que tende para além de si mesmo22. Heidegger M. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes; 2020.. Manifesta-se, assim, o sentido de transmutar a dor e o sofrimento,vivenciados pela criança, em possibilidades de existir sem sofrer, percebendo na finitude a liberação do Ser criança para ser livre11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009..

Na ótica da transcendência do ser, os familiaresconseguem perceber que manter cuidados invasivos de prolongamento de vida para seus filhos somente vai acarretar uma existência de sofrimento dentro do mundo do hospital. O fato de terem acompanhado toda a trajetória de saúde da criança até aquele ponto, sofrendo junto com ela todas as consequências da sua doença, faz com que consigam atingir a compreensão da proposta de cuidados paliativos como benefício e não malefício. Num ato de extremo amor, manifestado em desapego, eles vislumbram, com serenidade, a possibilidade da morte da criança. Serenidade,neste sentido, configura-se como a revelação de uma atitude de aceitação amparada no desejo de aliviar o sofrimento do(a) filho(a).

Este sentimento tem uma conexão profunda com a manifestação de uma atitude que também foi desvelada na interpretação dos depoimentos: alguns familiares buscam imediatamente o apoio em sua fé ou espiritualidade, seja na forma de súplica, pedindo à entidade em que crêem a concretização de um milagre que salve a criança da morte prematura, ou para dar sentido àquela situação de impotência e angariar forças para suportar toda essa experiência dolorosa:

[...] Eu quero ela comigo, mas quero ela bem, com saúde, sem dor, sem nada. E daí eu fui pensando sobre isso todos os dias, me ajoelhava todos os dias, orava, eu vou muito na igreja também, busco muito por ela, falo muito com Deus, minha crença é só Deus, não tenho outra crença… e até graças a Deus eu estou vendo resultado. Deus está me respondendo. (F040717)

[...] Eu não acredito que ele está mal para morrer, isso aí não me entra na cabeça! Entendeu? Eu creio muito em Deus, eu tenho uma fé grande em Deus, que Deus vai fazer um milagre, eu sei lá… Eu já pedi para Deus assim: que seja feita a sua vontade, só que eu não quero ver meu filho sofrendo em cima de uma cama de UTI… Eu não quero! Então o Senhor leva ele! Então o Senhor leva! Porque a gente, cada vez a gente está se apegando mais! Eu conversei com Deus, fui sincera. Se for para o Senhor levar, então leva de uma vez! Então não me deixe mais com essa agonia. (F141117)

A espiritualidade é uma perspectiva dinâmica que é intrínseca do ser humano, através da qual ocorre a busca de significado, propósito e transcendência e que envolve o relacionamento consigo-mesmo, com os demais seres, com a natureza, e com tudo o que ele considera como sagrado2424. Szilagyi C, Lion AH, Perez SEV, Koch S, Oyedele O, Slaven JE, et al. Interprofessional spiritual care education in pediatric hematology-oncology: a pilot study. Pediatr Blood Cancer. 2022;69(3):e29515. doi: https://doi.org/10.1002/pbc.29515
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. Em momentos de dor, angústia e sofrimento - como a evidência de uma doença potencialmente fatal e sem chance de cura - é natural que ocorra uma luta espiritual interna, para a qual o ser lança mão de estratégias de enfrentamento espiritual. No entanto, é evidente o despreparo dos profissionais de saúde para avaliar reações e abordar questões de cunho espiritual com pacientes e familiares2525. Kelly EP, Paredes AZ, Hyer M, Tsilimigras DI, Pawlik TM. The beliefs of cancer care providers regarding the role of religion and spirituality within the clinical encounter. Support Care Cancer. 2021;29(2):909-15. doi: https://doi.org/10.1007/s00520-020-05562-2
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. Ainda assim, existem recomendações para que as questões espirituais sejam consideradas no cuidado em saúde no sentido de empoderar os profissionais para avaliação das crenças e práticas culturais e espirituais dos pacientes e familiares no contexto das suas reações à doença e ao tratamento2424. Szilagyi C, Lion AH, Perez SEV, Koch S, Oyedele O, Slaven JE, et al. Interprofessional spiritual care education in pediatric hematology-oncology: a pilot study. Pediatr Blood Cancer. 2022;69(3):e29515. doi: https://doi.org/10.1002/pbc.29515
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A equipe de saúde precisa estar atenta e compreender o processo de busca de apoio espiritual das famílias, pois se o manejo dessa situação não for respeitoso e cuidadoso, pode ocasionar uma quebra na relação de confiança entre família e equipe e transformar a relação terapêutica em relação litigiosa, trazendo sofrimento e desconforto a todos os envolvidos. Quando recorrem à instância divina pedindo por um milagre, os familiares podem estar manifestando uma atitude de negação em relação à notícia da impossibilidade de cura, pois quando a equipe lhe informa que não tem poder para salvar a criança, o recurso que encontram, porque ainda não conseguem aceitar a finitude, é recorrer à instância divina superior, que, na sua crença, tem esse poder.

Enquanto o familiar manifesta este tipo de atitude, é aconselhável não insistir na decisão de limitação de suporte vital, permitindo um tempo para que ele elabore e reflita sobre o que foi discutido e apresentado e possa compreender a proposta sem a atitude defensiva de negação da impossibilidade de cura do filho. À medida em que o familiar percebe que aquele milagre que ele está pedindo não acontece e que, neste ínterim, seu filho(a) está em sofrimento, vai abrindo espaço para que novas abordagens sobre o assunto possam ser retomadas. Ao atingir o estado de aceitação da inevitável morte da criança, o familiar pode manifestar outras formas de busca de apoio na fé e na espiritualidade:

[...] No caso do B. ela é o fim do sofrimento, não só dele, mas o meu e da minha esposa. E também não é definitivo, é um "até breve", porque eu me agarro na esperança da ressurreição. (F170217)

[...] Me desesperei. Mas daí depois comecei a pensar, pensar se for para ela ficar sofrendo aqui comigo, então que Deus leve, se estiver na hora dela, que Deus leve ela, mas que me console também, não deixe eu ficar sofrendo. (F040717)

[...] E também não quero que ele sofra. Eu falei para eles que eu não posso ser egoísta, e se Deus quer levar ele, é porque lá ele não vai sofrer. Eu não quero que ele sofra aqui. Eu vendo ele sofrer ali em cima de uma cama, só para ele ficar aqui comigo, não… isso aí não! Eu não quero! Eu quero que ele, se for a vontade de Deus ele ficar comigo, que ele fique bom. Que eu possa sair daqui do hospital com ele, senão, eu não quero! É isso. Tá todo mundo… ficou todo mundo meio arrasado, por causa disso… Tu não ter o que fazer pela criança, sabe? Não ter mais o que fazer... A gente está meio sem esperança, sabe? E agora, daqui para frente a gente vai deixar para Deus… Deus é que vai decidir a vida do B. (F211117)

A vivência da espiritualidade foi encontrada também em outros estudos como um dos elementos que constitui a experiência de luto das mães, expressando um meio de encontrar sentido na morte dos próprios filhos e manter a esperança de que eles continuam vivos em uma dimensão melhor, sem sofrimento2323. Cabeça LPF, Melo LL. From despair to hope: copying of relatives of hospitalized children before bad news report. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20200340. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0340
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,2525. Kelly EP, Paredes AZ, Hyer M, Tsilimigras DI, Pawlik TM. The beliefs of cancer care providers regarding the role of religion and spirituality within the clinical encounter. Support Care Cancer. 2021;29(2):909-15. doi: https://doi.org/10.1007/s00520-020-05562-2
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. Nesse tipo de manifestação, os pais não lutam mais contra a morte, mas, sim, passam a encará-la como desígnio divino para encerrar o sofrimento do filho(a).

A necessidade de cuidado compassivo e solícito

Enfrentar a imagem da morte de um filho, como foi apresentado até aqui, é uma experiência muito dolorosa, possivelmente a mais angustiante da vida de um pai/mãe/responsável. A necessidade de afeto, compaixão, compreensão e solidariedade por parte da equipe diante desta situação ganhou espaço nos momentos intersubjetivos do cuidado. Pode-se constatar nos relatos a seguir:

[...] nos paliativos eles vão cuidar de nós também, cuidar para que fiquemos bem, e eu entendi o que Dra. Y quis dizer, que ela não podia enfeitar uma coisa que não… tentar melhorar uma coisa… só que dói para nós a maneira como é colocado porque, por mais que ele esteja ali, nessa situação, ele ainda é meu filho! Ele ainda é uma criança como qualquer outra! [...] A Dra. X, que eu acho que ela é um anjinho assim, porque ela explicou tudo e ela nos pergunta: por que não vamos para casa, por que não descansamos, e vai lá olhar o nenê, e sempre se importa, sabe? Explica para nós o que está acontecendo, o que não está… Falou para nós que ela sabe que não é a ordem natural da vida, que essas coisas não deveriam acontecer, mas que acontecem… E daí foi bem diferente. E daí ontem até nos deixaram ficar até tarde com o nenê. [...] É, da equipe de enfermagem não tem o que reclamar, sabe? Todo mundo faz o melhor para amenizar todo esse sofrimento, sabe? (...) todo mundo está tentando amenizar, e eu sinto isso! Eu me sinto muito bem de estar aqui. (F061017)

[...] Deu para perceber também que não estão mais trocando o plantão na nossa frente, que eles sempre contam a historinha… Uma técnica para a outra… Elas só falam o que é que tem de medicação e trocam depois lá fora as informações. Isso eu também notei… que ninguém fala mais nada para nós. Só falam: "Ah, eu vou começar tal antibiótico" - mas não falam mais as coisas que podem nos magoar. [...] Nós já escutamos essa história e cada vez que temos de repetir e escutar isso, parece que estamos revivendo tudo o que aconteceu naquele dia. (F041017)

Nestas declarações está implícito que os familiares valorizam,sobremaneira, o cuidado e o carinho que recebem por parte da equipe, não somente em relação a seu filho, mas também em relação a si próprios, percebendo as tentativas dos membros da equipe de saúde de amenizar a situação dolorosa com pequenos gestos, como uso de palavras brandas, tom de voz, escuta ativa e até mesmo o toque nos momentos de sofrimento. Essas atitudes permeadas de compaixão e empatia por parte da equipe, são essenciais nos momentos de comunicação com os familiares, que acabam queixando-se da falta delas em determinados membros da equipe:

[...] vocês são mais a parte dos cuidados, e cuidam de nós, até dos pais - porque a enfermeira foi a única que se preocupou com o que eu estava sentindo, que encostou em mim, falou comigo que seria melhor assim, foi a única pessoa ali! O Dr. X. ficava parado assim… Eu vi que ele estava desconfortável, mas ele também não falou nada. (F061017)

Estudos salientam a fragilidade da família nesse momento de percepção da perda e justificam a importância desta atitude compassiva e empática por parte de todos os membros da equipe de saúde2121. Rothschild CB, Derrington SF. Palliative care for pediatric intensive care patients and families. Curr Opin Pediatr. 2020;32(3):428-35. doi: https://doi.org/10.1097/MOP.0000000000000903
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,2626. Neis M, Rocha CMF, Carvalho PRA. The communication of palliative care adoption in a pediatric intensive care unit. Pediatric Nursing. 2020 [cited 2017 Oct 15];46(3):138-45. Available from: https://link.gale.com/apps/doc/A627278454/AONE?u=capes&sid=bookmark-AONE&xid=fcbbec40
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. Quando os pais percebem nos profissionais de saúde uma genuína preocupação com o bem-estar da criança, demonstrada na forma do toque, nas palavras afetivas, nas orientações dadas e nas propostas feitas com base nas situações que vão aparecendo no decorrer do tratamento, conseguem estabelecer uma relação de profunda confiança na equipe, que os tranquiliza quanto às opções que são oferecidas. Assim uma das mães expressa:

[...] eu me senti mais em paz. Eu sei que eles [equipe de saúde] também não querem que ela sofra, todo mundo quer o bem dela, e com isso eu me senti mais em casa. (F300317)

Para os familiares, é importante perceber que a equipe consideraa criança como um ser único, não somente mais um dos tantos casos atendidos no cotidiano, e que a sugestão de encaminhá-la a cuidados paliativos é proveniente de uma avaliação criteriosa da realidade (que explorou todas as possibilidades) e de uma relação genuína de afeto e preocupação com o seu bem-estar, em defesa aos melhores interesses da criança, ou seja, o que é melhor para ela em termos da melhor qualidade de vida possível, livre da dor e do sofrimento2020. Santos RP, Garros D, Carnevale F. As difíceis decisões na prática pediátrica e sofrimento moral em unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva.2018;30(2):226-32. doi: https://doi.org/10.5935/0103-507X.20180039
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O conceito do melhor interesse da criança refere-se a um princípio fundamental que indica que toda a decisão relativa à saúde da criança deva ser aquela em que os benefícios para ela superem os potenciais danos, e na qual o foco é a criança e seu bem-estar2020. Santos RP, Garros D, Carnevale F. As difíceis decisões na prática pediátrica e sofrimento moral em unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva.2018;30(2):226-32. doi: https://doi.org/10.5935/0103-507X.20180039
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. O desenvolvimento de uma atitude compassiva, que não necessite ser ativada exclusivamente em determinados momentos e sim na integralidade do cuidado cotidiano, deve se tornar constituinte de uma forma de ser e atuar em Pediatria99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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. A dimensão interpessoal consiste numa das mais importantes dimensões da condição humana, e está intrinsecamente ligada à possibilidade singular que se desvela na esfera transcendental do cuidar11. Torralba i Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis: Vozes; 2009..

A compreensão dos depoimentos mostra situações nas quais a proposta de cuidados paliativos foi acolhida favoravelmente pelos familiares revelando uma existência autêntica como-ser-no-mundo, ao acolher o sofrimento da finitude do filho. Assim, foram evidenciadas manifestações de sentimentos de alívio ao perceberem-se compreendidos em seus desejos com relação à vida da criança e não julgados por suas opções:

[...] eu fiquei feliz porque eu me senti segura que todo mundo [profissionais] estava me entendendo, que a gente estava falando a mesma língua e isso me deixou muito. feliz (F300317)

[...] Mais ou menos, assim, sabe? Porque desde que ele nasceu ele está dentro de um hospital, nunca foi para casa… Aí, está assim. Eu e o meu marido estamos… porque a gente tem outro filho ainda, e aí...[...] Foi mais alívio, porque, no caso, ele está sofrendo, a gente está vendo que ele está sofrendo bastante, então para nós, já sabíamos que seria isso, entendeu? Que uma vez eles tinham comentando alguma coisa sobre isso. (F180517)

Tais depoimentos referem-se a pais de crianças que, pelo comprometimento neurológico gerado pela gravidade da sua doença de base, apresentavam pouca ou quase nenhuma capacidade comunicativa ou de interação afetiva com os pais. Por este motivo, os pais já possuíam uma ideia amadurecida em relação a não prolongar a vida de seus filhos com medidas invasivas, porque compreendiam que a vida da criança a partir do estado clínico atual se configurava como uma vida exclusivamente de sofrimento. Para eles, a única maneira de seu filho deixar de sofrer, era deixar de viver. Aflorava o questionamento existencial explicitado por: como pode ser aceitável, numa sociedade que ainda discute a moralidade de aspectos relacionados com o direito à vida, que pais desejem a morte de seus filhos?

Quando a equipe revelou a proposta de cuidados paliativos, estes familiares puderam exprimir um sentimento de alívio, pois a proposta da equipe era exatamente o que desejavam para a criança, fazendo-os libertarem-se do peso do julgamento da sociedade a respeito do seu desejo de abreviar o sofrimento dela99. Neis M. Processo decisório sobre cuidados paliativos em unidade de terapia intensiva pediátrica: comunicação, vivências e sentimentos [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018 [cited 2017 Oct 15]. Available from: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/188721#:~:text=dire%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20morte.-,O%20processo%20de%20decis%C3%A3o%20e%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20Cuidados,na%20pr%C3%B3pria%20equipe%20de%20sa%C3%BAde
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Na facticidade existencial onde o sofrimento impera de forma implacável no viver do ser-aí-criança-com-doença-crônica, pais e equipe de saúde podem passar a compartilhar da adoção intersubjetiva da modalidade de cuidados paliativos, cujo objetivo reside em focar na qualidade de vida dos dias restantes, sem abreviá-los ou tampouco prolongá-los66. Floriani CA. Considerações Bioethical considerations on models for end-of-life care. Cad Saúde Pública. 2021;37(9):e00264320. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00264320
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-88. World Health Organization. Palliative care [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2017 Oct 15]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs402/en /
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. Desvela-se assim o caráter da transcendência do cuidado solícito, ou seja, “ser-com-os-outros no cotidiano mantém-se entre os dois extremos de solicitude - aquele que salta sobre o outro e o domina, e aquele que salta diante do outro e o liberta [...] a ‘solicitude’ é orientada pela consideração e paciência”1515. Heidegger M. Todos nós... ninguém: um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura fenomenológica da facticidade existencial de familiares de crianças em terapia intensiva pediátrica que receberam a notícia da indicação de cuidados paliativos para seus filhos e filhas, permitiu compreender a gama de sentimentos e percepções que afloram diante da perspectiva de vivenciar a finitude da criança e as repercussões da ausência dela em sua perspectiva existencial. Desvela-se uma trajetóriana qualo enfrentamento da finitude da criança, em seus mais diversos matizes, instaura-se como uma possibilidade diante do intransferível e desafiador.

A criança representa para a família, na maioria das vezes, a continuidade de seu próprio viver, em queos projetos de futuro alicerçam a constituição do cuidado como indicativo de presença e solicitude, genuína preocupação com este Ser concebido para crescer e se desenvolver para adquirir uma existência plena de sentido. Para os familiares cuidadores, descortina-se a dor e o sofrimento que acompanha este peculiar momento existencial. Nele afloram sentimentos e percepções que adquirem o significado de angústia e depressão, vazio e solidão, raiva e revolta, busca de apoio na espiritualidade/religiosidade ou, ainda, uma atitude de aceitação, compondo a dimensão temática “Enfrentando a finitude da criança diante da proposta de adoção de cuidados paliativos”. No entanto, outras formas de reação dos familiares puderam ser percebidas, como a carência de afeto, compreensão e compaixão, que constituíram a dimensão temática "A necessidade de cuidado compassivo e solícito".

A experiência de existir para enfrentar o desenlace da vida de um filho ou de uma filha impõe adversidades que se traduzem por intensa fragilidade diante do caráter vulnerável da condição humana. É imprescindívelpor parte da equipe interdisciplinar de cuidados intensivos a adoção de uma atitude empática, detentora dos princípios de ofertar acolhimento e cuidado autêntico em resposta compreensiva às condições existenciais identificadas nesta trajetória de sofrimento.

O olhar da fenomenologia existencial pode favorecer caminhar junto ao familiar de criança em cuidados paliativos em seu propósito existencial; preocupar-se com a leitura das mudanças existenciais ao compreender a saúde, doença e finitude enquanto dimensões existenciais que circundam o ser no mundo da família que vive esta facticidade. A perspectiva compreensiva pode auxiliar a equipe interdisciplinar na comunicação da decisão de cuidados paliativos, incluindo analisar, entender e exercer o cuidado de forma sensível, vencendo as distâncias no emergir da autenticidade do ser que cuida e do ser que é cuidado, na construção de um novo itinerário, pleno de sentido para ambos, tendo como foco o melhor interesse da criança.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2022
  • Aceito
    11 Jul 2022
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