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Existir como ser-cardiopata-que-desenvolve-lesão-por-pressão: compreensão em Martin Heidegger

RESUMO

Objetivo:

Compreender, a partir do pensamento fenomenológico de Martin Heidegger, o Ser que vivencia uma coronariopatia e desenvolve uma lesão por pressão.

Método:

Qualitativo, com base nos pressupostos de Martin Heidegger. Participaram nove depoentes e tais dados foram analisados com base na compreensão vaga e mediana, bem como na hermenêutica compreensiva.

Resultados:

Foram reveladas as seguintes unidades de significado: vivenciar dificuldades; enfrentar tratamento da lesão por pressão; desconhecer o adoecimento cardíaco; receber apoio de familiares e amigos; vivenciar mudanças advindas do adoecimento; e manter a fé em Deus. Apreendido o viver num cotidiano inautêntico, no falatório, na curiosidade e na ambivalência. Aprisionados ao vigor de ter sido, vivem na angústia, amparadas na fé em Deus, sendo-com-os-outros em um movimento de prestimosidade.

Conclusão:

O duplo fenômeno facticial estudado levou os sujeitos a vivenciar modos de ser que devem ser foco de atenção do enfermeiro e da equipe de saúde em seu processo de cuidar. Denota a necessidade de a enfermagem refletir acerca deste vivido e incorporar, na sua prática clínica, um cuidado que alcance a existencialidade humana.

Palavras-chave:
Cuidados de enfermagem; Cardiopatias; Lesão por pressão; Pesquisa qualitativa; Hospitalização; Estomaterapia

ABSTRACT

Objective:

To understand, using Martin Heidegger's phenomenological framework, the Being who experiences a heart disease and develops a pressure injury.

Method:

Qualitative, phenomenological study using Martin Heidegger's theoretical-philosophical-methodological framework. Nine participants were interviewed at their residences, from October to December 2015, Ceará.

Results:

Six meaning units were revealed: experiencing difficulties; dealing with the treatment of pressure wounds; not knowing the cardiac disease; being supported by family and friends; experiencing changes caused by disease; and maintaining faith in God. These Daily life was apprehended in an inauthentic life, chatter, curiosity, and ambivalence. Imprisoned to the vigor of having been, they live in anguish, supported by the faith in God and being-with-others in a movement of attentiveness.

Conclusion:

The phenomenon interferes with patients and families' daily lives rendering them vulnerable. There is a need for nursing to reflect on this experience and incorporate care that reaches human existence.

Keywords:
Nursing care; Heart diseases; Pressure ulcer; Qualitative research; Hospitalization; Enterostomal therapy

RESUMEN

Objetivo:

Comprender, a partir del pensamiento fenomenológico de Martin Heidegger, el Ser que sufre una enfermedad coronaria y desarrolla una lesión por presión.

Método:

Investigación cualitativa, fenomenológica basada en los fundamentos teórico-filosófico-metodológicos de Martin Heidegger. El discurso de nueve entrevistados fue obtenido de octubre a diciembre de 2015, en Ceará.

Resultados:

Seis unidades fueron reveladas: experimentar dificultades; hacer frente al tratamiento; desconocimiento de la enfermedad cardíaca; recibir apoyo; experimentar cambios resultantes de la enfermedad; y mantener la fe en Dios. La vida se aprehendió en una cotidianidad inauténtica, en el chatear, la curiosidad y la ambivalencia. Atrapados por el vigor de haber sido, tienen angustia, sostenidos por la fe en Dios, siendo-con-los-otros, en un movimiento de solicitud.

Conclusión:

El fenómeno interfiere en la vida cotidiana de pacientes y familias, haciéndoles vulnerables. Existe la necesidad de que la enfermería reflexione sobre esa experiencia e incorpore cuidados que lleguen hacia la existencia humana.

Palabras clave:
Atención de enfermería; Cardiopatías; Úlcera por presión; Investigación cualitativa; Hospitalización; Estomaterapia

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) compõem o conjunto de condições que, em geral, estão relacionadas a múltiplas causas, seu curso clínico muda ao longo do tempo, com possíveis períodos de manifestações agudas, um prognóstico usualmente incerto, podendo gerar incapacidades11. Nascimento BR, Brant LCC, Naback ADN, Veloso GA, Polanczyk CA, Ribeiro ALP, et al. Burden of cardiovascular diseases attributable to risk factors in portuguese-speaking countries: data from the “Global Burden of Disease 2019” study. Arq Bras Cardiol. 2022;118(6):1028-48. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20210680
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. Dentre elas, a doença cardíaca apresenta vigorosa carga de morbidades relacionadas, ocasionando um grande número de internações e a perda significativa da qualidade de vida. Cerca de 45% de todas as mortes por DCNT no mundo, ou seja, mais de 17 milhões, são causadas por doenças cardiovasculares (DCV). O mesmo ocorre no Brasil, onde 72% das mortes resultam de DCNT, sendo 30% devidas a DCV22. Ministério da Saúde (BR) [Internet]. Indicadores e dados básicos de saúde - Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2022 Jul 15]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02
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-33. Ramires FJA. Implementation of healthcare quality improvement programs. Arq Bras Cardiol. 2020;115(1):100-1. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20200679
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Inseridas neste contexto as DCV representam hoje, as principais causas de morte no Brasil, e geram altos custos em relação às internações hospitalares ocasionada para diagnóstico, tratamento, complicações, agravamentos de quadro clínico44. Organização Panamericana de Saúde [Internet]. Doenças cardiovasculares. [cited 2020 Feb 05]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5253:doencas-cardiovasculares&Itemid=1096
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Na conjuntura da internação hospitalar, a pessoa cardiopata está sujeita a complicações inerentes ao adoecimento e à hospitalização, dentre as quais estãoàs lesões de pele que abrangem as lesões por pressão (LP), um fator complicador. Isso, em detrimento do tempo de internação, incapacidade de movimentação, déficit neurológico, perda de sensibilidade, idade avançada, nutrição desequilibrada, uso de medicação, função cognitiva, fricção e cisalhamento55. Araújo CAF, Pereira SRM, Paula VG, Oliveira JA, Andrade KBS, Oliveira NVD, et al. Evaluation of the knowledge of nursing professionals in the prevention of pressure ulcer in intensive care. Esc Anna Nery. 2022;26:e20210200. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0200
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Estas lesões representam problema de grande monta e causam preocupação para as instituições, profissionais, paciente e família, suscitando interesse de pesquisadores, enfermeiros e serviços de saúde, pelo aumento da sua incidência e prevalência, particularmente em determinadas populações55. Araújo CAF, Pereira SRM, Paula VG, Oliveira JA, Andrade KBS, Oliveira NVD, et al. Evaluation of the knowledge of nursing professionals in the prevention of pressure ulcer in intensive care. Esc Anna Nery. 2022;26:e20210200. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0200
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. Assim, o adoecimento cardíaco e a hospitalização despertam o olhar clínico do enfermeiro em relação aos danos à integridade da pele, fonte de sofrimento para o paciente e para a família e uma situação ímpar para a intervenção do enfermeiro.

Frente à prática clínica em um hospital público estadual especializado em doenças cardiovasculares, despertou a preocupação com pacientes com lesões por pressão assistidos pela estomaterapia, por ocasião das altas hospitalares, quando ainda demandavam o tratamento da ferida em casa. Considera-se que, nos serviços assistenciais, a equipe multidisciplinar (sobretudo os enfermeiros) tem a responsabilidade de identificar problemas de saúde e educar pacientes para o autocuidado e a minimização de agravos considerando as demandas sociais, políticas e econômicas dos indivíduos e das famílias.

Neste contexto, após a alta hospitalar, os cuidados devem ser continuados, especialmente, quando se trata de prevenir ou tratar uma lesão por pressão. As equipes de saúde devem ter uma boa comunicação que favoreça esta prática. Entretanto, no Brasil, isso muitas vezes ainda não ocorre como esperado66. Machado DO, Mahmud SJ, Coelho RP, Cecconi CO, Jardim GS, Paskulin LMG. Pressure injury healing in patients followed up by a home care service. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e5180016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018005180016
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. Ainda são escassos os estudos sobre a temática, lesão por pressão em indivíduos assistidos na atenção domiciliar.

Um estudo mostrou que as LPs geram nos pacientes dores físicas e emocionais, estresse, desconforto e até rejeição pelas pessoas que os cuidam devido ao mau cheiro decorrente das lesões que apresentam. No nível familiar, há um aumento nas despesas com a compra de materiais adicionais para o atendimento das lesões, uma diminuição na renda familiar por dias não trabalhados e maior estresse devido ao atraso na recuperação e à presença de complicações, o que afeta a dinâmica familiar todos os dias77. Guest JF, Fuller GW, Vowden P, Vowden KR. Cohort study evaluating pressure ulcer management in clinical practice in the UK following initial presentation in the community: costs and outcomes. BMJ Open. 2018;8(7):e021769. doi: http://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-021769
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. Enquanto isso, para o sistema de saúde, aumenta-se os custos, os dias de internação e o número de infecções hospitalares. Perante estas questões, chamou a atenção um fenômeno que necessita de maior investigação: a dupla facticidade existencial diante da vivência simultâneada cardiopatia e da lesão por pressão.

Neste ínterim, salienta-se que a fenomenologia como método de desvelar significados, leva a compreensão de experiências pelo paciente que vivencia a dupla facticidade de ser cardiopata e desenvolver lesão por pressão.

Diante desta demanda, buscou-se a compreensão do vivido nestas duas condições existenciais concomitantes, levando à seguinte questão de investigação: Como a pessoa vivencia o estar debilitada na condição de ser cardiopata eter uma lesão por pressão (ocasionada durante uma internação hospitalar)?

Assim, o objetivo deste estudo é compreender, a partir do pensamento fenomenológico de Martin Heidegger, o Ser que vivencia uma cardiopatia e desenvolve uma lesão por pressão.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho fenomenológico, com base nas pressuposições teórico-filosófico-metodológicas de Martin Heidegger88. Heidegger M. Ontologia: hermenêutica da facticidade. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012.. Tal referencial favorece a imersão do investigador no cotidiano do Ser para desvelar sua essência por meio da expressão de discursos acerca do vivido (LP decorrente de internamento hospitalar para tratamento de cardiopatia).

Buscaram-se os prováveis depoentes em um hospital público especializado em doenças cardiovasculares e pulmonares, que pertence à rede de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), em Fortaleza-Ceará, de outubro a dezembro de 2015. Inicialmente, para viabilizar a etapa de campo, foram realizados levantamentos das altas hospitalares mediante os relatórios do Serviço de Estomaterapia da instituição. De posse dos nomes dos prováveis depoentes o próximo passo foi buscar no Serviço de Arquivo Médico os prontuários e elaborar uma planilha com as identificações sócio-demográficas. Em seguida, por meio de telefonema a autora fez a aproximação mediante a explicação do estudo e convite para a participação da pesquisa. Após o aceite, foram agendadas as visitas em seus domicílios. Foram incluídas, no estudo, nove pessoas cardiopatas de ambos os sexos que se internaram no referido hospital; haviam sofrido lesão por pressão no período de internação; haviam recebido alta há mais de seis meses para continuidade do tratamento da ferida no domicílio, este período de tempo foi considerado razoável para a compreensão do vivido das facticidades experenciadas, permitindo-lhes sobre elas discorrer.

Tinham idade entre 18 a 60 anos, residiam em Fortaleza ou sua zona metropolitana; apresentaram condições clínicas e emocionais de conversar com a entrevistadora, quais sejam: consciente, cooperativo, orientado e eutímico. Seriam excluídos os que apresentassem distúrbios de fala ou déficit cognitivo, entretanto, todos os que foram convidados compuseram o corpus da investigação. A entrevista fenomenológica foi o método de escolha para a coleta das informações99. Ramos CM, Pacheco ZML, Oliveira GS, Salimena AMO, Marques CS. Entrevista fenomenológica como ferramenta de pesquisa em enfermagem: reflexão teórica. R Enferm Cent O Min. 2022 [cited 2022 Sep 08];12:3778. Available from: http://www.seer.ufsj.edu.br/recom/article/view/3778
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. Utilizou-se a seguinte questão norteadora: Como foi, para você, viver a experiência de ter sido internado(a) pelo adoecimento cardíaco, ter desenvolvido uma lesão por pressão e precisar cuidar dela no domicílio? A entrevista foi realizada pela pesquisadora principal, e as falas foram gravadas por um dispositivo gravador de voz e transcritas imediatamente pela mesma pesquisadora. Tais entrevistas tiveram em média uma hora de duração. Salienta-se que a pesquisadora é do sexo feminino, mestre, enfermeira estomaterapeuta e com experiência em condução de entrevista fenomenológica. Não foi estabelecido um relacionamento com os depoentes antes da entrevista.

Para compreensão dos dados, os temas foram derivados das entrevistas. A etapa de análise se deu em dois momentos oriundos da analítica heideggeriana: compreensão vaga e mediana (ou momento metódico inicial) e hermenêutica compreensiva (ou segundo momento metódico). No primeiro momento apreendeu-se o que se mostrou diretamente, ou seja, o primado ôntico ou significâncias ônticas, dando origem a seis Unidades de Significado (US). Essas unidades e seus conceitos fundamentais constituíram o fio condutor que levou ao segundo momento, no qual se explicita o ontológico/sentido a partir do ôntico/significado. Este segundo momento é caracterizado pela passagem do Ente ao Ser. O Enteabrange distintas coisas em diversos sentidos. É tudo aquilo que falamos de uma determinada maneira, como também o que somos. Por sua vez, o Ser é definido como aquilo que se faz presente no ente1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

Este estudo seguiu os princípios éticos nacionais e internacionais de pesquisa com seres humanos1111. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial União. 2013 jun 13 [cited 2022 Sep 08];150(112 Seção 1):59-62. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=13/06/2013&jornal=1&pagina=59&totalArquivos=140
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, com registro nº 1.187.863, CAAE: 47355615.4.0000.5039 de 03 de agosto de 2015. Os depoentes foram identificados coma letra D seguido do numeral de acordo com a sua entrevista (D1, D2, D3...) e foi utilizado o Guia COREQ para a redação do relatório da pesquisa.

RESULTADOS

A compreensão ôntica, imediatamente revelada pelas falas das pessoas estudadas se apresenta como os sentidos heideggerianos das experiências vivenciadas. O encontro fenomenológico com o “Quem” revelado pelos depoentes se configura através de pistas para compreensão dos movimentos existenciais dos entrevistados, caracterizadas brevemente como na faixa etária de 37 a 57 anos, sendo cinco participantes do sexo feminino, todos com fé cristã, quatro viviam em situação matrimonial e apenas um não tinha filhos. Além do adoecimento cardíaco, apresentavam outras comorbidades principalmente diabetes melittus e hipertensão arterial sistêmica.

Os discursos analisados desvelaram quase de forma imediata a capacidade de colocar-se no lugar do outro para compreendê-lo. O ato de apreender as possibilidades manifestadas por meio da fala e da linguagem fez emergir as unidades de significado ou significação. Para o Ser-aí, ter cardiopatia e lesão por pressão significou: vivenciar dificuldades inerentes ao período de hospitalização; enfrentar tratamento da lesão por pressão; desconhecer o adoecimento cardíaco; receber apoio de familiares e amigos; vivenciar mudanças advindas do adoecimento; e manter a fé em Deus. Os discursos conduziram à compreensão vaga e mediana.

A primeira US foi vivenciar dificuldades inerentes ao período de hospitalização. Os depoentes não sabem como surgiram as feridas e a LP constitui um obstáculo para alta, sendo fonte de ansiedade para paciente, família e profissional da saúde, conforme a fala:

[...] me acordei estava com quase dois meses dentro do hospital. Já estava cheia de ferida [...] Eu doida para vim embora [...] a doutora dizia que era uma feridinha e a minha nora dizia que era um feridona (risos); e eu não via. Eu dizia como é essa ferida? E quando é que vou ficar boa disso (da ferida) aqui? (no hospital, expressando raiva) [...] Até que ela (médica) me deu alta, mas só depois de passar por essa doutora (estoma terapeuta), a que tirava as carnes (se referindo ao desbridamento) (D4).

[...] no hospital ensinaram à minha filha [a fazer o curativo] bem direitinho. [...] no hospital minha ferida estava muito profunda, era muito grande, cabia uma mão dentro, era funda [...] eu esperava toda hora receber alta, só que eu não estava boa por total [do coração] (D5).

[...] Sinceramente, eu nunca tinha me internado [...] Não é bom está doente, ali só vai quem está doente, você não vai para ter lazer (D6).

[...] As enfermeiras que tratavam do meu curativo [as estoma terapeutas] eram muito legais, pacientes e educadas. [...] O ruim foi o exame [tomografia]. [...] Tenho medo da mulher que vai tirar meu sangue e o aparelho que vai colocar o soro e o contraste. [...] Não gosto nem de pensar em entrar naquela máquina é o pior exame que existe (D7).

A segunda US foi enfrentar o tratamento e cuidados com a lesão por pressão. O enfrentamento representou a luta pela superação de dificuldades e as repercussões no dia a dia dos entrevistados. As lesões foram consideradas uma “fonte de castigo”, o pior de todo o movimento que abrangeu a doença, a hospitalização e alta.

[...] a questão que, me prejudicava era a ferida. [...] Ninguém merece, é um castigo. [...] Muito ruim, mesmo depois que você está em casa. Para levantar, deitar, é horrível. Para tomar banho, tinha que colocar um plástico, porque não podia molhar. Ave Maria, é ruim demais! Da minha doença toda, o pior que até hoje me perturba é essa ferida. [...] A única coisa que me lembra de que eu tive esse problema todinho [doença cardíaca e hospitalização] é a ferida. Ficou aquela coisa assim, parece que foi uma queimadura, repuxada [cicatriz]; ficou horrível. [...] Tive ferida na cabeça, no bumbum. [...] É porque, assim, parece um aviso, uma coisa todo o tempo lhe avisando que você está com aquilo [a ferida] ali no corpo (D1).

[...] depois de chegar do hospital, foi difícil porque para sair, para andar [...] a ferida era grande, eu não tinha como sentar. Para comer, eu não tinha como sentar, comia em pé, não dava para sair de ônibus. Foi muito difícil [...] era profunda, cabia mais ou menos assim uma maçã dentro, entendeu? [...] foi muito difícil; acho que aquilo [lesão por pressão] ali foi o pior. [...] Mas a ferida foi o pior de tudo que eu sofri durante seis meses [...] (D2).

[...] do período desse ferimento no hospital até eu ficar bom, foram quatro meses, porque de lá passaram mais três meses cuidando desse ferimento. [...] Mas também era muito grande a ferida aqui no bumbum. [...] Eu não sentava do jeito que estou sentada agora [...] foi um período muito ruim com dor, eram melhor deitar de lado. Quando doía um lado eu virava para o outro para não ficar só de um jeito (D3).

A terceira US despontada foi a de desconhecer sobre o adoecimento e tratamento. Aqui se apresenta a falta de conhecimento sobre o processo saúde-doença. Não há compreensão sobre diagnóstico e formas disponíveis de tratamento da cardiopatia e LP, ocorrem falhas de comunicação com os profissionais de saúde, causando manifestações de medo de complicações na ferida, infecção, dor, desempenho sexual, de reinternação e perda da capacidade de viver livre autonomamente.

[...] A minha doença do coração, ainda hoje eu pergunto [...] eu e minha irmã deixamos passar em branco, ninguém perguntou [...] Mas eu passei quase um ano sem tomar o remédio para o coração. [...] A gente fica tão cansada, tem o marca-passo. (D2).

[...] até hoje eu ainda estou para saber o que é [a doença do coração]. Me disseram que era o colesterol.[...] aqui também [aponta para a cabeça - LP], eu não sei dizer se foi coágulo (D3).

[...] eu mando minha filha fazer o curativo porque tenho medo de pegar, Deus defenda, Ave-Maria, uma infecção. [...] eu tenho medo de voltar de novo para o hospital (D5).

[...] Queria até perguntar para o médico, mas estou com vergonha depois de tudo isso que eu passei, e que apareceu em mim. Do coração eu trato [com o médico] porque não é uma coisa que faz vergonha, mas aqui embaixo [relativo à atividade sexual] o médico pode exagerar (D8).

[...] lá no hospital, disseram que era para fazer o curativo, com a pomada X [indicada] eu não gostei, porque suja muito a roupa. [...] Na ferida, eu lavo com pedra ume, já lavei com o que me ensinaram como casca de aroeira, água oxigenada, tudo que o povo ensina, eu coloco (D9).

A quarta US refere-se ao apoio e ajuda de familiares e amigos. O paciente que sai de alta hospitalar com uma LP, para cuidar em domicílio, enfrenta uma série de desafios. O apoio da família e amigos é considerado imprescindível.

[...] Quando eu sai de alta fui para casa do meu irmão por causa do problema da escara, lá tinha o conforto de me cuidar. [...] Acho que eu melhorei devido à família. [...] Todo mundo ajudou a conseguir as pomadas e trazer as coisas para fazer os curativos (D3).

[...] eu tenho minha casa, mas eu vivo mais é aqui na casa da mãe. [...] Eu estou vivendo porque a mãe e o pai estão sustentando eu e meus meninos (D8).

[...] Minha filha é muito boa comigo, é muito zelosa. [...] Meu marido, até curativo meu ele já fez. Ele [o esposo] está gastando o que tem e o que não tem. [...] Então desse dinheiro [salário do marido], ele retira para comprar minhas coisas, para fazer curativos, pomada, gaze, meus remédios. [...] Meu negócio mesmo foi só o gasto [com o curativo] e pronto (D5).

A quinta US foi vivenciar mudanças advindas do adoecimento. Esta US desvela as dificuldades de adaptação às mudanças inerentes ao adoecimento e, mais precisamente, às consequências da LP, visto que tais mudanças são drásticas e requerem a superação de barreiras para o desempenho de atividades corriqueiras (vestir-se, andar, sentar e utilizar transportes coletivos ou particulares).

[...] eu não tenho vontade mais de ir à praia depois que eu fiquei com isso aqui (cicatriz da LP) Não posso mais usar uma roupa de praia porque ficou horrível. Biquíni não dá mais para usar (D1).

[...] A dificuldade que a gente tem (depois da doença) é porque não fica mais a pessoa que era, muda tudo [...] não pode levantar peso, passar pano no chão, mudou muito a minha vida (D2).

[...] eu não posso ficar deitada, tenho que ficar me virando de um lado para o outro. [...] E também tinha que ir [ao hospital para consulta] de carro devido à úlcera, mas mesmo assim me incomodava para sentar, por causa do balanço do carro [...] não posso me sentar direito, nem ir de moto para abrir as pernas, nem de ônibus por causa do balanceado e são três ônibus para chegar lá, aí fica muito cansativo para mim (D7).

[...] depois da cirurgia não voltei a trabalhar. Dá vontade, mas não posso (D9).

A sexta US refere-se amanter a fé em Deus. Os entrevistados se mostraram agradecidos a Deus, esperando graças em suas vidas como a recuperação e a cura. Agradecem às estoma terapeutas e percebem essas profissionais como pessoas importantes no processo de cicatrização das feridas. Ademais, os entrevistados se mostraram gratos e reconheceram a ajuda de familiares e amigos durante o adoecimento.

[...] Minha ferida fechou, graças a Deus. [...] Hoje, está tudo em paz. [...] Se eu estou viva contando a história. Só devo agradecer a Deus. (D2).

[...] Graças à Deus eu tenho essas pessoas que me ajudam. [...] Agradeço muito à Deus por ter acabado com a ferida (D4).

[...] achava que essa ferida era para mais de ano para sarar, porque tenho diabetes. Era uma coisa horrível mesmo. Eu disse assim, eu tenho muita fé em Deus vou ficar boa logo [da ferida] (D5).

[...] Graças a Deus, elas [as enfermeiras estoma terapeutas] cuidaram do meu curativo e eu fiquei boa (D7).

DISCUSSÃO

No fio condutor para a análise ontológica, os fatos cotidianos demonstrados pelos depoentes revelam a compreensão do Ser1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011.. Neste estudo, ao analisar a vivência da cardiopatia e da ferida, de modo concomitante, buscou-se clarificar o fenômeno por meio da análise dos momentos constitutivos apresentados aos enfermeiros no processo de cuidar dessas pessoas. Destarte, o pensamento heideggeriano foi corroborado, ao afirmar que o que se busca nesse tipo de análise não é algo inteiramente desconhecido, embora seja completamente inapreensível na primeira aproximação1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

O conceito do Ser estudado foi desvelado a partir dos significados essenciais apreendidos, mostrando que o fenômeno experienciado (a hospitalização) co-vivido com o surgimento de uma LP e seu subsequente tratamento levou os entrevistados à compreensão da falta de conhecimento sobre o adoecimento e da necessidade de receber apoio de familiares e amigos. Desencadeou-se, assim, um ressentimento frente às mudanças impostas pelo adoecimento e pelas necessidades financeiras. Neste processo, muitos entrevistados buscaram a Deus, e viram na fé o esteio para o enfretamento da situação. Deu-se, assim, o conceito do Ser em investigação, que serviu de fio condutor da análise conduzida no presente estudo.

No caminho hermenêutico compreensivo heideggeriano, conduziu-se duas etapas, a vaga e a mediana, considerando-se a Presença ou Dasein como ser especial. Nesta abertura, arranja-se como factualidade os modos em que as Presenças estudadas se deram na dupla condição (ter cardiopatia e LP), na direção da compreensão do Ser, como modos-de-ser da presença. Tomando por base a obra Ser e Tempo1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011., discute-se, a seguir, o movimento analítico da hermenêutica da facticidade do Ser em estudo.

A Presença investigada manifestou dor, incômodo, tristeza, medo, raiva, solidão e dificuldades financeiras. Tais manifestações são modos-de-ser no mundo simplesmente dado e um vivido que aconteceu em co-partilha existencial com familiares e amigos, tendo, como suporte, a fé e a esperança em Deus.

Assim, lançado no mundo, o Ser cardiopata vive a impropriedade da ferida, sem escolha diante de um fenômeno desconhecido que, no seu existir, descontrói sua essência. Esta nova condição mostra-se à presença como uma surpresa. A surpresa ou espanto é uma experiência de ser arrebatado por uma interrupção da sequência esperada para a vida. Esta surpresa leva a Presença para à angústia diante do novo vivido, no caso a ferida1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

Neste ínterim a LP considerada um evento adverso deve ser meditado pelo enfermeiro em seus processos de cuidar dentro da instituição hospitalar para evitar os transtornos que modificam o cenário e o contexto de cuidado no domicílio1212. Jesus MAP, Pires PS, Biondo CS, Matos RM. Incidência de lesão por pressão em pacientes internados e fatores de risco associados. Rev Baiana Enferm. 2020;34:e36587. doi: http://doi.org/10.18471/rbe.v34.36587
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O enfermeiro deve pensar que é imprescindível prevenir e avançar nas Políticas Públicas para pacientes com LP, além de considerar o julgamento do ser cuidado nas suas ações cuidativas dando-lhe a oportunidade de participar de sua terapêutica ampliando o conceito de solicitude e autenticidade em um cuidado clínico compreensivo observando as repercussões existenciais que certamente interfere na qualidade de vida da pessoa1313. Mendonça PK, Loureiro MDR, Frota OP, Souza AS. Prevention of pressure injuries: actions prescribed by intensive care unit nurses. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4610017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018004610017
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O co-vivido da doença cardíaca e da LP é posto à Presença como um fardo pesado, que causa angústia existencial. A cicatriz decorrente causa desgosto e inquietação, pois é um sinal que faz relembrar a trajetória da doença (marcada pela internação hospitalar e pela ocorrência da ferida), aflorando lembranças e amarguras1414. Silva AL, Silva LF, Souza IEO, Guedes MVC, Araújo MAM, Farias MS. Ser mulher com cardiopatia e desenvolver lesão por pressão na internação hospitalar: sentido do temor. Rev Enferm UERJ. 2017;25:e14509. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2017.14509
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-1515. Lachonius M, Hederstedt K, Axelsson AB. Young adult patients’ experience of living with mechanical circulatory support: a phenomenological hermeneutical study. Nurs Open. 2019;6(2):6518. doi: https://doi.org/10.1002/nop2.247
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Para Heidegger, a angústia é o determinante ontológico da disposição como abertura da Presença para a capacidade cotidiana em assumir seu Ser, de forma autêntica ou não. Este último modo é mais confortável ou cômodo, pois dá a segurança de comportarem-se como todos e, simultaneamente, como ninguém88. Heidegger M. Ontologia: hermenêutica da facticidade. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

Heidegger vai além da descrição do fenômeno, ele se refere a experiência como uma compreensão e interpretação, um esclarecimento explicativo do sentido de ser onde a dimensão da consciência é expressa na linguagem e é histórico-sócio-cultural1616. Guerrero-Castañeda RF, Menezes TMO, Prado ML. Fenomenología en investigación de enfermería. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190059. doi: http://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0059
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Em um mundo no qual o “belo” se apresenta como uma ambição comum, sentir-se agredido em parte do corpo se constitui um fenômeno que aprisiona no cotidiano mundano do dizer por dizer acerca do próprio corpo, próprio do modo-de-ser do falatório, comprometendo a busca de novas possibilidades de existência.

Assim, a falação/falatório se constitui por meio dediscursos de quem tem pouca ou nenhuma informação sobre sua doença e sobre as complicações decorrentese o sujeito vagueia no discurso da falação ouvida de outros. O cotidiano vivido se apresenta, portanto,de modo impessoal/ inautêntico e o falatório prevalece no modo-de-existir mundano desta Presença. Por fim, o sujeito se angustia no seu-ser-no-mundo ao relatar mudanças no seu cotidiano, seja pelo comprometimento das atividades de vida e lazer seja pelo fato de ter sido surpreendido pela dupla facticidade existencial.

Decadente ao falatório, a Presença assume, então, novos modos-de-ser que não são seus, passando a repetir o que se ouve de outros profissionais (o que é assumido como “verdade”). Ao invés de partir da sua própria consciência, o vivido decai no modo inautêntico-de-ser-no-cotidiano a partir do que se ouve. Por outro lado, não se deve dar um valor negativo a essa tendência, mas sim considerar que ela tem um caráter existencial do ser-no-mundo e constitui-se no cotidiano do Dasein1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

Os preceitos heideggerianos referentes à existência da decadência do ser-no-mundo consideram o falatório, a curiosidade e a ambiguidade como existenciais do Ser1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011.. Na curiosidade, a Presença vive sua existência numa tendência de procurar informações relacionadas tanto à doença cardíaca quanto ao tratamento da ferida. Dessa forma, o sujeito relata que trata a ferida com tudo o que lhe é recomendado. Assume-se, assim, a tendência de olhar a circunvizinhança mantendo-se, ao mesmo tempo e na maioria das vezes, na solicitude como uma ocupação do cotidiano.

O conceito heideggeriano de ambiguidade descreve que, no cotidiano, os entrevistados constituem movimentos de entendimento da doença através dos profissionais, das conversas ocasionais com terceiros e mediante a leitura de materiais técnicose não-técnicos (mídia e outros meios). A partir disso, os sujeitos formulam opiniões e, muitas vezes, são sujeitos à ambiguidade na compreensão acerca da doença. Tal compreensão leva à manifestação do “falatório”: tudo parece já ter sido abordado, discutido, apreendido e compreendido1717. Melo MCSC, Souza IEO. Ambiguidade: modo de ser da mulher na prevenção secundária do câncer de mama. Esc Anna Nery. 2012;16(1):41-8. doi: http://doi.org/10.1590/S1414-81452012000100006
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O existencial se faz presente, no modo-de-ser dos entrevistados, como pessoas que-existem-no-mundo que os cerca de forma ambígua: de um lado, tem-se o comparecer às consultas periódicas e, do outro, o não saber sequer o nome da doença que se apresenta, ou dos medicamentos dos quais se faz uso. Desconhece-se, também, a causa da lesão por pressão.

Diante da sensação de dor, a Presença torna a ser experienciada de forma temerosa, levando a um existir inautêntico. Vivencia-se o medo de sentir dor, de desenvolver complicações e de não retornar às suas atividades do cotidiano, caracterizando a inautenticidade do modo de ser e o temor.

O temor oscila entre terror, caracterizado por uma ameaça conhecida que pode ressurgir a qualquer momento, horror, caracterizado pelo medo do desconhecido, e pavor, que é um estado de terror intenso ou exacerbado. Pode ocorrer também a manifestação de um aspecto novo: pavor e horror de forma conjunta1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

Por conhecerem a sensação de dor associada à ferida durante os desbridamentos e trocas de curativos, os entrevistados demonstraram pavor frente a essa situação. O horror se manifestou frente à ameaça do não fechamento da ferida. Por sua vez, o terror se caracterizou pelo medo de sentir dores mais intensas, ter infecções e desenvolver complicações que, eventualmente, poderiam resultar em uma nova internação.

A compreensão acima se embasa nas chamadas Ekstases Temporais do viver humano. Heidegger considera três os momentos constitutivos das Ekstases temporais como abertura para as possibilidades do existir da Presença: o “Vigor de Ter Sido”, o “Instante” e o “Porvir”. Deste modo, a Presença de-cai no mundo se prende ao passado. A ferida é concebida como “o pior” que poderia acontecer. O sujeito se prende ao tempo cronológico requerido para o tratamento da ferida e este tempo é quantificado como uma medida do sofrimento experienciado. Mesmo após a cicatrização da ferida, muitos sujeitos se ativeram à percepção que um dia foram saudáveis, o que demonstra inconformismo frente a essa ocorrência1010. Heidegger M. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes; 2011..

Assim, a Presença que vive a cardiopatia e a ferida em dupla facticidade oscila movimentos que caracterizam o viver autêntico e o inautêntico ligados ao cuidado de si próprio (do Ser/do homem).

Cabe destacar que a investigação fenomenológica tem limitações, dentre elas, o fato de que a compreensão do fenômeno estudado não finda, sendo sempre possível abrir um novo caminho. Apesar disso, é relevante desenvolver pesquisas acerca do fenômeno lesão por pressão em cenários de adoecimento crônico, visto que tais cenários são espaços para o cuidado de enfermagem. Ademais, é necessário fomentar discussões que possam fazer emergir políticas públicas direcionadas à prevenção das lesões por pressão e suas complicações.

CONCLUSÃO

A compreensão apreendida ao longo desta investigação viabilizou uma reafirmação dos modos de ser assumidos no cotidiano das pessoas cardiopatas que experienciaram cuidados da lesão por pressão em domicílio, situação que as tornam vulneráveis em sua existencialidade. O duplo fenômeno facticial estudado levou os sujeitos a vivenciar modos de ser que devem ser foco de atenção do enfermeiro e da equipe de saúde em seu processo de cuidar. Tal foco deve ser dado desde o momento da admissão hospitalar, estendendo-se a potencial necessidade de cuidados domiciliares.

A cicatrização de uma ferida é extremamente importante, porém, procurar modos de cuidar que envolvam o movimento existencial do Ser na dupla facticidade de ser cardiopata e ter lesão por pressão, também o é. Assim, devem-se reconhecer as necessidades e demandas do indivíduo, dando-lhe voz durante a elaboração do plano de cuidados. Ademais, o desvelamento das manifestações experienciadas pode ser útil durante o planejamento e a implementação dos cuidados de enfermagem, favorecendo a participação do sujeito durante o seu cuidado e sua autenticidade.

Finalmente, o presente estudo tem sua relevância ancorada na contribuição para a ciência da Enfermagem, visto que o referencial teórico-metodológico-filosófico de Martin Heidegger utilizado favorece a percepção da intersubjetividade segundo a ótica do cuidado clínico compreensivo. Assim, espera-se contribuir para a leitura de outras facetas em investigações futuras tendo, como metas, a prevenção das lesões por pressão e a promoção da saúde respeitando as dimensões existenciais dos sujeitos que recebem o cuidado.

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Editado por

Editor associado:

Helena Becker Issi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2022
  • Aceito
    18 Nov 2022
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