Construção e validação de um instrumento para avaliação do conforto de adolescentes em tratamento quimioterápico

RESUMO

Objetivo:

Construir e validar um instrumento de autorrelato para avaliação do conforto de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico.

Métodos:

Estudo metodológico desenvolvido em cinco etapas: revisão de escopo; estudo qualitativo para caracterização do conforto na perspectiva do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico; construção do instrumento; validação de conteúdo do instrumento por experts; pré-teste com grupo de adolescentes.

Resultados:

Na revisão de escopo, identificaram-se 20 alterações de conforto; quanto à perspectiva do conforto para o adolescente, foi possível identificar os efeitos em seu cotidiano e o impacto no tratamento quimioterápico; na validação de conteúdo, o índice foi de 0,96 e Alfa de Cronbach 0,87. No pré-teste, o instrumento obteve a versão final com 37 itens e Alfa de Cronbach 0,94.

Conclusões:

O instrumento de autorrelato construído e validado apresentou boa confiabilidade relacionado aos parâmetros psicométricos satisfatórios, podendo ser utilizado pelo enfermeiro na prática clínica, para avaliação do conforto e evidenciar alterações.

Palavras-chave:
Adolescente; Antineoplásicos; Conforto do paciente; Oncologia; Pesquisa metodológica em enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To build and validate a self-report instrument to assess the comfort of adolescents with cancer undergoing chemotherapy.

Methods:

This methodological study was developed in five stages: scoping review; qualitative study to characterize comfort from the perspective of adolescents with cancer undergoing chemotherapy; instrument construction; instrument content validation by experts; pre-test with a group of adolescents.

Results:

In the scoping review, 20 comfort changes were identified; regarding the perspective of comfort for adolescents, it was possible to identify the effects on their daily lives and the impact on chemotherapy; in content validation, the index was 0.96 and Cronbach’s Alpha 0.87. In the pre-test, the instrument obtained the final version with 37 items and Cronbach’s Alpha 0.94.

Conclusions:

The constructed and validated self-report instrument showed good reliability related to satisfactory psychometric parameters and can be used by nurses in clinical practice to assess and evidence comfort changes.

Keywords:
Adolescent; Antineoplastic agents; Patient comfort; Medical oncology; Nursing methodology research

RESUMEN

Objetivo:

Construir y validar un instrumento de autoinforme para evaluar el confort de adolescentes con cáncer en quimioterapia.

Métodos:

Estudio metodológico desarrollado en cinco etapas: revisión de alcance; estudio cualitativo para caracterizar el confort en la perspectiva de adolescentes con cáncer en quimioterapia; construcción de instrumentos; validación del contenido del instrumento por expertos; prueba previa con un grupo de adolescentes.

Resultados:

En la revisión del alcance, se identificaron 20 cambios en la comodidad; en cuanto a la perspectiva de la comodidad de los adolescentes, fue posible identificar los efectos en su vida cotidiana y el impacto en el tratamiento de quimioterapia; en la validación de contenido el índice fue de 0,96 y el Alfa de Cronbach de 0,87. En el pretest, el instrumento obtuvo la versión final con 37 ítems y Alpha de Cronbach 0,94.

Conclusiones:

El instrumento de autoinforme construido y validado mostró buena confiabilidad relacionada con parámetros psicométricos satisfactorios, y puede ser utilizado por enfermeros en la práctica clínica para evaluar el confort y evidenciar modificaciones.

Palabras clave:
Adolescente; Antineoplásicos; Comodidad del paciente; Oncologíamédica; Investigación metodológica en enfermería

INTRODUÇÃO

O câncer na adolescência corresponde a um grupo de doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais transformadas pela mutação de sua genética, podendo ocorrer em qualquer local do organismo. Sua maior incidência ocorre em adolescentes de 15 a 19 anos, prevalecendo os linfomas (Hodgkin e não-Hodgkin), leucemias; tumores: cerebrais, de medula espinhal, ósseos e de testículo1. Estima-se que, no Brasil, serão diagnosticados cerca de 4.299 a 4.597,e no mundo,131.494 a 136.133 mil novos casos de câncer em adolescentes com idades de 10 a 19 anos, entre o quinquênio de 2020 a 20252.

A quimioterapia é uma das modalidades instituídas no tratamento do câncer na adolescência3. Entretanto, as drogas citotóxicas, ao interferirem no ciclo celular, comprometem o mecanismo de síntese das enzimas responsáveis pelo seu metabolismo e desencadeiam efeitos adversos e toxicidades, ocorrendo de forma sistêmica em células de rápida proliferação, como as do tecido hematológico, da mucosa gastrointestinal, e não apenas em células neoplásicas4.

Estes efeitos no adolescente desencadeiam manifestações como: náuseas, vômitos, perda de peso, alopecia, hematomas, epistaxe, mucosites e diarreia. Essas alterações desenvolvem baixa autoestima, em razão do distúrbio da imagem corporal, acarretando preocupação e tristeza3^-5. Tais modificações provocam incômodos e podem evoluir para alteração do conforto e desfechos negativos em seu enfrentamento e adaptação ao tratamento quimioterápico6.

Nesse sentido, conforto é definido como experiência imediata de ser atendido nas necessidades humanas básicas de facilidade, alívio e transcendência7^,8. Dessa forma, facilidade é o estado de calma ou contentamento; alívio é a experiência de um paciente que teve uma necessidade atendida; e, transcendência é definido como o estado em que o paciente se eleva acima dos problemas ou da dor7^,8.

As necessidades humanas de conforto se apresentam nos quatro contextos da experiência humana, sendo eles: Física - pertencente às sensações corporais e aos mecanismos homeostáticos que poderão ou não estarem relacionados a diagnósticos específicos; Psicoespiritual - refere-se à consciência de si próprio, autoestima, o autoconceito, o sentido da vida e a relação com um ser ou ordem superior; Sociocultural - pertence às relações interpessoais, familiares e sociais; Ambiental - pertence às condições e influências externas a luz, o barulho e temperatura do meio em que o paciente vive7^,8.

Por meio do contexto da teoria apresentada, o conhecimento das alterações do conforto pelos profissionais de saúde são indispensáveis no acompanhamento do adolescente no tratamento quimioterápico, pois a avaliação correta dessas alterações fornece subsídios para diminuir os riscos e as complicações ao adolescente. Com isso, é possível reduzir a morbidade e melhorar o conforto e a qualidade de vida do adolescente na adaptação à terapêutica6^,9.

Por essa razão, faz-se necessária a avaliação adequada do conforto do adolescente em tratamento quimioterápico, pois esse conhecimento irá subsidiar o enfermeiro no planejamento do cuidado, com intervenções direcionadas aos fatores das alterações do conforto durante o tratamento, além de possibilitar a promoção de uma assistência de qualidade e direcionada à essa população10^,11. Assim, a compreensão do conforto pelos profissionais de saúde possibilita um cuidado individualizado e qualificado, focado no adolescente e não apenas na doença11.

Apesar da existência de estudos6^,9 que analisam o conforto de adolescentes com câncer, não foi identificada na literatura nacional e internacional um instrumento validado e confiável para avaliar o conforto do adolescente em tratamento quimioterápico. Por esta razão, a relevância desta pesquisa da construção e validação de um instrumento para este público.

Diante da importância da avaliação do conforto dos adolescentes com câncer e como as manifestações provocadas pela terapêutica antineoplásica poderão afetá-los e pela ausência de instrumentos que avaliam estas alterações no público apresentado, emergiu a seguinte questão de pesquisa: um instrumento de autorrelato para avaliação do conforto de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico apresenta as propriedades psicométricas válidas e confiáveis para sua aplicabilidade nesta população?

Assim, o objetivo deste estudo foi construir e validar um instrumento de autorrelato para avaliação do conforto de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa metodológica, desenvolvida em cinco etapas: scoping review; estudo qualitativo para caracterização do conforto na perspectiva do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico; construção do instrumento; validação de conteúdo do instrumento por experts; pré-teste com grupo de adolescentes. Estas etapas foram eleitas mediante ao referencial da psicometria, a qual norteia a construção de instrumentos de medida em saúde12^,13.

Na primeira etapa, ocorreu a busca das alterações do conforto de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, por meio de uma scoping review baseada no referencial da Joanna Brigs Institute (JBI)14, realizada nos meses de maio a julho de 2020, através dos recursos informacionais eletrônicos: Biblioteca Virtual em Saúde; National Institutes of Health's National Library of Medicine; Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature; SciVerse Scopus; Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; Web of Science; e Google Scholar.

Utilizaram-se os seguintes termos em saúde para recuperação dos estudos publicados: Adolescente -“Adolescent”; Neoplasias - “Neoplasms”; Câncer - “Cancer”; Oncologia - “Medical Oncology”; Tumor - “Tumor”; Conforto do Paciente - “Patient Comfort”; Bem-Estar do Adolescente - “Adolescent Welfare”; antineoplásicos “Antineoplastic Agents”; Quimioterapia - “Chemotherapy”. Para busca e seleção dos estudos, foi estabelecida a questão norteadora: Quais as evidências científicas acerca dos efeitos do tratamento quimioterápico no conforto de adolescentes com câncer?

Na segunda etapa, ocorreu a entrevista dos adolescentes e com os seus familiares em um hospital oncológico pediátrico filantrópico, referência em tratamento do câncer infanto-juvenil no sul do Brasil, nos meses de agosto a setembro de 2020. Essa ação teve a finalidade de compreender o significado do conforto para o adolescente com câncer em tratamento quimioterápico.

Os critérios de inclusão dos participantes foram: adolescentes diagnosticados com câncer em tratamento quimioterápico, com idade entre 10e 19 anos. Essa faixa etária foi selecionada de acordo com as definições da Organização Mundial da Saúde, que estabelece a adolescência de 10 a 19 anos completos15.

Foram excluídos os adolescentes com rebaixamento de nível de consciência, com comunicação oral e acuidade auditiva não preservadas, os quais impossibilitam a entrevista. A seleção dos participantes na segunda etapa ocorreu por meio de amostragem não-probabilística por conveniência. Foram convidados 10 adolescentes, e todos aceitaram participar da pesquisa.

As entrevistas foram agendadas e realizadas em sala privativa na unidade de internação, para garantir privacidade e minimizar as interferências. A partir do consentimento prévio dos adolescentes e da autorização de seus pais, a proposta do estudo foi apresentada e explicada. Todos os adolescentes foram entrevistados individualmente e acompanhados por seus respectivos familiares.

As entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores, por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada, que abordou questões relacionadas ao conforto do adolescente em seu processo de tratamento, tais como: Você poderia contar o que entende por conforto? O que te deixa confortável no seu dia? O que te deixa desconfortável ou com mal-estar no seu dia-a-dia? Você poderia me contar como se sente durante e após o tratamento quimioterápico? As entrevistas foram audiogravadas por meio de um gravador digital, com duração média de 20 minutos.

A realização das entrevistas encerrou-se mediante constatação da saturação dos dados16, uma vez que os pesquisadores perceberam a repetição sucessiva do conteúdo nos depoimentos. Para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de Bardin17, por meio das seguintes etapas: I - pré-análise, onde se deu a leitura flutuante e organização do material; II - exploração do material,quando ocorreu a codificação e a categorização das respostas dos participantes; III - tratamento dos resultados, inferências e interpretação,em que foi realizada a análise crítica dos dados obtidos.

Posteriormente, os dados levantados na scoping review e na entrevista dos adolescentes foram categorizados por meio da estrutura conceitual do conforto7^,8⁾ na terceira etapa. Os itens foram constituídos pelo escore no formato Likert, com seis alternativas para serem autoaplicáveis de seis pontos (ou níveis),variando de: 0 - não se aplica, 1 - totalmente confortável, 2 - muito confortável, 3 - mais ou menos confortável, 4 - pouco confortável e 5 - nada confortável.

Destaca-se que o instrumento possui uma alternativa aberta, caso o participante queira relatar algo não abordado pelas questões, ou expressar sentimentos e incômodos adicionais ocorridos ao longo do tratamento. O instrumento de autorrelato foi nomeado de: Escala de conforto holístico para adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico “ECON-AD”, em sua primeira versão com 35 questões objetivas e uma questão subjetiva.

Após a construção da ECON-AD, ocorreu a quarta fase, que consistiu na Validação de Conteúdo. Esta ocorreu com a participação de experts, para avaliar à fidedignidade do instrumento quanto à sua construção e aplicabilidade, permitindo a fiel mensuração daquilo que se pretende avaliar12^,13.

Os critérios de inclusão dos experts foram adaptados por meio dos critérios de Fehring18, os quais foram: ser enfermeiro - especialista nas áreas do conhecimento em saúde do adolescente ou em pediatria, oncologia, ou em cuidados paliativos; mestre ou doutor em enfermagem ou nas áreas de conhecimento em saúde; possuir experiência em saúde do adolescente, oncologia infanto-juvenil e que tenham conhecimento da teoria do conforto7^,8.

Para selecioná-los, foi realizada uma busca na Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/), em dezembro de 2020. Inicialmente, emergiram 350 currículos, dos quais 85 foram selecionados por atenderem aos critérios de inclusão estabelecidos. A partir disso, foi iniciada a primeira rodada, com o encaminhamento da carta convite aos selecionados, solicitando sua colaboração no processo de validação da ECON-AD. O contato foi realizado por e-mail, como link do formulário Google Forms ^® para registro da participação e validação do conteúdo do instrumento.

Para Validação de Conteúdo da ECON-AD, optou-se pela utilização da técnica de Delphi19, que é considerada uma ferramenta que busca um consenso de opiniões entre experts a respeito de um determinado objeto de pesquisa. Ao final da primeira rodada em fevereiro de 2021, 15 participantes fizeram a devolutiva do instrumento.

Após, ocorreu a verificação do construto mensurado e avaliação das propriedades psicométricas, por meio do Índice de Validade de Conteúdo (IVC). Cada uma das questões foi acompanhada da escala de Likert, com pontuação que variou de 1 a 4, em que: 1 = não adequado; 2 = pouco adequado; 3 = consideravelmente adequado e, 4 muito adequado. Para o cálculo do IVC, foi utilizada a seguinte fórmula: número de respostas 3 ou 4 divididos pelo número total de respostas.

Para o índice de concordância aceitável, padronizou-se o índice de no mínimo 0,80 ou 80%. Para avaliar a confiabilidade e a consistência interna, utilizou-se o teste Alfa de Cronbach, estabelecendo-se que escores > 0.70 foram considerados adequados12^,13. Após duas rodadas do instrumento, obteve-se o consenso entre os experts e foram alcançados o IVC global e a confiabilidade esperada do instrumento.

Após a análise, verificou-se que alguns itens não alcançaram o IVC e os escores de confiabilidade esperados, o que apontou a necessidade de edição do instrumento conforme recomendação dos experts. Realizou-se a segunda rodada da Validação de Conteúdo da ECON-AD para o ajuste adequado do instrumento. Desta forma, em março de 2021, o instrumento foi submetido para os experts selecionados. Ao final da segunda rodada, em abril de 2021, 12 experts devolveram o instrumento. Após duas rodadas, obteve-se o consenso entre os experts e tanto o IVC global e a confiabilidade do instrumento foram alcançadas.

Na sequência da validação pelos experts, o instrumento foi submetido à quinta etapa, constituída pela aplicação do pré-teste e avaliação da consistência interna do instrumento, entre junho e agosto de 2021. Esta etapa teve como objetivo verificar se os itens do instrumento são compreendidos pela população que irá utilizá-lo12^,13. Para atingi-lo, a ECON-AD foi submetida aos adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, seguindo os mesmos requisitos dos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos na etapa 2.

Foram selecionados 33 adolescentes conforme as recomendações estabelecidas pelo referencial metodológico o qual cita que 30 sujeitos alvos com as características a serem avaliadas pelo instrumento são suficientes para atingir os requisitos do pré-teste12^,13. Ao final dessa etapa, o instrumento não obteve necessidade de mudanças e foi bem aceito pelos participantes.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que ocorreu o estudo, com o Parecer Consubstanciado nº 4.151.488 e CAAE 30907220.2.0000.0098. Os participantes adolescentes maiores de 18 anos, familiares e experts assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e os adolescentes menores de 18 anos assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, atendendo às normas éticas nacionais e internacionais de pesquisa envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde. Além disso, foi preservado o anonimato dos participantes, que passaram a ser identificados pela letra P (participante) seguida pelo número da ordem de entrevista do conforto na segunda etapa. Por exemplo: P1, P2, P3 [...] e assim sucessivamente.

RESULTADOS

Os resultados apresentam as cinco etapas da pesquisa: a primeira descreve como ocorreu a scoping review; em seguida, a caracterização do conforto na perspectiva do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico; a construção do instrumento de autorrelato; avalidação de conteúdo do instrumento por experts; e por último, o pré-teste junto ao público-alvo.

A busca para a scoping review resultou em 4295 artigos, destes 20 estudos compuseram a amostra final para mapeamento das evidências. Entre os artigos selecionados, foi possível identificar 20 alterações no conforto do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico para a construção do instrumento a ser validado pelos experts. Salienta-se que as alterações de conforto evidenciadas por meio da scoping review encontram-se disponíveis em um protocolo na plataforma da Open Science Framework (OSF)20, sob o número OSF.IO/6A7Q9 e link para acesso: https://osf.io/6a7q9/.

Em seguida, ocorreu a entrevista com 10 adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, com idades entre 10 a 18 anos. Na análise de conteúdo das respostas dos participantes, emergiram duas temáticas que expressaram o significado de conforto para os adolescentes: o conforto no cotidiano do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico e o impacto no conforto do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico, conforme apresenta o Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 -
Relatos dos significados do conforto para os adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico. Curitiba, Paraná, Brasil, 2020

Temática: Conforto no cotidiano do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico	Temática: Impacto no conforto do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico
Conforto é quando você se sente bem em algum lugar. (P2) Os enfermeiros e médicos conversam bastante comigo, me dão muita atenção e me sinto alegre e feliz. (P5) O hospital me deixa confortável pois é bem colorido. (P9)	Quando faço quimioterapia, eu tenho náusea, vômitos, enjoo, falta de apetite, fraqueza e dor. (P3) Estou longe dos amigos e da família. (P3) Me sinto triste por estar longe da família (P4)

• ^Fonte:
  Dados da Pesquisa, 2020.

Os significados de conforto, segundo os participantes, foram positivos quanto à satisfação, comodidade, apoio dos profissionais de saúde e da estrutura física da instituição agradável.Como desconfortos,apontaram o desenvolvimento de sintomas, alterações funcionais e afastamento da rede de apoio de familiares e amigos.

A partir dos resultados da scoping review e da entrevista, foi possível construir os itens do instrumento e categorizá-los para os domínios da estrutura conceitual do conforto7^,8, conforme apresenta a Figura 1.

Figura 1 -
Categorização dos itens do instrumento nos domínios da estrutura conceitual do conforto7^,8. Curitiba, Paraná, Brasil, 2021

Para a etapa de Validação de Conteúdo, foram, na primeira e na segunda rodada, 15 e 12 experts, respectivamente. Em relação às características do perfil dos participantes, todas foram do gênero feminino (100%), e predominaram na primeira e segunda rodada, sequencialmente: idade de 20 a 30 anos - 6 (40%)/6 (50%); estado de origem - Paraná 12 (80%)/9 (75%); titulação de Especialização e Mestrado - 12(80%)/8 (67%); tempo de atuação em anos 10 ± 8/8,7 ± 8,8.

Em relação ao IVC, a pontuação feita pelos experts variou de 0,73 a 1,0 com média de 0,96.A consistência interna do instrumento alcançou o coeficiente de Alfa de Cronbach geral de 0,76,representando uma consistência substancial. Observou-se que as 36 questões da primeira rodada de Delphi obtiveram resultado satisfatório em relação à validação de conteúdo do instrumento, conforme apresenta a Tabela 1.

Tabela 1 -
Itens da ECON-AD avaliados pelos experts na primeira rodada. Curitiba, Paraná, Brasil, 2021

Itens do instrumento		IVC*	Consistência Interna†
1	Estou conseguindo dormir.	1,0	0,74
2	Estou conseguindo comer.	1,0	0,73
3	Eu me sinto bem com meu corpo.	1,0	0,76
4	Estou me sentindo confiante.	1,0	0,75
5	Deus está me ajudando.	0,86	0,80
6	Estou com esperança no tratamento quimioterápico.	0,93	0,75
7	Eu consigo me divertir ou brincar.	1,0	0,73
8	Eu tenho apoio da família e de amigos.	1,0	0,75
9	Estou conseguindo passear.	0,93	0,75
10	Eu me sinto cuidado pela equipe do hospital.	1.0	0,76
11	Eu me sinto orientado acerca do tratamento quimioterápico.	1,0	0,75
12	Sinto-me bem quanto estou em casa.	0,93	0,77
13	Gosto do quarto do hospital tranquilo.	0,73	0,74
14	Sinto-me bem na sala de quimioterapia ou no quarto.	0.86	0,74
15	Eu tenho privacidade o suficiente durante a quimioterapia no ambulatório ou no quarto.	0,93	0,73
16	Sinto falta de ar.	1,0	0,76
17	Tenho náusea e/ou vômitos	1,0	0,76
18	Tenho feridas na boca que me incomodam.	1,0	0,75
19	Eu me sinto cansado.	1,0	0,76
20	Sinto falta do meu cabelo.	0,93	0,77
21	Estou com dor.	1,0	0,76
22	Estou com diarreia ou com intestino preso.	0,80	0,74
23	O cateter para quimioterapia “no braço, pescoço e no peito” me incomoda.	0,93	0,73
24	Sinto medo do tratamento quimioterápico.	1,0	0,76
25	Estou ansioso.	1,0	0,76
26	Tenho vontade de chorar.	1,0	0,76
27	Estou me sentindo triste.	1,0	0,76
28	Estou com vergonha.	1,0	0,76
29	Estou desanimado.	1,0	0,76
30	Sinto dificuldade para tomar banho, me higienizar e me vestir sozinho.	0,93	0,73
31	A quimioterapia me incomoda.	0,93	0,74
32	Tenho dificuldade para estudar durante a quimioterapia.	1,0	0,76
33	Estou com frio.	1,0	0,76
34	Eu preciso de uma poltrona ou de uma cama confortável durante a quimioterapia.	0,93	0,73
35	Eu não gosto de ficar no quarto de isolamento.	1,0	0,76
36	Você gostaria de falar algo mais? Escreva aqui	1,0	0,76

• ^Fonte:
  Dados da Pesquisa, 2021.
• ^Notas:
  *IVC: Índice de Validade de Conteúdo. ^†Alfa de Cronbach.

Na primeira rodada, houve a necessidade de excluir o item 13 “Gosto do quarto do hospital tranquilo”, pois não alcançou o IVC satisfatório de no mínimo 0,80. Os experts também recomendaram modificar os itens: 10, 11, 19, 25, 29 e 30, para direcioná-los ao gênero masculino e feminino; item 5, direcioná-lo para crença religiosa em geral; item 14 foi desmembrado para dois itens “Sinto-me bem na sala de quimioterapia” e “Sinto-me bem no quarto do hospital”; item 22 foi desmembrado para dois itens “Estou com diarreia” e “Estou com intestino preso”; item 23 teve a inserção de outras topografias do cateter “O cateter para quimioterapia me incomoda (peito, braço ou em outro local)”.

Após os ajustes necessários, a ECON-AD foi composta por 37 itens (36 objetivos e um subjetivo, para oportunizar ao adolescente relatos diferentes quanto aos desconfortos até então abordados).Após isso, foi submetida para a segunda rodada de avaliação pelos experts. Em relação ao IVC, a pontuação variou de 0,83 a 1,0 com média de 0,96.

Quanto à consistência interna do instrumento, o coeficiente de Alfa de Cronbach geral resultou em 0,87 representando uma consistência quase perfeita. Observou-se que as 37 questões da segunda rodada de Delphi obtiveram os escores satisfatórios em relação à validação de conteúdo do instrumento e confiabilidade12^,13, não sendo necessária a terceira rodada.

Dessa forma, após a realização das duas rodadas, o instrumento foi submetido ao pré-teste junto ao público-alvo, ou seja, os adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico. Nesta etapa, foram recrutados 33 participantes, prevalecendo o gênero masculino 18 (55%), a escolaridade a nível fundamental incompleto 17 (52%) e cor branca 22 (67%). Quanto ao diagnóstico, prevaleceram as leucemias com 12 (37%) e o setor de atendimento predominou a enfermaria com 17 (52%) participantes internados.

Após o preenchimento do instrumento pelos participantes, não houve necessidade de edição, pois a interpretação do instrumento foi clara e objetiva. Desta forma, não surgiram dúvidas quanto ao seu autorrelato do conforto no tratamento quimioterápico. Quanto à confiabilidade, os escores alcançaram o coeficiente de Alfa de Cronbach geral de 0,94, representando uma consistência quase perfeita. Observou-se que as 37 questões nesta etapaobtiveram os escores satisfatórios12^,13.

Salienta-se que os itens objetivos do instrumento foram constituídos pelo escore no formato da escala de Likert, com seis alternativas para serem autoaplicáveis de seis pontos (ou níveis), variando de: 0 - não se aplica, 1 - totalmente confortável, 2 - muito confortável, 3 - mais ou menos confortável, 4 - pouco confortável e 5 - nada confortável. Cada um dos 36 itens foi calibrado de forma crescente, ou seja, quanto maior o valor atribuído aos itens, maior o grau de desconforto. Destaca-se que o último item do instrumento possui uma alternativa aberta, caso o adolescente queira relatar algo não abordado pelas questões, ou expressar sentimentos e incômodos adicionais ocorridos ao longo do tratamento.

Em cada alternativa, o enfermeiro em sua avaliação poderá assinalar o escore do conforto do adolescente ou o próprio paciente poderá relatar a sua sensação no momento da avaliação, levando em consideração que o instrumento foi formulado para autorrelato do conforto.

Na experiência dos autores, reitera-se que a construção da ECON-AD propiciou a formulação de um instrumento que reflete os relatos do conforto dos adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, possibilitando que seja amplamente utilizada na prática clínica. A aplicação da ECON-AD permite aos enfermeiros, o auxílio no desenvolvimento do raciocínio clínico na avaliação do adolescente em tratamento quimioterápico, na avaliação do conforto e por meio de suas alterações, elaborar um planejamento de cuidados individualizados conforme a necessidade destes pacientes.

A versão final do instrumento validado encontra-se disponível na íntegra gratuitamente no link: https://drive.google.com/file/d/18RQ58fu4yjNvJIvej5KMTa8k7HD2vkqp/view?usp=sharing.

DISCUSSÃO

Esta pesquisa apresentou as etapas de construção e validação de um instrumento de autorrelato para avaliar o conforto do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico, a partir de um consenso de experts na área do conhecimento e aplicação do pré-teste ao público-alvo.

Neste estudo, os itens do instrumento foram categorizados por meio da estrutura conceitual do conforto7^,8, que retratam a multidimensionalidade do conforto como constatado por outros estudos envolvendo adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, realizados na Turquia e na Suécia. Neles, os autores observaram que a promoção do conforto implica em conciliar sensibilidade, racionalidade e condições materiais na atenção do adolescente e toda a sua família, tais como: ambiente hospitalar agradável, apoio familiar e de profissionais de saúde, bem como o suporte psicológico e espiritual para o enfrentamento do tratamento quimioterápico9^,21.

Após a construção da ECON-AD, a validação de conteúdo pelos experts configurou uma etapa importante, pois nesse momento foi verificado se o instrumento realmente mensurava aquilo que ele se propunha a medir12^,13. O desmembramento e os ajustes das questões contribuíram para que não houvesse duas perguntas em um único item, o que poderia prejudicar a escolha das respostas pela população alvo.

Considerando que o número de experts recomendado pela literatura foi respeitado, e que a concordância mínima entre os avaliadores foi igual ou superior a 0,8012, pode-se afirmar que esses valores foram aceitáveis com o intuito de garantir a relevância e representatividade do conteúdo de cada item12^,13.

Neste sentido, os escores do IVC obtidos nesta pesquisa corroboram com um estudo de validação transcultural da versão brasileira do General Comfort Questionnaire, no qual foi avaliado por 22 juízes quanto à clareza, compreensão, relevância, associação com o conforto e classificação dos itens nos domínios. Assim, torna-se válido para mensurar o conforto, uma vez que o IVC geral foi de 0,8122.

Quanto à avaliação da confiabilidade, a literatura indica que os valores ideais Alfa de Cronbach devem permanecer entre 0,70 e 1,012^,13. Portanto, afirma-se que os escores totais apresentados pelos experts nesta pesquisa foram satisfatórios (0,87), reforçando que as respostas dos avaliadores obtiveram uma boa correlação referente a concordância dos itens da ECON-AD.

Esses achados são similares à versão espanhola do Hospice Comfort Questionnaire, que avalia o conforto de pacientes em cuidados paliativos. Este apresentou, na validação de conteúdo, a consistência interna com Alfa de Cronbach de 0,89 em seu estudo de adaptação transcultural23. Portanto, os resultados apresentados na validação de conteúdo realizada com os experts apontam que os itens do instrumento ECON-AD possuem a pertinência necessária e são apropriados para serem utilizados na avaliação do autorrelato de conforto do adolescente com câncer em tratamento quimioterápico.

O detalhamento dos itens contribuiu para que os adolescentes não tivessem dificuldades de interpretação, o que foi evidenciado pela ausência de observações pelos participantes do pré-teste. Verificou-se que o instrumento obteve índice de consistência interna alto, apresentando-se com potencial para ser utilizado na prática clínica junto aos adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, o qual alcançou o Alfa de Cronbach geral de 0,94.

Este escore foi mais elevado que o pré-teste encontrado na versão Brasileira do General Comfort Questionnaire para pacientes renais crônicos, que foi de 0,8024. Portanto, afirma-se que os resultados desta pesquisa se apresentaram satisfatórios, reforçando o poder da ferramenta na mensuração do que realmente se propõe.

Este estudo representa um avanço para a pesquisa visto que as etapas metodológicas de construção e validação da ECON-AD seguiram com rigor todas as recomendações científicas, utilizando testes estatísticos consolidados para tornar a ferramenta confiável e adequada12^,13^,18^,19.

Além disso, a aplicação deste instrumento permitirá aos adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico relatar as alterações e sensações de conforto que poderão impactar no seu processo de tratamento, subsidiando os enfermeiros e demais profissionais de saúde a mensurar este construto e planejar um cuidado que vise ao conforto e à qualidade da assistência.

CONCLUSÕES

Este estudo atingiu seu objetivo de construir e validar um instrumento de autorrelato para avaliação do conforto de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, por meio de consenso entre experts e aplicação do pré-teste ao público-alvo. Os escores obtidos na validação de conteúdo e pré-teste deste estudo são similares a pesquisas de validação de instrumentos de medida de conforto. Dessa forma, foi evidenciada a qualidade e a confiabilidade deste instrumento.

A ECON-AD representa um avanço na construção de um instrumento de medida que poderá auxiliar enfermeiros e demais profissionais de saúde a refletirem e compreenderem as situações de conforto e desconforto vivenciadas pelos adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico. Além disso, os resultados decorrentes de sua aplicação contribuirão para a avaliação da eficácia do cuidado na promoção do conforto desses pacientes, uma vez que é capaz de direcionar a tomada de decisão para as intervenções em saúde.

Esta pesquisa apresenta algumas limitações. Para compor a amostra do pré-teste, seguiram-se as recomendações da literatura; o recrutamento dos adolescentes foi conduzido em uma única instituição hospitalar, o que limita a generalização dos resultados. Investigações adicionais serão necessárias para checar as propriedades psicométricas da ECON-AD em outras populações de adolescentes com câncer em tratamento quimioterápico, bem como a validação clínica do instrumento. Essas limitações podem configurar possibilidade de pesquisas futuras.

Contudo, a ECON-AD é um instrumento de avaliação que contribuirá na prática clínica do enfermeiro, em evidenciar as alterações de conforto e desenvolver intervenções de enfermagem específicas e individualizadas para o adolescente com câncer em tratamento quimioterápico. Também poderá ser utilizado nas áreas de formação, pesquisa e extensão, bem como nas instituições de saúde, pois oferece subsídios para o gerenciamento do cuidado ao adolescente, para promover a qualidade da assistência de enfermagem e melhorar a aderência destes pacientes no tratamento quimioterápico.

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Editado por

Editor associado:

Helena Becker Issi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  22 Fev 2022
• Aceito
  15 Ago 2022