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Vivência dos condutores de ambulância sobre transferência de pacientes suspeitos ou confirmados para COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Desvelar a vivência dos condutores de ambulância sobre transferência de pacientes suspeitos ou confirmados para COVID-19.

Método:

Estudo exploratório com abordagem qualitativa realizado em outubro de 2021 com 18 condutores da Mesorregião Noroeste do Estado do Ceará-Brasil. As entrevistas individuais ocorreram de forma virtual, via Google Meet®, e, para processamento dos dados, foi utilizado o software IRAMUTEQ®.

Resultados:

foram obtidas seis classes: Sentimentos vivenciados durante as transferências; Preocupação com a contaminação da equipe de trabalho e dos familiares; Itinerário terapêutico, quadro clínico dos pacientes e aumento na quantidade de transferências; Desinfecção das ambulâncias entre as transferências de pacientes com suspeita e/ou diagnóstico de COVID-19; Paramentação para as transferências de pacientes e Aspectos psicoespirituais dos condutores durante a pandemia.

Conclusão:

A vivência foi marcada por desafios na adaptação à nova rotina e procedimentos durante as transferências. Foram evidenciados sentimentos de medo, insegurança, tensão e angústia nos relatos dos trabalhadores.

Palavras-chave:
COVID-19; Doenças transmissíveis; Pessoal de saúde; Ambulâncias; Serviços médicos de emergência

ABSTRACT

Objective:

To unveil the experience of ambulance drivers regarding the transfer of suspected or confirmed patients for COVID-19.

Method:

Exploratory study with a qualitative approach conducted in October 2021 with 18 drivers from the Northwestern Mesoregion of the State of Ceará-Brazil. The individual interviews occurred virtually, via Google Meet®, and for data processing the IRAMUTEQ® software was used.

Results:

Six classes were obtained: Feelings experienced during transfers; Concern about contamination of the work team and family members; Therapeutic itinerary, patients’ clinical status and increase in the number of transfers; Disinfection of ambulances between transfers of patients with suspected and/or diagnosed COVID-19; Gowning for patient transfers and Psychospiritual aspects of drivers during the pandemic.

Conclusion:

The experience was marked by challenges in adapting to the new routine and procedures during transfers. It was evidenced feelings of fear, insecurity, tension and anguish in the worker’s reports.

Keywords:
COVID-19; Noncommunicable diseases; Health personnel; Ambulances; Emergency medical services

RESUMEN

Objetivo:

Desvelar la experiencia de los conductores de ambulancias sobre el traslado de pacientes sospechosos o confirmados a COVID-19.

Método:

Estudio exploratorio con enfoque cualitativo realizado en octubre de 2021 con 18 conductores de la Mesorregión Noroeste del Estado de Ceará. Las entrevistas individuales se realizaron de forma virtual, a través de Google Meet®, y para el procesamiento de los datos se utilizó el software IRAMUTEQ®.

Resultados:

Se obtuvieron seis clases: Sentimientos experimentados durante los traslados; Preocupación por la contaminación del equipo de trabajo y de los familiares; Itinerario terapéutico, estado clínico de los pacientes y aumento del número de traslados; Desinfección de las ambulancias entre los traslados de pacientes con sospecha y/o diagnóstico de COVID-19; Paramentación por los traslados de pacientes y Aspectos psicoespirituales de los conductores durante la pandemia.

Conclusión:

La experiencia estuvo marcada por los retos de adaptación a la nueva rutina y procedimientos durante los traslados. En los informes de los trabajadores se evidenciaron sentimientos de miedo, inseguridad, tensión y angustia.

Palabras clave:
COVID-19; Enfermedades no transmisibles; Personal de salud; Ambulancias; Servicios médicos de urgencia

INTRODUÇÃO

No cenário emergente e pandêmico da COVID-19, o surgimento de novos casos teve crescimento exponencial. Em agosto de 2021, o Brasil se destacou mundialmente por ser o terceiro país com maior número de casos confirmados, ultrapassando a marca de 21 milhões de indivíduos, ficando atrás somente dos Estados Unidos e Índia11. Organização Pan-Americana da Saúde [Internet]. Folha informativa sobre COVID-19. Brasília, DF: OPAS; 2021 [cited 2021 Aug 23].Available from: http://www.paho.org/pt/covid19
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Apesar da maioria das pessoas acometidas apresentar sintomas leves, essa doença está associada a diversas complicações que geram a necessidade de internações para cuidados intensivos com estrutura, equipamentos e profissionais capacitados para prestar cuidados conforme sua complexidade22. Phua J, Weng L, Ling L, Egi M, Lim CM, Divatia JV et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (COVID-19): challenges and recommendations. The Lancet Respiratory Medicine. 2020;8(5):506-517. doi: https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30161-2
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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2020, 80% dos pacientes com diagnóstico de COVID-19 apresentavam sintomas leves e sem complicações, em que 15% necessitavam de hospitalização em enfermarias para suporte respiratório de oxigenoterapia e 5% precisavam ser atendidos em unidades de terapia intensiva33. World Health Organization. Oxygen sources and distribution for COVID-19 treatment centres: interim guidance [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2021 Aug 23].Available from: https://www.who.int/publications/i/item/oxygen-sources-and-distribution-for-covid-19-treatment-centres
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. Entretanto, tais cuidados não eram disponibilizados em todas as unidades hospitalares, tornando-se necessária a transferência inter-hospitalar dos pacientes para instituição capaz de oferecer os cuidados avançados44. Liew MF, Siow WT, Yau YW, See KC. Safe patient transport for COVID-19. Crit Care. 2020;24(1):94. doi: https://doi.org/10.1186/s13054-020-2828-4
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-55. Wax RS, Christian MD. Practical recommendations for critical care and anesthesiology teams caring for novel coronavirus (2019-nCoV) patients. Can J Anesth. 2020;67(5):568-76. doi: https://doi.org/10.1007/s12630-020-01591-x
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No Brasil, de acordo com a Portaria nº 1.010, de 21 de maio de 2012, tais transferências podem ser realizadas através do serviço de atendimento móvel de urgência pelas Unidades de Suporte Básico de Vida (veículos tripulados por no mínimo dois profissionais: condutor e técnico ou auxiliar de enfermagem) ou por meio das Unidades de Suporte Avançado de Vida (veículos tripulados por, no mínimo, três profissionais: condutor de veículo de urgência, enfermeiro e médico)66. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.010, de 21 de maio de 2012. Redefine as diretrizes para a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e sua Central de Regulação das Urgências, componente da Rede de Atenção às Urgências. Diário Oficial União. 2012 maio 22 [cited 2021 Aug 23];189(98 Seção 1):87-91.Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=22/05/2012&jornal=1&pagina=87&totalArquivos=192
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Neste cenário, pesquisadores brasileiros identificaram que enfermeiros do Paraná já relatavam fragilidade no serviço de atendimento móvel de urgência antes mesmo da pandemia, principalmente devido à sobrecarga de atividades, dificuldades de relacionamento com os hospitais, falta de veículos e de profissionais77. Pereira AB, Martins JT, Ribeiro RP, Galdino MJQ, Carreira L, Karino ME, et al. Work weaknesses and potentials: perception of mobile emergency service nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20180926. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0926
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. No contexto pandêmico, infere-se que as mudanças na rotina dos serviços tenham potencializado os desafios já vivenciados, uma vez que os trabalhadores desses serviços estão em contato direto com os pacientes contaminados, corroborando para aumento na possibilidade de transmissão. Além disso, eles estão propensos ao desenvolvimento dos sintomas de medo, estresse e ansiedade.

Entre os profissionais responsáveis pelas transferências, ressaltam-se os condutores de ambulância. Tal função é apresentada pelo Projeto de Lei 3104/20 em 2020 como responsável pelo transporte de pacientes em situação de urgência e emergência. De acordo com o texto, o condutor está exposto aos mesmos riscos biológicos dos profissionais da saúde88. Câmara dos Deputados (BR). Projeto de Lei n° 3.104 de 2020. Dispõe sobre a regulamentação da função de condutor socorrista e seu enquadramento na área da saúde. Brasília, DF: Câmara dos Deputados; 2020 [cited 2021 Aug 23].Available from: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1946815#:~:text=Weliton%20Prado)-,Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o%20da%20fun%C3%A7%C3%A3o%20de%20condutor%20socorrista%20e,equipe%20de%20atendimento%2C%20quando%20necess%C3%A1rio
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, incluindo o de contaminação biológica. Entretanto, os estudos desenvolvidos em âmbito nacional e internacional não investigam cientificamente as particularidades referentes aos condutores, uma vez que pesquisam, principalmente, a vivência de enfermeiros, técnicos de enfermagem e/ou médicos99. Borges EMN, Queirós CML, Vieira MRFSP, Teixeira AAR. Perceptions and experiences of nurses about their performance in the COVID-19 pandemic. Rev Rene. 2021;22:e60790. doi: http://doi.org/10.15253/2175-6783.20212260790
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-1010. Barreto MS, Marcon SS, Sousa AR, Sanches RCN, Cecilio HPM, Pinto DM, et al. Experiences of nurses and doctors of emergency care units in coping with COVID-19. Rev Baiana Enferm. 2021;35:e43433. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v35.43433
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Diante desse cenário e da escassez de pesquisas que abordem a vivência de trabalhadores que realizam transferência de pacientes com suspeita ou confirmados da COVID-19, surgiu o seguinte questionamento: como é a vivência dos condutores responsáveis pelas transferências de pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19 no Sistema Único de Saúde (SUS)?

Com isso, é necessário compreender a realidade vivenciada pelos condutores, que também estão no atendimento pré-hospitalar, bem como identificar aspectos subjetivos como sentimentos e experiências vivenciadas no contexto específico da pandemia. O relato desses trabalhadores torna-se fonte importante para compreensão de possíveis dificuldades vivenciadas, que podem ser consideradas para planejamento e implementação de intervenções trabalhistas que coadunem com a segurança do paciente e segurança ocupacional durante as transferências. Ademais, o conteúdo de entrevistas com condutores pode contribuir com a implantação de estratégias de prevenção à doença e promoção da saúde eficazes, voltadas para as principais dificuldades encontradas na vivência diária.

Diante desse cenário e da escassez de pesquisas sobre a temática, este estudo teve como objetivo desvelar a vivência dos condutores de ambulância sobre transferência de pacientes suspeitos ou confirmados para COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório com abordagem qualitativa, guiado pelo Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ). O estudo foi realizado em outubro de 2021 com 18 condutores, vinculados ao SUS da Mesorregião Noroeste do Estado do Ceará-Brasil, que é composta por sete municípios: (Sobral, Massapê, São Benedito, Ipu, Ibiapina, Santana do Acaraú e Graça).

A população-alvo foi representada pelos trabalhadores que atuam no transporte, nos serviços de saúde hospitalares da referida região. O recrutamento dos participantes ocorreu por estratégia bola de neve. Para tal, houve contato com as coordenações de serviços hospitalares e pré-hospitalares do Estado do Ceará para obtenção dos contatos dos profissionais. De posse da lista de contatos, foi realizado o convite para participação no estudo via ligações telefônicas e/ou mensagens de texto em aplicativo Whatsapp®. Após o aceite, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a partir de formulário construído na plataforma Google® e realizado o agendamento da entrevista.

Os critérios de inclusão foram: ser condutor de ambulância profissional integrante da equipe de transporte de pacientes, ter vínculo empregatício com instituição de saúde e dispor de equipamento digital com acesso à internet para participação na pesquisa. Foram excluídos os trabalhadores afastados no período da coleta (licença saúde, licença-maternidade ou férias) e que não compareceram à videochamada após três tentativas de agendamento.

O cenário de coleta de dados ocorreu online através do Google Meet® (https://meet.google.com) com entrevistas individuais, mediadas por pesquisadora enfermeira, doutoranda em enfermagem e com dois anos de experiência no atendimento móvel de urgência. Antes das entrevistas, foi realizado treinamento da pesquisadora responsável pelas entrevistas com dois doutores, os quais são docentes do curso de Enfermagem em instituições públicas de ensino no Nordeste do Brasil, com expertise em estudos qualitativos de modo a simular o momento da entrevista e as estratégias de condução da coleta de dados. Ressalta-se que esses três membros da equipe de pesquisa não tinham vínculo com os serviços de saúde participantes da coleta de dados nem qualquer outro conflito de interesse.

Para a entrevista, foi utilizado questionário semiestruturado composto por duas partes: a primeira continha informações sociodemográficas e laborais. A segunda foi representada pela pergunta disparadora: “Fale sobre as transferências que você realizou de pacientes com suspeita ou confirmação de diagnóstico de COVID-19”. O tamanho amostral foi definido pela saturação teórica, ou seja, houve a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos apresentaram redundância ou repetição1111. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Quali. 2017 [cited 2021 Aug 23];5(7):1-12.Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82
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Cabe ressaltar que, no dia agendado para a entrevista, o participante não estava em atividades laborais. Dessa forma, 24 horas antes do horário previsto para entrevista, foi enviado, via Whatsapp®, o link da reunião online no Google Meet®. Foi concedido o tempo de 15 minutos de atraso para que cada participante comparecesse à entrevista. Cada reunião online durou, em média, 30 minutos e, ao esgotar a temática durante a conversa com o entrevistado, foi sinalizado que a entrevista estaria chegando ao fim e se o mesmo gostaria de acrescentar algo à sua fala. Ao encerrar o encontro, a pesquisadora agradeceu a participação e a contribuição com a pesquisa.

As entrevistas foram gravadas por meio de um gravador de voz do tipo MP4 e transcritas na íntegra no Microsoft Word®, com dupla checagem do conteúdo transcrito. Em seguida, os dados foram devolvidos aos participantes para comentários e/ou correção com posterior feedback sobre as falas. Destaca-se que a transcrição das falas que compuseram o corpus de análise foi realizada pela mesma pesquisadora que realizou as entrevistas.

Os dados foram analisados pelo software Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ)® 0.7 Alfa 2.3.3.1. A partir de ancoragem ao software R, o referido software realizou a fragmentação do texto transcrito em segmentos e palavras, para analisá-los com lexicografia multivariadas pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD), na qual os segmentos foram agrupados em classes, que são apresentadas visualmente pelo IRAMUTEQ® em ilustração do tipo dendograma. Para manter o anonimato, as citações foram identificadas por meio da letra E.

Este estudo obedeceu aos aspectos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) das diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres humanos do Ministério da Saúde sob aprovação do Comitê de Ética da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) sob parecer 4.945.218 (CAAE 40261420.9.0000.9267). Ressalta-se que não houve conflito de interesse durante as entrevistas, uma vez que não houve contato prévio com os entrevistados e eles não conheciam a pesquisadora responsável pela coleta dos dados.

RESULTADOS

Dos 18 condutores que participaram do estudo, cinco eram de Sobral (27,7%), cinco de Massapê (27,7%), quatro de São Benedito (22,2%) e um dos municípios de Ipu (5,6%), Ibiapina (5,6%), Santana do Acaraú (5,6%) e Graça (5,6%), respectivamente. A maioria (11 - 61,1%) trabalhava no transporte de pacientes em unidades hospitalares e sete (38,9%) no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

Todos os participantes eram do sexo masculino com idade média de 40,9 anos e tempo médio de atuação nos serviços de 6,6 anos. Em relação ao vínculo empregatício, 11 (61,1%) tinham dedicação exclusiva e sete (38,9%) possuíam segundo emprego. A carga horária semanal de trabalho dos participantes foi de 44 (±4,8) horas no serviço de saúde pelo qual ele estava sendo entrevistado. Os condutores relataram que havia revezamento no turno de trabalho e entre as unidades de suporte básico e avançado. Além disso, eles relataram que não lembravam a quantidade de pacientes transferidos durante os meses de fevereiro a outubro de 2021.

O software IRAMUTEQ® dividiu o texto em 114 segmentos textuais, 1067 formas, 4156 ocorrências com aproveitamento de 79,8% do texto. O dimensionamento das Unidades de Contexto Elementar (UCE) dividiu as falas dos participantes em seis classes, detalhadas na Figura 1.

Figura 1 -
Dendrograma das palavras distribuídas em seis classes. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021

Classe 1 - Sentimentos vivenciados durante as transferências (19,8%)

A Classe 1 é a segunda classe com maior número de UCE (19,8%). Esta categoria, revelou o desconforto dos condutores durante as transferências de pacientes suspeitos e/ou confirmados com COVID-19 devido aos sentimentos como medo, insegurança, preocupação, tensão e angústia ocasionados pelo contexto pandêmico:

“Quando nós vamos fazer as transferências de pacientes positivos e eles vêm tossindo dentro da ambulância, involuntariamente, embora com o uso de EPI’s completos, nós ficamos com medo” (E2)

“Nós ficamos com medo em relação as transferências de pacientes com COVID-19, porque muitas vezes nós transferimos pacientes apenas com desconforto respiratório com suspeita de COVID-19, mas não tinha um exame.” (E4)

“Foi um pouco assustador, pois tínhamos medo de contaminação.” (E4)

“No começo da pandemia era muito difícil, sem informações certas e com medo.” (E7)

“As transferências realizadas com pacientes suspeitos ou positivos de COVID-19 por mim e demais colegas eram de muito medo. Eu como condutor me sentia inseguro e com muito medo.” (E10)

“Nas transferências nós trabalhamos com medo e insegurança porque estamos com um inimigo invisível.” (E12)

“Durante as transferências dos pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19 não tinha como não ficar com medo e insegurança.” (E14)

“Diferente de todas as experiências que já tivemos, nossa equipe foi surpreendida por um medo que não sabíamos de onde vinha nem como vinha. Já estávamos acostumados com situações tensas, mas nunca havíamos passado pela experiência com a COVID-19.” (E15)

Os sentimentos de medo e insegurança gerados pelas incertezas da pandemia fez com que alguns entrevistados pensassem em desistir do emprego. Contudo, os relatos indicaram que a vivência dos condutores também foi marcada pela consciência e convicção da importância deles no atendimento pré-hospitalar:

“Nós ficávamos com medo e vontade de desistir, mas não podíamos desistir.” (E2)

“Meu medo era grande e não podia desistir, pois sabia que era meu trabalho... hoje meu medo é maior porquê fiz alguns testes no meu trabalho e sempre testei negativo e sei que não estou livre desta doença.” (E16)

Ademais, as falas evidenciaram que apesar do medo e vontade de desistir, os profissionais demostraram empatia pelos pacientes suspeitos e/ou diagnosticados com COVID-19, de forma que o empoderamento de solidariedade ajudou a resiliência dos condutores.

“Eu procuro entender os pacientes pois sei o quanto essa COVID-19 é preocupante para eles. Mas isso eu uso como incentivo para fazer ainda mais pelos meus pacientes. É o medo e a incerteza desse vírus.” (E9)

“O medo vem, mas sabemos que só nós, naquele momento, podemos ajudar aquele pai, mãe, filho. Escolhi essa profissão de condutor para fazer sempre o meu melhor.” (E9)

Os condutores também relataram o sentimento de preocupação com a equipe de trabalho e familiares, conforme Classe 2.

Classe 2 - Preocupação com a contaminação da equipe de trabalho e dos familiares

A classe 2 apresentou maior número de UCE (20,9%). Nesta categoria, foi observada a preocupação dos condutores com a contaminação da equipe e dos familiares, pois estando no atendimento pré-hospitalar, tais profissionais poderiam contaminar a equipe de trabalho e a família que estava em isolamento social em casa.

“Tinha que focar mais na questão da segurança tanto minha como condutor como da minha equipe.” (E1)

“Eu só chegava em casa preocupado. Toda vez eu chegava em casa achando que estava contaminado, com aquela ansiedade e preocupação de passar para alguém. Devido a ansiedade vinha aquela dispneia da ansiedade. Acho que psicologicamente eu peguei COVID-19 umas 15 vezes.” (E1)

“Se nós nos contaminássemos no serviço, de certa forma íamos levar essa doença para dentro de casa com o risco de contaminar a família e mais pessoas.” (E12)

A preocupação gerada pelo medo de transmitir o novo coronavírus para equipe de trabalho e familiares fez com que os condutores adotassem medidas de prevenção durante o contexto pandêmico, conforme citado nos relatos:

“Redobrar atenção no procedimento para não ter o risco de contaminação e até mesmo de contaminar outras pessoas principalmente nossos familiares.” (E1)

“Aquela ansiedade e preocupação de passar para alguém, então eu me isolava em casa com os filhos. Evitava contato próximo demais.” (E2)

“Deixar a família está sendo bastante difícil... Temos que tomar total cuidado para não transmitir para eles.” (E9)

Ademais, os condutores relataram a condição clínica dos pacientes diagnosticados com COVID-19 e o aumento no número de atendimentos durante a pandemia, conforme Classe 3.

Classe 3- Itinerário terapêutico, quadro clínico dos pacientes e aumento na quantidade de transferências

Na Classe 3, observou-se que a realização de transferências de pacientes com COVID-19 de Unidades Pré-hospitalares de Atendimento (UPA) para serviços terciários, tornou-se parte da rotina dos profissionais de saúde durante a pandemia. Com isso, novas condutas e protocolos foram implementados nas ambulâncias de suporte básico e avançado com o intuito de promover a segurança do paciente e do profissional e reduzir a cadeia de contaminação.

“As transferências eram feitas sempre da UPA para os hospitais de campanha com laudo positivo. O paciente fazia teste rápido na UPA, era confirmado e aguardava transferência para os hospitais de campanha.” (E2)

“Nós transferimos esses pacientes muitas vezes da UPA para o hospital. Enquanto esses pacientes não tinham uma confirmação de COVID-19, era um paciente transferido pela unidade de suporte básico, com técnico de enfermagem e condutor.” (E4)

“Nós levamos esses pacientes da UPA para o hospital” (E4)

Os profissionais entrevistados enfatizaram o quadro clínico dos pacientes transferidos e a necessidade de conhecer o prognóstico deles. A maioria apresentava dispneia, febre, mal estar geral e com uso de cateter nasal. As unidades de suporte básico transportavam pacientes mais estáveis, enquanto as unidades de suporte avançado transportavam casos mais graves.

“Nas unidades de suporte básico, a maioria dos pacientes estava com aquelas leve dispneia e fazendo o uso de cateter nasal, presença de febre e mal-estar geral. Pelo que vi na unidade de suporte avançado foram poucas ocorrências que teve.” (E2)

“Foi da UPA para hospital. Transportei pacientes estáveis na unidade de suporte básico. Na unidade de suporte avançado estavam estáveis também.” (E3)

“A ambulância de suporte avançado sai para pacientes graves e estão intubados, é um atendimento mais complicado que a básica.” (E8)

Além das mudanças nos protocolos, durante a pandemia, os condutores relataram aumento significativo no quantitativo de transferências, corroborando para a redução nos horários de descanso e de refeição, além do aumento no cansaço e exaustão da equipe.

“No auge da pandemia nós fazíamos seis ou sete transferências por noite em cada ambulância.” (E2)

“No meu turno de 19h às 07h da manhã, nós fazíamos de seis a dez ocorrências de pacientes com COVID-19. A equipe ficava exausta. Nós chegávamos de uma transferência e não tinha tempo nem de tomar água ou fazer um lanche ou refeição.” (E5)

Além disso, na Classe 4, os condutores relataram as mudanças na rotina de trabalho durante as transferências.

Classe 4- Desinfecção das ambulâncias entre as transferências de pacientes com suspeita e/ou diagnóstico de COVID-19

Além das mudanças na rotina de atendimento, os resultados do estudo evidenciaram na Classe 4 a implantação de novos cuidados durante as transferências de pacientes com suspeita e/ou diagnóstico de COVID-19. Entre tais cuidados, destaca-se descontaminação das ambulâncias depois de cada transferência, o que corrobora para o desgaste precoce dos veículos devido às substâncias químicas utilizadas no processo de higienização.

“Temos que voltar para base para fazer uma limpeza para depois seguir para ocorrência, porque antes da pandemia podíamos ir de uma ocorrência para outra.” (E2)

“Nossas ambulâncias novas chegaram, mas todas já estão com ferrugem por dentro, pois depois de toda ocorrência tinha que botar um jato pulverizador com hipoclorito, por ser uma substância oxidativa, enferrujou bastante as ambulâncias por dentro.” (E2)

“Nós devemos retornar para base para a desinfecção obrigatória.” (E8)

A implementação de protocolos de paramentação também teve impacto na rotina dos condutores, conforme as falas da Classe 5.

Classe 5 - Paramentação para as transferências de pacientes

As falas analisadas na Classe 5, evidenciaram o impacto da implantação das novas técnicas de paramentação e desparamentação na vivência dos condutores. O uso de novos equipamentos de proteção individual (macacões, máscaras, propés, luvas, protetor facial de acrílico), o calor da Mesorregião Noroeste do Ceará e à necessidade de manter os ar-condicionados desligados, ocasionou desconforto físico nos profissionais de saúde.

“Trazia um desconforto principalmente por causa da paramentação, do macacão, pois era muito quente.” (E4)

“A paramentação é um quesito muito forte, pois nós ficamos em frente ao pacientes e aos objetos contaminados. O calor é terrível, pois além do macacão, usamos outro roupão que era um EPI junto com a máscara e óculos. Enfim, era uma paramentação pesada e quente.” (E5)

“Mas não deixa de ser um pouco estressante, um pouco fadigante pois nós passamos um longo período com aquele macacão. É cansativo. Senti um desconforto muito grande por conta daquilo tudo porque o macacão é muito quente mesmo com ar-condicionado da ambulância.” (E6)

Apesar do cansaço e fadiga, o uso dos equipamentos de proteção individual proporcionava a sensação de maior segurança para os condutores e reduzia o medo de contaminação. Porém, alguns municípios não tinham as paramentações completas, o que corroborava para a sensação de insegurança, conforme as falas:

“Nós usamos somente material de uso descartável, gorro, máscara N95 e máscara cirúrgica por cima da N95. Nós calçamos os propés para transferir os pacientes.” (E3)

“Nos casos que eram confirmados nós já usávamos a paramentação completa com macacão branco. Assim, tínhamos mais segurança durante a transferência, pois estávamos todos paramentados.” (E4)

“Dessa maneira os meses foram se passando, as dificuldades e escassez de EPI’s tornaram a jornada muito mais complicada.” (E15)

Por fim, os condutores pontuaram os meios pessoais para superação das inseguranças oriundas da COVID-19, conforme Classe 6.

Classe 6 - Aspectos psicoespirituais dos condutores durante a pandemia

Para superar o medo e a insegurança ocasionada pelo período pandêmico, a Classe 6 evidenciou que os condutores buscaram nos aspectos psicoespirituais, um meio para alcançar ajuda, esperança e fé.

“Com fé em Deus, Ele nos ajuda em tudo.” (E1)

“É claro que não é 100% a seguro a ponto de não ter medo, mas nós temos esperança e fé, com a certeza de que Deus está nos protegendo. Primeiramente Deus nos protegendo. Nós temos os cuidados devidos, fazemos o uso de EPI’s e fazemos a condução dos pacientes pedindo a Deus que resolva tudo. Primeiro lugar sobretudo Deus, é lógico.” (E13)

Os participantes do estudo também demostraram seus aspectos psicoespirituais e suas crenças por meio de gratidão a Deus por não ter se contaminado ou por terem se recuperado após a contaminação, conforme as falas:

“Graças a Deus eu estou saindo ileso sem ter me contaminado.” (E1)

“Alguns condutores foram contaminados, mas graças a Deus todos ficaram bens.” (E4)

“Alguns foram afastados devido outras comorbidades. Outros ainda estão afastados... Eu e minha família pegamos, mas Deus estava conosco.” (E5)

“Já fui muitas vezes fazer primeiros socorros em pacientes em casa e até o momento graças a Deus todos esses pacientes estão bem.” (E13)

Tais falas evidenciaram a presença da espiritualidade como forma positiva no enfrentamento da pandemia.

DISCUSSÃO

A função de condutor não é oficializada por lei, por isso ainda não é considerada como profissão, contudo está em processo de Projeto de Lei sob número 3104/2088. Câmara dos Deputados (BR). Projeto de Lei n° 3.104 de 2020. Dispõe sobre a regulamentação da função de condutor socorrista e seu enquadramento na área da saúde. Brasília, DF: Câmara dos Deputados; 2020 [cited 2021 Aug 23].Available from: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1946815#:~:text=Weliton%20Prado)-,Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o%20da%20fun%C3%A7%C3%A3o%20de%20condutor%20socorrista%20e,equipe%20de%20atendimento%2C%20quando%20necess%C3%A1rio
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aguardando aprovação pelo legislativo brasileiro para sua regulamentação. Neste cenário, de acordo com tal projeto, os condutores de ambulância não devem ser considerados como motoristas comuns, uma vez que são trabalhadores habilitados para conduzir transportes de emergência e, para isto, necessitam de conhecimentos específicos relacionados à fisiopatologia no transporte de paciente, suporte básico e avançado de vida e cinemática do local88. Câmara dos Deputados (BR). Projeto de Lei n° 3.104 de 2020. Dispõe sobre a regulamentação da função de condutor socorrista e seu enquadramento na área da saúde. Brasília, DF: Câmara dos Deputados; 2020 [cited 2021 Aug 23].Available from: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1946815#:~:text=Weliton%20Prado)-,Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o%20da%20fun%C3%A7%C3%A3o%20de%20condutor%20socorrista%20e,equipe%20de%20atendimento%2C%20quando%20necess%C3%A1rio
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. Contudo, apesar de tais funções, ainda existe lacuna na literatura sobre a vivência dessa categoria profissional, principalmente no contexto pandêmico.

A análise das vivências dos condutores foi realizada em outubro de 2021, após o pico de mortalidade ocasionado pelas das variantes Gama e Delta. Neste período, a taxa de mortalidade foi de 11 mil vítimas fatais em todo o mês, uma das menores desde abril de 2020 que registrou 82 mil mortes no mês1212. Presidência da República (BR) (Internet). Outubro é o mês com menor número de mortes por Covid-19 desde abril de 2020. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2022 Mar 17].Available from: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2021/novembro/outubro-e-o-mes-com-menor-numero-de-mortes-por-covid-19-desde-abril-de-2020
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. Apesar de tais reduções, o estudo evidenciou a presença do sentimento de insegurança, preocupação, tensão e angústia durante as transferências de pacientes suspeitos e/ou confirmados com COVID-19. Corroborando com esses dados, estudo qualitativo realizado nos Estados Unidos, com 23 profissionais da saúde, incluindo enfermeiros e médicos, evidenciou que, ao contrário de outras epidemias, incógnitas relacionadas a COVID-19 ocasionaram sentimentos de ansiedade e estresse nos profissionais1313. Ness MM, Saylor J, Di Fusco LA, Evans K. Healthcare providers' challenges during the coronavirus disease (COVID‐19) pandemic: a qualitative approach. Nurs Health Sci. 2021;23(2):389-97. doi: https://doi.org/10.1111/nhs.12820
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Revisão sistemática com metanálise evidenciou que a prevalência geral de ansiedade nos profissionais da saúde foi de 35% durante a pandemia. Evidenciou-se maior risco em mulheres quando comparado com homens, bem como nos enfermeiros na comparação com médicos. Atuar no atendimento pré-hospitalar, estar infectado com coronavírus e apresentar doenças crônicas foram fatores associados com a presença de sintomas de ansiedade1414. Silva DFO, Cobucci RN. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Cien Saude Colet. 2021;26(2):693-710. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.38732020
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Para superar os sentimentos de insegurança ocasionada pelo período pandêmico, os condutores relataram buscar apoio nos aspectos psicoespirituais para alcançar ajuda, esperança e fé. Contudo, estudo quantitativo realizado em Portugal com profissionais da saúde identificou que o papel da religiosidade em relação ao medo e ansiedade no contexto de pandemia é limitado, pois, apesar de pessoas com maiores níveis de esperança e otimismo apresentaram menos ansiedade, não foram evidenciados fatores de proteção para o medo de COVID-191515. Prazeres F, Passos L, Simões JA, Simões P, Martins C, Teixeira A. COVID-19-related fear and anxiety: spiritual-religious coping in healthcare workers in Portugal. Int J Environ Res Public Health. 2020;18(1):220. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph18010220
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Diante dessa realidade, torna-se necessário buscar estratégias que corroborem para redução da tensão dos trabalhadores. Pesquisadores chineses concluíram que a integração de recursos psicológicos adequados e apoio social são cruciais para aliviar os sintomas de estresse físico e mental de enfermeiros que estavam no atendimento pré-hospitalar da pandemia da COVID-191616. Zhou H, Wang X, Du R, Cheng X, Zheng K, Dong S, et al. The work experience of newly recruited male nurses during COVID-19: a qualitative study. Asian Nurs Res. 2021;15(3):203-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.anr.2021.05.001
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. Assim, apesar de serem escassas tais recomendações para condutores, os resultados do presente estudo evidenciaram a necessidade de expansão desse apoio psicológico, pois, condutores também estão na equipe de atendimento pré-hospitalar e sofrem psicologicamente com os efeitos da pandemia.

Os participantes do estudo também relataram medo e preocupação com a contaminação da equipe e dos familiares, fazendo com que novas medidas de prevenção fossem adotadas na rotina. O mesmo foi evidenciado com profissionais de saúde dos Estados Unidos, que optaram por se distanciar fisicamente dos membros da família ou sair de casa completamente1313. Ness MM, Saylor J, Di Fusco LA, Evans K. Healthcare providers' challenges during the coronavirus disease (COVID‐19) pandemic: a qualitative approach. Nurs Health Sci. 2021;23(2):389-97. doi: https://doi.org/10.1111/nhs.12820
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. Com isso, pode ser que essa realidade afete negativamente nos relacionamentos interpessoais entre condutores, familiares e amigos.

Além disso, foi identificado pelas falas dos condutores, que a rotina dos serviços de saúde foi alterada, corroborando com aumento no quantitativo de transferências, o que favoreceu aumento do estresse, cansaço e exaustão. Tal realidade vai ao encontro das falas de profissionais do Serviço Móvel de Atenção às Urgências (SAMU) de uma capital do Sul do Brasil que relataram aumento no número de ocorrências, principalmente de natureza respiratória1717. Dal Pai D, Gemelli MP, Boufleuer E, Finckler PVPR, Miorin JD, Tavares JP, et al. Repercussions of the COVID-19 pandemic on the emergency prehospital care service and worker’s health. Esc Anna Nery. 2021;25(spe):e20210014. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0014
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Tais dados tornam-se preocupantes, pois evidências científicas mostram que existe uma associação entre Síndrome de Burnout e não fazer pausas adequadas que permitam descanso e recuperação entre profissionais de serviços de saúde durante períodos pandêmicos da COVID-19(18). Assim, reforça-se a necessidade de contratação de mais trabalhadores para os serviços de saúde durante a pandemia.

Apesar do cansaço e fadiga ocasionados pela implementação de novos protocolos relacionados, principalmente, à descontaminação das ambulâncias após as transferências e implantação de novas técnicas de paramentação e desparamentação, o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) proporcionou a sensação de maior segurança para os condutores. A adoção de tais medidas foi guiada pela nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020, atualizada em setembro de 2021, que indica melhor ventilação da ambulância, uso completo dos EPI, manejo correto da parametrização e desparamentação e limpeza do veículo com álcool 70%, hipoclorito de sódio ou outro desinfetante1919. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2021 [cited 2022 Mar 17].Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/2020/nota-tecnica-gvims_ggtes_anvisa-04_2020-25-02-para-o-site.pdf
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Entretanto, foi relatada a escassez de material em alguns serviços, o que pode corroborar para a sensação de medo e insegurança. Essa realidade não é restrita aos municípios cearenses, pois estudo quantitativo realizado em âmbito nacional, identificou que 69,3% dos participantes relataram a falta de EPI durante a pandemia2020. Silva MAS, Lima MCL, Dourado CARO, Pinho CM, Andrade MS. Nursing professionals’ biosafety in confronting COVID-19. Rev Bras Enferm. 2022;75(Suppl 1):e20201104. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1104 e20201104
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Neste cenário, pesquisadores reforçam que a manutenção dos EPI deve ser uma política de estado e os gestores devem mobilizar-se para obter respostas para este desafio nacional, com necessidade de incentivar as indústrias brasileiras, uma vez que a maioria dos insumos são de origem internacional, principalmente da China2121. Medeiros EAS. Health professionals fight against COVID-19. Acta Paul Enferm. 2020;33:e-EDT20200003. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020edt0003
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Desvelar a vivência de condutores durante a pandemia da COVID-19, a partir das classes identificadas, contribuiu para compreender a rotina desses profissionais, dos novos sentimentos que emergiram com o desenvolvimento da pandemia e das principais dificuldades enfrentadas no manejo das transferências. Ademais, o relato dos trabalhadores tornou-se uma fonte importante para a implantação de novas de estratégias de enfrentamento para promoção da saúde.

Como limitações, destaca-se a realização das entrevistas de forma online, o que pode ter interferido na relação entre pesquisador e entrevistado na condução da coleta de dados. Outra limitação é o fato do estudo ter sido realizado apenas com condutores vinculados aos serviços públicos do Nordeste do Brasil e os dados não representarem a realidade de outras regiões brasileiras e serviços privados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vivência dos condutores que realizam transferência de pacientes com suspeita ou confirmação da COVID-19 foi marcada pelos sentimentos de medo, insegurança, tensão e angústia. Os profissionais relataram a possiblidade de desistência do emprego devido à preocupação com a contaminação da equipe de trabalho e dos familiares.

Além disso, foi identificado, pelas falas dos condutores, que a rotina dos serviços de saúde foi alterada, corroborando para o estresse físico e mental, uma vez que houve aumento na demanda de transferências, o que ocasionou redução nos horários de descanso. Outro fator estressante evidenciado no estudo foi a alteração dos protocolos das instituições, principalmente relacionados com a descontaminação das ambulâncias depois de cada transferência e a implantação de novas técnicas de paramentação e desparamentação na vivência dos condutores, pois o uso de macacões, máscaras, propés, luvas e protetores faciais de acrílico, o calor da Mesorregião Noroeste do Ceará e à necessidade de manter os ar-condicionados desligados, ocasionou desconforto físico nos trabalhadores.

Os resultados deste estudo oferecem subsídios para os gestores dos serviços de saúde promoverem intervenções estratégicas com o intuito de melhorar a saúde ocupacional dos trabalhadores que atuam nas transferências dos pacientes, bem como buscar construir fluxogramas e protocolos para serem implementados em situações de crises sanitárias como a pandemia de COVID-19.

Sugere-se a realização de novos estudos em outros estados brasileiros e com trabalhadores vinculados ao sistema privado, com o intuito de identificar a vivência dos condutores que realizam transferência de pacientes com suspeita ou confirmação da COVID-19 em outros contextos.

Além disso, os achados evidenciam a necessidade de investigar quantitativamente a presença de depressão e ansiedade nos condutores, uma vez que foram relatados sentimentos de medo, insegurança, tensão e angústia devido à pandemia.

REFERENCES

Editado por

Editor associado:

Luccas Melo de Souza

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Aceito
    05 Ago 2022
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