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A formação de profissionais de enfermagem frente à dimensão espiritual do paciente crítico

RESUMO

Objetivo

Descrever e analisar a formação dos profissionais de enfermagem para a atenção à dimensão espiritual do paciente crítico.

Metodologia

Pesquisa descritivo exploratória, de natureza qualitativa, utilizando a História Oral Temática como referencial. Catorze profissionais de enfermagem de um hospital universitário da cidade de São Paulo participaram do estudo no período de março a abril de 2021. Os profissionais foram entrevistados seguindo-se um roteiro de perguntas e seus discursos foram transcritos, transcriados e submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin, na modalidade temática.

Resultados

Três categorias emergiram das análises das narrativas: Conceito de espiritualidade; Espiritualidade na formação de Enfermagem e Espiritualidade na Unidade de Terapia Intensiva.

Conclusão

A assistência de enfermagem à dimensão espiritual do paciente crítico é baseada em suas práticas religiosas e vivências profissionais, pois a temática não faz parte do currículo básico de conhecimentos na formação, tanto no nível técnico quanto no superior.

Palavras-chave:
Espiritualidade; Educação em enfermagem; Enfermagem de cuidados críticos

ABSTRACT

Objective

To describe and analyze the nursing professionals’ education on the spiritual dimension of critically ill patients.

Methodology

A qualitative, descriptive, exploratory study, using the Thematic Oral History as a framework. Fourteen nursing professionals from a teachinghospital in the city of São Paulo participated in the study from March to April 2021. The professionals were interviewed by following a script of questions and their speeches were transcribed, transcreated and submitted to Bardin’s content analysis, in the thematic modality.

Results

Three categories emerged from the analysis of the narratives: Concept of spirituality; Spirituality in Nursing education and Spirituality in the intensive care unit.

Conclusion

Nursing practice in assisting critical patients’ spiritual dimension is based on their religious practices and professional experiences, because the theme is not part of the basic curriculum in nursing education, whether at a technical or at an academic level.

Keywords:
Spirituality. Education; nursing. Critical care nursing

RESUMEN

Objetivo

Describir y analizar la formación de profesionales de enfermería para el cuidado de la dimensión espiritual del paciente crítico.

Metodología

Investigación exploratoria descriptiva, de carácter cualitativo, teniendo como referencia la Historia Oral Temática. Participaron de la investigación 14profesionales de enfermería de un hospital universitario de la ciudad de São Paulo, de marzo a abril de 2021. Se entrevistaron los profesionales siguiendo un guion de preguntas y sus discursos fueron transcriptos, transcreadosy sometidos al análisis de contenido propuesto por Bardin, en la modalidad temática.

Resultados

Tres categorías surgieron del análisis de las narrativas: Concepto de espiritualidad; Espiritualidad en la formación de Enfermería y Espiritualidad en la Unidad de terapia intensiva.

Conclusión

La práctica de enfermería en la asistencia a la dimensión espiritual del paciente crítico se basa en sus prácticas religiosas y experiencias profesionales, ya que el tema no forma parte del currículo básico de conocimientos en la formación de enfermería.

Palabras clave:
Espiritualidad; Educación en enfermería; Enfermería de cuidados críticos

INTRODUÇÃO

Os profissionais de enfermagem têm por função exercer a ciência e a arte do cuidar do ser humano em todas as dimensões e fases do ciclo de vida. É uma das poucas profissões que participam das vidas das pessoas desde o nascimento, em cenários de alegria ou tristeza, prazer ou sofrimento. Esses profissionais precisam de uma sólida formação em Ciências Comportamentais, Sociais, da Vida e da Enfermagem, que possibilite sua atuação na promoção da saúde, prevenção de doenças e assistência às pessoas enfermas11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 564 de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Diário Oficial União. 2014 jan 28 [cited 2022 Jan 11];154(233 Seção 1):157. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=06/12/2017&jornal=515&pagina=157&totalArquivos=164
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, bem como respaldo científico em suas práticas e recursos que propiciem o cuidado compassivo, ético, seguro, científico e técnico(2).

O cuidado de enfermagem alinhado às boas práticas tem suas raízes ancoradas no desenho profissional estabelecido pela precursora da Enfermagem moderna, Florence Nightingale. Florence descreveu sua teoria acompanhando a precisão científica de sua época, sem invisibilizar as necessidades humanas, considerando o restabelecimento da saúde como fruto de cuidados efetivos ao trinômio dimensional corpo-mente-espírito(3).

A espiritualidade é parte indissociável da condição humana e desempenha papel importante no processo de cura e enfrentamento, trazendo sentido à vida das pessoas (pacientes e familiares) em situações de adversidade e sofrimento(4-7). Na literatura, atributos da espiritualidade incluem, mas não se limitam, à conexão consigo mesmo, com outros, com Deus, com a natureza; à essência da pessoa humana; a uma experiência existencial; à felicidade, harmonia, esperança, transcendência individual e universal; à força interior, ao significado, ao propósito; à renúncia ao vazio e à superficialidade; e à autorrealização88. Cooper KL, Luck L, Chang E, Dixon K. What is the practice of spiritual care? a critical discourse analysis of registered nurses’ understanding of spirituality. Nurs Inq. 2021;28(2):e12385. doi: https://doi.org/10.1111/nin.12385
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,99. Riahi S, Goudarzi F, Hasanvand S, Abdollahzadeh H, Ebrahimzadeh F, Dadvari Z. Assessing the effect of spiritual intelligence training on spiritual care competency in critical care nurses. J Med Life. 2018;11(4):346-54. doi: https://doi.org/10.25122/jml-2018-0056
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Estudos têm demonstrado que, quando a dimensão espiritual da pessoa é assistida, diversos efeitos positivos são descritos no trinômio corpo-mente-espírito de paciente e familiares(4,8,9). A atenção à dimensão espiritual é apontada como parte integrante do cuidado de enfermagem por diversas organizações da classe mundialmente, tais como a Associação Americana de Enfermeiros em Cuidados Críticos (AACN)(2), o Conselho Internacional de Enfermeiros, a Joint Commission, a Associação Americana das Universidades de Enfermagem e, mais recentemente, o Nursery Midwifery Council(7).

Nesse cenário, é imprescindível que o profissional de saúde esteja preparado para lidar com as necessidades espirituais dos pacientes e familiares(4) e, estando a equipe de enfermagem 24 horas à beira do leito ininterruptamente, frequentemente serão os profissionais a identificá-las e atendê-las(8). Para esse fim, o enfermeiro e técnico de enfermagem (TE) utilizam-se das competências profissionais concernentes às suas atuações, oferecendo uma escuta ativa, compassiva e sensível, e instrumentalizam as pessoas a reencontrarem seus significados e propósitos de vida, a encontrarem suporte e estratégias de enfrentamento diante de situações estressoras(7-9).

Esse cuidado tem sido amplamente debatido nas últimas duas décadas e, apesar do esforço de pesquisadores e associações de classe, é uma prática ainda pouco tangível. Pesquisas têm demonstrado que a compreensão de espiritualidade e de cuidado espiritual, bem como a dissociação entre cuidado espiritual e o cuidado de enfermagem estão intimamente relacionadas à formação limitada desses profissionais na compreensão conceitual do fenômeno. Muitos profissionais deixam de prestar esse cuidado, pois correlacionam o tema à religião e, por isso, temem impor suas crenças aos pacientes ou receiam defrontar-se com sua própria vulnerabilidade espiritual88. Cooper KL, Luck L, Chang E, Dixon K. What is the practice of spiritual care? a critical discourse analysis of registered nurses’ understanding of spirituality. Nurs Inq. 2021;28(2):e12385. doi: https://doi.org/10.1111/nin.12385
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,1010. Hawthorne DM, Gordon SC. The invisibility of spiritual nursing in clinical practice. J Holist Nurs. 2020;38(1):147-55. doi: https://doi.org/10.1177/0898010119889704
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No Brasil, as competências profissionais necessárias para a formação ideal do enfermeiro são ditadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de Enfermagem11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 564 de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Diário Oficial União. 2014 jan 28 [cited 2022 Jan 11];154(233 Seção 1):157. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=06/12/2017&jornal=515&pagina=157&totalArquivos=164
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1). Os demais profissionais da equipe de enfermagem (TE e auxiliares de enfermagem) não possuem uma diretriz curricular nacional, ficando o direcionamento da formação a cargo das escolas técnicas e dos serviços de saúde, tendo seu arcabouço definido pelas necessidades do mercado de trabalho1212. Wermelinger MCMW, Boanafina A, Machado MH, Vieira M, Ximenes Neto FRG, Lacerda WF. Nursing technician training: qualification profile. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(1):67-78. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27652019
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Como qualquer regulamentação que estrutura a atuação profissional na área da saúde, recomenda-se a formação de um profissional generalista, crítico, reflexivo e ético, dotado de um robusto corpo de conhecimentos técnico-científicos11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 564 de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Diário Oficial União. 2014 jan 28 [cited 2022 Jan 11];154(233 Seção 1):157. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=06/12/2017&jornal=515&pagina=157&totalArquivos=164
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. Contudo, em contrafluxo ao pensamento crítico holístico na Enfermagem, as DCN não mencionam, em sua descrição de atenção integral ao ser humano, a dimensão espiritual(3,1111. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial União. 2001 nov 9 [cited 2022 Jan 26];138(215 Seção 1):37-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=09/11/2001&jornal=1&pagina=37&totalArquivos=160
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Quanto à formação de enfermagem na área de terapia intensiva, são escassas as publicações a respeito do cuidado espiritual ao paciente crítico(4). Trata-se de fato curioso, diante da angústia espiritual suscitada nas pessoas ao se depararem com a internação nessa unidade(9). É comum observar, nos serviços de saúde, a falta de atenção à espiritualidade da pessoa em cuidados intensivos, seja por falhas de organização institucional, despreparo ou omissão dos profissionais de saúde e, principalmente, dos profissionais de enfermagem, que compartilham com mais frequência as angústias do paciente e da família(4-9).

A fim de compreender tal fenômeno e buscar alternativas para transformar essa realidade, é necessário investigar o processo de formação desses profissionais. Na era das discussões sobre as pluralidades humanas e o cuidado centrado na pessoa, este manuscrito pretende destacar a dimensão espiritual como um corpo potente integrado à natureza humana e, portanto, um corpo que também deve ser incorporado à gama de conhecimentos, atitudes e habilidades que os novos trabalhadores da enfermagem devem ter e estarem aptosa ofertar aosseus pacientes. Assim, este estudo tem como objetivo descrever e analisar a formação dos profissionais de enfermagem para a atenção à dimensão espiritual do paciente crítico.

MÉTODO

Pesquisa de natureza qualitativa, descritivo-exploratória, que utilizou a História Oral como referencial metodológico1313. Meihy JCSB, Seawright L. Memórias e narrativas: história oral aplicada. São Paulo: Contexto; 2020.,1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007.. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob parecer nº 4.526.466 e CAAE nº 38351520.70000.5505. O estudo foi desenvolvido respeitando todas as recomendações da Resolução nº. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde1515. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial União. 2013 jun 13 [cited 2022 Jan 26];150(112 Seção 1):59-62. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=13/06/2013&jornal=1&pagina=59&totalArquivos=140
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e relatado seguindo as diretrizes do COREQ(166. Thiengo PCS, Gomes AMT, Mercês MCC, Couto PLS, França LCM, Silva AN. Espiritualidade e religiosidade no cuidado em saúde: revisão integrativa. Cogitare Enferm. 2019;24:e58692. doi: http://doi.org/10.5380/ce.v24i0.58692
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. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Optou-se pela História Oral Temática (HOT), por possibilitar a elaboração de um projeto que, de modo sistemático, permite o acesso a um campo mais subjetivo das experiências dos participantes, fato que coincide com a subjetividade da temática central do estudo, a dimensão espiritual. Esse referencial metodológico permite que o investigador elucide, através das memórias de expressão oral, um fenômeno pouco compreendido ou de aspectos controversos, gerando um novo conhecimento1313. Meihy JCSB, Seawright L. Memórias e narrativas: história oral aplicada. São Paulo: Contexto; 2020.,1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007..

A pesquisa foi realizada num hospital universitário, terciário, de grande porte e alta complexidade, localizado na zona sul da cidade de São Paulo. O hospital é referência em cobertura de uma região povoada por mais de cinco milhões de habitantes (Grande São Paulo), além de atender pacientes de todo o país1717. Universidade Federal de São Paulo. Hospital São Paulo [Internet]. Atendimento Hospitalar. São Paulo: Hospital São Paulo; 2021 [cited 2022 Feb 3]. Available from: https://www.hospitalsaopaulo.org.br/atendimento-hospitalar.html
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. O serviço recebe majoritariamente pessoas oriundas do Sistema Único de Saúde e oferece assistência em todas as especialidades médicas, inclusive para procedimentos de alta complexidade.

A instituição contava com 10 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) no momento em que o estudo foi realizado(177. van Leeuwen R, Attard J, Ross L, Boughey A, Giske T, Kleiven T, et al. The development of a consensus-based spiritual care education standard for undergraduate nursing and midwifery students: an educational mixed methods study. J Adv Nurs. 2021;77(2):973-86. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14613
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. O Centro de Terapia Intensiva (CTI) da disciplina de Anestesiologia foi escolhido como local de estudo, por apresentar um perfil heterogêneo, recebendo pacientes cirúrgicos e clínicos de alta complexidade, portanto, pessoas vivenciando momentos de vulnerabilidade física, mental e possivelmente espiritual. Este CTI era composto por quatro UTIs, sendo duas destinadas exclusivamente aos pacientes com COVID-19 e as outras duas ao atendimento de outros casos clínicos e/ou cirúrgicos. O quadro geral de funcionários do CTI de Anestesiologia contava com 200 profissionais de enfermagem na área assistencial durante o período da coleta de dados (março e abril de 2021), excluindo desse número, os profissionais afastados por qualquer tipo de licença. Por se tratar de um estudo de reflexões qualitativas, a escolha dos participantes orientou-se na diversidade de experiências com o tema, sendo diretamente advinda das 24h de cuidados de enfermagem que o paciente crítico necessita.

Para cobrir e alcançar um grau suficiente de evidência qualitativa, foram seguidos os critérios de diversificação e saturação da amostra1818. Marre JL. História de vida e método biográfico. Cad Sociol. 1991;3(3):89-141.. A diversificação amplia a análise do tema por meio do olhar de sujeitos diferentes, do mesmo grupo social pesquisado. A saturação, por sua vez, indica o esgotamento da amostra pela incapacidade de acrescentar informações relevantes à pesquisa. Considerando a perspectiva da diversificação, o estudo teve como critérios de inclusão os profissionais de enfermagem em função assistencial, com experiência de pelo menos dois anos trabalhando em UTI e disponibilidade para participar das entrevistas durante o período da coleta de dados.

O período de dois anos de experiência foi definido por se tratar do tempo mínimo, segundo a teoria de níveis de Benner1919. Ozdemir NG. The development of nurses’ individualized care perceptions and practices: Benner's novice to expert model perspective. Int J Caring Sci: 2019 [cited 2022 Feb 10];12(2):1279-85. Available from: http://www.internationaljournalofcaringsciences.org/docs/81_ozdemir_special_12_2.pdf
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, para que o enfermeiro alcance um nível “competente” de perícia clínica. O enfermeiro "competente" é aquele que já atua na área por mais de dois anos, com clara habilidade técnica procedimental e poucos erros durante a prestação dos cuidados de enfermagem. Neste nível, o enfermeiro é capaz de assistir com independência qualquer evento durante sua prática profissional1919. Ozdemir NG. The development of nurses’ individualized care perceptions and practices: Benner's novice to expert model perspective. Int J Caring Sci: 2019 [cited 2022 Feb 10];12(2):1279-85. Available from: http://www.internationaljournalofcaringsciences.org/docs/81_ozdemir_special_12_2.pdf
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. Optou-se por entrevistar enfermeiros e TE, considerando que os saberes existentes nas experiências de vida e trabalho desses profissionais nos aproxima da compreensão do fenômeno em estudo. Foram excluídos da pesquisa os profissionais de enfermagem que estivessem ausentes da unidade durante o período da coleta de dados (férias e licenças médicas ou de outros tipos).

No serviço onde foi desenvolvido o estudo, a escala é dividida em equipes de plantão no turno matutino, vespertino, noturno I e II (12h x 36h). Em virtude de melhor descrever a formação dos profissionais de enfermagem na atenção à dimensão espiritual do paciente crítico, um enfermeiro e um TE de cada plantão foram escolhidos (totalizando oito profissionais entrevistados no primeiro momento). Os participantes foram escolhidos por meio de amostragem aleatória estratificada, na qual a população total de profissionais de enfermagem por plantão foi inserida em uma plataforma de sorteio online. Para cada plantão, foram realizados dois sorteios (um para enfermeiros e outro para técnico). Esse procedimento se repetiu para os quatro plantões. Após cada sorteio, os critérios de inclusão eram aplicados (mais de dois anos de experiência e ausência de licença) e, finalmente, o participante era contatado.

Após aplicação dos critérios de inclusão, o participante sorteado de cada categoria (enfermeiro ou TE) era contatado pela pesquisadora principal, por meio de texto enviado via aplicativo de mensagem, no qual conceitos gerais da pesquisa eram apresentados e o consentimento da participação solicitado. Caso a resposta fosse positiva, o participante recebia, por e-mail, o TCLE e informações adicionais sobre a pesquisa. Também era realizado agendamento da entrevista. Dos 16 potenciais participantes, dois TE desistiram de participar da pesquisa, não sendo substituídos por mais dois profissionais de sua categoria, pois houve saturação do tema e diversificação da amostra (oito enfermeiros e seis TE) no momento da desistência. Todos os participantes retornaram os TCLEs com assinatura digital no dia da entrevista.

As entrevistas foram realizadas por meio de chamadas telefônicas, que duraram cerca de 10 a 20 minutos, dependendo da data e do horário, acordados conforme disponibilidade dos participantes. A possibilidade das entrevistas serem realizadas por chamadas de vídeo foi desconsiderada, compreendendo que a ausência de vídeo não traria impactos para a compreensão do fenômeno.

As entrevistas seguiram um roteiro de 10 perguntas abertas e flexíveis, propiciando um espaço livre de expressão de memória e exercício dialógico, conforme preconizado pela HOT(133. Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021;74(2):e20200139. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139,1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007.. Todas as entrevistas seguiram o mesmo procedimento, iniciando com a reapresentação do estudo, explicando suas intenções, justificativas, objetivos e procedimentos da metodologia HOT1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007., seguido da confirmação do consentimento para gravação da conversa. A primeira parte do diálogo iniciou-se por meio da coleta dos dados sociodemográficos do entrevistado. Em seguida, procederam-se às questões a respeito da compreensão do fenômeno e de seu ensino na formação do profissional entrevistado. Todas as entrevistas foram conduzidas em uma sala com saídas de som por uma única janela e porta, ambas fechadas durante a conversa, sendo unicamente ocupada pela pesquisadora entrevistadora.

Os diálogos foram gravados por meio de aplicativo de gravação de som gratuito via telefone celular e todos os participantes foram identificados com a letra “E” de Entrevistado, seguida por sequência numérica correspondente à ordem da realização das entrevistas (E1, E2, …, E14), garantindo, assim, o anonimato. Em cada entrevista, foi considerada a particularidade do encontro, assegurando o conforto, a liberdade de manifestação e condições narrativas que garantissem sua performance1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007.. Os arquivos de áudio e os registros das entrevistas obedeceram às recomendações da Resolução nº. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde1515. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial União. 2013 jun 13 [cited 2022 Jan 26];150(112 Seção 1):59-62. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=13/06/2013&jornal=1&pagina=59&totalArquivos=140
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e à Lei Geral de Proteção de Dados2020. Presidência da República (BR). Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Diário Oficial União. 2018 ago 15 [cited 2022 Feb 10];155(157 Seção 1)59-64. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=15/08/2018&jornal=515&pagina=59&totalArquivos=215
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Para transformação do código oral para o escrito, foi utilizado o método científico da HOT1313. Meihy JCSB, Seawright L. Memórias e narrativas: história oral aplicada. São Paulo: Contexto; 2020.,1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007., que segue as seguintes etapas: transcrição, textualização, escolha do tom vital e transcriação. Após a gravação, a primeira fase foi cumprida por meio da escrita literal das entrevistas, transcrevendo, na íntegra, coloquialismos, sons e ruídos. No passo seguinte, as transcrições foram textualizadas, processo árduo, que demandou leituras e releituras pelos pesquisadores. Nessa fase da HOT, as entrevistas são textualizadas, a fim de tornar a narrativa mais compreensível para o leitor, e é também nessa fase que o “tom vital” da entrevista é encontrado. As textualizações foram lidas e relidas em busca de eixos norteadores para codificação e categorização das informações, segundo o objetivo do estudo. Observou-se a saturação dos dados após a realização da 14a entrevista e a diversificação da amostra foi garantida por meio da participação de enfermeiros e TE de todos os turnos de trabalho, contemplando as 24h de experiências com o paciente crítico. Em seguida, foi realizada a transcriação das narrativas, que consiste em adequá-las à linguagem escrita, sem perder a essência do conteúdo do depoimento. Antes da análise de conteúdo, todas as narrativas transcriadas passaram pelo crivo de dois revisores, diminuindo, assim, o impacto da liberdade transcriativa1313. Meihy JCSB, Seawright L. Memórias e narrativas: história oral aplicada. São Paulo: Contexto; 2020.,1414. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2007..

Todos os depoimentos foram submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin2121. Bardin L. Análise de conteúdo. 70. ed. São Paulo: Almedina Brasil; 2016., na modalidade temática, na qual há três etapas básicas na análise: pré-análise (organização do material), descrição analítica (estudo aprofundado do material, utilizando hipóteses e referenciais teóricos) e análise inferencial (etapa na qual o material deve ser tratado por meio da codificação, classificação e interpretação).

RESULTADOS

Participaram do estudo 10 profissionais do sexo feminino e quatro do sexo masculino (n=14), com idade entre 28 e 57 anos, sendo oito enfermeiros e seis TE. Os enfermeiros apresentaram tempo de exercício da profissão de seis a 27 anos e tempo de atuação em terapia intensiva entre quatro e 21 anos. Dentre os TE, o tempo de atuação na profissão foi de 12 a 24 anos e cinco a 24 anos de atuação em terapia intensiva. A maior parte dos profissionais entrevistados trabalha no período diurno (n=8). Todos os enfermeiros entrevistados possuíam especialização em áreas críticas.

A maioria dos profissionais era praticante de alguma linha religiosa cristã, sendo quatro católicos, quatro evangélicos e dois espíritas kardecistas. Dentre os demais, dois se denominaram espiritualistas (crentes na espiritualidade livre de dogmas religiosos) e dois agnósticos.

As narrativas dos profissionais culminaram na formação de três categorias: conceito de espiritualidade, espiritualidade na formação de Enfermagem e espiritualidade na UTI. A análise de conteúdo gerou 68 unidades de registro (UR), que foram agrupadas em 16 códigos, 14 subcategorias e três categorias, como demonstra o Quadro 1.

Quadro 1 -
Códigos e agrupamento de subcategorias para elaboração das categorias do estudo. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Os pressupostos identificados em Conceito de espiritualidade demonstraram que os profissionais apresentavam conhecimento amplo sobre esse complexo conceito, compreendendo que essa dimensão humana proporciona energia vital, sustentação e fortalecimento para enfrentamento da rotina diária.

Os participantes compreendem que a dimensão espiritual é livre dos preceitos doutrinários provenientes da prática religiosa e da crença divina e que a interação com a sua própria dimensão espiritual proporciona ao ser humano não apenas o entendimento das particularidades da vida de cada um, mas também da sua interação com o meio e com o outro, trazendo propósito e sentido para a vida. Contudo, apesar da compreensão da universalidade e da singularidade que o conceito da espiritualidade exerce sobre as pessoas, as convergências conceituais que existem entre os termos Espiritualidade e Religião ainda provocam um conflito conceitual no profissional, muitas vezes passando o entendimento de que a religião do profissional estrutura sua habilidade de atender à dimensão espiritual do paciente:

É aquilo que te conecta com algo maior, que te nutre, que te fortalece, que te deixa mais tranquilo e confiante no futuro. (E10)

É você conectar o seu pensamento com algo maior e perceber que existem coisas além do seu corpo, forças que trabalham para que coisas aconteçam, independentemente de você crer em Deus ou não, independente de religião. (E02)

Gosto de pensar que o conceito de espiritualidade é algo muito particular. Tem pessoas que acreditam em Deus, outras em divindades diversas, como também tem aquelas que acreditam numa força maior vinda da natureza. (E05)

Não me considero apta a intervir em religiões que tenham linhas diferentes da minha, mesmo que tenhamos a busca do divino como algo em comum. (E01)

Percebo que, além desse cuidado depender da vontade do paciente, depende da religiosidade do profissional também. (E07)

No que concerne à Espiritualidade na formação de enfermagem, a consciência da importância da dimensão espiritual na vida dos profissionais de enfermagem foi apontada como o principal fator que sustenta a provisão do cuidado espiritual. Do ponto de vista técnico, os profissionais relataram ausência do conteúdo em sua formação, tendo sua conduta profissional pautada nos preceitos éticos:

Alguns momentos da minha vida eu me desconectei da minha espiritualidade e senti um grande vazio, foi aí que me dei conta que para mim, é uma parte bem importante. (E10)

Nenhum professor nunca abordou que faz parte do processo de enfermagem conhecer a cultura e a religião do paciente, pois através disso, o enfermeiro pode ajudá-lo a fortalecer seu sentido de vida durante seu processo de adoecimento. Fui aprender sobre isso durante minha experiência profissional. (E03)

Penso que a base que eu tenho para desenvolver meu trabalho como enfermeiro nessa área de espiritualidade é a minha base religiosa mesmo. (E02)

Religião e espiritualidade deveriam ser matérias de faculdade na formação em Enfermagem, no entanto, ao longo da minha formação de técnico e enfermeiro, em nenhum momento tive contato com esses temas. (E04)

Na minha formação [...] aprendi que a gente precisa ter ética e respeitar a todas as religiões sem distinção. (E09)

As narrativas que culminaram na categoria Espiritualidade na Unidade de Terapia Intensiva demonstraram que as características que compõem uma UTI, como pacientes de cuidados de alta dependência e densidade tecnológica, conflitam com o atendimento de enfermagem às dimensões humanas abstratas. Diante da meta desafiadora de manutenção de uma vida afligida por uma doença grave, recursos tecnológicos, alarmes e alta demanda de trabalho fazem parte da rotina dos profissionais que atuam nesse setor:

A dinâmica da terapia intensiva ainda é muito biológica, muito técnica, e nós temos os nossos deveres e atribuições enquanto enfermeiros responsáveis por aquele paciente e às vezes, quando aparece alguma demanda espiritual do paciente, nós sempre tentamos não nos envolver. (E01)

A dinâmica de trabalho do setor, na questão de ruídos e tudo mais, é muito difícil se dedicar à espiritualidade dos pacientes [...] a falta de conhecimento faz com que os profissionais de saúde não entendam a importância da conexão espiritual do paciente e seus familiares, interrompendo uma oração para realização de um procedimento eletivo, por exemplo.(E10)

É muito importante reforçar a discussão do tema na UTI, pois, por estarmos em um setor muito técnico e tecnológico, acabamos mecanizando o nosso cuidado e não é simplesmente um paciente ligado aos aparelhos. (E06)

Diversos fatores influenciam na provisão do cuidado espiritual pela equipe de enfermagem. Elementos oriundos da experiência humana do profissional, sua compreensão de conceitos inter-relacionados e, principalmente, a ausência de preparo adequado, impactam diretamente na provisão de um cuidado holístico. Em uma UTI, esses fatores são ainda mais destacados devido ao foco biologicista e técnico maciço do setor.

DISCUSSÃO

O perfil majoritário feminino dos participantes do estudo corrobora com a Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil2222. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Fundação Oswaldo Cruz. Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final [Internet]. Rio de Janeiro: COFEN, FIOCRUZ; 2017 [cited 2021 Feb 19]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf
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, conduzida pela FIOCRUZ/COFEN, que demonstra que se trata de uma profissão eminentemente feminina (85,1%). De acordo com o último censo de São Paulo, os participantes do presente estudo refletem o perfil espiritual religioso da população, em que 80% se declaram praticantes de alguma religião de linha cristã2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR) [Internet]. Censo Brasileiro de 2010. Panorama da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [cited 2021 Feb 23]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama
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.

Todos os profissionais entrevistados citaram elementos-chave universais ao conceito de espiritualidade, em seus mais diversos sentidos e culturas(4-7), como também afirmaram que essa dimensão é importante em suas vidas, mesmo aqueles que se declararam agnósticos. Essas duas características (compreensão do conceito de espiritualidade e consciência espiritual) são pressupostos básicos que os profissionais de enfermagem devem ter durante o seu processo de formação(5-9). No entanto, os estudiosos do tema têm apontado, principalmente na última década, que tanto o tema espiritualidade quanto o cuidado espiritual são negligenciados pelos diversos centros de formação em Enfermagem pelo mundo(7,8,2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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.

Após constatar a ausência de um padrão na matriz curricular no que concerne à capacitação do enfermeiro em cuidado espiritual, estudiosos sobre o tema na Europa realizaram o primeiro movimento em prol da construção de uma diretriz curricular comum nessa área. Esse projeto reuniu três grupos dos mais diversos cenários culturais do continente europeu (21 países), composto pelos principais teóricos sobre o cuidado espiritual em Enfermagem. Diversos estudos citam que uma das principais dificuldades encontradas para se estabelecer um padrão no cuidado espiritual é a influência cultural do seu conceito. Por isso, esse consenso visou facilitar a adequação dos currículos de enfermagem na Europa, a fim de que a formação sólida de um aprendizado baseado em competências espirituais construa uma prática de enfermagem que transcenda o limite da cultura local(7,2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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. Por meio dessa diretriz, é possível elencar os principais conhecimentos, habilidades e atitudes esperados em quatro competências espirituais distintas, permitindo a flexibilidade esperada para posteriores adaptações culturais, já que o conceito de espiritualidade pode sofrer alterações de acordo com religião, cultura, sociedades pluralistas, tempo na história e perspectivas pessoais(7,8).

O conceito de espiritualidade trazido nas narrativas dos entrevistados contempla os núcleos essenciais citados na literatura(4-9). No presente estudo, o conceito de espiritualidade adotado é o utilizado pela Associação Europeia de Cuidados Paliativos, o mesmo utilizado nos padrões da diretriz supracitada(7). Trata-se de uma característica exclusivamente humana, que remete à possibilidade de transcender sua realidade em busca do sagrado e/ou colocar-se em contato com questões mais profundas do questionamento humano: ressignificar-se, buscar e expressar o significado e propósito da vida, sua relação com o mundo, com a natureza e com o sagrado(7).

Espiritualidade não é um campo pertencente a uma determinada instituição ou conceito religioso, apesar de também estar intrínseco à religião. Assim, a possibilidade de provisão de cuidado espiritual independe de os profissionais de enfermagem compartilharem dos mesmos credos que o paciente(4-6,2525. Rykkje L, Søvik MB, Ross L, McSherry W, Cone P, Giske T. Educational interventions and strategies for spiritual care in nursing and health care students and staff: a scoping review. J Clin Nurs. 2022;31(11-12):1440-64. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.16067
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-2727. Oliveira LAF, Oliveira AL, Ferreira MA. Formação de enfermeiros e estratégias de ensino-aprendizagem sobre o tema da espiritualidade. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210062. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0062
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. Para esclarecer essa questão, é importante entender que religião se refere a um conjunto de crenças, valores e práticas que definem uma vertente do caminho para alcance da fé, do sagrado, do divino e de Deus e geralmente traz consigo um código moral de conduta, que almeja aproximar e facilitar o acesso ao divino(6,2828. Lalani N. Meanings and interpretations of spirituality in nursing and health. Religions. 2020;11(9):428. doi: https://doi.org/10.3390/rel11090428
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. A religiosidade, por sua vez, é uma característica de cunho pessoal, sendo a expressão da espiritualidade de um crente, e, portanto, também agrega o sentido da reflexão da existência humana, a sacralidade da vida e dogmas próprios dos saberes de cada instituição religiosa(6-88. Cooper KL, Luck L, Chang E, Dixon K. What is the practice of spiritual care? a critical discourse analysis of registered nurses’ understanding of spirituality. Nurs Inq. 2021;28(2):e12385. doi: https://doi.org/10.1111/nin.12385
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. A religiosidade é, então, o canal de comunicação do crente com sua dimensão espiritual.

Essa lacuna na formação dos profissionais de enfermagem pode apresentar outras mazelas, por exemplo, a compreensão incipiente da diferença entre os conceitos de espiritualidade, religiosidade e religião(8,2828. Lalani N. Meanings and interpretations of spirituality in nursing and health. Religions. 2020;11(9):428. doi: https://doi.org/10.3390/rel11090428
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. De fato, são conceitos que possuem semelhanças, no entanto, seu conhecimento integral é necessário para um atendimento em saúde holístico, a fim de evitar imprecisões e imperícias, principalmente relacionada às crenças religiosas ou, ainda, à ausência destas.

A despeito da imprescindível influência que a compreensão conceitual e a consciência espiritual exercem na construção da competência espiritual em enfermagem, espera-se que o repertório de conhecimentos do enfermeiro sobre o tema venha da sua formação profissional2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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,2525. Rykkje L, Søvik MB, Ross L, McSherry W, Cone P, Giske T. Educational interventions and strategies for spiritual care in nursing and health care students and staff: a scoping review. J Clin Nurs. 2022;31(11-12):1440-64. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.16067
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. Corroborando com os estudos que descrevem o inexpressivo ensino da espiritualidade em Enfermagem(6-9), apenas cinco dos 14 profissionais entrevistados referiram ter tido contato com o tema durante sua formação.

A elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos de Enfermagem no Brasil se sustenta nas DCN1111. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial União. 2001 nov 9 [cited 2022 Jan 26];138(215 Seção 1):37-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=09/11/2001&jornal=1&pagina=37&totalArquivos=160
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, propostas no início do século, e que já demonstram desatualização sobre a necessidade de formação de uma profissional de enfermagem verdadeiramente crítico e contemporâneo às discussões em torno da práxis em saúde2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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. No que tange ao cuidado espiritual e a espiritualidade, pesquisas têm demonstrado que o tema tem sido abordado de forma incipiente tanto nos cursos de graduação quanto de pós-graduação, quando abordado. A lacuna desse conhecimento tem sido minimizada por meio de educação adicional e do movimento gerado por Ligas acadêmicas, cuja participação na formação em saúde amplia as discussões sobre o tema. No Brasil, até o momento, há 61 ligas de espiritualidade em saúde2727. Oliveira LAF, Oliveira AL, Ferreira MA. Formação de enfermeiros e estratégias de ensino-aprendizagem sobre o tema da espiritualidade. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210062. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0062
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A vivência profissional, a prática religiosa e a aptidão pessoal podem ter suprido a lacuna educacional vivenciada pelos profissionais participantes dessa pesquisa. Essas características, além do preparo na formação, podem influenciar os profissionais de Enfermagem na percepção e na provisão do cuidado espiritual2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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. Estudos discutem diversos fatores predisponentes para o cuidado espiritual em Enfermagem, como: tempo de experiência na profissão, valores e crenças religiosas/espirituais do profissional, percepção da transcendência, autoconhecimento, afiliação religiosa, comprometimento profissional, sensibilidade, intencionalidade e cultura organizacional(4-8,2424. Akça SO, Gülnar E, Özveren H. Spiritual care competence of nurses. J Contin Educ Nurs. 2022;53(5):225-31. doi: https://doi.org/10.3928/00220124-20220407-05
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-2626. Santos PM, Rodrigues KS, Pinheiro LA, Santana BS, Ipólito MZ, Magro MCS. Religious and spiritual support in the conception of nurses and families of critical patients: a cross-sectional study. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20200508. doi: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2020-0508
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. No entanto, ainda não há evidências do quanto esses fatores influenciam os profissionais de enfermagem quanto à compreensão da espiritualidade e a prática do cuidado espiritual ao paciente(8,2828. Lalani N. Meanings and interpretations of spirituality in nursing and health. Religions. 2020;11(9):428. doi: https://doi.org/10.3390/rel11090428
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.

Os depoimentos evidenciam o despreparo na formação profissional, impactando diretamente na compreensão científica da espiritualidade e na sua prática diária de assistência de enfermagem. A carência de ensino, no processo de formação, leva os profissionais de enfermagem a realizarem o cuidado espiritual baseado em suas próprias crenças religiosas, fato que os direcionam a uma prática sem fundamentação em evidências, reduzindo a singularidade de princípios e valores da pessoa assistida às práticas espirituais do profissional.

A ética profissional, muitas vezes citada durante as narrativas, segue promovendo a imparcialidade religiosa e o respeito à autonomia e singularidade da expressão espiritual da pessoa assistida. Esse fato corrobora com as narrativas de profissionais de enfermagem também encontradas em um estudo brasileiro, que visou a construção de um modelo de cuidado espiritual para pacientes e familiares no adoecimento(5). Esse estudo, demonstrou que as práticas dos profissionais de enfermagem concernentes à dimensão espiritual estavam vinculadas aos deveres éticos de conduta e ao dever social de auxílio ao próximo.

Essa característica é muito bem descrita no Código de Ética para Enfermeiros da AACN(2), uma das precursoras em citar a responsabilidade ética do enfermeiro frente ao cuidado espiritual. Além da AACN, outros órgãos e associações de classe também incluíram, em seus códigos de ética, diretivas que prezam pela prática de enfermagem compassiva e respeitosa frente à espiritualidade das pessoas(2-7). O código de ética profissional de enfermagem no Brasil teve recente atualização, porém, só incluiu o campo espiritual ao referir-se à assistência de enfermagem no cenário de cuidado paliativo(1). Assim, frente aos relatos compartilhados, fica clara a ausência de um corpo de conhecimentos a respeito da espiritualidade e da prática de enfermagem. Preceitos éticos norteiam a prática, no entanto, esta, sem o conhecimento, nos leva de volta à descrença científica.

A literatura internacional aponta que o conteúdo que prepara enfermeiros e demais profissionais de saúde para prestar cuidados espirituais deve estar longitudinalmente inserido em todo o currículo obrigatório. Advoga-se também pela educação permanente da equipe de saúde, de forma a manter contínuo desenvolvimento dessa competência. Recomendam-se, como estratégias de ensino-aprendizagem mais efetivas, aquelas com foco na autorreflexão, reflexão em grupo, discussão de casos ou simulação realística, bem como o trabalho em equipes multidisciplinares2525. Rykkje L, Søvik MB, Ross L, McSherry W, Cone P, Giske T. Educational interventions and strategies for spiritual care in nursing and health care students and staff: a scoping review. J Clin Nurs. 2022;31(11-12):1440-64. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.16067
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,2828. Lalani N. Meanings and interpretations of spirituality in nursing and health. Religions. 2020;11(9):428. doi: https://doi.org/10.3390/rel11090428
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. Estudo brasileiro aponta que estratégias nesse sentido podem auxiliar, inclusive, na promoção da saúde integral dos próprios estudantes, por meio da redução do afeto negativo, especificamente medo e hostilidade2727. Oliveira LAF, Oliveira AL, Ferreira MA. Formação de enfermeiros e estratégias de ensino-aprendizagem sobre o tema da espiritualidade. Esc Anna Nery. 2021;25(5):e20210062. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0062
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No que concerne ao processo de formação de profissionais de enfermagem generalistas no Brasil, as DCN1111. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial União. 2001 nov 9 [cited 2022 Jan 26];138(215 Seção 1):37-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=09/11/2001&jornal=1&pagina=37&totalArquivos=160
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estabelecem que todo enfermeiro deve ser oriundo de escolas com formação humanista, crítica e reflexiva, não citando especificidade que contemple a formação na dimensão espiritual para a prática de Enfermagem, motivo pelo qual foram considerados, nesse estudo, o escopo e os padrões de práticas de Enfermagem em Terapia Intensiva definidos pela AACN(2). Corroborando com essas especificações, o perfil profissional do enfermeiro intensivista também segue as características humanista, crítica e reflexiva das DCN1111. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial União. 2001 nov 9 [cited 2022 Jan 26];138(215 Seção 1):37-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=09/11/2001&jornal=1&pagina=37&totalArquivos=160
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, bem como enfatiza a visão da prática de Enfermagem holística em terapia intensiva, fundamentando seu cuidado numa assistência centrada na pessoa22. American Association of Critical Care Nurses. AACN Scope and standards for acute and critical care nursing practice. Aliso Viejo, CA; AACN; 2015 [cited 2021 Jan 17]. Available from: https://my.pba.edu/ICS/icsfs/scopeandstandardsacutecriticalcare2015.pdf?target=52a93384-d0fd-40c7-8c20-d26d41c3f1d
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Apesar das grandes e desafiadoras complexidades técnico-científicas do paciente crítico, os profissionais de Enfermagem intensivistas devem ser capazes de compreender as multidimensionalidades e singularidades que compõem o indivíduo, sua família e rede de apoio, reconhecendo a dimensão espiritual como parte inerente à assistência de enfermagem(2-5). Ainda não existem diretrizes de órgãos de classe no Brasil que estabeleçam o perfil esperado do enfermeiro ou TE intensivista.

Ao cuidar de um paciente criticamente enfermo, a equipe de enfermagem deve ser altamente capacitada para atender as necessidades biológicas básicas, mas também detectar alterações fisiológicas precocemente e ter os conhecimentos e habilidades necessárias para manter e interpretar todo o aparato tecnológico que auxilia na manutenção da vida daquela pessoa44. Badanta B, Rivilla-García E, Lucchetti G, Diego‐Cordero R. The influence of spirituality and religion on critical care nursing: an integrative review. Nurs Crit Care. 2022;27(3):348-66. doi: https://doi.org/10.1111/nicc.12645
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,99. Riahi S, Goudarzi F, Hasanvand S, Abdollahzadeh H, Ebrahimzadeh F, Dadvari Z. Assessing the effect of spiritual intelligence training on spiritual care competency in critical care nurses. J Med Life. 2018;11(4):346-54. doi: https://doi.org/10.25122/jml-2018-0056
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,2929. Abuejheisheh A, Tarawneh O, Qaddumi JAS, Almahmoud O, Darawad MW. Predictors of intensive care unit nurses’ practice of evidence-based practice guidelines. Inquiry. 2020;57;46958020902323. doi: https://doi.org/10.1177/0046958020902323
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. Nesse contexto, muitas pessoas que são admitidas na UTI necessitam de uma vigilância constante e podem estar sob condições patológicas potencialmente ameaçadoras da continuidade de suas vidas2626. Santos PM, Rodrigues KS, Pinheiro LA, Santana BS, Ipólito MZ, Magro MCS. Religious and spiritual support in the conception of nurses and families of critical patients: a cross-sectional study. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20200508. doi: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2020-0508
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,2929. Abuejheisheh A, Tarawneh O, Qaddumi JAS, Almahmoud O, Darawad MW. Predictors of intensive care unit nurses’ practice of evidence-based practice guidelines. Inquiry. 2020;57;46958020902323. doi: https://doi.org/10.1177/0046958020902323
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. Esse cenário de internação hospitalar favorece o surgimento de diversas angústias no paciente e em seus familiares, cabendo muitas vezes aos profissionais de enfermagem a promoção do primeiro cuidado profissional de saúde, tendo também a primordial tarefa de garantir ao enfermo um ambiente reservado e livre de julgamentos(9).

Frequentemente, a demanda complexa e heterogênea de um paciente gravemente enfermo encontra um dimensionamento de pessoal fragilizado pela sobrecarga de trabalho, uma disposição arquitetônica que pouco favorece a privacidade do paciente e familiares e uma cultura organizacional que não contempla uma urgência espiritual como prioridade de cuidado(4-9). Esses fatores, somados à falta de capacitação profissional, transformam o cuidar holístico em uma assistência difícil de ser ofertada. Garantir uma assistência de enfermagem holística no cenário da terapia intensiva é uma tarefa multidisciplinar, mas acima de tudo, deve partir dos valores seguidos pela instituição hospitalar77. van Leeuwen R, Attard J, Ross L, Boughey A, Giske T, Kleiven T, et al. The development of a consensus-based spiritual care education standard for undergraduate nursing and midwifery students: an educational mixed methods study. J Adv Nurs. 2021;77(2):973-86. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14613
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,9).

Entende-se que uma equipe de enfermagem com dimensionamento compatível com a complexidade humana e a vulnerabilidade apresentadas pelos pacientes e familiares durante a internação pode promover segurança e cuidado efetivo, além de impactar diretamente nos custos, reduzindo procedimentos desnecessários, tempo de internação, readmissões e mortalidade(6,99. Riahi S, Goudarzi F, Hasanvand S, Abdollahzadeh H, Ebrahimzadeh F, Dadvari Z. Assessing the effect of spiritual intelligence training on spiritual care competency in critical care nurses. J Med Life. 2018;11(4):346-54. doi: https://doi.org/10.25122/jml-2018-0056
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,2929. Abuejheisheh A, Tarawneh O, Qaddumi JAS, Almahmoud O, Darawad MW. Predictors of intensive care unit nurses’ practice of evidence-based practice guidelines. Inquiry. 2020;57;46958020902323. doi: https://doi.org/10.1177/0046958020902323
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. Esses desfechos positivos também são citados quando há provisão do cuidado espiritual, associados à diminuição da dor, melhor enfrentamento do sofrimento e, consequentemente, melhor qualidade de vida(9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desse estudo, foi possível descrever e analisar a formação dos profissionais de enfermagem para a atenção à dimensão espiritual do paciente crítico. A assistência espiritual de enfermagem descrita nesse estudo é fundamentada nas crenças culturais e pessoais do profissional, como também dos valores disseminados na instituição de trabalho. Parte desse resultado, pode ser relacionado a parca abordagem do tema ao longo da formação do profissional de enfermagem.

Refletindo especificamente sobre a atuação em cuidado espiritual do enfermeiro e do técnico de enfermagem na Unidade de Terapia Intensiva, denotou-se a falta de preparo técnico-científico. No entanto, esse fator não foi determinante e, apesar da rotina assistencial atribulada do setor, a percepção e empatia de cada profissional de enfermagem entrevistado propiciaram um olhar à dimensão espiritual das pessoas assistidas.

Infelizmente, devido à ausência do tema nas grades curriculares, a prática de enfermagem na dimensão espiritual do paciente crítico descrita nesse estudo ainda se fundamenta em uma prática sem base em evidências científicas, reproduzindo o cuidado pautado em conflitos conceituais e na escolha religiosa de quem cuida. Dada a forte formação ética nas profissões de saúde, a atuação da equipe de Enfermagem se respalda quando garante o respeito à singularidade e autonomia das pessoas assistidas. Os resultados desse estudo podem guiar a tomada de decisão na gestão do cuidado espiritual de enfermagem, que, acima de tudo, se alicerça na conexão entre paciente e profissional, promovendo a saúde e o bem-estar. Os resultados também podem indicar às corporações de saúde a relevância de promover educação permanente e valorizar institucionalmente o preparo técnico para lidar com a espiritualidade das pessoas que buscam assistência à saúde.

No ensino e no âmbito organizacional, é imperiosa a discussão e implementação de novos valores no cuidar, garantindo uma assistência integral, que considere a trajetória dos usuários dos serviços de saúde e não apenas o seu adoecimento e hospitalização. Conhecer, respeitar e propiciar os recursos de enfrentamento que essas pessoas utilizam frente às adversidades é não só oferecer um serviço assertivo e seguro, mas também garantir dignidade à vida humana.

Este estudo teve como limitação o contexto de formação de enfermeiros e técnicos de enfermagem de Unidades de Terapia Intensiva de uma única instituição hospitalar, não sendo passível, portanto, de generalizações. Sugere-se a realização de pesquisas que investiguem a formação do profissional de enfermagem frente à dimensão espiritual do paciente crítico nos mais diversos cenários em que este perfil de paciente se hospitaliza, buscando ampliar percepções teórico-práticas em torno do cuidado espiritual de enfermagem.

REFERENCES

  • 1. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen n° 564 de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Diário Oficial União. 2014 jan 28 [cited 2022 Jan 11];154(233 Seção 1):157. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=06/12/2017&jornal=515&pagina=157&totalArquivos=164
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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2022
  • Aceito
    21 Set 2022
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