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Violências contra as mulheres divulgadas na mídia durante a pandemia de Covid-19

RESUMO

Objetivo:

Descrever as situações de violência contra mulheres na pandemia de Covid-19 divulgadas na mídia.

Método:

Pesquisa documental, qualitativa, em ambiente virtual, realizada com 39 reportagens divulgadas no jornal O Globo e portal Universo On-line ,entre março de 2020 a julho de 2021, em Salvador - BA. A organização dos dados seguiu as etapas da análise de conteúdo, com discussão fundamentada na literatura científica.

Resultados:

No processo de análise foram organizados quatro núcleos de sentido: o isolamento social denuncia situações de violência doméstica; Crise econômica e portas fechadas: justifica mais violências?; Ferramentas disponíveis para o rompimento da violência contra mulher: o que muda com a pandemia?; O gênero e a cor da violência na pandemia.

Considerações finais:

A mídia divulgou dados alarmantes sobre a intensificação e susceptibilidade das mulheres aos diversos tipos e situações de violência, principalmente durante o isolamento social, na pandemia de Covid-19.

Palavras-chave:
Enfermagem; Meios de comunicação de massa; Mulheres; Violência de gênero; COVID-19; Isolamento social

ABSTRACT

Objective:

To describe situations of violence against women in the Covid-19 pandemic reported in the media.

Method:

Documentary, qualitative research, in a virtual environment, carried out with 39 reports published in the newspaper O Globo and the Universo On-line portal, between March 2020 and July 2021, in Salvador - BA. Data organization followed the steps of content analysis, with a discussion based on the scientific literature.

Results:

In the analysis process, four core meanings were organized: social isolation denounces situations of domestic violence; Economic crisis and closed doors: justify more violence?; Tools available for ending violence against women: what changes with the pandemic?; The gender and color of violence in the pandemic.

Final considerations:

The media released alarming data on the intensification and susceptibility of women to different types and situations of violence, especially during social isolation, in the Covid-19 pandemic.

Keywords:
Nursing; Mass media; Women; Gender-based violence; COVID-19; Social isolation

RESUMEN

Objetivo:

Describir situaciones de violencia contra la mujer en la pandemia de Covid-19 reportadas en los medios de comunicación.

Método:

Investigación documental, cualitativa, en ambiente virtual, realizada con 39 reportajes publicados en el diario O Globo y el portal Universo On-line, entre marzo de 2020 y julio de 2021, en Salvador - BA. La organización de los datos siguió los pasos del análisis de contenido, con una discusión basada en la literatura científica.

Resultados:

En el proceso de análisis se organizaron cuatro núcleos de significados: el aislamiento social denuncia situaciones de violencia intrafamiliar; Crisis económica y puertas cerradas: ¿justifican más violencia?; Herramientas disponibles para acabar con la violencia contra las mujeres: ¿qué cambia con la pandemia?; El género y el color de la violencia en la pandemia.

Consideraciones finales:

Los medios de comunicación dieron a conocer datos alarmantes sobre el recrudecimiento y la susceptibilidad de las mujeres a diferentes tipos y situaciones de violencia, especialmente durante el aislamiento social, en la pandemia del Covid-19.

Palabras clave:
Enfermería; Medios de comunicación de masas; Mujeres; Violencia de género; COVID-19; Aislamiento social

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher caracteriza-se como qualquer ação ou conduta baseada no gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos, sejam estes físicos, sexuais ou mentais, em esferas pública ou privada, o que inclui ameaças e mortes11. Organização Pan-Americana da Saúde [Internet]. Washington, DC: OPAS; 2020 [cited 2022 Apr 17]. Violência contra as mulheres; [about 8 screens]. Available from: https://www.paho.org/pt/topics/violence-against-women
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. Os problemas de saúde decorrentes da violência manifestam-se através de lesões, adoecimentos mentais, nas condições físicas, no risco de gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis22. Mazza M, Marano G, Lai C, Janiri L, Sani G. Danger in danger: interpersonal violence during COVID-19 quarantine. Psychiatry Res. 2020;289:113046. doi: https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.113046
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.

Assim, a violência contra a mulher se configura como um problema complexo e polissêmico, decorrente das relações de poder assimétricas e alicerçadas pela macroestrutura social33. Marcolino EC, Santos RC, Clementino FS, Leal CQAM, Soares MCS, Miranda FAN,et al. O distanciamento social em tempos de Covid-19: uma análise de seus rebatimentos em torno da violência doméstica. 2021;25(Supl. 1):e20036325. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.200363
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. Dados mundiais de 2020 revelam que, cerca de 740 milhões de mulheres entre 15 a 24 anos foram submetidas a situações de violência44. Organização Pan-Americana da Saúde [Internet]. Washington, DC: OPAS; 2021 [cited 2022 Apr 17]. Devastadoramente generalizada: 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo sofre violência; [about 7 screens]. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/9-3-2021-devastadoramente-generalizada-1-em-cada-3-mulheres-em-todo-mundo-sofre-violencia
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.

Países como Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos destacaram o aumento das denúncias de violência doméstica e da demanda para abrigos de emergência, principalmente durante a pandemia de Covid-1955. Organização das Nações Unidas Mulheres. Violência contra as mulheres e meninas é pandemia invisível, afirma diretora executiva da ONU Mulheres [Internet]. Brasília, DF: ONU; 2020 [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://www.onumulheres.org.br/noticias/violencia-contra-as-mulheres-e-meninas-e-pandemia-invisivel-afirma-diretora-executiva-da-onu-mulheres/
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. No Brasil, em 2020, houve crescimento (3,9%) nos registros de denúncias por violência doméstica, e o número de vítimas do sexo feminino por lesão corporal atingiu maiores valores para os estados de Goiás (5.029 casos), Espírito Santo (1.121 casos) e Rio Grande do Norte (1.081 casos)66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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.

Nos demais estados brasileiros, quando comparados os números de casos entre os anos de 2019 e 2020, houve um decréscimo do número de registros, possivelmente em decorrência das medidas restritivas da pandemia ocasionando subnotificação66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Com o surgimento do novo coronavírus, em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, não só houve aumento dos casos de infecção pela Covid-19, como também agravou as situações de vulnerabilidades e violências vivenciadas pelas mulheres66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Nota-se, que após dois anos de pandemia os dados da violência continuam apresentando desfechos problemáticos e não solucionados.

Antes do cenário pandêmico, a literatura já destacava fatores histórico-sociais como desencadeantes da violência contra mulher, dentre eles, as desigualdades de gênero, o machismo e racismo estrutural77. Santos IB, Leite FMC, Amorim MHC, Maciel PMA, Gigante DP. Violence against women in life: study among Primary Care users. Cien Saude Colet. 2020;25(5):1935-46. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.19752018
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. Sobremaneira, por se configurar um grave problema de saúde pública de ordem mundial, ações de prevenção foram intensificadas durante a implementação das medidas restritivas para controle epidemiológico de Covid-19.

A mídia mundial tem papel relevante na difusão de informações para a saúde pública, com destaque às crises sanitárias. As divulgações acerca das epidemias do vírus da Zika (2015) e Ebola (2013), já evidenciavam a intensificação das desigualdades socioeconômicas e de gênero preexistentes no cenário, com repercussões sociais e de saúde para mulheres88. Wenham C, Smith J, Davies SE, Feng H, Grépin KA, Harman S, et al. Women are most affected by pandemics - lessons from past outbreaks. Nature. 2020;583(7815):194-8. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-020-02006-z
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.

De modo geral, a divulgação nas plataformas digitais passa pela checagem dos fatos (fact-checking), a fim de comprovar a autenticidade das notícias99. Fanchin J, Araujo NC, Sousa JC. Credibilidade de informações em tempos de COVID-19. Rev Interam Bibliot. 2020;43(3):eRf3. doi: https://doi.org/10.17533/udea.rib.v43n3eRf3
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. Assim, os meios de comunicação disponíveis em formato digital, constituem fontes de dados primários para estudos científicos1010. Forte ECN, Pires DEP, Martins MMFPS, Trindade LL, Schneider DG, Ribeiro OMPL. Behavior of nursing managers and leaders when errors are disclosed in the media. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180039. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180039
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A violência tem impactos na vida e na saúde das mulheres, independente da fase que ocorra, causando sofrimentos de diversas ordens e sequelas individuais e familiares1111. Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze SDA,Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol. 2020;37:e200063. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063
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. Os impactos, conforme observado em dados estatísticos66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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, durante a pandemia de Covid-19 ampliaram-se a partir da implementação das medidas restritivas, como o isolamento social. Desse modo, o cenário pandêmico tornou-se um potencial fator desencadeante ao aumento de casos de violências contra as mulheres dificultando o rompimento do ciclo de violência.

Isto posto, este estudo teve como questão norteadora: com base nas divulgações da mídia, quais os tipos de violências vivenciadas pelas mulheres durante a pandemia de Covid-19? Deste modo, objetivou-se descreveras situações de violências contra as mulheres na pandemia de Covid-19 divulgadas na mídia.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa documental, de abordagem qualitativa. Como método de investigação utilizou-se fontes primárias, isto é, dados exclusivamente provenientes de documentos sem abordagem analítica ou processadas cientificamente, cuja obtenção das informações presentes nos documentos, permite compreensão do fenômeno referente ao objetivo delineado pela pesquisa1010. Forte ECN, Pires DEP, Martins MMFPS, Trindade LL, Schneider DG, Ribeiro OMPL. Behavior of nursing managers and leaders when errors are disclosed in the media. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180039. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180039
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Os dados foram coletados em ambiente virtual, em Salvador-Ba, nas versões digitais do jornal O Globo, mediante assinatura, e gratuitamente, no Universo On-line (UOL). A escolha por realizar as buscas nessas bases de notícias justifica-se pelo amplo alcance e credibilidade em suas publicações, quantitativo de notícias relevantes para discussão da temática no período delimitado, por apresentar em seu corpus o discurso direto através da pluralidade de vozes femininas, e pela predominância de entidades, pesquisas cientificas e documentos oficiais no embasamento textual.

Assim, levou-se em consideração a dimensão jornalística de abrangência nacional e internacional das mídias e, durante a pandemia, nos anos de 2020 e 2021, os documentos divulgados foram os mais lidos e acessados do país, sendo incluídas no ranking dos melhores sites de notícias e principais veículos de informações da mídia digital1212. O Globo [Internet]. O Globo continua sendo o mais lido e vendido do país. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2021 [updated 2021 Jul 17, cited 2022 May 27]. Available from: https://oglobo.globo.com/economia/o-globo-continua-sendo-mais-lido-vendido-do-pais-25122447
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. Possuem sessões exclusivas de notícias com discussões relacionadas especificamente as temáticas de gênero, classe e raça, sendo intituladas: Plataforma Celina e Universa, disponíveis no jornal O Globo e UOL, respectivamente.

Considerou-se o período de março de 2020 a julho de 2021 para a coleta dos dados, por evidenciar os marcos dos acontecimentos da pandemia de Covid-19, a exemplo da primeira notificação do caso e morte de Covid-19 no Brasil; as variações epidemiológicas da doença e do cenário da pandemia; a intensificação das crises no âmbito da saúde e na economia; início e ampliação do processo vacinal, bem como minimização dos casos e óbitos pela Covid-19.

O processo de seleção das reportagens se desenvolveu a partir dos seguintes descritores: “Mulher”; “Feminino”; “Pandemia”; “Covid-19” e “Saúde”, controlados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) nas suas manchetes. As reportagens incluídas na análise possuem alcance em massa em nível nacional e internacional, notícias publicadas nos diversos formatos de reportagens e que após leitura na íntegra tiveram como temática central as repercussões da pandemia Covid-19 para mulheres. Foram excluídas:matérias em formato audiovisual, documentos fora do período selecionado, e em outros sites intrínsecos ao jornal O Globo e UOL, sendo selecionados apenas os conteúdos das fontes primárias.

Durante o processo, foram identificadas 39 reportagens, lidas integralmente e organizadas em arquivos de documentos no Microsoft Word, contemplando os seguintes elementos: fonte de dados, título, data da publicação, sessão, autoria, foco da reportagem e imagens utilizadas. A orientação metodológica para organização e análise dos dados foi desenvolvida mediante as fases da análise de conteúdo temática: pré-análise; exploração do material, categorização ou codificação; tratamento dos resultados, inferências e interpretação1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70 Brasil; 2016..

O percurso analítico envolveu a escolha dos documentos, leituras minuciosas de seu conteúdo, formulação de objetivo e hipótese; codificação e agrupamento para compor as unidades de registros, a partir da identificação da temática; e por fim, análise crítica para o tratamento dos resultados identificados. Nesse segmento emergiram a construção de quatro núcleos de sentido que desvelaram a intensificação das situações de violências contra as mulheres durante a pandemia de Covid-19.

Os dados utilizados são de domínio público e, a priori, não requerem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e/ou consentimento de autorização prévia das pessoas que participaram das reportagens.

RESULTADOS

A violência contra a mulher foi abordada em 39 reportagens, com destaque para 22 títulos, conforme apresentado no Quadro 1. Apesar do destaque nos títulos, as reportagens abordam múltiplas discussões acerca das repercussões da pandemia de Covid-19 para as mulheres e as situações de violências vivenciadas nesse período. As publicações ocorreram, prioritariamente, nas sessões das plataformas Celina e Universa, do jornal O Globo e UOL, respectivamente.

Quadro 1 -
Relação das manchetes divulgadas no jornal O Globo e UOL. Salvador, Bahia, Brasil, 2020-2021

As reportagens apresentaram diversas situações de violências contra a mulher, retratando realidades vivenciadas em diversos países e distintas regiões do Brasil, com variações de registros que acompanhavam o perfil epidemiológico da pandemia de Covid-19, desde o seu surgimento.

As principais formas de violências identificadas, sinalizavam vinculações com questões históricas e sociais, sobretudo, gênero e raça, com manifestações de violência doméstica e sexual, assim como, o aumento da vulnerabilidade em diversos âmbitos conforme apontam os artigos 6 e 19 do Quadro 1 que apresentam discussões para além do contexto de violência doméstica. Além disso, apresentaram implicações na saúde, no mercado de trabalho e na vida das mulheres, tanto no espaço público, quanto privado. Os registros revelaram que a elevação das taxas de contaminação e óbitos pelo coronavírus, coincidiu com o aumento de publicações sobre a violência, e à medida que os casos de Covid-19 reduziam, o mesmo ocorria com as publicações.

No processo da análise de conteúdo das reportagens, foram identificados quatro núcleos de sentido: o isolamento social denuncia situações de violência doméstica; Crise econômica e portas fechadas: justifica mais violências?; Ferramentas disponíveis para o rompimento da violência contra mulher: o que muda com a pandemia?; O gênero e a cor da violência na pandemia.

Núcleo de sentido 1 - O isolamento social denuncia situações de violência doméstica

Desde o início da pandemia, as mulheres encontravam-se vulneráveis ao aumento das violências em vários países do mundo em virtude da necessidade de regras de confinamento para controle de Covid-19, as quais recomendavam o “fique em casa”. O cumprimento dessa medida de proteção, contudo, contribuiu para a potencialização de indicadores da violência pelo convívio domiciliar em tempo integral entre vítima e agressor, conforme mostram os trechos de reportagens a seguir:

[...] não há país que escape da epidemia de coronavírus, assim como nenhum fica à margem da explosão colateral de agressões machistas, um flagelo que se agravou em todo o mundo devido às restrições impostas pela Covid-191414. O Globo [Internet]. Pandemia de Covid-19 fez violência contra a mulher disparar em todo o mundo. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020. [updated 2020 Nov 23, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/pandemia-de-covid-19-fez-violencia-contra-mulher-disparar-em-todo-mundo-24761185
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.

[...] em todos os países, obrigados a decretar medidas de restrições aos deslocamentos para frear a propagação do vírus, as mulheres se viram presas em residências pouco seguras. ‘A casa é o local mais perigoso para as mulheres 15 15. Portal UOL [Internet]. Violência contra as mulheres dispara em todo o mundo na pandemia. São Paulo: Universo Online S/A; 2020 [cited 2022 May 27]. Available from: https://www.uol.com.br/universa/noticias/afp/2020/11/23/violencia-contra-as-mulheres-dispara-a-outra-face-da-pandemia.htm
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[...] afirma que se sentiu ‘presa em sua própria casa’, com um marido desempregado, consumidor de drogas e violento. Durante o confinamento, ele passava o dia no telefone, jogando, me batendo ou abusando de mim1515. Portal UOL [Internet]. Violência contra as mulheres dispara em todo o mundo na pandemia. São Paulo: Universo Online S/A; 2020 [cited 2022 May 27]. Available from: https://www.uol.com.br/universa/noticias/afp/2020/11/23/violencia-contra-as-mulheres-dispara-a-outra-face-da-pandemia.htm
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Núcleo de sentido 2 - Crise econômica e portas fechadas: justifica mais violências?

A crise socioeconômica, gerada pela pandemia, ampliou as situações de tensão nas relações interpessoais, sobretudo as conjugais. Paralelamente, a restrição do acesso aos serviços de justiça, redirecionamento dos serviços de saúde, perda de autonomia financeira, limitação do contato social e espaços de refúgio, dificultaram a busca por ajuda para a quebra do ciclo da violência, em concordância com os trechos a seguir:

[...] a crescente tensão nas relações tem ficado clara para quem acompanha os casos de violência contra as mulheres neste período. Quando as mulheres nos procuram, elas já estão muito desgastadas emocionalmente. Com medo de que o homem, mais presente em casa, tome uma atitude agressiva1616. Portal UOL [Internet]. Mulheres formam redes de apoio contra a violência doméstica na pandemia. São Paulo: Universo Online S/A; 2020 [cited 2022 May 27]. Available from: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/08/mulheres-formam-redes-de-apoio-contra-a-violencia-domestica-na-pandemia.htm
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[...] não é apenas o isolamento social que causa o conflito. A pandemia também afetou a economia. Em geral, o marido e a mulher ficaram sem emprego. Cresceu o consumo de bebidas alcoólicas, em um período de grande ansiedade, o que amplia a violência. Camadas de vulnerabilidade vão se juntando. As habitações são pequenas, muitas em um único cômodo 17 17. O Globo [Internet]. Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena para conter novo coronavírus. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Jun 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356
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[...] a redução nos registros de algumas ocorrências representa menos uma diminuição dos casos de violência contra a mulher e mais as dificuldades e obstáculos que elas encontraram na pandemia para denunciar a situação de abuso a que estão submetidas, além da instabilidade sofrida no período pelos serviços de proteção, com diminuição do número de servidores e horários de atendimento e aumento das demandas 18 18. O Globo [Internet]. Feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Oct 19, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296
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Núcleo de sentido 3 - Ferramentas disponíveis para o rompimento da violência contra mulher: o que muda com a pandemia?

Os dados analisados revelaram aumento nas notificações de denúncias desde o início do confinamento. Entre as formas mencionadas, destacam-se ligações para os canais de denúncia e/ou boletins de ocorrência on-line. Em consonância, ampliaram-se as solicitações por abrigo de emergência para mulheres em situação de violência, conforme os trechos a seguir:

[...] desde o início da emergência sanitária, vimos um aumento das distintas formas de violência contra as mulheres, com o aumento nas ligações para canais de atendimento de emergência contra violência de gênero, e, em alguns casos, mais pessoas solicitando acesso a abrigos ou outros serviços de apoio 19 19. O Globo [Internet]. Violência contra as mulheres: uma pandemia oculta agravada pela Covid-19. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2021 [updated 2021 Mar 08, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/violencia-contra-as-mulheres-uma-pandemia-oculta-agravada-pela-covid-19-24912099
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[...] nos primeiros seis meses de 2020, foram 147.379 chamados ao 190 para atender ocorrências de violência doméstica, contra 142.005 nos seis meses iniciais de 2019. Porém, as denúncias registradas por lesão corporal recuaram de 122.948 no primeiro semestre de 2019 para 110.791 em 2020. O total de casos de estupro registrados caiu 22,9% na mesma comparação (33.019 casos em 2019, contra 25.469 em 2020) 18 18. O Globo [Internet]. Feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Oct 19, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296
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[...] a Lei 14.022/20, sancionada em julho de 2020, regulamenta o registro de boletins de ocorrência online e por telefone de violência doméstica e intrafamiliar. Além disso, buscou priorizar os atendimentos às vítimas, tornando-os mais ágeis, e definiu a prorrogação automática das medidas protetivas de urgência já existentes enquanto houver estado de emergência em território nacional 20 20. Portal UOL [Internet]. A cada minuto, 25 brasileiras sofrem violência doméstica. São Paulo: Revista Piauí; 2021. Available from https://piaui.folha.uol.com.br/cada-minuto-25-brasileiras-sofrem-violencia-domestica
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Núcleo de sentido 4 - O gênero e a cor da violência na pandemia

As violências de gênero foram intensificadas desde os primeiros meses da pandemia de Covid-19, destacando-se a mutilação genital feminina e os casamentos infantis forçados, os feminicídios e as ameaças de morte com taxas superiores entre mulheres negras. E, como fator predisponente ao desemprego e aumento da extrema pobreza, cresceram os casos de sextorção ou troca de sexo por moradia. Os trechos a seguir evidenciam algumas dessas situações.

[...] estima que as interrupções nos diversos programas de auxílio, empoderamento e educação causadas pela pandemia resultem em 13 milhões de casamentos precoces adicionais entre 2020 e 2030. Já dois anos de atraso nos programas de combate à mutilação genital feminina significam que dois milhões de mulheres estarão sujeitas à prática. Em geral, as práticas nocivas se impõem em momentos em que há menos controle social e uma oferta menor de serviços públicos 21 21. O Globo [Internet]. Coronavírus: OIT alerta que pandemia pode eliminar avanços em igualdade de gênero. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Sep 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/economia/coronavirus-oit-alerta-que-pandemia-pode-eliminar-avancos-em-igualdade-de-genero-24508866
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[...] as mulheres negras foram as mais atingidas, representando 66% de todas essas vítimas. No mesmo período, o feminicídio de negras teve um crescimento de 30% (5,6 para cada grupo de 100 mil mulheres), ao passo que o de não negras cresceu 1,6% (3,2 para cada grupo de 100 mil). O aumento bastante superior da violência letal contra mulheres negras evidencia a inabilidade do Estado brasileiro para desenvolver políticas públicas específicas e necessárias ao grupo racial mais atingido 22 22. Portal UOL [Internet]. O outro do outro: A violência contra a mulher negra não começou na pandemia. São Paulo: Revista Piauí; 2020. Available from: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-outro-do-outro/
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[...] com a perda de emprego, muitas pessoas - e as mulheres são as mais vulneráveis - não conseguem pagar o aluguel. Se eu não fizesse sexo com ele, ele me colocaria para fora. Sendo mãe solo, não tive escolha. Não queria perder minha moradia 23 23. O Globo [Internet]. 'Eu não tive escolha': crise econômica em consequência do coronavírus aumenta troca de sexo por moradia. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 May 22, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/eu-nao-tive-escolha-crise-economica-em-consequencia-do-coronavirus-aumenta-troca-de-sexo-por-moradia-24440644
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DISCUSSÃO

Historicamente, a violência permeia o cotidiano e a experiência de vida das mulheres e, no momento atual, a implementação de medidas restritivas, devido a pandemia de Covid-19, levou ao agravamento dos casos e tipos de violências, desde assédio moral até o feminicídio55. Organização das Nações Unidas Mulheres. Violência contra as mulheres e meninas é pandemia invisível, afirma diretora executiva da ONU Mulheres [Internet]. Brasília, DF: ONU; 2020 [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://www.onumulheres.org.br/noticias/violencia-contra-as-mulheres-e-meninas-e-pandemia-invisivel-afirma-diretora-executiva-da-onu-mulheres/
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. A intensificação das violências contra as mulheres, no contexto da pandemia, foram evidenciadas pelas reportagens analisadas1515. Portal UOL [Internet]. Violência contra as mulheres dispara em todo o mundo na pandemia. São Paulo: Universo Online S/A; 2020 [cited 2022 May 27]. Available from: https://www.uol.com.br/universa/noticias/afp/2020/11/23/violencia-contra-as-mulheres-dispara-a-outra-face-da-pandemia.htm
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,1717. O Globo [Internet]. Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena para conter novo coronavírus. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Jun 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356
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e corroboram com dados mundiais, ao revelarem que uma a cada três mulheres, em idade reprodutiva, sofreu algum tipo de violência física ou sexual pelo parceiro íntimo no ano de 202044. Organização Pan-Americana da Saúde [Internet]. Washington, DC: OPAS; 2021 [cited 2022 Apr 17]. Devastadoramente generalizada: 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo sofre violência; [about 7 screens]. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/9-3-2021-devastadoramente-generalizada-1-em-cada-3-mulheres-em-todo-mundo-sofre-violencia
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.

As relações desiguais de poder derivam de aspectos socioculturais e econômicos enraizados pelo patriarcalismo, em especial no espaço privado. Nessa perspectiva, a análise das reportagens demonstraram que o isolamento social impôs maior convívio entre familiares, culminando em situações de conflitos, dentre eles, a violência contra mulher1414. O Globo [Internet]. Pandemia de Covid-19 fez violência contra a mulher disparar em todo o mundo. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020. [updated 2020 Nov 23, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/pandemia-de-covid-19-fez-violencia-contra-mulher-disparar-em-todo-mundo-24761185
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,2424. Martins AMEBL, Fonseca JR, Moura RSD, Gusmão MSF, Neves PCV, Ribeiro LG, et al.Violência contra a mulher em tempos de pandemia da covid-19 no brasil: revista narrativa de literatura. Rev Enferm Atual In Derme. 2020;93(esp):e020009. doi: https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.93-n.0-art.828
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. Em razão da maior permanência das mulheres no espaço domiciliar - local de proteção e segurança versus opressão e violência - com seus agressores, em geral companheiros ou ex-companheiros, destacou-se aumento para casos de violência doméstica2525. Roesch E, Amin A, Gupta J, Garcia-Moreno C. Violence against women during covid-19 pandemic restrictions. BMJ. 2020;369:m1712. doi: https://doi.org/10.1136/bmj.m1712
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.

Estima-se que o cenário favoreceu a intensificação de violências sucedidas no espaço doméstico, em comparação com a esfera pública. Os índices apontam redução (10,9%) nas notificações de lesão corporal dolosa, de ameaças (16,8%) e de estupros (23,5%), os quais exigem presencialidade para o registro de denúncias66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Portanto, houve maior utilização de ferramentas como forma de enfrentamento para o rompimento dos ciclos de violências1919. O Globo [Internet]. Violência contra as mulheres: uma pandemia oculta agravada pela Covid-19. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2021 [updated 2021 Mar 08, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/violencia-contra-as-mulheres-uma-pandemia-oculta-agravada-pela-covid-19-24912099
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,1818. O Globo [Internet]. Feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Oct 19, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296
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. Todavia, é mister afirmar que, a redução desses casos pode estar relacionada às subnotificações proveniente do isolamento social.

As mulheres têm maior susceptibilidade às situações de violências física e sexual, e em tempos de crises humanitárias, o risco não é incomum, como visto em epidemias anteriores88. Wenham C, Smith J, Davies SE, Feng H, Grépin KA, Harman S, et al. Women are most affected by pandemics - lessons from past outbreaks. Nature. 2020;583(7815):194-8. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-020-02006-z
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. O perfil das vítimas de violência, interseccionados à classe e raça, são em maioria mulheres pretas e pobres, de acordo com as reportagens utilizadas neste estudo2222. Portal UOL [Internet]. O outro do outro: A violência contra a mulher negra não começou na pandemia. São Paulo: Revista Piauí; 2020. Available from: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-outro-do-outro/
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. Para estas, coexistem, em paralelo, questões raciais e condições de vulnerabilidades que se sobrepõem2424. Martins AMEBL, Fonseca JR, Moura RSD, Gusmão MSF, Neves PCV, Ribeiro LG, et al.Violência contra a mulher em tempos de pandemia da covid-19 no brasil: revista narrativa de literatura. Rev Enferm Atual In Derme. 2020;93(esp):e020009. doi: https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.93-n.0-art.828
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O avanço da pandemia gerou desemprego e perda de renda, que impulsionaram situações de vulnerabilidades às violências de gênero e raça contra as mulheres1717. O Globo [Internet]. Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena para conter novo coronavírus. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Jun 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356
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,2323. O Globo [Internet]. 'Eu não tive escolha': crise econômica em consequência do coronavírus aumenta troca de sexo por moradia. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 May 22, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/eu-nao-tive-escolha-crise-economica-em-consequencia-do-coronavirus-aumenta-troca-de-sexo-por-moradia-24440644
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. Para os homens, a crise potencializou a perda da imagem do provedor do lar, gerando comportamentos violentos; para as mulheres, houve a perda de autonomia financeira e dificuldade para rompimento do ciclo da violência2626. Vora M, Malathesh BC, Das S, Chatterjee SS. COVID-19 and domestic violence against women. Asian J Psychiatr. 2020;53:102227. doi: https://doi.org/10.1016/j.ajp.2020.102227
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Nesse contexto, salienta-se que o uso abusivo de álcool teve influência, como fator de risco, para o aumento das situações de violências contra a mulher, a substância possui a possibilidade de potencializar sentimentos de poder e controle masculinos1717. O Globo [Internet]. Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena para conter novo coronavírus. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Jun 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356
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,2727. Silva ER, Hino P, Fernandes H. Sociodemographic characteristics of interpersonal violence associated with alcohol consumption. Cogitare Enferm. 2022;27:e77876. doi: http://doi.org/10.5380/ce.v27i0.77876
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Na pauta da violência contra a mulher, a misoginia perpetua a inferiorização do gênero resultando em violência e, em casos extremos, o feminicídio1717. O Globo [Internet]. Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena para conter novo coronavírus. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Jun 01, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/casos-de-feminicidio-crescem-222-no-brasil-durante-quarentena-para-conter-novo-coronavirus-24457356
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. Em 2020, em comparação com o primeiro semestre de 2019, os dados registraram aumento (0,8%) nos homicídios dolosos de mulheres, e nos casos de feminicídios (1,2%)66. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. [cited 2022 Apr 17]. Available from: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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. Os dados estão relacionados às limitações da rota crítica para o rompimento do ciclo da violência, principalmente pelo distanciamento das redes de apoio, essenciais para o enfrentamento e mitigação dos efeitos da violência1818. O Globo [Internet]. Feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Oct 19, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296
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,2828. Pontes LB, Dionísio MBR, Bertho MAC, Gama VD, D'Affonseca SM. Redes de apoio à mulher em situação de violência durante a pandemia de Covid-19. Rev Psicol Saude. 2021;13(3):187-201. doi: http://doi.org/10.20435/pssa.v13i3.1413
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Nessa conjuntura, os serviços de saúde foram redirecionados, prioritariamente, para casos de Covid-19, secundarizando o atendimento às mulheres vítimas de violência e limitando encaminhamentos para o setor da saúde, incluindo os serviços essenciais de saúde sexual e reprodutiva1818. O Globo [Internet]. Feminicídios e violência contra mulher cresceram na pandemia, mas denúncias diminuíram. São Paulo: Globo Comunicação e Participações; 2020 [updated 2020 Oct 19, cited 2022 Apr 07]. Available from: https://oglobo.globo.com/celina/feminicidios-violencia-contra-mulher-cresceram-na-pandemia-mas-denuncias-diminuiram-24700296
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,2929. Campos B, Tchalekian B, Paiva V. Violência contra a mulher: vulnerabilidade programática em tempos de Sars-cov-2/Covid-19 em São Paulo. Psicol Soc. 2020;32:e020015.doi: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240336
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. Outros fatores que dificultaram a busca por atendimento foram o medo de exposição ao coronavírus e o contágio pela Covid-192424. Martins AMEBL, Fonseca JR, Moura RSD, Gusmão MSF, Neves PCV, Ribeiro LG, et al.Violência contra a mulher em tempos de pandemia da covid-19 no brasil: revista narrativa de literatura. Rev Enferm Atual In Derme. 2020;93(esp):e020009. doi: https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.93-n.0-art.828
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A limitação do acesso aos serviços de saúde traz prejuízos significativos para as mulheres, em especial, às vítimas de violência2424. Martins AMEBL, Fonseca JR, Moura RSD, Gusmão MSF, Neves PCV, Ribeiro LG, et al.Violência contra a mulher em tempos de pandemia da covid-19 no brasil: revista narrativa de literatura. Rev Enferm Atual In Derme. 2020;93(esp):e020009. doi: https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.93-n.0-art.828
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. A vivência da violência causa implicações nas condições de saúde desencadeando e/ou agravando doenças psicossomáticas preexistentes, causando interferência na qualidade de vida e no campo social, diante da solidão e perda da rede de apoio, reduzindo o enfrentamento e o rompimento do ciclo da violência1111. Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze SDA,Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol. 2020;37:e200063. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063
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Sendo assim, a pandemia evidenciou e potencializou, aspectos inerentes às questões das construções sociais e históricas, configuradas pela associação da desigualdade de gênero, com seus diversos elementos constitutivos do patriarcalismo e misoginia, culminando nas diversas formas de violências citadas neste estudo. Deste modo, é necessário atuação no combate às violências contra mulheres pelas diversas esferas do poder público, através da implementação das políticas públicas e estratégias de enfrentamento, a fim de oportunizar autonomia e protagonismo de mulheres na redução e rompimento do ciclo da violência.

Reconhece-se a limitação do estudo quanto ao número de fontes utilizadas e pela restrição de materiais disponibilizados na internet, não considerando outros meios de comunicação. Vale registrar que essas limitações, em parte, ocorreram em virtude da pandemia de Covid-19. Contudo, o desenvolvimento e conclusão do estudo se caracteriza como uma conquista de uma equipe de pesquisadoras, num contexto de isolamento social, com sobrecarga e sobreposição de trabalhos no espaço domiciliar. Assim, essa pesquisa constitui uma estratégia da luta feminina no enfrentamento das desigualdades de gênero que promovem violências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da violência ser uma problemática estrutural e histórica, o estudo traz evidências acerca da intensificação dos casos de violência desde o início da pandemia de Covid-19, e com seu avanço, o número de mulheres violentadas e assassinadas multiplicaram-se em diversos países do mundo. O isolamento social tornou-se um elemento de vulnerabilidade, com implicações no aumento dos casos de violências contra as mulheres, nas esferas públicas e privadas.

Os resultados apresentaram dados relevantes que salientam a importância da mídia na divulgação de situações cotidianas e confirmam a complexidade do fenômeno da violência no contexto da pandemia. Revelaram também, a luta constante das mulheres na busca e adoção de estratégias para o enfrentamento das diversas formas de violências perpetradas. De igual modo, denunciam a fragilidade de leis, políticas e ações para combate a essas violências em contextos de crise humanitárias, quando a ameaça pela vida faz sobressair desigualdades sociais pela dominação masculina.

À vista disso, torna-se relevante ampliar as discussões sobre esse fenômeno com investimento em pesquisas e educação de gênero, nas atividades de educação permanente e no processo formativo de diversas áreas de atuação, sobretudo, na área da saúde e Enfermagem. Sugere-se o fortalecimento das práticas e ações para o rompimento do ciclo de violência, e estratégias de enfrentamento e prevenção ao agravo das situações, para além da notificação. Ademais, acredita-se que a interação e integração entre profissionais, serviços, comunidade e a mídia, com ações de empoderamento, suporte e acolhimento para as mulheres, possam subsidiar estratégias para diminuição ou até remissão deste fenômeno.

Agradecimentos:

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de fomento ao mestrado.

As plataformas de vinculação das reportagens pelas divulgações dos documentos utilizados. Todavia, esta pesquisa não teve apoio financeiro público ou privado.

REFERENCES

Editado por

Editor associado:

Jéssica Teles Schlemmer

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2022
  • Aceito
    09 Jan 2023
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