Qualificação da passagem de plantão em unidade obstétrica durante período pandêmico: reinvenções e aprendizados

RESUMO

Objetivo:

Qualificar a passagem de plantão em Unidade Obstétrica durante período pandêmico da COVID-19, por meio da Educação Permanente em Saúde.

Método:

Pesquisa-ação realizada na região sul do Brasil. A investigação foi conduzida a partir de entrevistas com profissionais e alunos da saúde e os dados foram analisados pela técnica Reflexive. Já as intervenções ocorreram nos diferentes turnos de trabalho, com o apoio de um álbum seriado como recurso didático e educativo.

Resultados:

A análise dos dados possibilitou o registro de vivências e a delimitação de duas categorias temáticas: De abordagens tradicionais à reinvenção da aprendizagem no trabalho em saúde; e Do conformismo ao crescimento profissional.

Conclusão:

A passagem de plantão em Unidade Obstétrica, por meio da Educação Permanente em Saúde, possibilitou o aprendizado autônomo, interativo e cooperativo; despertou o desejo de transcender a rotina de trabalho; e intuiu à necessidade de (re)significar continuamente o processo de trabalho em saúde.

Descritores:
Pandemias; COVID-19; Educação continuada; Sistema de aprendizagem em saúde; Salas de parto

ABSTRACT

Objective:

Qualify the shift handover in an Obstetric Unit during the COVID-19 pandemic period, through Permanent Health Education.

Method:

Action research conducted in southern Brazil. The research was conducted from interviews with healthcare professionals and students and the data were analyzed using the Reflexive technique. Interventions took place in different work shifts, with the support of a serial album as a didactic and educational resource.

Results:

The data analysis made it possible to record experiences and the delineation of two thematic categories: From traditional approaches to the reinvention of learning in healthcare work; and From conformism to professional growth.

Conclusion:

The shift handover in the Obstetric Unit, through Permanent Health Education, enabled autonomous, interactive, and cooperative learning; awakened the desire to transcend the work routine; and highlighted the need to continuously (re)signify the healthcare work process.

Descriptors:
Pandemics; COVID-19; Education, continuing; Learning health system; Delivery rooms

RESUMEN

Objetivo:

Calificar el cambio de turno en la Unidad Obstétrica durante el período de pandemia de COVID-19, a través de la Educación Permanente en Salud.

Método:

Investigación acción realizada en la región sur de Brasil. La parte investigativa se realizó a partir de entrevistas a profesionales de la salud y estudiantes y se analizó mediante la técnica Reflexive. Ya las intervenciones se realizaron en diferentes turnos de trabajo, con el apoyo de un álbum seriado como recurso didáctico y educativo.

Resultados:

El análisis de datos permitió registrar experiencias y la significación de las intervenciones resultó en dos categorías temáticas: De los enfoques tradicionales a la reinvención del aprendizaje en el trabajo en salud y Del conformismo al crecimiento profesional.

Conclusión:

El cambio de turno en la Unidad de Obstetricia, a través de la Educación Permanente en Salud, posibilitó el aprendizaje autónomo, interactivo, colegiado; despertó el deseo de trascender la rutina laboral; y destacó la necesidad de (re)significar continuamente el proceso de trabajo en salud.

Descriptores:
Pandemias; COVID-19; Educación continua; Aprendizaje del sistema de salud; Salas de parto

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), teve impacto na saúde pública global e comprometeu, sobretudo, grupos vulneráveis como gestantes, parturientes, idosos e outros1. A pandemia gerou incertezas, aprendizados, oportunidades, questionamentos e, paralelamente, exigiu a reinvenção profissional e a busca premente por estratégias de ensino e aprendizagem capazes de transpor modelos tradicionais. Os setores em geral foram afetados, mas a situação foi agravada nos serviços de saúde, em decorrência da exaustiva rotina de trabalho, adoecimento de profissionais e outros2^,3.

Os profissionais de saúde que estiveram na linha de frente no combate e tratamento do novo coronavírus estiveram dentre os principais atingidos. Os mesmos permaneceram expostos a elevadas cargas virais e a uma diversidade de fatores que influenciaram tanto na saúde pessoal quanto familiar e social. Além disso, a carga horária exaustiva de trabalho, a falta de medicamentos específicos, à necessidade do aprendizado rápido, assertivo e ininterrupto de novas rotinas e protocolos geraram sofrimento mental e elevado desgaste físico. Somaram-se, na mesma proporção, fatores correlatos associados ao medo de contrair a doença, a preocupação com o próprio bem estar e de seus familiares, dentre outros agravos4^-6.

A educação continuada/permanente em saúde reinventada eclodiu, nesse contexto, como alternativa viável e possível para subsidiar demandas de qualificação profissional no trabalho7^,8. A aprendizagem integrada no trabalho em saúde tem sido planejada e programada, tradicionalmente, em calendário anual específico e dinamizada a partir de metodologias variadas. Com a emergência da pandemia da COVID-19, esse percurso ordenado e sistematizado foi alterado na quase totalidade dos serviços de saúde e passou a demandar abordagens teórico-práticas ágeis e resolutivas.

Estudos publicados direcionam-se, em sua maioria, a evidenciar as lacunas do ensino remoto em período pandêmico, às dificuldades de acesso e manejo nas plataformas de ensino e aprendizagem online, às dificuldades relacionadas a transição da aprendizagem remota, dentre outros9^-14. Um estudo reconheceu, no entanto, os efeitos da pandemia da COVID-19 na vida e formação dos profissionais de saúde e sinaliza estratégias prospectivas de formação ao longo da vida, tais como a telessaúde e outras15.

A pandemia da COVID-19 resultou, portanto, em consequências profissionais de ordem física, emocional, social e outras. Foi pensando na premência de integrar a Universidade aos serviços de saúde e, dessa forma, fazer frente às necessidades dos profissionais de saúde que emergiu a presente questão pesquisa: Como qualificar a passagem de plantão em Unidade Obstétrica na emergência do período pandêmico da COVID-19, por meio da Educação Permanente em Saúde? Objetivou-se, para tanto, qualificar a passagem de plantão em Unidade Obstétrica durante período pandêmico da COVID-19, por meio da Educação Permanente em Saúde.

MÉTODO

Tipo de estudo

A pesquisa-ação foi adotada pela possibilidade dessa metodologia propiciar o ensino e a aprendizagem colaborativa e participativa dos profissionais e estudantes da saúde. Esse método considera o empirismo a partir de uma demanda previamente identificada, no sentido de possibilitar intervenções que atendam às necessidades e demandas dos participantes16. Considerou-se, no percurso de construção deste estudo, os critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)17.

Cenário do estudo

O processo de qualificação da passagem de plantão, por meio da Educação Permanente em Saúde, ocorreu em uma Unidade Obstétrica de risco habitual, de um hospital de médio porte do sul do Brasil, durante o período pandêmico da COVID-19. As intervenções tiveram como foco necessidades temáticas sugeridas pelas gerências locais e foram realizadas com a participação de profissionais e estudantes de cursos de graduação da área de saúde (Enfermagem, Fisioterapia, Medicina e Nutrição).

A referida Unidade Obstétrica é composta por duas salas de parto, pré-parto e pós-parto (PPP), uma sala de avaliação com classificação de risco, um consultório pediátrico e 23 leitos, dos quais 16 são destinados à internação, 2 exclusivos para o parto normal, 2 para a observação e 3 leitos para recém-nascidos, formato berçário. A equipe é composta por Médicos e Enfermeiras Obstétricas, Médicos Pediatras, Técnicos de Enfermagem, Residentes em Enfermagem Obstétrica, além de estudantes de graduação da área de saúde em estágio supervisionado. A rotina diária de trabalho é de seis horas e/ou plantões noturnos e de finais de semana. Essa instituição foi escolhida por ser cenário de uma pesquisa-ação ampliada com foco na Educação Permanente em Saúde e, principalmente, pelo desejo da gerência de Enfermagem local que, em período pandêmico, buscou apoio para fomentar processos de aprendizagem ágeis e resolutivos.

Participantes do estudo

Participaram do estudo 23 profissionais da equipe multiprofissional de saúde que, a priori, haviam se integrado no processo de qualificação da passagem de plantão em Unidade Obstétrica, conforme segue: Enfermeiros Obstétricos (5); Residentes em Enfermagem Obstétrica (4), Médicos Obstetras (2); Médico Pediatra (1); Técnicos de Enfermagem (11). Participaram, ainda, cinco estudantes de graduação da área de saúde de uma Universidade local, que se encontravam em estágio supervisionado. Considerou-se como critérios de inclusão: profissionais de saúde e estudantes em atividades práticas na Unidade Obstétrica, que previamente haviam participado de todas as intervenções de qualificação da passagem de plantão. Excluiu-se do estudo os profissionais e estudantes que, por algum motivo justificado, estavam afastados do serviço.

Intervenções na unidade obstétrica

Inicialmente (início da pesquisa-ação) foram contempladas intervenções de Educação Permanente em Saúde relacionadas a medidas preventivas e restritivas da COVID-19, realizadas no primeiro semestre do ano de 2021. Dentre as intervenções demandadas, a partir de levantamento de necessidades pela equipe do campo de estudo e indicadas pela gerência de enfermagem local, figuraram: oficinas educativas semanais de lavagem de mãos, uso correto dos equipamentos de proteção individual, paramentação e desparamentação, cuidados básicos de combate ao novo coronavírus COVID-19, dentre outras.

O presente estudo aborda, no entanto, significados relativos às intervenções sobre o cuidado dos recém-nascidos em Unidade Obstétrica, fomentadas durante a passagem de plantão. As intervenções foram conduzidas nos diferentes turnos de trabalho, com o apoio de um álbum seriado como recurso didático e educativo18, o qual foi organizado a partir de uma coleção de folhas que contém figuras ilustrativas.Embasado em documentos técnico-científicos do Ministério da Saúde e evidências científicas, o álbum seriado foi elaborado para instrumentalizar os profissionais e estudantes acerca do cuidado de recém-nascidos em uma Unidade Obstétrica, mais especificamente na emergência da COVID-19.

O módulo relativo à qualificação do cuidado ao recém-nascido em uma Unidade Obstétrica, fomentado durante a passagem de plantão com o apoio do álbum seriado, foi dinamizado por dois docentes universitários, especializados na área, e com experiência prévia na condução de atividades de Educação Permanente em Saúde. Esse módulo foi solicitado pela gerência local, em função do elevado número de intercorrências em recém-nascidos na Unidade Obstétrica. As intervenções foram realizadas na modalidade presencial, com duração de 15 a 20 minutos/turno, logo após os profissionais receberem o plantão do turno anterior. As intervenções, de modo interativo e participativo, consistiram na análise e problematização das ilustrações contidas no álbum seriado. Respeitou-se, em todo o percurso, os protocolos de contingenciamento institucional.

Técnica de coleta de dados

O período de coleta de dados ocorreu entre julho e dezembro de 2021. Conduziu-se, após a dinamização das intervenções no cenário, o processo investigativo de significação das intervenções qualificadoras da passagem de plantão relativas ao cuidado de recém-nascidos, a partir do recurso didático álbum seriado. Esse processo investigativo ocorreu mediante entrevistas, em dias e horários previamente agendados e com base em questões norteadoras, desenvolvidas em profundidade: Fale-me sobre o significado da Educação Permanente em Saúde nessa nova modalidade. Qual o significado das intervenções qualificadoras da passagem de plantão, a partir do recurso didático álbum seriado? O que este percurso significou para você?

Técnica de análise dos dados

Utilizou-se, para a análise dos dados, a técnica do tipo análise Reflexive19. A mesma possibilitou o registro de vivências e facultou a codificação fluída, dinâmica e flexível dos significados atribuídos às intervenções realizadas. Buscou-se alcançar, sob esse enfoque, não apenas acurácia, mas a significação em profundidade das vivências, a partir das seis fases da análise temática: a) Familiarização - consistiu na leitura repetida dos dados e uma lista rascunhada de ideias; b) Geração inicial de códigos - sistematizou-se, de forma manual, extratos relevantes das falas; c) Codificação de temáticas - buscou-se temas a partir da classificação dos diferentes códigos; d) Refinamento dos temas - realizou-se a depuração dos temas a partir da validação das temáticas iniciais; e) Nomeação das categorias - buscou-se, a partir da essência que cada tema retrata em seu conjunto de códigos, nomear as categorias temáticas; f) Produção do relatório - buscou-se oferecer uma descrição reflexiva e detalhada do percurso vivenciado.

Aspectos éticos

Considerou-se, em todo o percurso de construção e relatório deste estudo, as recomendações da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde20 e as recomendações do Ofício Curricular nº 2 de 2021 relacionado às pesquisas em tempos de pandemia21. O estudo foi aprovado em 2021, pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número do parecer: 4830591. Salienta-se, que após o aceite dos participantes, os mesmos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Assegurou-se o anonimato dos participantes e suas falas foram identificadas, ao longo do texto, com as iniciais “E” de Enfermeiro, “R” de Residente, “M” Médico, “TE” de Técnico de Enfermagem e “AS” de Alunos da Saúde, seguidas de um algarismo número, correspondente à ordem das falas: E1..., R1..., M1..., TE1..., AS1...AS5.

RESULTADOS

O módulo de intervenções de Educação Permanente em Saúde consistiu em 54 encontros, os quais ocorreram diariamente logo após a passagem de plantão, isto é, às 13h10min e às 19h10min. Participaram desse processo os profissionais e alunos da área da saúde que estavam ingressando e concluindo o plantão. Os encontros tiveram a duração de 15 a 20 minutos, sendo que a mesma temática foi repetida nos diferentes turnos de trabalho. Esse processo teve como recurso didático o álbum seriado, o qual foi elaborado, previamente, por alunos da graduação e pós-graduação de enfermagem, a partir de demandas de qualificação profissional no trabalho durante o período pandêmico. As temáticas contempladas no álbum seriado estão relacionadas ao cuidado da pele e coto do recém-nascido, teste de apgar, alterações fisiológicas (respiratórias, cardíacas, neurológicas, gastrointestinais) e outros.

Demostra-se, na Figura 1, ilustrações do álbum seriado composto por 30 páginas: capa, figuras e as respectivas fichas roteiro e ficha técnica com os nomes dos autores.

Figura 1 -
Ilustrações do álbum seriado, intitulado “Cuidados com o recém-nascido na primeira semana de vida”. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2021

O álbum seriado em descrição encontra-se disponível na íntegra e gratuitamente no link que segue: https://www.ufn.edu.br/site/arquivo/baixar-arquivoanexado/CDA8C33CEA480A74039A8EA0ABBE4B5E.

Os dados analisados resultaram em duas categorias temáticas, assim denominadas: De abordagens tradicionais à reinvenção da aprendizagem no trabalho em saúde, e Do conformismo ao crescimento profissional. Optou-se, para além da exposição descritiva das temáticas de significação, dar voz às vivências e expressões manifestas e/ou não pelos participantes, considerado a dinamicidade e a interatividade da pesquisa-ação.

De abordagens tradicionais à reinvenção da aprendizagem no trabalho em saúde

Embora cansados e, por vezes desmotivados pela exaustiva rotina de trabalho intensificada com a vigência da COVID-19, os profissionais e alunos envolvidos na significação do processo de intervenção, demonstraram-se prestigiados, apoiados e considerados em suas necessidades singulares, ao expressarem:

Como foi bom. Essa forma de promover educação permanente ficou muito mais fácil, atrativa e envolvente. (E1, E2, E3, R1, R2, M2, TE1, TE3, AS1, AS2, AS3, AS5)

Os participantes, em sua maioria, reconheceram e destacaram a importância do aprendizado proveniente de demandas reais e dinamizado em períodos curtos e durante o horário de trabalho. Enfatizaram, ainda, a relevância de metodologias que possibilitam a interação, a proximidade e a articulação do saber teórico com a prática, conforme exposto:

Todos os turnos tiveram a oportunidade de participar e, ainda, discutir temas que nós mesmos solicitamos e sentimos a necessidade de aprender mais. (TE1)

Essa maneira de educação permanente facilita a nossa participação, pois estamos aprendendo no turno de trabalho e de uma forma mais leve. (TE2)

Poder discutir cuidado de enfermagem no local e no horário de trabalho, sem precisar vir em outro turno ou fora do horário, nos facilita muito e nos motiva para aprender cada vez mais. (R3)

A metodologia utilizada para a abordagem da temática de cuidados com o recém-nascido na primeira semana de vida foi criativa, o que possibilitou a equipe visualizar e compreender as melhorias de forma prazerosa. O aproveitamento do tempo aliado ao momento da troca de plantão também colaborou para a participação da equipe. (E1)

Outros participantes fizeram referência, na mesma proporção, às imagens e ilustrações contidas no álbum seriado, o qual possibilitou e ampliou a apreensão de novas informações, além de favorecer à construção participativa do conhecimento teórico-prático, conforme explicitado.

Foi maravilhoso essa modalidade de educação permanente utilizando o álbum seriado; bem ilustrado e problematizado. (E2)

A metodologia utilizada por vocês através do álbum seriado, facilitou muito nosso aprendizado, pois foi utilizada linguagem acessível, de fácil compreensão e foram discutidos assuntos que estamos vivendo. Isso nos mostra por que as coisas acontecem, as complicações respiratórias dos Recém-nascido. (E3)

Eu tinha várias dúvidas que foram sanadas a partir das ilustrações do álbum seriado. Esse conhecimento de educação permanente no local e mesmo turno de trabalho nos enriquece e nos impulsiona a querer saber mais. (R1)

Achei maravilhoso o álbum seriado, pois estava bem ilustrativo e bem explicativo. Também foram utilizadas palavras de fácil compreensão e, por isso, consegui relacionar bem com à nossa prática diária. (AS2)

O álbum seriado foi de grande apoio. Percebi que todos ficaram mais atentos e satisfeitos. (M1)

Algumas participantes destacaram a relevância dos encontros realizados por ocasião da passagem de plantão, entre os turnos, pelo fato dos mesmos terem ocorrido antes da rotina de trabalho e devido os profissionais estarem em grupos menores, mais próximos e determinados a aprenderem coletivamente. Um participante, em especial, destacou o fato deste álbum seriado ter permanecido nas dependências da Unidade Obstétrica, para revisões posteriores, caso fosse necessário.

Olha, mesmo que as vezes eu tenha sido interrompida pelas questões de rotina, a educação permanente na passagem de plantão, utilizando o álbum seriado, foi muito rica.Admirei a boa vontade de vocês de repetirem três vezes o mesmo assunto.Achei melhor do que se fosse um curso no auditório, pois aí a gente ficava próximo, tirava as dúvidas e a gente sempre via as imagens. (E2)

As capacitações realizadas durante as passagens de plantão com a equipe foram de extrema valia, pois reforçou assuntos importantes para a equipe e, com isso, foi disponibilizado o álbum seriado para quando surgirem dúvidas sobre as temáticas trabalhadas poder ser supridas. Com isso toda a equipe consegue ter uma informação clara e coesa. (E3)

As capacitações realizadas durante a passagem de plantão proporcionaram ampla participação e aprendizado, pois desta forma, podemos além de exercitar a escuta, possibilitar um momento de troca de saberes e fortalecimento do cuidado. (E4)

Achei superbacana a metodologia do álbum seriado. Vocês conseguiram preencher esta lacuna de conhecimento. Sei que tenho muito que aprender ainda, mas esses encontros na passagem de plantão foram ótimos e muito produtivos. (R3)

O aprendizado durante a passagem de plantão, potencializado pelo álbum seriado como tecnologia didático-instrucional contribuiu, de acordo com a fala dos participantes, para uma maior integração e participação dos profissionais na construção de novos saberes. Essa abordagem inferiu na motivação profissional e despertou o desejo de busca e atualização.

Do conformismo ao crescimento profissional

Denotou-se, na maioria das falas dos participantes, a relevância dessa modalidade de educação permanente em saúde, por ocasião da passagem de plantão e a partir de recursos didáticos ilustrativos e atrativos. Essa abordagem de ensino e aprendizagem tem a possibilidade de promover a construção autônoma do conhecimento e a possibilidade de qualificar práticas profissionais ao longo da vida.

Essa forma utilizada para promover a educação permanente na Unidade, me despertou uma vontade grande de buscar mais, de sempre saber mais. Eu mesma percebi, que precisava desta reciclagem. Eu estava um pouco acomodada nas minhas rotinas. (TE2)

Gostei da participação das técnicas de enfermagem, que até mesmo quando terminaram os temas solicitados, elas pediam mais assuntos para serem discutidos. Isso estimula a gente como Enfermeira que coordena uma unidade obstétrica a promover mais discussões obre os assuntos e os cuidados que praticamos diariamente. (E2)

Precisamos ter mais momentos como estes, pois isso estimula nosso aprendizado continuo. (TE1)

Os participantes destacaram a relevância de discussões temáticas pertinentes e significativas à prática profissional diária. Os mesmos reconheceram, nessa direção, a importância das evidências científicas que norteiam o processo de trabalho em saúde.

Vocês abordaram temas que vivenciamos diariamente e, muitas vezes, não sabíamos como agir. Agora com esses esclarecimentos aprendemos sobre as complicações no parto, as principais doenças que acometem o recém-nascido, além dos cuidados de enfermagem mais importantes a serem realizados naquele momento. Isso abriu nossa cabeça, eu acho muito importante a gente fazer as coisas e saber com evidência por que está fazendo. (R2)

Nossa, foi maravilhosa a experiência do álbum seriado na passagem de plantão. Sabe, a gente que trabalha em dois locais não tem muita disponibilidade de tempo e, assim, na maneira como vocês organizaram foi ótimo. Saio daqui com muita vontade de aprender coisas novas. Por isso eu sempre fazia muitas perguntas nos encontros. (TE1)

A vivência realizada pelos participantes demostrou o desejo de evolução e aprendizado continuado. Além de novos saberes e práticas, a experiência potencializou iniciativas, fomentou o desejo da busca autônoma e despertou a necessidade de ir além da rotina diária de trabalho.

A aprendizagem com álbum seriado é bem fácil de absorver o conhecimento e também de saber mais sobre as patologias. Hoje eu aprendi muito e fiquei com vontade de aprender mais. (TE4)

Foi um momento muito proveitoso, rico em troca de conhecimento e experiências, através de um olhar diferenciado sobre o cuidado com o recém-nascido. Nos proporciona clareza e conhecimento sobre temas pouco trabalhos. Espero continuar com esta dinâmica. (R3)

Eu já falei na direção do hospital que devemos ter mais encontros de educação permanente na passagem de plantão. Isso nos facilita muito e nos ajuda a compreender melhor a fisiopatologia das doenças e as condutas que devemos seguir. (E2)

Os resultados demonstraram, em suma, que a educação permanente em saúde não consiste em idealizar longos e exaustivos períodos formativos. Percursos de ensino e aprendizagem atrativos, próximos, colaborativos e em pequenos grupos podem, crescentemente, (re)significar e impulsionar a prática cotidiana dos profissionais de saúde, sobretudo, em períodos pandêmicos.

DISCUSSÃO

Ao discutir a Educação Permanente em Saúde, em período pandêmico, às primeiras questões que vêm à mente são: como organizar um cronograma de educação permanente face às exaustivas rotinas de trabalho dos profissionais de saúde? como reinventar este percurso com base em abordagens participativas e interativas que sejam capazes de motivar os profissionais da saúde? como inovar e (re)significar a Educação Permanente em Saúde em meio a iminência do caos generalizado na área de saúde?

Períodos de incerteza e caos possibilitam, paralelamente, oportunidades e a transposição de modelos mentais e de pensamento instituídos. À semelhança das mudanças que ocorreram no sistema educacional e que provocaram transposições paradigmáticas22^-24 em dias e semanas, ocorreram, igualmente, alterações profundas em âmbito da Educação Permanente em Saúde. É preciso, no entanto, para além das resoluções e normativas de fomento à Educação Permanente em Saúde, pensar e prospectar tecnologias que satisfaçam às necessidades dos profissionais, sobretudo, em período pandêmico da COVID-19.

Dentre as principais estratégias tecnológicas utilizadas pelos serviços de saúde, destaca-se a simulação realística, a qual garante um ambiente seguro à qualificação dos profissionais, especialmente em situações com potencial risco de contágio, a exemplo da COVID-19. Estudos demonstram que diversos serviços de saúde promoveram a formação dos profissionais durante a pandemia com base em simulações, as quais foram atualizadas tanto do ponto de vista pedagógico quanto tecnológico. Esse avanço tecnológico permitiu o treinamento de competências, como a tomada de decisões rápidas, o trabalho em equipe e outras ações determinantes25^,26.

Face às mudanças rotineiras e a prospecção de tecnologias, as abordagens colegiadas e interprofissionais são cada vez mais estimuladas e necessárias. Limitar-se ao setor da saúde, demonstra a inabilidade e a incapacidade de enfrentar os desafios complexos a serem desbravados para melhorar a saúde e o bem-estar e, dessa forma, reduzir as descontinuidades do trabalho em saúde. Estudo demostra, que para enfrentar as rápidas e crescentes mudanças é preciso ampliar os esforços colegiados para documentar, compreender e registrar lições práticas e iniciativas novas e antigas27.

As mudanças requeridas estão associadas, crescentemente, às abordagens de ensino e aprendizagem tanto no sistema educacional formal quanto em percursos formativos ao longo da vida. Para além de reproduzir conteúdo programático é preciso despertar à construção autônoma dos participantes, neste caso dos profissionais de saúde. Fala-se, portanto, de um movimento prospectivo de indução de novos saberes e fazeres, para o qual as tecnologias e/ou os recursos didáticos são altamente desejados. Essa percepção ficou clara, na fala dos participantes, ao mencionarem que o “álbum seriado foi relevante para relacionar a teoria à prática diária”.

O álbum seriado pode ser considerado uma tecnologia de fácil acesso e amplo alcance nos serviços de saúde, pela sua praticidade, dinamicidade e pelo fato de não depender de recursos avançados à implementação. Estudo28 que utilizou o álbum seriado evidenciou características altamente favoráveis pela possibilidade de criar personagens ilustrativos e abordagens lúdicas acerca de uma determinada temática.

O álbum seriado é um recurso didático, com ampla utilização nos serviços de saúde. Um estudo, em especial, construiu e validou o álbum seriado para a prevenção de lesão por pressão no ambiente hospitalar29. Outro estudo validou o conteúdo e a aparência de um álbum seriado para crianças de 7 a 10 anos, com vistas à prevenção e o controle do peso corporal30. Ambos os estudos concluíram a relevância do álbum seriado e o seu potencial educativo nos processos formativos em saúde.

As tecnologias didático-educativas visam construir e compartilhar saberes e práticas de forma interativa e horizontalizada entre os diversos participantes. Sob esse enfoque, essas tecnologias devem, crescentemente, serem estimuladas e fomentadas entre os profissionais de saúde, estudantes da graduação e pós-graduação e usuários, no sentido de possibilitar a inovação e a transformação do processo de trabalho e de cuidado em saúde31.

A Educação Permanente em Saúde, entendida como aprendizagem ao longo da vida, se fundamenta na ideia de que o desenvolvimento pessoal, social, profissional e a aprendizagem contínua acontecem ininterruptamente no percurso vital, com o objetivo de ressignificar a prática profissional. Outro estudo32 evidenciou que a aprendizagem ao longo da vida associada às tecnologias didáticas, a exemplo do álbum seriado, tem sido propulsora de novos modos de gerir e dinamizar o processo formativo.

As contribuições deste estudo para o avanço técnico-científico da Enfermagem/Saúde estão associadas à percepção de que a Enfermagem tem potencial para reinventar-se em diferentes contextos, realidades e situações. Reconhece-se, nessa direção, que a desordem provocada pela pandemia da COVID-19 possibilitou aos profissionais de saúde, abertura para o novo e disposição para a liderança colegiada e prospectiva. Enfatiza-se, ainda, que o presente trabalho poderá servir de estimulo para outros centros que intentam reinventar o processo de educação permanente em saúde. Não é possível que os profissionais da saúde, em geral, saiam da pandemia do mesmo modo que entraram, considerando que o sistema vital foi alterado.

Considera-se, como limitação deste estudo, a não participação de todos os profissionais escalados no turno nas atividades de intervenção, em função de intercorrências durante a passagem de plantão. Outra limitação está associada aos eventuais ruídos sonoros presentes no setor.

CONCLUSÃO

A passagem de plantão em Unidade Obstétrica, por meio da Educação Permanente em Saúde durante período pandêmico da COVID-19, possibilitou a qualificação do processo de trabalho, pela indução do aprendizado autônomo, interativo e cooperativo nos diferentes turnos de trabalho.

Evidenciou-se que o desejo de qualificação e crescimento por parte dos profissionais e alunos envolvidos está diretamente relacionado às abordagens de intervenção em saúde, bem como aos recursos didáticos de apoio e interlocução. Percursos formativos capazes de fomentar a aprendizagem visual, auditiva e sinestésica são cada vez mais valorizados e requisitados.

Sugere-se, com base nos resultados alcançados, a realização de novas investigações que contemplem abordagens diversificadas de aprendizagem no trabalho, de modo a ampliar e fortalecer o processo de educação permanente em saúde, como aprendizagem ao longo da vida. É fundamental que o processo de ensino e aprendizagem no trabalho seja propulsor de dinamismo, criatividade e inovação e não se reduza a um mero cronograma de tarefas prescritivas para o cumprimento de normativas institucionais e/ou legais.

Agradecimentos:

O presente trabalho foi realizado com apoio do Acordo CAPES/COFEN - Edital N°28/2019.

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• Contribuição de autoria:

  Administração do projeto: Karen Ariane Bär, Gicelle Moraes Martelli. Análise formal: Karen Ariane Bär, Ticiana Aita Xavier. Conceituação: Ticiana Aita Xavier, Regina Gema Santini Costenaro. Curadoria de dados: Karen Ariane Bär, Ticiana Aita Xavier. Escrita - rascunho original: Franceliane Jobim Benedetti, Margarita Poblete Troncoso, Regina Gema Santini Costenaro. Escrita - revisão e edição: Franceliane Jobim Benedetti, Margarita Poblete Troncoso, Investigação: Karen Ariane Bär, Ticiana Aita Xavier, Gicelle Moraes Martelli, Regina Gema Santini Costenaro. Metodologia: Gicelle Moraes Martelli, Franceliane Jobim Benedetti, Margarita Poblete Troncoso, Regina Gema Santini Costenaro. Obtenção de financiamento: Regina Gema Santini Costenaro. Visualização: Franceliane Jobim Benedetti, Margarita Poblete Troncoso, Regina Gema Santini Costenaro.

Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  16 Out 2022
• Aceito
  30 Maio 2023