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Rede de atenção à saúde de crianças com zika vírus na perspectiva de profissionais

RESUMO

Objetivo:

Conhecer a perspectiva dos profissionais de saúde atuantes na atenção especializada acerca da assistência ofertada às crianças com Síndrome Congênita do Zika vírus na Rede de Atenção à Saúde.

Método:

Estudo qualitativo realizado em Campo Grande-MS por meio de entrevista semiestruturada, entre setembro e outubro de 2020, com 12 profissionais atuantes em um serviço de referência para pessoas com deficiência física e intelectual. Utilizou-se a análise temática de Minayo e os subsídios teóricos do modelo de atenção às condições crônicas para interpretação.

Resultados:

A assistência na rede é fragilizada por aspectos relacionados ao acesso, acompanhamento e integração entre os diferentes profissionais/serviços. As potencialidades envolvem a efetivação do sistema de referência e contrarreferência, a comunicação/integração entre esses serviços e a capacitação dos profissionais.

Considerações finais:

Os participantes percebem quea assistência éinfluenciada pela disponibilidade de profissionais capacitados para atuar em rede e a otimização do acesso e seguimento nos diferentes pontos de atenção.

Descritores:
Zika virus; Criança; Doença crônica; Continuidade da assistência ao paciente

ABSTRACT

Objective:

To know the perspective of health professionals working in specialized care regarding the assistance offered to children with Congenital Zika Virus Syndrome in the Health Care Network.

Method:

Qualitative study carried out in Campo Grande-MS through semi-structured interviews, between September and October 2020, with 12 professionals working in a reference service for people with physical and intellectual disabilities. Minayo’s thematic analysis and the theoretical subsidies of the care model for chronic conditions were used for interpretation.

Results:

Assistance in the network is weakened by aspects related to access, monitoring and integration between different professionals/services. The potential involves the implementation of the referral and counter-referral system, the communication/integration between these services and the training of professionals.

Final considerations:

The participants perceive that assistance is influenced by the availability of trained professionals to work in a network and the optimization of access and follow-up at different points of care.

Descriptors:
Zika virus; Children; Chronic disease; Continuity of patient care

RESUMEN

Objetivo:

Conocer la perspectiva de los profesionales de la salud que actúan en la atención especializada acerca de la atención que se ofrece a los niños con Síndrome Congénito del Virus Zika en la Red de Atención de Salud.

Método:

Estudio cualitativo realizado en Campo Grande-MS a través de entrevistas semiestructuradas, entre septiembre y octubre de 2020, con 12 profesionales que actúan en un servicio de referencia para personas con discapacidad física e intelectual. Para la interpretación se utilizó el análisis temático de Minayoy los subsidios teóricos del modelo de atención a las condiciones crónicas.

Resultados:

La asistencia en la red se ve debilitada por aspectos relacionados con el acceso, seguimiento e integración entre diferentes profesionales/servicios. El potencial pasa por la implementación del sistema de referencia y contrarreferencia, la comunicación/integración entre estos servicios y la formación de profesionales.

Consideraciones finales:

Los participantes perciben que la asistencia es influenciada por la disponibilidad de profesionales capacitados para trabajar en red y la optimización del acceso y seguimiento en los diferentes puntos de atención.

Descriptores:
Virus zika; Niño; Enfermedad crónica; Continuidad de la atención al paciente

INTRODUÇÃO

As crianças que desenvolvem a Síndrome Congênita do Zika vírus (SCZ) apresentam inúmeras manifestações neurológicas que vão além da microcefalia com níveis de gravidade, condições e necessidades de saúde variadas11. Saad T, Penna e Costa AA, Góes FV, Freitas M, Almeida JV, Ignêz LJS, et al. Neurological manifestations of congenital Zika virus infection. Childs Nerv Syst. 2018;34(1):73-8. doi: https://doi.org/10.1007/s00381-017-3634-4
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, o que as leva a terem contato frequente com diferentes serviços de atenção à saúde. No cenário nacional, em 2019, registrou-se 3.474 casos confirmados de microcefalia relacionada à referida síndrome e outras etiologias infecciosas. Dentre eles, 56,9% concentrou-se na região Nordeste e 7,7% na região Centro-Oeste, sendo que Mato Grosso do Sul foi notificado sobre 71 casos com suspeita ou diagnóstico de anomalia congênita22. Venancio FA, Bernal MEQ, Ramos MCBV, Chaves NR, Hendges MV, Souza MMR, et al. Congenital Zika Syndrome in a Brazil-Paraguay-Bolivia border region: Clinical features of cases diagnosed between 2015 and 2018. PloS One. 2019;14(10):e0223408. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0223408
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. Frente a este cenário epidemiológico, o Ministério da Saúde lançou recomendações para ações de vigilância a essa população no Brasil, com destaque para o diagnóstico e intervenção precoce33. Fantinato FFST, Araújo ELL, Ribeiro IG, Andrade MR, Dantas ALM, Rios JMT, et al. Descrição dos primeiros casos de febre pelo vírus Zika investigados em municípios da região Nordeste do Brasil, 2015. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(4):683-90. doi: https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000400002
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O Sistema Único de Saúde (SUS) tem buscado se consolidar com base na integração dos serviços, na perspectiva de continuidade do cuidado e na intersetorialidade para a promoção da saúde44. Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with congenital Zika syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34(7):499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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. A Rede de Atenção à Saúde (RAS) tem como propósito ofertar atenção de qualidade de forma contínua, integral e humanizada, mediante a articulação entre ações e serviços de saúde e a construção de relações horizontais entre os diferentes pontos de atenção, tendo a Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada55. Damaceno AN, Lima MADS, Pucci VR, Weiller TH. Health care networks: a strategy for health systems integration. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e14. doi: https://doi.org/10.5902/2179769236832
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Para crianças com SCZ, a disponibilidade dos serviços que compõem a RAS é uma condição necessária, mas não suficiente, para assegurar o acesso. Isso porque o sistema também precisa ter a capacidade de facilitar a entrada, favorecer a continuidade da assistência e coordenar a atividade intersetorial44. Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with congenital Zika syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34(7):499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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. Ademais, o cuidado integral às crianças com SCZ na RAS demanda maior articulação entre os profissionais dos diferentes pontos de atenção, bem como de profissionais capacitados para cuidar dessa população.

Dentre as lacunas assistenciais à essas crianças e famílias, destacam-se a ausência de uma rede consistente capaz de viabilizar um fluxo definido para o cuidado à essa população no mesmo espaço físico, de maneira multiprofissional e longitudinal, com valorização do vínculo, escuta ativa e humanizada, bem como qualificação dos profissionais66. Vale PRLF, Araújo PO, Cardoso SSS, Santos Junior H, Carvalho RC, Carvalho ESS. Health needs of mothers of children with Congenital Zika Syndrome: an integrative review. RevBrasEnferm. 2022;75(Suppl 2):e20210540. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0540
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. As poucas e esporádicas ações já realizadas nos diferentes pontos da RAS a públicos semelhantes não garantiu resolutividade e continuidade às demandas singulares e contínuas dessas crianças e suas famílias77. Vaz EMC, Collet N, Cursino EG, Forte FDS, Magalhães RKBP, Reichert APS. Care coordination in Health Care for the child/adolescent in chronic condition. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 6):2612-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0787
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Novas formas de organização dos serviços que incluam investimentos na gestão e manejo das condições crônicas, apostando-se na promoção e manutenção da saúde das crianças com SCZ, independentemente de sua localização geográfica, são necessárias com vistas a reduzir mortes prematuras, incapacidades e agravos evitáveis88. Bristow S, Power T, Jackson D, Usher K. Conquering the great divide: rural mothers of children with chronic health conditions accessing specialist medical care for their children. Collegian. 2020;27(3):319-26. doi: https://doi.org/10.1016/j.colegn.2019.10.001
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. O comprometimento da equipe interprofissional e gestores da saúde que integram a RAS com a continuidade da assistência a estas crianças, é imprescindível para a implementação e operacionalização de políticas existentes e no resgate do conceito ampliado do processo saúde-doença99. Araújo TVB, Ximenes RAA, Miranda-Filho DB, Souza WV, Montarroyos UR, Melo APL, et al. Association between microcephaly, Zika virus infection, and other risk factors in Brazil: final report of a case-control study. Lancet Infect Dis. 2018;18(3):328-36. doi: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(17)30727-2
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Diante do exposto, na perspectiva de continuidade das ações pelos diferentes pontos da RAS, este estudo poderá subsidiar a assistência de enfermagem e de saúde no planejamento de ações estratégicas assistenciais direcionadas a promoção da qualidade de vida das crianças com síndrome e suas famílias. Na perspectiva acadêmica, observa-se que no Brasil, ainda é insuficiente o avanço de investigações acerca da assistência às crianças com SCZ, principalmente no que tange aos aspectos que envolvem a continuidade do cuidado no contexto da RAS. Logo, questionou-se: como tem sido a assistência às crianças com SCZ na rede de atenção à saúde? Deste modo, o objetivo deste estudo foi conhecer a perspectiva de profissionais de saúde atuantes nos serviços de atenção especializada acerca da assistência ofertada às crianças com Síndrome Congênita do Zika vírus na Rede de Atenção à Saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de natureza qualitativa, realizado na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, situada na região Centro-oeste do Brasil.Os critérios estabelecidos no Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ) foram utilizados na elaboração do realtório de pesquisa.

A macrorregião de Campo Grande é composta por 34 municípios e uma população total de 1.364.668 habitantes. O estudo foi realizado em um dos seis serviços de reabilitação que compõem a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência da Macroregião, no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Este serviço foi selecionado por ser o maior do estado e também por constituir campo de estágio da graduação e pós-graduação na área da saúde (residência multiprofissional em reabilitação). Como é referencia para pessoas com deficiência física e intelectual, tem cadastrado muitos casos de crianças com microcefalia, inclusive as com SCZ. Por ocasião do estudo, este serviço contava com 13 médicos, um assistente social, 23 fisioterapeutas, 14 fonoaudiólogos, 29 psicólogos, 12 terapeutas ocupacionais, quatro enfermeiros e três nutricionistas.

O convite para participar do estudo foi feito pessoalmente pela pesquisadora principal, a todos os profissionais elegíveis, com apoio da coordenadora. Nesta ocasião, um profissional já manifestou sua não concordância em participar.

Os informantes foram todos os profissionais com ensino superior, que registraram o atendimento realizado às crianças com SCZ e suas famílias em prontuário. Não foram incluídos os afastados em decorrência da contingência adotada pela instituição diante da pandemia causada pelo coronavírus e aqueles que após várias tentativas, alegaram indisponibilidade em suas agendas para a realização da entrevista.

Os dados foram coletados nos meses de setembro e outubro de 2020. Inicialmente a pesquisadora principal solicitou à coordenadora do serviço, os prontuários de todas as crianças com SCZ atendidas no ano anterior (2021), a fim de identificar os profissionais de saúde que registraram o atendimento às mesmas. Na análise dos 14 prontuários indicados, contatou-se que dos 30 profissionais elegíveis, metade deles estavam afastados. Os 15em atividade durante o período da coleta de dados eram: um médico, um enfermeiro, um nutricionista, um assistente social, dois psicólogos, cinco fisioterapeutas e quatro terapeutas ocupacionais.

As entrevistas, do tipo semiestruturadas individuais, foram realizadas em um único momento, em sala reservada na própria instituição e todas pela primeira autora (enfermeira, mestranda em enfermagem com experiência na realização de entrevistas, em decorrência da participação em estudos desenvolvidos por integrantes do grupo de pesquisa ao qual é vinculada), que não tinha qualquer tipo de relação com os profissionais do serviço.

Apesar do período pandêmico, todas as entrevistas foram presenciais, previamente agendadas, audiogravadas após consentimento do participante e tiveram duração média de 60 minutos. Foram guiadas por um roteiro elaborado especificamente para este estudo, constituído por questões relativas à caracterização dos participantes e a seguinte questão norteadora: conte-me como você percebe a assistência ofertada às crianças com SCZ no contexto da RAS?

Quando necessário também foi utilizado algumas questões de apoio que incluíam as seguintes dimensões: o caminho percorrido pela família na busca pelo cuidado; a assistência ofertada nos diferentes pontos de atenção à saúde da RAS; a comunicação entre os serviços/profissionais de saúde dos diferentes pontos de atenção de cuidado da RAS; e as ações que favorecem a continuidade do cuidado na RAS. Tanto a questão norteadora quanto as de apoio foram discutidas e aprimoradas no grupo de pesquisa responsável pela condução estudo, o que levou os pesquisadores a considerarem como desnecessário a realização do teste piloto.

A finalização da coleta de dados ocorreu quando todos os possíveis participantes já haviam sido abordados e o objetivo do estudo alcançado. As duas pesquisadoras principais (mestranda e orientadora) decidiram de modo consensual não continuar insistindo na participação dos três profissionais (um enfermeiro, um fisioterapeuta e um médico) que estavam com problemas de disponibilidade para agendamento da entrevista e por entender que os mesmos não queriam participar, visto as inúmeras possibilidades apresentadas.

Para tratamento e análise dos dados, todas as entrevistas foram transcritas na íntegra, preferencialmente no mesmo dia de sua realização e após submetidas à análise de conteúdo modalidade temática1010. Minayo MCS. Parte V: Fase deanálise do material qualitativo. In: Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010.. Na etapa de pré-análise, realizou-se a leitura flutuante das entrevistas para identificação das impressões iniciais. Por conseguinte, procedeu-se a exploração do material por meio de leitura minuciosa das entrevistas, codificação dos dados e agrupamento em núcleos do sentido1010. Minayo MCS. Parte V: Fase deanálise do material qualitativo. In: Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010..

Inicialmente identificou-se 22 códigos brutos, que agrupados, deram origem aos seguintes núcleos: dificuldades no acesso; comunicação entre os profissionais da saúde; integração entre os serviços da RAS; atuação da APS na assistência; resistência familiar para alta do serviço especializado; referência e contrarreferência; o papel do gestor no gerenciamento da assistência; conhecimento da família/profissional sobre o funcionamento da RAS; e a capacitação do profissional para assistência em rede o cuidado em rede. Na etapa de tratamento dos resultados, após a classificação e agregação dos códigos, emergiram duas categorias temáticas que foram interpretadas e discutidas a partir dos subsídios teóricos do modelo de atenção às condições crônicas (MACC)1111. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana de Saúde, 2011. 2. ed. e realizadas inferências em relação aos achados.

As entrevistas transcritas não foram apresentadas aos participantes para validação de seu conteúdo, visto que devido ao momento pandêmico e o afastamento de vários colegas de trabalho, os profissionais estavam sobrecarregados e não manifestaram interesse quando consultados sobre esta possibilidade. Contudo, os resultados obtidos foram submetidos à avaliação de outra integrante qualitativista do grupo de pesquisa para verificação de possíveis equívocos de interpretação, o que não foi identificado.

O desenvolvimento do estudo atendeu os preceitos éticos da Resolução 466/2012 e foi aprovado pelo Comitê de ética da instituição signatária (CAAE nº 30718620.2.0000.0021 e Parecer no 4.133.629). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e para preservar-lhes o anonimato, na apresentação dos resultados os enxertos de suas falas estão identificados com a letra “P” seguida de um número correspondente à ordem cronológica de realização das entrevistas.

RESULTADOS

Os 12 participantes do estudo tinham idades entre 26 e 46 anos (média de 35,6 anos), dos quais 11 eram do sexo feminino, quatro fisioterapeutas, quatro terapeutas ocupacionais, dois psicólogos, um assistente social e um nutricionista. O tempo de formação variou entre três e 18 anos (média de 11,6 anos), sendo que 10 declararam possuir uma ou mais especializações. Já o tempo de atuação no serviço variou de 11 meses a 9 anos (média de 5,3 anos). As duas categorias temáticas que emergiram da análise das entrevistas serão apresentadas a seguir:

Fragilidades na assistência às crianças com Síndrome Congênita do Zika vírus na Rede de Atenção à Saúde

Dentre as dificuldades encontradas para ofertar a assistência contínua na RAS, os participantes ressaltaram que a descontinuidade do cuidado é reflexo da inexistência de integração entre os diferentes serviços que compõem a rede de apoio e cuidados às crianças com SCZ e suas famílias:

Se alguém falar que existe articulação entre os serviços, é mentira; É muito ruim, parece que é cada um no seu quadrado. É a mesma coisa da educação e saúde, parece que não se bate. (P4)

[...] por que muitas vezes eu acredito que o SUS não funciona? Porque não tem essa engrenagem, acho que as coisas às vezes ficam falhas por causa disso, eu vejo que é um jogo de peteca, um joga para o outro e ninguém acaba resolvendo o problema. (P6)

O encaminhamento das crianças com SCZ após o nascimento para admissão nos serviços de referência, com destaque para a ausência de cadastro no sistema de regulação, também foram ressaltadas:

[...] outra coisa que eu também acho que acontece, até paciente de Zika vírus mesmo, saiu lá do (nome do hospital), eles entregam os encaminhamentos e mandam vir aqui na Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE), chega aqui a gente vai olhar “não tem lançamento, não tem pedido, não tem nada, tem os pedidos do médico que estão na mão dela, mas no sistema não tem nada, e sem sistema a gente não atende”, essa mãe tem que voltar de novo lá no posto, lançar de novo um pedido, esperar o Sistema Nacional de Regulação(Sisreg) liberar o atendimento para ela voltar aqui; então são falhas que eu acho que não precisava ter, a Rede é muito falha [...]. (P5)

Ainda, essa falta de integração para atendimento das demandas contínuas nos diferentes pontos da atenção da rede, foi ratificada pelos profissionais com situações observadas que caracterizam a ausência de cuidados primários em saúde.

Por exemplo, a criança chega com quadro de diarreia ou de desidratação, eu não tenho suporte aqui dentro da APAE. Vários casos de eu precisar pegar uma criança desfalecida, encaminhar para o pediatra, a criança ter que sair com uma transfusão de sangue ou para uma hidratação. O suporte dos médicos a gente tem aqui dentro, porque às vezes não tem da parte do posto de saúde. (P9)

Teve uma mãe aqui que a criança tinha mais sequelas, e o que a gente vê como mais marcante: ela sempre relata que tem um terreno do lado da casa dela que estava cheio de mosquito da dengue, e assim, como a questão da prevenção, por que ninguém vai lá? Se tivesse funcionado o serviço de prevenção, ele tinha que acontecer. (P11)

A descontinuidade na assistência prestada no contexto da RAS, também foi percebida como influente no modo como os gestores operacionalizavam os serviços que compõem os diferentes pontos de atenção da rede:

Na Rede toda de saúde, eu acho que entra muito o papel do gestor, a gente ter o olhar técnico de que os profissionais são importantes, reconhecer isso e ter na Rede esses profissionais de saúde para fazer esse atendimento que é fundamental e crucial para a estrutura do Sistema Único de Saúde. Tem muitas políticas bacanas, mas essas políticas sozinhas, isoladas, não levam a lugar nenhum. Tem que ser uma gestão bem desenhada, estruturada para todos os níveis, não dá para ficar pensando ali só naquele centro, naquela unidade, porque ela não vai dar conta de todo mundo; tem que ter essa visão técnica do assunto para tomada de decisões pontuais. (P1)

Mesmo quando as necessidades das crianças eram atendidas, as famílias resistiam em aceitar a alta do serviço especializado e/ou a continuidade da assistência por outros pontos de atendimento da RAS:

Falta muito atendimento, por exemplo, na rede conseguem fisio, mas não conseguem Terapeuta ocupacional (TO), não conseguem psicologia, as vezes não tem médico que atende. E aqui já tem tudo. É complicado aceitarem quando o filho não precisa mais, por conta dos médicos que aqui conseguem marcar tranquilamente e lá fora elas falam que têm muita dificuldade para conseguir [...]. (P3)

Quando você tem que dar alta é uma briga. Você tem que trabalhar muito na cabeça delas (mães), “Ah, porque vai ficar sem médico e eu não quero, não vai dar alta, porque meu filho vai envelhecer aqui, porque vai ficar aqui”. Mas não tem mais o que fazer por aquela criança quando ela alcança um patamar e já estabilizou, tem que ver outra instituição, tem que ver outro lugar [...]. (P7)

[...] as famílias acham que os profissionais fora do serviço especializado não são capacitados para atender o filho com síndrome. Tem essa questão também, fala “atendeu, mas nem ligou direito, não sabe, não entendem, vocês aqui dentro sabem mais do que lá fora”.Às vezes eles não querem atendimento lá fora, querem o nosso, por medo, por insegurança. (P9)

Isto porque as famílias referiam o modo de cuidar pontual e momentâneo ofertado na RAS, marcado por falta de acolhimento e fragmentação na assistência prestada:

Dentro da rede de serviços SUS, o que eles reclamam é que falta respeito, carinho, sentimento pelo outro, se preocupar, ver qual a necessidade [...] tem que ter começo, meio e fim, falta muito ainda disso, para todas as pessoas terem esses olhares, isso eu penso que na rede falta bastante. (P5)

Normalmente, quando a criança vai para a rede ou procura outro serviço de assistência básica, até na parte de psicologia, há uma falta até de acolhimento. Porque as vezes é um processo muito rápido e não tem um atendimento de manutenção [...]. (P10)

Porque eu acho que na Rede SUS, direciona-se os atendimentos para o que é momento, tinha que ser contínuo; o Zika vírus, a microcefalia, ficou-se falando um monte no começo, agora alguém fala de microcefalia? Não tem nem medo, ninguém nem fala, é como se não existisse mais como se o Zika vírus já veio, passou, foi embora, acabou, fechou a porta; você percebe? [...]. (P5)

Essa resistência era justificada por uma realidade marcada por longas filas de espera para a assistência especializada:

Tem uma demora muito grande para realização de consultas e exames importantes. Isso é uma coisa que tem que ser vencida, são filas de tempo de espera muito grande, quando a criança trouxer aquilo para você, não vai ter nem mais sentido, porque já passou aquela fase [...]. (P1)

É demorado o sistema público. Sei [...] já chegou mãe para mim que disse que ficou um ano e meio aguardando neurologista, em uma fase tão crítica do desenvolvimento da criança, onde um dia faz diferença para essa criança, ela vai ficando cada vez mais longe dos pares dela [...]. (P11)

Contudo, ponderaram que essa demora pode estar relacionada à deficiência na capacitação do profissional responsável por lançar esses atendimentos no sistema de regulação:

O médico colocou um Código Internacional de Doença (CID) que não é compatível, aí o sistema devolve. E quem da Rede, da unidade de saúde vai informar a mãe? Ninguém! Já peguei vários pacientes que estavam devolvidos e a mãe não sabia, ninguém sabia, ela vai voltar na unidade e relançar de novo [...]. (P5)

Do mesmo modo, a demora no atendimento as demandas das crianças com SCZ e suas famílias, fragilizou-se pelo conhecimento que a população e os profissionais de saúde detêm sobre a organização e funcionamento da RAS.

Eu acho que a população não entende como funciona a saúde, muitas pessoas não entendem que a unidade de saúde faz esse matriciamento, essa integralidade entre os outros serviços especializados. Acho que isso que não é claro para a população e nem para muitos profissionais. Eles ainda não têm essa referência, e o programa foi criado para facilitar, encurtar essa distância. Porque a unidade de saúde é no bairro da pessoa, os agentes de saúde são pessoas que já frequentam ali, que conhecem o bairro, as necessidades. Acho que isso que demora, e aí eles ficam nessa fila longa, e todos os serviços acabam sendo prejudicados por causa desse fluxo. (P10)

Os relatos apresentados nesta categoria demonstraram as fragilidades relacionadas ao acesso, acompanhamento e integração da assistência entre os diferentes pontos da RAS no cuidado às crianças com SCZ e suas famílias. Em suma, a continuidade da assistência era marcada por limitações na organização e funcionamento da rede para subsidiar as demandas desse público, e pelo modo como os profissionais e a população compreendiam a assistência ofertada.

Estratégias para melhorar o fluxo assistencial à criança com Síndrome Congênita do Zika vírus na Rede de Atenção à Saúde

A fim de atender as necessidades da criança com a síndrome, em especial, pela atenção especializada, os participantes ilustraram como ocorre o fluxo de encaminhamento para esses serviços no contexto da RAS:

O encaminhamento para o Centro Especializado em Reabilitação pode ser feito por qualquer profissional da Atenção Básica. É muito mais rápido se ele for até a unidade de saúde próxima à sua casa e um profissional ter esse conhecimento, saber que atende aqui. Isto encurta o fluxo. (P11)

Para além da atenção especializada, diante das demandas de cuidados necessários a longo prazo, alguns profissionais valorizavam o papel da APS na prevenção de agravos e promoção da saúde, bem como da assistência na atenção secundária diante de intercorrências:

Acho que o serviço especializado é de extrema importância, mas não é mais importante do que o serviço de prevenção. Então, se a gente tiver um pré-natal bem-feito, tudo que envolve prevenção, se a gente tiver isso melhor, a gente tem menos necessidade dos serviços especializados. (P11)

O que as mães relatam é que elas conseguem fazer a consulta no postinho de saúde, e lá os médicos conseguem dar o suporte para aquela criança, fazer vacinação, fazer exames de rotina. Quando a criança tem, por exemplo, uma crise convulsiva, e vai para um pronto atendimento, elas também são assistidas, a criança é estabilizada. Mas elas falam que é demorado, que tem que permanecer muito tempo nas unidades, mas no final conseguem receber o atendimento. (P1)

Os participantes reconheciam a importância e necessidade de integração/comunicação entre os diferentes pontos da rede para garantir a continuidade da assistência:

Eu acho que a Rede SUS tem que estar interligada, um tem que somar com o trabalho do outro, muitas vezes a gente não pode apontar e nem criticar. Acho que a Rede tem que estar integrada, já imaginou se a criança viesse para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e aqui tivesse um contato com a unidade de saúde, se a gente tivesse um contato com o agente de saúde, seria tudo perfeito, olha o quanto essa família ia ganhar, quanto a criança ia ganhar. (P6)

A comunicação entre os profissionais precisa melhorar nesse sentido, da gente conseguir que esse paciente tenha um fluxo efetivo na Rede, e não fique perdido na Rede, esperando muito tempo para conseguir um atendimento, ou tenham atendimentos picados. (P11)

Neste sentido, exemplificaram os benefícios dessa comunicação entre os serviços da RAS:

Outro dia, uma médica nova na unidade de saúde ligou porque não estava conseguindo fazer pedido de cadeira de rodas, eu falei: “doutora estou à disposição para o que a senhora precisar, de Classificação Internacional de Doença, de orientação, de encaminhamento, como faz para chegar no Centro Especializado em Reabilitação, como faz para trazer esse paciente para o serviço”, e três dias depois a paciente estava com a cadeira [...]. (P5)

E apresentaram estratégias que poderiam potencializar a comunicação entre os serviços da RAS:

Por exemplo, a instituição X atendia, não atende mais, ela deveria mandar encaminhado o prontuário, alguns exames que já foram realizados por lá, para a gente; às vezes a gente começa a fazer um tratamento e às vezes a criança não precisava fazer aquilo porque já foi realizado. (P4)

Naquela regulação de vagas [encaminhamento], talvez escrevendo, detalhando, acho que é importante documentar bem para o próximo profissional que vai ver o encaminhamento daquela alta hospitalar, entender bastante coisa. são muitos profissionais e as informações acabam se perdendo. (P8)

Ter um prontuário universal desses pacientes já facilitaria muito. Por exemplo aqui eu vejo as informações básicas que preciso. Quando abro o sistema, sei que o paciente X é atendido pela fono, pela terapeuta ocupacional, na 4ª feira, um às nove e outro às oito, o Classificação Internacional de Doença dele, sei que ele faltou semana passada. São coisas que facilitaria se fosse assim na rede [...]. (P11)

Referente à continuidade da assistência nos diferentes níveis de atenção à saúde, ressaltaram que as famílias eram orientadas a buscarem os atendimentos conforme o grau de complexidade da necessidade apresentada e que existia contrarreferência nos casos de alta do serviço especializado, assim como encaminhamento para serviços de maior complexidade:

Aqui o centro de reabilitação é ambulatorial, então os atendimentos são agendados. Fora isso, qualquer outra coisa que acontecer oriento a buscar a Unidade Básica de Saúde ou pronto atendimento. Se a criança está com febre, você não vai ficar esperando o próximo atendimento [no serviço especializado] na outra semana para ser medicado. Você vai procurar a Unidade Básica de Saúde, lá eles vão verificar se dá para conter aquilo ali ou vai te encaminhar para o centro de atendimento médico. Você tem que agir conforme o sintoma que está no momento. (P1)

A gente sempre faz as reuniões mensais para informar às unidades os pacientes que tiveram alta, aí a gente faz um relatório com todos os pacientes e envia para as unidades, porque eles são referência, conforme o local de moradia daquele paciente, a unidade de referência é enviado pelo que a gente chama de grupo condutor [...] nele são traçadas estratégias que vão envolver a integralidade do serviço; o serviço aqui do Centro Especializado em Reabilitação e dos os outros pontos da Rede de atendimento alimentam as informações para o paciente retornar lá na unidade, ou mandar o agente comunitário de saúde para ir lá visitar, ver o que aconteceu, e minimizar prejuízos. (P11)

Quando chega uma criança que já recebeu atendimento e não é elegível para nós, a gente faz a contrarreferência com uma justificativa por escrito e encaminha para outras instituições que atendem pessoas, de repente com uma sequela mais grave é o filantrópico [nome da instituição], ou a gente encaminha pacientes para a rede SUS, se precisa de fisioterapia, a gente encaminha, existem clínicas no SUS que realizam esse serviço, com a contrarreferência. (P12)

Os participantes ainda destacaram que para fortalecer o cuidado em rede para esse público, a atitude/comportamento do profissional faz a diferença:

Primeiramente, vejo que ter pessoas (profissionais) comprometidas, com conhecimento, com bagagem, que queiram fazer as coisas acontecerem; para poder estar tudo interligado. Acho que um trabalho de Rede não é fácil, precisa de muito estudo, muito conhecimento, muita estratégia [...]. (P6)

Sete deles mencionou a capacitação como muito importante para atuar em rede, conforme algumas falas elencadas a seguir:

Capacitação dos profissionais para a comunicação em Rede. Não só no âmbito da saúde, mas no da educação também, porque essa criança vai passar pela educação, acho que é o principal. (P11)

Tem que capacitar, investir em formação... formação e formação! Os profissionais precisam ser capacitados para trabalhar em rede. (P2)

Nesta categoria, destacaram-se os aspectos potenciais para a continuidade da assistência da criança com SCZ na RAS, os quais envolvem o funcionamento do sistema de referência e contrarreferência nos diferentes níveis de atenção à saúde e a comunicação/integração entre esses serviços.

DISCUSSÃO

Na perspectiva de profissionais de saúde em estudo, a assistência às crianças com SCZ na RAS apresenta fragilidades e potencialidades. Para garantir a continuidade da assistência a estas crianças e suas famílias no contexto da RAS, é preciso que haja fluxos de atendimentos pré-estabelecidos e que estes sejam claros, constituídos por ações de cuidado articuladas e que tenham como propósito o acompanhamento longitudinal. Isto porque, após o diagnóstico, essas famílias precisam ser inseridas em uma rotina de atendimentos que acolham às múltiplas necessidades dessas crianças que, na maioria das vezes, requerem tratamentos a longo prazo que envolvem uma ampla gama de profissionais e serviços em todos os níveis de atenção do SUS1212. Peiter PC, Pereira RS, Moreira MCN, Nascimento M, Tavares MFL, Franco VC, et al. Zika epidemic and microcephaly in Brazil: challenges for access to health care and promotion in three epidemic areas. PLoS One. 2020;15(7):e0235010. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235010
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.

Para que a integralidade do cuidado seja efetivada, em especial às pessoas com condições crônicas, a ação de usuários, trabalhadores e gestores constitui elemento indispensável1313. Wang L, Liu W, Wu L, Zhang J, Fang H. Caregiving experiences of stroke caregivers: a systematic review and meta-synthesis of qualitative studies. Medicine. 2023;102(13):e33392.. De acordo com os profissionais deste estudo, a integralidade do cuidado, tal como proposto no MACC1111. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana de Saúde, 2011. 2. ed., poderia contribuir para redução das fragilidades identificadas quando apontam que,por vezes, na tentativa de proporcionar aos filhos o que elas consideram melhor, as mães enfrentam muitos desafios no acesso aos serviços da rede e por esta, razão estabelecem seus próprios itinerários. A dificuldade de acesso aos serviços da rede de assistência é uma realidade vivenciada por cuidadores de pessoas em diferentes estágios de desenvolvimento e com diferentes condições crônicas tem se tornado cada vez mais frequentes. Estudos realizados no Brasil1414. Vieira VLD, Pedrosa RKB, Santos NCCB, Reichert APS, Vaz EMC, Collet N. Articulações de mães para o cuidado integral à criança com microcefalia associada ao Zika vírus. Rev Min Enferm. 2021;25:e1389. doi: https://doi.org/10.5935/1415.2762.20210037
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-1616. Neves ET, Okido ACC, Buboltz FL, Santos RP, Lima RAG. Accessibility of children with special health needs to the health care network. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):65-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0899
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) e no exterior1313. Wang L, Liu W, Wu L, Zhang J, Fang H. Caregiving experiences of stroke caregivers: a systematic review and meta-synthesis of qualitative studies. Medicine. 2023;102(13):e33392.,1717. Costa HMGS,Silva BDS, Alcantara JR, Nogueira CMCS, Morais FRR.Microcephaly diagnosis: maternal perspectives about the organization of the health care network. Aquichan. 2021;21(1):e21117.doi: https://doi.org/10.5294/aqui.2021.21.1.7
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) apontam os caminhos percorridos e os desafios enfrentados pelos cuidadores em busca de assistência.

No caso de crianças com SCZ a dificuldade na operacionalização do fluxo de atendimento pode estar relacionada ao conhecimento insuficiente acerca da síndrome e/ou despreparo dos serviços e profissionais que atuam na RAS para atender às demandas desse público1515. Pedrosa RKB, Guedes ATA, Soares AR, Vaz EMC, Collet N, Reichert APS. Itinerary of children with microcephaly in the health care network. Esc Anna Nery. 2020;24(3):e20190263. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0263
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. Estudo realizado com 19 familiares cuidadores de crianças com necessidades especiais em dois municípios brasileiros, ressaltou que essa rotina é marcada por peregrinações nos diferentes pontos da RAS, principalmente na busca pelo diagnóstico médico e, posteriormente, pelo atendimento no serviço especializado1616. Neves ET, Okido ACC, Buboltz FL, Santos RP, Lima RAG. Accessibility of children with special health needs to the health care network. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):65-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0899
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) o que foi destacado também neste estudo.Estudo cujo objetivo foi identificar os preditores de acesso a apoio entre famílias de crianças de 0 a 6 anos com necessidades especiais em saúde no Reino Unido, apontou a necessidade de aprimoramento nos processos de identificação formal das demandas dessas crianças e suas famílias, bem como de abordagem das disparidades socioeconômicas e fornecimento de serviços mais acessíveis, referente por exemplo, à coordenação de suporte e prestação flexível de serviços1818. Sapiets SJ, Hastings RP, Totsika V. Predictors of access to early support in families of children with suspected or diagnosed developmental disabilities in the United Kingdom. J AutismDevDisord.2023:1-14. doi: https://doi.org/10.1007/s10803-023-05996-7
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Na percepção dos profissionais deste estudo, mesmo após a inserção das crianças nos atendimentos do serviço especializado, persistem fragilidades na oferta de uma assistência contínua, decorrentes de lacunas na integração com os outros serviços da RAS. Esses achados corroboram resultados de um estudo realizado com profissionais de saúde de um serviço de atenção domiciliar no sul do Brasil, o qual apontou que a comunicação com as unidades de saúde ocorre apenas para informar a admissão ou o desligamento da criança no serviço, sendo que raramente são enviadas ou recebidas informações a respeito da assistência entre esses dois momentos1919. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná-Brazil. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180067. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2018-0067
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Ainda, em relação às fragilidades, as lacunas na integração entre os diferentes pontos de atenção da rede, além de constituírem barreiras na assistência às crianças com condições crônicas, resultam em prejuízos à qualidade do atendimento e expõem as fragilidades do processo de organização e gestão assistencial da RAS.

Um aspecto importante no que concerne às ações preventivas tem relação com a falta de coordenação do cuidado evidenciada por demandas de saúde das crianças com SCZ não absorvidas pela APS. Revisão sistemática sobre a qualidade da assistência à criança de zero a cinco anos na APS no Brasil, constatou que existem limitações de acesso a esses serviços, bem como fragilidades na abordagem familiar e comunitária como consequência da formação deficitária de recursos humanos inseridos nesses cenários assistenciais2020. Silva GS, Fernandes DRF, Alves CRL. Evaluation of primary child health care in Brazil: a systematic review of methods and results. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(8):3185-200. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020258.27512018
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. A dificuldade de acesso a uma assistência de qualidade, sobretudo para crianças com necessidades especiais de saúde segue como desafio, mesmo em países com políticas arrojadas em prol da cobertura universal, acessibilidade e qualidade do atendimento. Na Tailândia por exemplo, as 43 famílias de crianças com necessidades especiais residentes na zona rural participantes de um estudo de Grouded Theory apontaram como principais problemas na assistência a estas crianças, a falta de apoio dos profissionais e as questões geográficas (distâncias) dos serviços de saúde2121. Moonpanane K, Kodyee S, Potianamart C, Purkey E. Adjusting the family’s life: A grounded theory of caring for children with special healthcare needs in rural áreas, Thailand. PLoS One. 2021;16(10):e0258664. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0258664
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Estudo sobre a rede de suporte de mães cuidadoras, constatou a insatisfação delas com o serviço/atendimento mais próximo à sua residência, o que as levam a procurar atendimento em um serviço especializado, apesar de isto exigir esforços relacionados com o deslocamento devido a distância maior2222. Costa RPUV, Lamy ZC, Oliveira PS, Carvalho RHSBF, Pereira MUL, Guimarães CNM, et al. Congenital zika syndrome: analysis of parent support networks. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE02912. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO02912
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. Dentre as razões que motivam as famílias em busca desses serviços, destacam-se a confiança dos pais nos profissionais de saúde que lá atuam, as expectativas sobre qualidade do cuidado prestado, a experiência pessoal e/ou da rede social e a satisfação com o atendimento2222. Costa RPUV, Lamy ZC, Oliveira PS, Carvalho RHSBF, Pereira MUL, Guimarães CNM, et al. Congenital zika syndrome: analysis of parent support networks. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE02912. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO02912
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,2323. Brito PM, Wiesiolek CC, Vilela MBR, Portugal JL, Ferraz KM. Acessibilidade geográfica aos serviços de reabilitação de crianças com síndrome congênita do vírus Zika. Cad Saúde Colet. 2023;31(1):e30040033. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X202230040033
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. Logo, infere-se que é preciso expandir as estratégias para além dos formuladores de políticas públicas, de modo a envolver instituições de ensino na formação de profissionais comprometidos com o fortalecimento da APS.

Diante das fragilidades encontradas para a continuidade do cuidado à criança com SCZ na RAS, destaca-se que as famílias demonstram resistência em desvincular-se dos serviços especializados relatando que, por vezes, os profissionais da APS desconhecem as demandas em saúde dessas crianças e suas famílias, pois os vínculos foram construídos com os serviços que as famílias mais acessaram inicialmente, os níveis secundários e terciários do SUS2424. De Jong NA, Wofford M, Song PH, Kappelman MD. Association of care coordination experience and health services use with main provider type for children with inflammatory bowel disease. J Pediatr. 2021;234:142-8.e1. doi:https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2021.03.013
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Outro aspecto relevante relaciona-se com o fato de que as famílias assistidas pelo centro especializado em reabilitação visualizam esse serviço como mais qualificado que os demais que compõem a RAS, além de idealizarem o conceito de reabilitação vitalícia para as crianças afetadas. Como resultado, por vezes, observa-se a utilização simultânea dos centros terapêuticos, o que pode gerar sobrecarga, aumentar custos sem relação com resolutividade, além de prejudicar o acesso de crianças com problemas de saúde semelhantes, que não têm seu acompanhamento efetivo por barreiras de acesso como a ausência de vaga, horário e profissional1515. Pedrosa RKB, Guedes ATA, Soares AR, Vaz EMC, Collet N, Reichert APS. Itinerary of children with microcephaly in the health care network. Esc Anna Nery. 2020;24(3):e20190263. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0263
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Um dos aspectos que favorece a descontinuidade do cuidado às crianças com SCZ após a alta do serviço especializado, relaciona-se com o modo como essas famílias são recebidas nos pontos de atenção à saúde da RAS, por vezes, marcado pela falta de acolhimento das dificuldades enfrentadas por elas44. Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro AS, Araújo TVB, Pimentel C, et al. Access to healthcare for children with congenital Zika syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan. 2019;34(7):499-507. doi: https://doi.org/10.1093/heapol/czz059
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. Por isso, torna-se fundamental o investimento em relações horizontalizadas entre os profissionais de saúde e as pessoas com condições crônicas, por meio do acolhimento e diálogo.

Considerando a falta de seguimento apontada pelos profissionais deste estudo, destaca-se que as barreiras de acesso aos serviços de atendimento especializado constituem obstáculos para uma assistência integral e contínua às crianças com SCZ, que comumente enfrentam longos tempos de espera para realização de exames e consultas especializadas. Isso pode gerar, entre outras consequências, prejuízos para o estado de saúde dessas crianças, que enquanto aguardam atendimento, podem apresentar agravamento do seu quadro clínico2525. Favaro LC, Marcon SS, Nass EMA, Reis P, Ichisato SMT, Bega AG, et al. Percepção do enfermeiro sobre assistência às crianças com necessidades especiais de saúde na atenção primária. Rev Min Enferm. 2020;24:e-1477. doi: http://doi.org/10.5935/1415-2762.20200006
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. Uma vez inserida no serviço, estas crianças podem ser acompanhadas em programas de telereabilitação, o que pode representar uma ampliação na continuidade do cuidado e suporte adequado às crianças com necessidades especiais e suas famílias2626. Provenzi L, Borgatti R. Potencials of telerehabilitation for families of children with special health care needs during the coronavirus disease 2019 emergency. JAMA Pediatr.2021;175(1)105. doi:https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.2351
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e ao mesmo tempo, abrir espaço para que outras crianças tenham acesso ao serviço especializado. Contudo, precisa existir um protocolo de acompanhamento em que seja previsto o atendimento presencial com freqüência definida de acordo não só com a evolução da criança, mas também em relação a capacitação de seus cuidadores.

Os empecilhos relacionados a morosidade no acesso aos especialistas, acrescentados ao distanciamento entre a procura e oferta da assistência à essas crianças na RAS, resultam na busca por acessos alternativos para garantir a continuidade do cuidado. Dentre eles, destaca-se o aumento da busca por convênios privados para ter acesso a determinados serviços, como fisioterapia e consultas em momentos de necessidade2525. Favaro LC, Marcon SS, Nass EMA, Reis P, Ichisato SMT, Bega AG, et al. Percepção do enfermeiro sobre assistência às crianças com necessidades especiais de saúde na atenção primária. Rev Min Enferm. 2020;24:e-1477. doi: http://doi.org/10.5935/1415-2762.20200006
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, bem como a substituição dos serviços da APS pelos atendimentos em unidades de pronto-atendimento1616. Neves ET, Okido ACC, Buboltz FL, Santos RP, Lima RAG. Accessibility of children with special health needs to the health care network. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):65-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0899
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,2727. Silva MEA, Reichert APS, Souza SAF, Pimenta EAG, Collet N. Chronic disease in childhood andadolescence: family bondsin the healthcare network. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e4460016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720180004460016
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Considera-se a necessidade de reorganização dos serviços de saúde da rede, com vistas às ações que propiciem agilidade nos processos de diagnóstico, encaminhamento e tratamento das crianças com SCZ, destacando-se o fortalecimento do processo de regulação em saúde. Estudo aponta que a fragilidade nesse processo é muitas vezes resultante da rotatividade de gestores e profissionais de saúde, em especial, na APS, devido ao tipo de contratação. Esta rotatividade, sem dúvida pode comprometer diretamente a longitudinalidade do cuidado e constituir fator de descontentamento com a assistência77. Vaz EMC, Collet N, Cursino EG, Forte FDS, Magalhães RKBP, Reichert APS. Care coordination in Health Care for the child/adolescent in chronic condition. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 6):2612-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0787
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Dentre as potencialidades percebidas na assistência à criança com SCZ na RAS, destaca-se o fato de que qualquer profissional da APS pode encaminhar essas crianças para os serviços especializados, de forma que os médicos não são os únicos envolvidos nos encaminhamentos e tratamentos dessa população. Isso demonstra um avanço na valorização da assistência multi e interprofissional, e na construção de uma rede organizada com um fluxo ágil e descentralizado para atender as demandas daqueles que vivem com doenças crônicas e complexas1212. Peiter PC, Pereira RS, Moreira MCN, Nascimento M, Tavares MFL, Franco VC, et al. Zika epidemic and microcephaly in Brazil: challenges for access to health care and promotion in three epidemic areas. PLoS One. 2020;15(7):e0235010. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235010
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Outra potencialidade referida foi o reconhecimento da importância da APS na articulação para a continuidade do cuidado da criança com SCZ. De fato, a APS pode abranger os problemas de saúde da população, de forma regionalizada e articulada com políticas públicas, com foco na promoção da saúde e prevenção de doenças. Quando integra uma rede assistencial ampla, articulada e com fluxogramas bem definidos é capaz de atuar de forma efetiva no enfrentamento das condições crônicas, colaborando para o controle da doença e diminuição das hospitalizações evitáveis55. Damaceno AN, Lima MADS, Pucci VR, Weiller TH. Health care networks: a strategy for health systems integration. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e14. doi: https://doi.org/10.5902/2179769236832
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,2727. Silva MEA, Reichert APS, Souza SAF, Pimenta EAG, Collet N. Chronic disease in childhood andadolescence: family bondsin the healthcare network. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e4460016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720180004460016
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Neste sentido, a puericultura, as ações de estimulação precoce, o encaminhamento à assistência especializada e a identificação das famílias com risco social, constituem ações estratégicas de cuidado às crianças com SCZ e suas famílias, que podem ser desenvolvidas pelos profissionais da APS2222. Costa RPUV, Lamy ZC, Oliveira PS, Carvalho RHSBF, Pereira MUL, Guimarães CNM, et al. Congenital zika syndrome: analysis of parent support networks. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE02912. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO02912
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. Os profissionais deste estudo também apontaram a integração/comunicação entre os diferentes pontos da rede, como aspecto potencial no cuidado à criança com a síndrome. Protocolos foram sugeridos para direcionar o processo de comunicação, com o objetivo de evitar intervenções e orientações desarticuladas que dificultam a compreensão da família e o seu agir em prol do bem estar da criança2828. Delmiro ARCA, Pimenta EAG, Nóbrega VM, Fernandes LTB, Barros GC. Equipe multiprofissional no preparo para a alta hospitalar de crianças com condições crônicas. Ciênc Cuid Saúde. 2020;19:e-50418. doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.50418
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Dentre as estratégias para potencializar a comunicação entre os profissionais, estudo desenvolvido a partir das experiências no Reino Unido destacou a utilização de recursos digitais dos cuidados em saúde. O uso de tecnologias da informação precisa ser reconhecido como um facilitador para melhorar as experiências do paciente e a qualidade dos atendimentos de serviços de saúde2929. Sheikh A, Anderson M, Albala S, Casadei B, Franklin BD, Richards M, et al. Health information technology and digital innovation for national learning health and care systems. Lancet Digit Health. 2021;3(6):e383-e396. doi: https://doi.org/10.1016/S2589-7500(21)00005-4
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. Cita-se, como exemplo, o uso das redes sociais virtuais como um espaço para troca de experiências,tanto em relação às ações de cuidado quanto à busca por tratamento frente à condição crônica2222. Costa RPUV, Lamy ZC, Oliveira PS, Carvalho RHSBF, Pereira MUL, Guimarães CNM, et al. Congenital zika syndrome: analysis of parent support networks. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE02912. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO02912
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Além disso, pondera-se que o uso compartilhado de registros eletrônicos de saúde entre prestadores de saúde públicos e/ou privados poderia minimizar esta problemática, além de considerar que os dados gerados por essas ferramentas como subprodutos do cuidado podem ser usados para apoiar políticas públicas e o planejamento assistencial destinado as singularidades das crianças com SCZ. Cabe salientar, ainda, que a estrutura operacional e um sistema lógico de funcionamento são elementos constitutivos e importantes para operacionalização da RAS.

Outro aspecto apontado como potencialidade, é a possibilidade de orientação às famílias em relação a busca por atendimentos nos diferentes níveis de atenção à saúde do SUS, de acordo com o grau de complexidade apresentando pelas crianças com SCZ. Isso porque, frente à exacerbação da condição crônica da criança, ou mesmo diante de um quadro agudo a maioria dos pais tendem a acessar preferencialmente os serviços especializados onde a criança já faz acompanhamento. Porém, esses serviços possuem recursos limitados, cujo acesso deve ser reservado apenas para os momentos em que a experiência especializada seja de fato, necessária.

Após a alta do serviço especializado, a continuidade da assistência às crianças com SCZ, precisa ocorrer em consonância com sistema de referência e contrarreferência, considerado como um dos elementos-chave para organização e seguimento assistencial. Esse sistema é capaz de beneficiar crianças com condições crônicas e suas famílias, pois permite a identificação precoce de alterações clínicas, um segmento de cuidado sistematizado e ininterrupto, que visa minimizar os danos à saúde e contribuir para melhorar a qualidade de vida dos envolvidos3030. Vaz EMC, Brito TS, Santos MCS, Lima PMVM, Pimenta EAG, Collet N. Referral and counter-referral of children in chronic condition: perception of mothers and secondary care professionals. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e51186. doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.51186
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Para modificar a realidade, é preciso criar uma rede de assistência fortalecida, constituída por serviços de saúde que cuidem das crianças e de suas famílias, de maneira multiprofissional e longitudinal, com valorização do vínculo, escuta ativa e humanizada, bem como qualificação dos profissionais66. Vale PRLF, Araújo PO, Cardoso SSS, Santos Junior H, Carvalho RC, Carvalho ESS. Health needs of mothers of children with Congenital Zika Syndrome: an integrative review. RevBrasEnferm. 2022;75(Suppl 2):e20210540. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0540
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. Para tanto, reitera-se a necessidade das equipes que atuam na Atenção Primária à Saúde estarem preparar para uma melhor atuação junto a estas famílias.

Considera-se como possíveis limitações deste estudo o fato de o mesmo ter sido desenvolvido apenas com profissionais da atenção especializada, além de não ter contado com a participação de todas as classes profissionais que atuam no serviço, em especial o enfermeiro, visto que na maioria das vezes é quem coordena as ações de cuidado nos diferentes níveis assistenciais. Não conseguir dispor de tempo para participar do estudo reflete um pouco do excesso de trabalho que o profissional enfermeiro enfrenta em seu cotidiano de trabalho em todos os níveis assistenciais. Contudo, os achados podem servir de subsídios para a elaboração de políticas públicas específicas para essas crianças e tantas outras que convivem com uma condição crônica, de forma a considerar suas demandas singulares de atenção em saúde, numa perspectiva multidisciplinar, integral e contínua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A assistência ofertada às crianças com SCZ, na perspectiva dos profissionais de saúde atuantes na atenção especializada, apresenta fragilidades e potencialidades no que se refere a continuidade do cuidado na RAS. Embora a descontinuidade do cuidado seja um achado reiterado na literatura, nesse caso específico, isto acontece devido à ausência de profissionais qualificados para atuar com essa clientela. Há fragilidades na conexão dos pontos da rede e na capacidade desta em otimizar o acesso e seguimento da assistência nos diferentes pontos de atenção.

Quando os familiares cuidadores são encaminhados aos serviços da Atenção Primária, eles têm resistência por não se sentirem acolhidos e atendidos em suas especificidades de cuidado com estas crianças. A inexistência de integração entre os diferentes serviços que compõem a rede de apoio e cuidados às crianças com SCZ contribui para essa dificuldade. Considerando que o cenário em que este estudo foi desenvolvido é uma das referenciais nacionais para o cuidado de crianças com SCZ é necessário que as práticas em outros cenários sejam também estudadas para contrapor ou corroborar com estes achados.

Os profissionais apontaram como estratégias para potencializar, na prática, a manutenção dessa assistência, o fortalecimento do sistema de regulação e uma maior integração entre os distintos pontos de atenção à saúde, de modo a superar as barreiras de acesso e seguimento destas crianças na RAS. Para tanto, é preciso considerar a importância de ações assistenciais humanizadas, abrangentes e articuladas que incluam o tratamento, vigilância, prevenção de doenças e a promoção da saúde das crianças com a síndrome nos três níveis de atenção do SUS, em especial, na APS. Além disso, os atores do cuidado devem apropriar-se do seu papel, em especial no que se refere às implicações para a enfermagem, de que este profissional atue como articulador na organização da assistência à essa população no contexto da RAS.

Por fim, os achados deste estudo são relevantes e precisam ser considerados na formação dos futuros profissionais, bem como na educação permanente daqueles que atuam nos serviços que integram a RAS. Almeja-se refletir sobre a importância da comunicação/integração entre os diferentes profissionais e pontos de atenção da RAS na assistência à essa população, efetivando o sistema de referência e contrarreferência para a longitudinalidade do cuidado. Sugere-se que em estudos futuros, para uma melhor compreensão de como ocorre essa assistência, seja priorizado a participação do profissional enfermeiro e dos familiares cuidadores destas crianças.

Agradecimentos:

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

REFERENCES

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  • Financiamento:

    Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Editado por

Editor associado:

Aline Marques Acosta

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2023
  • Aceito
    26 Jun 2023
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