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Repercussão da pandemia da Covid-19 no uso de telas na primeiríssima infância

RESUMO

Objetivo:

Identificar a repercussão da pandemia da Covid-19 no uso de telas digitais na primeiríssima infância, na perspectiva de mães e profissionais da educação.

Método:

Estudo qualitativo, baseado na Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. Participaram nove mães de crianças menores de três anos, matriculadas em creches de um município do estado da Paraíba, Brasil e seis profissionais da educação, que atuavam nessas creches. Os dados foram coletados entre julho e outubro de 2021 por meio de entrevista virtual e analisados conforme a análise temática indutiva.

Resultados:

As restrições impostas pela pandemia fizeram das telas o único recurso disponível para as atividades educativas, interação, lazer e distração das crianças, causando aumento exponencial no tempo em que essas passaram diante das telas.

Conclusão:

A pandemia repercutiu diretamente no uso de telas digitais na primeiríssima infância, impactando no aumento do tempo de exposição da criança, segundo os pais e profissionais da educação.

Descritores:
COVID-19; Desenvolvimento infantil; Mães; Tecnologia digital; Tempo de tela; Saúde da criança

ABSTRACT

Objective:

To identify the impact of the Covid-19 pandemic on the use of digital screens in early childhood, from the perspective of mothers and education professionals.

Method:

Qualitative study, based on Bronfenbrenner’s Bioecological Theory. Nine mothers of children under three years of age, enrolled in daycare centers in a municipality in the state of Paraíba, Brazil, and six education professionals who worked in these daycare centers participated. The data were collected between July and October 2021 via virtual interviews and analyzed according to inductive thematic analysis.

Results:

The restrictions imposed by the pandemic made screens the only available resource for children’s educational activities, interaction, leisure, and distraction, causing an exponential increase in the time they spent in front of screens.

Conclusion:

The pandemic had a direct impact on the use of digital screens in early childhood, increasing the child’s exposure time, according to parents and education professionals.

Descriptors:
COVID-19; Child development; Mothers; Digital technology; Screen time; Child health

RESUMEN

Objetivo:

Identificar las repercusiones de la pandemia de Covid-19 en el uso de pantallas digitales en la primera infancia, desde la perspectiva de las madres y los profesionales de la educación.

Método:

Estudio cualitativo, basado en la Teoría Bioecológica de Bronfenbrenner. Participaron nueve madres de niños menores de tres años, matriculados en guarderías de un municipio del estado de Paraíba, Brasil, y seis profesionales de la educación que actuaban en esas guarderías. Los datos se recogieron entre julio y octubre de 2021 mediante entrevista virtual y se analizaron según un análisis temático inductivo.

Resultados:

Las restricciones impuestas por la pandemia convirtieron a las pantallas en el único recurso disponible para las actividades educativas, la interacción, el ocio y la distracción de los niños, lo que provocó un aumento exponencial del tiempo que pasaban frente a ellas.

Conclusión:

La pandemia tuvo un impacto directo en el uso de pantallas digitales en la primera infancia, repercutiendo en el aumento del tiempo de exposición del niño, según padres y profesionales de la educación.

Descriptores:
COVID-19; Desarrollo infantil; Madres; Tecnología digital; Tiempo de pantalla; Salud infantil

INTRODUÇÃO

A primeira infância, faixa etária que compreende desde o nascimento até os seis anos de vida, pode ser subdividida na que é chamada primeiríssima infância, fase que se inicia na gestação e é concluída aos três anos (primeiros mil dias de vida). Esta é considerada como o período mais crítico para a maturação cerebral, na qual influências e eventos negativos, como os ocorridos na pandemia de Covid-19, podem causar danos irreversíveis11. Shonkoff JP. Protecting brains, nor simply stimulating minds. Science. 2011;333(6045):982-3. doi: https://doi.org/10.1126/science.1206014
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,22. Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Primeiríssima infância - interações: comportamento de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos [Internet]. São Paulo: 2020 [citado 2023 jul 24]. Disponível em: Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/primeirissima-infancia-interacoes-comportamentos-pais-cuidadores-criancas-0-3-anos
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A pandemia da Covid-19 configurou-se uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional33. Organização Pan-americana de Saúde. Histórico da pandemia de COVID-19 [Internet]. Brasília, DF: OPAS; 2020 [cited 2021 Apr 10]. Available from: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19
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. As medidas de contenção contra essa infecção causaram mudanças marcantes em todos os contextos da vida das crianças44. Eales L, Gillespie S, Alstat RA, Ferguson GM, Carlson SM. Children’s screen and problematic media use in the united states before and during the covid‐19 pandemic. Child Dev. 2021;92(5):e866-82. doi: https://doi.org/10.1111/cdev.13652
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, incluindo a interação da criança no ambiente escolar55. Egan SM, Pope J, Moloney M, Hoyne C, Beatty C. Missing early education and care during the pandemic: The socio-emotional impact of the COVID-19 crisis on young children. Early Child Educ J. 2021;49(5):925-34. doi: https://doi.org/10.1007/s10643-021-01193-2
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Com a finalidade de conter a propagação do novo coronavírus, diversas medidas sanitárias foram adotadas, a exemplo do fechamento das creches, local que oferece educação infantil para crianças de até três anos66. Presidência da República (BR). Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial União. 1996 dez 23 [cited 2023 Jul 24];134(248 Seção 1):27833-41. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=23/12/1996&totalArquivos=289
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. Tais condutas, além de afetarem o aprendizado infantil, também privaram as crianças de terem alguns direitos assegurados, como lazer e interação social, cuidados de saúde e segurança alimentar77. Fore H. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Mesmo com a variante Ômicron se espalhando, o fechamento de escolas deve ser último recurso [Internet]. Brasília, DF: UNICEF; 2021 [cited 2022 Apr 30]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/mesmo-com-variante-omicron-se-espalhando-o-fechamento-de-escolas-deve-ser-ultimo-recurso
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Nesse contexto de privação e interações reduzidas, o uso exacerbado das telas por crianças surgiu como uma situação emergente. O público infantil passou a ocupar o seu tempo olhando para telas de smartphones, computadores, tablets, televisores e consoles de jogos88. Ozturk Eyimaya A, Yalçin Irmak A. relationship between parenting practices and children's screen time during the COVID-19 pandemic in Turkey. J Pediatr Nurs. 2021;56:24-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.10.002
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A literatura é contundente em afirmar que o tempo de tela pode estar associado a riscos negativos entre crianças e adolescentes99. Rocha HAL, Correia LL, Leite AJM, Machado MMT, Lindsay AC, Rocha SGMO, et al. Screen time and early childhood development in Ceará, Brazil: a population-based study. BMC Public Health. 2021;21:2072. doi: https://doi.org/10.1186/s12889-021-12136-2
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. Por outro lado, foi primordial que em tempos de isolamento social as crianças mantivessem contato com amigos e familiares, mesmo que por meio digital, pois o desenvolvimento social, intelectual e autorregulatório das crianças estava potencialmente em risco1010. Goldschmidt K. The COVID-19 pandemic: technology use to support the wellbeing of children. J Pediatr Nurs. 2020;53:88-90. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.04.013
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. Isso resultou em novas reflexões acerca do tempo adequado de tela para uma criança, pois, embora haja riscos ao desenvolvimento e saúde da criança, os pais podem encontrar maneiras de utilizar as telas em benefício de seus filhos, se envolvendo durante o uso de videogames e das experiências on-line e os incentivando a permanecerem fisicamente ativos em frente às telas1111. Winther DK, Byrne J. Rethinking screen-time in the time of COVID-19 [Internet]. UNICEF; 2020 [cited 2022 Apr 11]. Available from: https://www.unicef.org/globalinsight/stories/rethinking-screen-time-time-covid-19
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A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda a não utilização de telas digitais por crianças menores de dois anos1212. Sociedade Brasileira de Pediatria. Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021). Manual de Orientação. Menos Telas Mais Saúde. Rio de Janeiro: SBP; 2019 [cited 2020 Dec 26]. Available from: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
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. Com relação às crianças que possuem entre dois e cinco anos, a orientação é que o uso de telas não ultrapasse o limite de uma hora por dia e que sejam priorizados programas de qualidade, com monitorização dos pais1313. Anderson DR, Subrahmanyam K; Cognitive Impacts of Digital Media Workgroup. Digital screen media and cognitive development. Pediatrics. 2017;140(Suppl 2):S57-S61. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-1758C
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Apesar dessas recomendações, com o início do período pandêmico, evidenciaram-se questionamentos acerca desse aspecto. Anterior à pandemia, os dispositivos eletrônicos eram utilizados em menor proporção e tendiam a ser mais bem supervisionados88. Ozturk Eyimaya A, Yalçin Irmak A. relationship between parenting practices and children's screen time during the COVID-19 pandemic in Turkey. J Pediatr Nurs. 2021;56:24-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.10.002
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. No período pandêmico, a carga de trabalho remota dos pais aumentou e a tela também passou a ser um recurso de acesso à educação básica para as crianças, levando os pais a serem menos restritivos com o tempo e o conteúdo da tela44. Eales L, Gillespie S, Alstat RA, Ferguson GM, Carlson SM. Children’s screen and problematic media use in the united states before and during the covid‐19 pandemic. Child Dev. 2021;92(5):e866-82. doi: https://doi.org/10.1111/cdev.13652
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Compreender as mudanças ocorridas na utilização de telas digitais nos primeiros anos de vida no período pandêmico, segundo a percepção de mães e profissionais da educação, torna-se fundamental para buscar alternativas que possam promover o uso adequado e evitar possíveis danos que o uso excessivo das tecnologias pode causar nas crianças.

Diante do exposto, questiona-se: Qual a percepção de mães e de profissionais da educação acerca da repercussão da pandemia da Covid-19 no uso de telas digitais na primeiríssima infância? Destarte, o presente estudo tem como objetivo identificar a repercussão da pandemia da Covid-19 no uso de telas digitais na primeiríssima infância, na perspectiva de mães e profissionais da educação.

MÉTODO

Estudo qualitativo, descritivo-exploratório, cuja interpretação dos achados foi fundamentada na Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. A teoria se fundamenta nos elementos Processo, Pessoa, Contexto e Tempo (PPCT) que são aspectos inerentes ao desenvolvimento humano. Indica que não se pode separar a Pessoa do espaço que o cerca, isto é, o Contexto, o qual está dividido nos níveis de complexidade Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema1414. Bronfenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011..

O primeiro diz respeito ao ambiente que as pessoas estão inseridas e onde se estabelecem as relações interpessoais com os núcleos de convivência mais próximos (família, professores e amigos); o Mesossistema representa as relações instauradas entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa participa ativamente (por exemplo, família + escola ou serviço de saúde); no Exossistema, a pessoa não participa ativamente deste ambiente, porém pode ter acontecimentos que afetem seu desenvolvimento (comunidade, trabalho dos pais); e o Macrossistema inclui ideologias, valores, culturas, etnias, religiões, formas de governo e acontecimentos históricos no cotidiano dos seres humanos1414. Bronfenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011..

O referencial apresenta que no decurso das interações entre o ser humano e o meio em que vive, há também influencia de fatores externos que interferem no desenvolvimento infantil1515. Coscioni V, Nascimento DB, Rosa EM, Koller SH. Theoretical and methodological assumptions of Bioecological Theory of Human Development: a research with juvenile offenders ate tratment facilities. Psicol. 2018;29(3):363-73. doi: https://doi.org/10.1590/0103-656420170115
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, a exemplo do uso de telas digitais.

Esta pesquisa seguiu os padrões e orientações elencados no COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research), para confirmar o rigor científico-metodológico do estudo1616. Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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O cenário da pesquisa foram as creches de um município localizado no sertão da Paraíba, Brasil. Nessa localidade, a rede de educação infantil possui cinco creches, totalizando 683 matrículas em 2021, que correspondem a crianças com idade entre zero e três anos. No período da coleta de dados, as creches estavam com seu funcionamento presencial suspenso devido às medidas protetivas do período pandêmico de Covid-19.

A seleção dos participantes se deu por conveniência, obedecendo aos critérios de elegibilidade: para as mães, ser mãe de criança de zero a três anos de idade que fizesse uso de telas e que estivesse matriculada em creche; ser maior de 18 anos e ter acesso à internet. Vale salientar que não houve nenhuma exclusão de participantes.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de elegibilidade para as profissionais da educação: ter experiência em sala de aula com crianças de idades entre zero e três anos, tempo de atuação superior a dois anos na creche e ter acesso à internet, não estavam de férias ou licença durante a realização da coleta de dados.

A coleta dos dados ocorreu entre julho e outubro de 2021, na modalidade remota, fazendo uso de ligação telefônica. Previamente foi contatada a gestão das creches, que disponibilizou uma lista com nomes e contatos telefônicos dos profissionais da educação e das mães de crianças matriculadas nas creches. Logo após, foram realizados os contatos a fim de convidá-los a participar do estudo, agendar a entrevista e estabelecer uma interação prévia. Neste momento, a pesquisadora e discente de uma pós-graduação stricto sensu a nível de mestrado, se apresentou e fez uma breve explicação acerca da sua motivação para o estudo, bem como dos objetivos da pesquisa.

A pesquisa foi conduzida pela pesquisadora principal (entrevistadora), que possuía experiência em coleta de dados qualitativa. O teste piloto foi realizado por meio de entrevistas uma semana antes do início da coleta de dados e foi aplicado com dois participantes, contemplando as mães e os profissionais da educação. Essas entrevistas não foram incluídas no banco de dados e todo o processo do teste piloto foi validado por docente com expertise na temática.

Foram realizadas 28 tentativas de contato com as mães das crianças, das quais, 13 não obtiveram êxito, uma não contemplava os critérios de elegibilidade e cinco não concordaram em participar da pesquisa. Ainda, foram convidados 16 profissionais da educação, no entanto, cinco recusaram e cinco não responderam ao contato. Por fim, foram incluídos no estudo nove mães e seis profissionais da educação, sendo cinco professoras e uma monitora.

Os dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas em profundidade, ou seja, aquelas que são flexíveis e dinâmicas e que o pesquisador formula perguntas secundárias para aprofundar a temática em questão. Para viabilizar esse processo, foi utilizado um roteiro semiestruturado, composto por duas partes: caracterização dos participantes e questão norteadora: “Na sua opinião, qual a repercussão da pandemia da Covid-19 para o uso de telas pela criança?”.

Para caracterização das mães, foram coletadas as seguintes informações: codinome, idade, estado civil, número de filhos, idade dos filhos, série e sexo do filho que está matriculado, número de residentes no domicílio, escolaridade, profissão, renda familiar, raça/cor, religião, número de dispositivos com tela na residência, número de pessoas que utiliza dispositivos com tela na residência, tipo de tela mais utilizada pela criança, tempo diário de uso de tela pela criança e dias da semana que faz uso da tela. Para caracterização dos profissionais, tem-se codinome, idade, sexo, profissão, titulação, tempo de experiência profissional no serviço que atua e tipo de vínculo empregatício.

As entrevistas, com duração média de 25 minutos, foram gravadas em aparelho digital e transcritas em sua completude com apoio do Microsoft Office Word® versão 2019. A finalização da coleta das mães e dos profissionais, separadamente, foi baseada no critério de suficiência, quando considera-se que o material empírico possibilita a compreensão do objeto de estudo1717. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014..

A análise dos resultados obedeceu aos preceitos da Análise Temática Indutiva (ATI). Essa técnica é flexível e apresenta seis fases: Familiarização com os dados, que se constituiu na transcrição dos discursos, bem como na leitura e releitura exaustiva das falas; Elaboração de códigos iniciais, que consiste em codificar os aspectos importantes e mais recorrentes nas falas e agrupar os extratos referentes a cada código; Busca por temas, que representa a união dos extratos de códigos interligados em temas em potencial; Revisão dos temas, etapa em que criou-se o mapa temático do estudo com seus subtemas e códigos e se realizou uma checagem minuciosa em todos os extratos; Definição e nomeação dos temas, na qual foi feito um trabalho de adequação dos títulos dos temas, subtemas e códigos; e, por fim, Produção do texto final, fase em que foi feita uma última análise dos discursos selecionados e contemplada a relação desses com a pergunta e objetivo da pesquisa1818. Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006;3(2):77-101. doi: https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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A Teoria Bioecológica estabelece que o desenvolvimento é um processo recíproco, resultante da interação dos vários sistemas que o compõem1414. Bronfenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.. Considerando que a pandemia modificou todos os sistemas elucidados por Bronfenbrenner e, consequentemente, o desenvolvimento humano ocorrido neles, foi possível articular a crise sanitária da Covid-19 com as mudanças nos mesossistemas e nas relações proximais nos microssistemas, com o foco no uso de telas digitais por crianças. Dessa forma, os pressupostos de Bronfenbrenner favoreceram a compreensão da repercussão da pandemia no uso das telas digitais na primeiríssima infância.

O estudo contemplou as diretrizes éticas da Resolução nº 466/2012, que trata de pesquisas com seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer nº 4.736.257. Tendo em vista que as entrevistas ocorreram no formato remoto, os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram remetidos antecipadamente aos colaboradores e proferidos no momento da entrevista, ocasião em que foi requerido o consentimento formal para participação e gravação do áudio, através da sinalização verbal do participante. Com a finalidade de resguardar o anonimato, as mães foram identificadas pela letra “M” e os profissionais da educação pelas letras “PE”, ambas seguidas da numeração cronológica da realização das entrevistas.

RESULTADOS

Participaram do estudo nove mães com faixa etária entre 20 e 36 anos. A maioria das mães possuía dois filhos e vínculo empregatício, porém, apenas duas mulheres tinham renda de dois salários-mínimos, as demais viviam com apenas um salário ou menos. O número de moradores em cada residência variou de duas a cinco pessoas.

Com relação às profissionais da educação, todas eram do sexo feminino, com idade entre 38 e 54 anos. As seis profissionais possuíam vínculo efetivo, com o tempo de experiência profissional nas creches de dois a 11 anos, sendo assim, tiveram a oportunidade de conhecer as crianças no antes do período pandêmico.

A partir dos códigos decorrentes da análise do material empírico, foi construído o tema principal “Uso de telas digitais nos microssistemas e mesossistemas da criança na primeiríssima infância durante a pandemia da Covid-19” (Figura 1).

Figura 1 -
Mapa temático oriundo da Análise Temática Indutiva contendo o tema principal e os subtemas abordados neste artigo. Cajazeiras, Paraíba, Brasil, 2021

Aumento do uso de telas no ambiente doméstico durante a pandemia

Em relação ao tempo que as crianças ficaram expostas às telas durante a pandemia, fica evidente nos discursos que houve um aumento considerável. Devido às normas de distanciamento social implementadas, as crianças não podiam ter atividades presenciais nas creches e também foram impedidas de sair de casa. Por esse motivo, as atividades escolares foram realizadas por meio de telas digitais. Essas também consistiram na principal ferramenta de entretenimento das crianças no ambiente doméstico.

[No início da pandemia] ele não podia ir para a praça, não podia sair, só tinha a televisão para assistir, então ele ficou viciado. Se não fosse a pandemia, a gente ia andar, ia para o parque, praça, balneário, piscina, essas coisas [...] A gente não podia sair, só vivia em casa, então só televisão e celular. (M02)

Antes [da pandemia] minha filha passava o dia na creche, lá ela interagia com outras crianças, brincava, e agora não, agora ela brinca em casa, mas também, muitas vezes, ela fica mais no celular assistindo, até a hora que eu desocupo ou então até a hora que ela vai brincar com alguma outra criança. Então, interferiu muito, porque aí aumentou ainda mais o uso de telas. (M03)

Na medida que a pessoa foi obrigada a ficar em casa, eu acho que aumentou o uso das telas, porque eles enjoam da televisão, enjoam do celular, então você vai mesclando durante o dia para não ficar a mesma coisa. Se não tivesse pandemia, o pequeno iria para a creche e lá é integral. (M06)

Os extratos de dados também apontaram o comportamento das mães em colocar a criança diante das telas, visto que esses aparelhos conquistam a atenção das crianças e as mães conseguem mais tempo para cuidar da casa e/ou trabalhar.

Mais pelo fato dela ficar quieta [com o uso da tela], quando eu estou bastante ocupada, aí ela fica no meu pé atrás de alguma coisa, aí eu digo assim: tome o celular, vá assistir. Aí ali está entretendo, ela, enquanto eu estou fazendo alguma outra coisa. (M03)

Para mim que estou trabalhando home office, é um mal necessário. Eu sei que é errado, eu não gosto, mas para mim é necessário, eles têm que ficar entretidos com alguma coisa [...]. Como eu necessito que eles fiquem quietos para eu poder trabalhar, eu acho que aumentou assim exorbitantemente o tempo que eles passam e a quantidade de telas que eles usam. [...] Na hora que eu estou precisando é ótimo, porque ele fica bem quietinho. (M06)

Às vezes eu não tenho tempo para estar controlando [a criança] direto, aí eu dou o celular para ela se entreter um pouquinho enquanto eu vou cuidar da casa ou de alguma coisa. (M07)

Telas como estratégia pedagógica utilizada pelas creches durante a pandemia

Segundo as profissionais da educação, atividades educativas à distância consistiram no único meio possível para dar continuidade ao ensino das crianças durante a pandemia.

Hoje [o uso de telas] é uma necessidade, se realmente não pudessem ver [as telas] eu não teria como estar exercendo minha profissão desde o ano passado, e eles também estariam desassistidos. Então, o que a gente buscou foi incluir (tela) para que eles não ficassem sem nenhum vínculo com a creche e sem nenhum vínculo com a gente. (PE01)

Porque a gente sabe que isso é uma coisa que existe [o uso de telas], e agora, depois dessa pandemia, a gente não tem como banir isso da nossa vida, porque agora a gente vive em função disso. No momento mando vídeos para as crianças em casa, para eles visualizarem e fazerem alguma atividade junto com os pais. (PE05)

O uso de tela se tornou inevitável em relação ao nosso trabalho, pela experiência agora da questão da pandemia e pelas aulas remotas, a gente percebe que todo trabalho está sendo voltado exclusivamente pelo celular dos pais das crianças. (PE06)

Dificuldades com o ensino remoto

De acordo com as falas das educadoras, o processo de ensino e aprendizagem das crianças com a modalidade remota era algo preocupante, pois a maioria das famílias enfrentava dificuldades financeiras que as impediam de oferecer outro aparelho telefônico ao filho, e, ainda, a própria mudança no formato de ensino trouxe consigo inúmeras incertezas. Também explicitaram entraves na realização das atividades remotas propostas às crianças com suporte dos pais, uma vez que esses tinham pouca disponibilidade e disposição para esta atribuição.

Eu tenho 17 crianças matriculadas e só 11 me mandam retorno e eu só sei o que os pais me mandam. Eu não estou acompanhando, eu não sei como é o dia a dia em casa, como está sendo hoje para eles, o que eu tenho certeza é que hoje está sendo muito mais essa questão de tela. (PE01)

Eu fico imaginando essas crianças agora em tempo de pandemia, porque também têm pais que são tão carentes, que não têm nem condição de ter um celular. Às vezes tem um celular para todas as crianças da casa, tem dois, três filhos que estudam em escolas diferentes. (PE02)

Uma coisa é você mediar o conhecimento presencialmente, outra, é você ter que estar enviando vídeos, como é nosso caso. Para ensinar a atividade, tem que ser também utilizando essas telas, de certa forma, na minha concepção, as crianças ficam muito confusas, porque uma coisa é você está tirando aquela dúvida, você ver a necessidade da criança, outra coisa é você mediar através dessas telas. (PE03)

Em se tratando da pandemia, os pais não estão preparados para acompanhar o filho. A gente manda para os pais através do celular, mas o retorno a gente ainda não tem, de forma concreta [...]. Esse ano houve uma redução muito grande [do aprendizado], porque a gente percebe que eles ainda não identificam o próprio nome, coisa que eles faziam, e isso a gente percebe que não está acontecendo. (PE06)

Quando são as atividades, as coisas da creche, ela não quer, quando fala na creche ela não quer (fazer), mas quando é desenho ela quer [assistir]. Eu digo: pois você vai olhar as coisas da creche - e ela não quer, quer assistir desenho. (M01)

Eu não faço as atividades do grupo que ela [professora] manda, uma por não ter tempo, e porque ele [a criança] não tem paciência de fazer. (M06)

DISCUSSÃO

A pandemia da Covid-19 causou modificação de forma contundente no cotidiano das crianças e do seu núcleo familiar. O fechamento prolongado das creches e o distanciamento social trouxeram repercussões diretas, com privação das atividades ao ar livre e realização de tarefas escolares através de um dispositivo tecnológico, o que contribuiu para aumento significativo do tempo de uso de telas digitais na primeiríssima infância, concordando com estudo realizado na Turquia1313. Anderson DR, Subrahmanyam K; Cognitive Impacts of Digital Media Workgroup. Digital screen media and cognitive development. Pediatrics. 2017;140(Suppl 2):S57-S61. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-1758C
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Em contextos não pandêmicos, as crianças menores de três anos passavam maior parte do seu tempo em creches, cenário potencializador do desenvolvimento infantil, pois permite a elas interagir com seus pares, formar os principais vínculos e receber os estímulos necessários1919. Reichert APS, Santos TL, França DBL, Vieira DS, Soares AR. Surveillance of child development in a daycare center: a study on the maternal perspective. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200434. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0434
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. Essa condição é condizente com Bronfenbrenner1414. Bronfenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011., pois o desenvolvimento infantil acontece a partir da relação da criança com aqueles que representam o contexto proximal ou microssistema (pais, cuidadores e professores), nos diferentes espaços em que ela está inserida e entre eles. Portanto, o afastamento da creche pode resultar em implicações para o seu desenvolvimento.

Ainda há escassez de estudos longitudinais que demonstrem de forma precisa o impacto do afastamento escolar e das restrições decorrentes da pandemia na infância, porém, existem evidências de que o desenvolvimento socioemocional nesta fase poderá ser negativamente afetado devido a esse contexto55. Egan SM, Pope J, Moloney M, Hoyne C, Beatty C. Missing early education and care during the pandemic: The socio-emotional impact of the COVID-19 crisis on young children. Early Child Educ J. 2021;49(5):925-34. doi: https://doi.org/10.1007/s10643-021-01193-2
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A pandemia da Covid-19 também obrigou os responsáveis das crianças a trabalharem em casa, o chamado Home Office. Essa realidade exigiu deles a elaboração de estratégias para cuidar dos filhos em tempo integral e, ainda, cumprir com suas obrigações laborais, sendo as telas a principal estratégia adotada para o entretenimento dos filhos. Portanto, essa realidade pode ter causado impacto nas interações entre os infantes e seus familiares1414. Bronfenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011..

É importante orientar os pais acerca das possibilidades e estratégias para seguirem as recomendações quanto ao uso de telas por crianças, ainda mais perante os desafios impostos com o advento da era digital e, com a pandemia da Covid-19, a fim de evitar danos ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança.

Estudo evidenciou que crianças com 24 e 36 meses expostas a dispositivos com telas apresentaram baixa pontuação em teste de triagem do desenvolvimento realizado aos 36 e aos 60 meses de idade. Destaca-se a influência negativa desse hábito em tempo inadvertido, pois a criança desperdiça as oportunidades de aprimorar suas aptidões motoras e de comunicação2020. Madigan S, Browne D, Racine N, Mori C, Tough S. Association between screen time and children’s performance on a developmental screening test. JAMA Pediatr. 2019;173(3):244-50. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2018.5056
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, bem como pode apresentar modificações no sono, dificuldades de aprendizado e concentração; risco para sobrepeso, e alterações comportamentais, psicológicas e nos diferentes sentidos, como audição e visão2121. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamentos Científicos de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento e de Saúde Escolar. Manual de Orientação. Uso saudável de telas, tecnologias e mídias das creches, berçários e escolas. Rio de Janeiro: SBP; 2019 [cited 2020 Dec 21]. Available from: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21511d-MO_-_UsoSaudavel_Telas TecnolMidias_na_SaudeEscolar.pdf
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Considerando esse cenário, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgou recomendações mais flexíveis quanto ao tempo de uso de telas por crianças, para que elas pudessem se adaptar às condições impostas pelas medidas de distanciamento social. Dentre essas recomendações, destacam-se: que as mídias digitais sejam utilizadas pelas crianças para comunicação e interação com amigos e membros da família, e que as crianças usem o recurso das telas para acessar vídeos ou jogos que estimulem a prática de exercícios físicos, entretanto, é necessário que os pais estejam presentes no momento de uso de telas pelos filhos1111. Winther DK, Byrne J. Rethinking screen-time in the time of COVID-19 [Internet]. UNICEF; 2020 [cited 2022 Apr 11]. Available from: https://www.unicef.org/globalinsight/stories/rethinking-screen-time-time-covid-19
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Por outro lado, no contexto escolar, as instituições educacionais vislumbraram a oferta do ensino a distância, mesmo para crianças pequenas2222. Hoffman JA, Miller EA. Addressing the consequences of school closure due to COVID‐19 on children's physical and mental well‐being. World Med Health Policy. 2020;12(3):300-10. doi: https://doi.org/10.1002/wmh3.365
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,2323. Dellagiulia A, Lionetti F, Fasolo M, Verderame C, Sperati A, Guido A. Early impact of COVID-19 lockdown on children’s sleep: a 4-week longitudinal study. J Clin Sleep Med. 2020;16(9):1639-40. doi: https://doi.org/10.5664/jcsm.8648
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, como oportunidade de prosseguir com as atividades educacionais. No Brasil, apesar da desigualdade social representar um problema nas áreas mais pobres e menos desenvolvidas, onde os moradores enfrentam barreiras para conexão à internet e aos meios digitais2424. Benedito SV, Castro Filho PJ. A educação básica cearense em época de pandemia de Coronavírus (COVID-19): perspectivas e desafios no cenário educacional brasileiro. Rev Nova Paideia. 2020;2(3):58-71. doi: https://doi.org/10.36732/riep.v2i3.58
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, o Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizou a oferta de atividades na modalidade Educação a Distância (EaD), efetivadas pelos educadores por meio de dispositivos tecnológicos2525. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Parecer/CP Nº 5/2020. Reorganização do Calendário Escolar, dispõe sobre a reorganização do Calendário Escolar em razão da Pandemia da COVID-19. Brasília, DF: Ministério da Educação; 2020 [cited 2022 Feb 08]. Available from: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192
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No presente estudo, as professoras apontam preocupações referentes ao aprendizado dos alunos, considerando os obstáculos da EaD, como a incerteza se as atividades estavam chegando para as crianças e se havia realmente um aprendizado sendo possibilitado, já que se tratava de atividades educativas para crianças pequenas. Ainda com relação a isso, segundo alguns relatos das mães, as crianças apresentaram uma resistência com relação ao ensino virtual, ao passo que passavam horas assistindo desenhos, mas não conseguiam ver os vídeos enviados pela escola.

O ensino infantil de forma remota não é capaz de fornecer integralmente as mesmas vivências da modalidade presencial, visto que, no ambiente educacional são utilizadas estratégias interativas e flexíveis na formação pedagógica da criança. Ademais, observa-se dificuldades no âmbito financeiro e psicológico enfrentadas pelos familiares para assegurarem o seguimento das atividades propostas pela instituição de ensino no domicílio2626. Gonçalves EMR, Brito ALFM. Ensino remoto na Educação Infantil em tempos de pandemia: reflexões acerca das novas formas de ensinar. Práxis. 2020;12(1):39-46. doi: https://doi.org/10.47385/praxis.v12.n1sup.3505
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Essa assertiva corrobora estudo realizado na França, o qual constatou mudanças no ensino decorrentes do formato remoto, como menor organização das aulas, instabilidade na rotina dos alunos, dificuldade das crianças menores para conseguir manter a atenção por mais de 20 minutos, sendo necessárias pausas frequentes nos estudos, tendo menor qualidade de aprendizagem, o que explica a não aprovação do ensino remoto pela maioria daqueles participantes (72,2%)2727. Scarpellini F, Segre G, Cartabia M, Zanetti M, Campi R, Clavenna A, et al. Distance learning in Italian primary and middle school children during the COVID-19 pandemic: a national survey. BMC Public Health. 2021;21(1):1035. doi: https://doi.org/10.1186/s12889-021-11026-x
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As telas digitais, ao tempo que podem favorecer o entretenimento, a aquisição de informações e permitir que as crianças aprendam de maneira lúdica, também podem expô-las ao desconhecido e aos perigos sem precedentes2828. United Nations Children's Fund. Growing up in a connected world [Internet]. UNICEF; 2019 [cited 2022 Apr 11]. Available from: https://www.unicef-irc.org/publications/pdf/GKO%20Summary%20Report.pdf
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, incluindo as crianças menores de três anos de idade99. Rocha HAL, Correia LL, Leite AJM, Machado MMT, Lindsay AC, Rocha SGMO, et al. Screen time and early childhood development in Ceará, Brazil: a population-based study. BMC Public Health. 2021;21:2072. doi: https://doi.org/10.1186/s12889-021-12136-2
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, pois, constantemente os cuidadores encontram-se atarefados e cansados devido ao trabalho1313. Anderson DR, Subrahmanyam K; Cognitive Impacts of Digital Media Workgroup. Digital screen media and cognitive development. Pediatrics. 2017;140(Suppl 2):S57-S61. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-1758C
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e oferecem os dispositivos móveis como meio de diversão e distração da criança1212. Sociedade Brasileira de Pediatria. Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021). Manual de Orientação. Menos Telas Mais Saúde. Rio de Janeiro: SBP; 2019 [cited 2020 Dec 26]. Available from: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
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Para além da pandemia, o uso exagerado de telas precisa ser descontinuado ou limitado, uma vez que são deletérios para o desenvolvimento infantil, especialmente durante a primeiríssima infância. Com isso, faz-se necessário que escolas e famílias voltem a reutilizar outros recursos de interação, brincadeiras e socialização, que permitam às crianças oportunidades de promoção do seu desenvolvimento.

A limitação deste estudo se refere ao fato de as entrevistas terem sido realizadas em ambiente virtual, que interferiu de forma negativa na interação da pesquisadora com os participantes, o que pode ter dificultado o consentimento de alguns deles. Cabe destacar que não foi possível realizar a devolução das transcrições aos participantes, devido ao momento pandêmico.

CONCLUSÃO

A pandemia da Covid-19 repercutiu diretamente no uso de telas digitais na primeiríssima infância, com aumento do tempo de exposição da criança, segundo os participantes do estudo.

Embora sejam comumente utilizadas no ambiente doméstico, durante o isolamento social, as telas passaram a ser basicamente o único recurso disponível para auxiliar o ensino das creches, como também, proporcionar interação com os familiares, lazer e distração para as crianças.

Destaca-se que as adequações das creches para assegurar a continuidade do ensino, como a modalidade de ensino remoto, contribuiu para que as crianças estivessem mais expostas às telas, alterando o seu microssistema.

Devido a pouca elucidação da ciência acerca dos impactos, a curto e longo prazos, que o aumento do tempo de exposição às telas por crianças pequenas acarreta prejuízos para sua saúde, esse aspecto deve ser tratado como prioridade pela saúde pública, sob pena de surgir uma geração com problemas no desenvolvimento neuropsicomotor.

O estudo evidenciou o uso indiscriminado de telas por crianças na primeiríssima infância, sendo, portanto, necessária atenção de pais e profissionais da educação quanto ao tempo de uso de telas por crianças, a fim de evitar danos ao desenvolvimento infantil.

Sugere-se a realização de estudos longitudinais para investigar o real impacto do uso de dispositivos com telas por crianças menores de três anos, a fim de buscar caminhos para minimizar os seus efeitos negativos.

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  • Contribuição de autoria:

    Análise formal: Paloma Karen Holanda Brito, Anniely Rodrigues Soares, Iolanda Carlli da Silva Bezerra, Lucas Pereira Reichert, Altamira Pereira da Silva Reichert. Conceituação: Paloma Karen Holanda Brito, Altamira Pereira da Silva Reichert. Curadoria de dados: Paloma Karen Holanda Brito, Escrita - rascunho original: Paloma Karen Holanda Brito, Anniely Rodrigues Soares, Iolanda Carlli da Silva Bezerra, Lucas Pereira Reichert, Nathanielly Cristina Carvalho de Brito Santos, Neusa Collet, Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos, Altamira Pereira da Silva Reichert. Escrita - revisão e edição: Nathanielly Cristina Carvalho de Brito Santos, Neusa Collet, Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos, Altamira Pereira da Silva Reichert. Investigação: Paloma Karen Holanda Brito, Altamira Pereira da Silva Reichert. Metodologia: Paloma Karen Holanda Brito, Altamira Pereira da Silva Reichert. Supervisão: Nathanielly Cristina Carvalho de Brito Santos, Neusa Collet, Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos, Altamira Pereira da Silva Reichert. Visualização: Nathanielly Cristina Carvalho de Brito Santos, Neusa Collet, Paula Fernanda Brandão Batista dos Santos, Altamira Pereira da Silva Reichert.

Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2023
  • Aceito
    02 Ago 2023
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