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ENUNCIADOS EM PROPOSTAS DE ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO EM CURSOS DE FÍSICA A DISTÂNCIA: PARA ALÉM DOS CONTEÚDOS, OS DISCURSOS.

TEACHING-RESEARCH-EXTENSION PROPOSALS’ STATEMENTS IN EDUCATIONAL PROJECTS IN DISTANCE PHYSICS COURSES: BEYOND THE CONTENT, THE SPEECHES.

ENUNCIADOS EN PROPUESTAS DE ENSEÑANZA-INVESTIGACIÓN-EXTENSIÓN EN CURSOS DE FÍSICA A DISTANCIA: MÁS ALLÁ DE LOS CONTENIDOS, LOS DISCURSOS.

RESUMO:

Objetivando analisar a articulação entre ensino, pesquisa e extensão em projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Física EaD, são apropriados quatro aportes teóricos do referencial discursivo de Michel Foucault: a delimitação da formação discursiva; a descrição dos enunciados; as práticas discursivas e as não discursivas: relações de saber/poder; e a cena enunciativa e a prática social. Nos documentos analisados, identificaram-se 57 enunciações e seis formações discursivas (funcionalista, humanista, legalista, tecnicista, pedagógica e política), a partir das quais se descreveram e discutiram enunciados, relações de saber/poder e práticas concretas, além da multiplicação dos discursos. As análises indicam que aquela articulação é fragilizada e não se sustenta discursivamente como princípio fiador da qualidade e autonomia universitária, fundante em suas funções na construção e disseminação do conhecimento.

Palavras-chave:
Ensino-pesquisa-extensão; Enunciados; Projetos pedagógicos.

ABSTRACT:

Aiming to analyze the relationship between teaching, research and extension in distance learning bachelor’s degree programs in Physics, we take four theoretical contributions by the discursive framework of Michel Foucault: discursive formation delimitation; statements’ description; discursive and non-discursive practices: knowledge/power relations; and expository scene and social practice. In bachelor degree program’s projects, we identified 57 utterances and six discursive formations (functionalist, humanistic, legalistic technical, pedagogical and political), from which were described and discussed statements, relations of power/knowledge and concrete practices, and the multiplication of speeches. The analysis indicate that this relationship is weak and does not hold discursively as guarantor of the principle of quality and autonomy, founding their roles on the construction and dissemination of knowledge.

Keywords:
Teaching-research-extension; Statements; Pedagogical projects.

RESUMEN:

Con el objetivo de analizar la articulación entre enseñanza, investigación y extensión en proyectos pedagógicos de cursos de licenciatura en Física EaD, son apropiados cuatro aportes teóricos del referencial discursivo de Michel Foucault: la delimitación de la formación discursiva; la descripción de los enunciados; las prácticas discursivas y las no discursivas: relaciones de saber/poder; y la escena enunciativa y la práctica social. En los documentos analizados, fueron identificadas 57 enunciaciones y seis formaciones discursivas (funcionalista, humanista, legalista, técnica, pedagógica y política), a partir de las cuales fueron descritos y discutidos enunciados, relaciones de saber/poder y prácticas concretas, además de la multiplicación de los discursos. Los análisis indican que aquella articulación está fragilizada y no sostiene discursivamente como principio fiador de la cualidad y autonomía universitaria, fundante en sus funciones en la construcción y diseminación del conocimiento.

Palabras clave:
Enseñanza-investigación-extensión; Enunciados; Proyectos Pedagógicos.

1. INTRODUÇÃO

São multifacetados os fatores que influenciam a educação: políticas, financiamento, aspectos culturais, estrutura, gestão, conjunções sociais e de escolarização da população e, entre outros, as circunstâncias dos professores - formação e carreira, remuneração e condições profissionais etc. (GATTI, 2010GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.). Dentre eles, uma componente integra objeto de interesse particular: a formação inicial de professores de Física para a educação básica no Brasil, nas manifestações e desdobramentos de seus diversos e complexos espaçostempos.

Os trabalhos que investigam o estado do conhecimento da pesquisa nesse campo (ANDRÉ et al., 1999ANDRÉ, M. E. D. A.; SIMÕES, R. H. S.; CARVALHO, J. M.; BRZEZINSKI, I. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, p. 301-309, dez. 1999.; ANDRÉ, 2009ANDRÉ, M. E. D. A. A produção acadêmica sobre formação docente: um estudo comparativo das dissertações e teses dos anos 1990 e 2000. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores. Autêntica, v. 1, n.1, p. 41-56, ago./dez. 2009.; 2010ANDRÉ, M. E. D. A. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação. Porto Alegre: PUC/ RS, v. 33, p. 6-18, 2010.; ROMANOWSKI, 2002ROMANOWSKI, J. P. Licenciaturas no Brasil: um balanço das teses e dissertações (1990- 1998). 2002. 132 f. Tese de Doutorado (Faculdade de Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.; 2012ROMANOWSKI, J. P.. Apontamentos em pesquisas sobre formação de professores: contribuições para o debate. Revista Diálogo Educacional (PUCPR), v.37, p. 905-924, 2012.; SALEM, 2012SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em Ensino de Física no Brasil. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2012.) permitem notar que, embora numerosas e crescentes as pesquisas e publicações correlatas, não há registros de análises sistematizadas sobre as articulações entre os projetos pedagógicos e a produção/disseminação de saberes na formação de professores em Física; ou, em outros termos, sobre como se organiza, se relaciona e que efeitos produz o projeto pedagógico na construção dos conhecimentos e no ensino do curso.

Como se sabe, a formação de professores no Brasil é realizada em instituições de ensino superior, por meio de cursos de licenciatura (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996.). Os respectivos currículos, programas de pesquisa e atividades de extensão devem ser registrados em um projeto pedagógico que é definido pelo Ministério da Educação do Brasil como o

documento orientador de um curso que traduz as políticas acadêmicas institucionais com base nas DCNs {Diretrizes Curriculares Nacionais}. {...} é composto pelos conhecimentos e saberes necessários à formação das competências estabelecidas a partir de perfil do egresso; estrutura e conteúdo curricular; ementário; bibliografia {...}; estratégias de ensino; docentes; recursos materiais; laboratórios e infraestrutura de apoio ao pleno funcionamento do curso (BRASIL, 2012BRASIL. Instrumento de avaliação de cursos de graduação - bacharelados, licenciaturas e cursos superiores de tecnologia (presencial e a distância). Brasília, DF: MEC/INEP, 2012., p. 32).

Aproximando-se dessa perspectiva, Veiga (2003VEIGA, I. P. A. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória?. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro2003., p. 271) o define como o “documento programático que reúne as principais idéias, fundamentos, orientações curriculares e organizacionais {...} de um curso”, a que cabe “definir intencionalidades e perfis profissionais, decidir sobre os focos decisórios do currículo (objetivos, conteúdos, metodologia, recursos didáticos e avaliação)”.

Do ponto de vista das teorias curriculares, pela visão pós-crítica, o currículo tem caráter emancipatório e está voltado para a mudança de paradigmas, sustentando-se fortemente no rompimento com lógicas positivistas, tecnocráticas e racionalistas, no compromisso com o multiculturalismo e sua democratização, bem como com a forte vinculação às relações de saber/poder e do reforço a aspectos como identidade, subjetividade, cultura, gênero, etnia, raça e sexualidade (SILVA, 2010SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.).

Por essa perspectiva, o currículo não tem forma predefinida e não distingue o objeto de sua trama linguística, o que endossa as abordagens do projeto pedagógico (como expressão curricular) em viés foucaultiano, considerando a intrínseca relação entre as formações discursivas e a constituição dos sujeitos e de sua subjetividade.

Na conformação de todas essas apreensões, considera-se o projeto pedagógico como a integração de bases legais, abordagens teóricas e metodológicas, atividades formativas, competências previstas aos egressos, critérios de avaliação de um curso e documento de constituição de identidade. Em seu conteúdo, encontram-se determinadas regularidades textuais (ordenação, similaridades, associações, posicionamentos, lógicas e evoluções), inscritas em relações contextuais, que expressam visões e intenções de seus pronunciantes (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.). Ao propor diretrizes de formação de professores, esse documento estabelece a ordem do discurso, o legitimamente dizível e aceito no respectivo campo de saberes, recuperando e inscrevendo conceitos, modelos, tendências, divergências, práticas, progressos, sucessos, retrocessos e vicissitudes.

Admite-se, assim, que as instituições de ensino superior consideram e legitimam o projeto pedagógico como efetivo instrumento de organização do curso. Mesmo que não o fizessem, a mera reprodução de modelos, tendências e diretrizes legais ou a sua eventual concepção proforma ou, ainda, a omissão de perspectivas/práticas constituiriam formas não gratuitas de se posicionar e, de igual modo, corresponderiam ao interesse de melhor compreender a formação de professores de Física.

Entende-se, portanto, que investigar o projeto pedagógico de um curso de licenciatura constituiria meio de compreensão da formação do professor por ele orientada. De igual modo, a análise de um conjunto deles proporcionaria uma visão panorâmica sobre o domínio formativo a que se afiliam. Essa vinculação tem sido, amiúde, retórica de variadas correntes disciplinares, orientações teóricas e abordagens no campo de pesquisa da educação, como nos trabalhos de Alves (1992ALVES, N. (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.), Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003RAMALHO, B. L.; NUÑEZ, I. B.; GAUTHIER, C. Formar o professor, profissionalizar o ensino. Porto Alegre: Sulina, 2003), Tardif e Lessard (2005TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes , 2005.), Gelamo e Lima (2005GELAMO, R. P.; LIMA, M. M. Notas (Filosóficas) Sobre o Problema da Formação de Professores. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, Brasília, n. 5, nov.2005/abr.2006, 2005.) e Gatti (2009GATTI, B. A. Atratividade da carreira docente no Brasil. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2009.; 2010GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.).

Essa perspectiva de análise demanda a exploração de como significam os projetos pedagógicos, visando compreender, para além da constituição, que efeitos produzem na constituição dos conhecimentos e na operação do ensino nos respectivos cursos.

Nesta abordagem, com vistas à relevância e homogeneidade no estrato investigado, foram selecionados cursos de Física na modalidade EaD e foram adotados seguintes critérios: a) o seu caráter estratégico para a formação em ciências no Brasil, marcado pelo binômio demanda-potencial de inovação, que se caracterizam, respectivamente, pela necessidade de formação de professores na área e pelo potencial de inovação associado ao ensino mediado por tecnologias; e b) pela contemporaneidade da criação dos cursos, que compartilham elementos contextuais do domínio homogêneo de políticas de expansão da educação superior a que se associam1 1 No ano de 2014, que foi parâmetro para a eleição da amostra desta pesquisa, a oferta de cursos de licenciatura em Física EaD deu-se, exclusivamente, nas instituições públicas de ensino superior. .

Essa focalização corrobora com a intencionalidade de investigar como é produzido e ensinado o conhecimento na Física, no âmbito público, agregando ao campo do Ensino de Física a análise da formação de professores em EaD.

Ao firmar a indissociabilidade entre discurso e prática social concreta, o referencial discursivo de Michel Foucault (2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.) subsidia a análise de um documento educacional, em sua condição de discurso, a propósito da investigação das práticas nele e por ele postas em funcionamento. Essa mesma perspectiva contribui para o afastamento da dicotomia entre o discurso e uma suposta realidade2 2 Conceito derivado do idealismo, “concepção filosófica segundo a qual existe uma realidade exterior, determinada, autônoma, independente do conhecimento que se pode ter sobre ela. O conhecimento verdadeiro, na perspectiva realista, seria então a coincidência ou correspondência entre nossos juízos e essa realidade {...} Quando certos filósofos idealistas se perguntam sobre a realidade do mundo exterior, estão se perguntando se o mundo possui uma existência efetiva exterior a nosso pensamento ou se não passa de um conjunto de representações de nosso pensamento” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 162-163). , muito presente e até dominante no senso comum.

A não polarização entre discurso e prática concreta sustenta a abordagem de discursos educacionais (em suas materialidades documentais) - com base em objetivos e referencial teórico específicos, em sua inscrição histórica e em sua cultura - como estratégia de orbitar em formações discursivas correlatas, descrever enunciados, explorar sentidos, investigar, dentre as práticas discursivas e as práticas não discursivas, relações de saber/poder imanentes e, notadamente, expandir as fronteiras de compreensão de práticas concretas operadas nesses e por esses discursos (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.).

O projeto pedagógico é uma modalidade de discurso, visto tratar-se de um documento que dá lugar a um conjunto de enunciados pertencentes a determinada formação discursiva, que tem caráter histórico, movimenta relações de saber/poder e, sobretudo, é produzido por e promotor de práticas concretas, materializadas pelas e nas ações de formação do curso nele fundamentadas.

Pelo referencial discursivo de Foucault, analisar projetos pedagógicos de cursos superiores não corresponderia a investigar o que significam, isto é, como se constituem e se organizam os seus conteúdos, de que intenções se revestem e quais significados produzem, explícita ou ocultamente. Esse seria o objeto primeiro de pesquisas fundamentadas em outros campos teóricos ou metodológicos, a exemplo da análise de conteúdo (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.). Na perspectiva foucaultiana, a análise desses projetos pedagógicos de cursos voltar-se-ia para a investigação do modo como significam esses documentos, objetivando-se abranger o vasto e complexo feixe de relações certamente imbricadas no discurso.

A obra de Foucault sobre o discurso não se encarrega do estabelecimento de uma metodologia nem tampouco de protocolos de uso de suas apreensões. Há nela um conjunto de abordagens, fundamentos e indicativos teóricos suscetíveis de apropriação ao objeto da análise do discurso, que, em sua condição de prática concreta, movimenta um multifacetado campo de relações.

Uma detida análise do discurso exploraria, para cada enunciado de interesse, a sua descrição, as formações discursivas em que se apoia, as práticas discursivas e não discursivas correlacionadas e as relações de saber/poder relativas. Essa complexa coletânea de subprocessos permite julgar demasiado pretensioso o intento de proceder a uma análise plurifocalizada - por assim dizer, tematicamente difusa - do discurso de projetos pedagógicos. Há, por essa razão, que se limitar o escopo da abordagem.

Em estudos recentes (FERREIRA; LOGUERCIO, 2016FERREIRA, M.; LOGUERCIO, R. Q. Análise de Competências em Projetos Pedagógicos de Licenciatura em Física a Distância. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. v. 16, n. 2, p. 389-419, mai./ago., 2016.), exploraram-se projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Física EaD nas instituições públicas de ensino superior, procedendo-se à análise de seus conteúdos. Como principais resultados daqueles estudos, além da evidenciação das classes textuais representativas de conteúdos dos projetos pedagógicos dos cursos (particularmente, as competências previstas para os egressos e os seus respectivos currículos), foram obtidas quatro evidências decorrentes da vinculação às perspectivas da racionalidade técnica: (i) a centralidade às competências previstas para os egressos dos cursos; (ii) a segregação entre conhecimento e ensino; (iii) a dissociação entre ensino, pesquisa e extensão; e (iv) a aproximação dos currículos às perspectivas curriculares tradicionais.

Ao converter o olhar para a análise de discurso, pode-se identificar que as quatro evidências descritas são outros modos de reatualizar enunciados e enunciações3 3 Compreende-se a enunciação como um ato de fala ou de escrita. Para Foucault (2014, p. 123), “{...} há enunciação cada vez que um conjunto de signos for emitido”. antigos, recorrentes e imbricados em discursos historicamente estabelecidos e fortalecidos. Assim, para além da útil e importante hermenêutica dos documentos, há que se considerar o discurso sobre educação e ciência, datado e tradicional, como se pode depreender das respectivas análises de conteúdo: trata-se de trazer à cena analítica o que escapa ao conteúdo textual, aparecendo e reforçando-se nas práticas discursivas e não discursivas. Nesse sentido, explorar o como significa determinado discurso exige uma estratégica confluência da referência teórica com os estudos de discursos.

As quatro evidências citadas indicam, objetivamente, práticas concretas constituintes do e constituídas pelo discurso dos projetos pedagógicos dos cursos e, assim, contribuem para a limitação do escopo de uma exploração discursiva na perspectiva de Foucault. Tais evidências, contudo, não serão apreendidas neste trabalho como definitivas, mas como elementos indicativos das práticas discursivas de que derivam. As descrições de alguns dos enunciados que as respaldam têm a potência de ampliar, como já sugerido, as fronteiras de compreensão da formação discursiva em que se assentam essas práticas, além de fornecer indicativos de relações de saber/poder orquestradas nos e pelos respectivos discursos.

O interesse desta pesquisa, que se situa no campo de estudo da educação em ciências, é, assim, explorar (com efeito multiplicador) os discursos relativos a projetos pedagógicos de cursos públicos de licenciatura em Física EaD, ofertados no ano de 2014, tomando-se por referência uma das já anunciadas evidências: a dissociação entre ensino, pesquisa e extensão.

A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é um princípio universitário estabelecido na vigente Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out.1988.), que foi historicamente conquistado e mantido como meio de sustentação da autonomia (MACIEL, 2010MACIEL, A. S. O Princípio da Indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão: um Balanço do Período 1988-2008. Tese de Doutorado. Universidade Metodista de Piracicaba. Faculdade de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Educação, Piracicaba, SP, 2010.). Como princípio, tornou-se subsídio à garantia da qualidade da educação superior e limitador de interesses estranhos e dependências, eventualmente impostos à universidade, no exercício de suas funções típicas de produção e de difusão do conhecimento (CATANI; OLIVEIRA, 2002CATANI, A.; OLIVEIRA, J. A educação superior. In: OLIVEIRA, R.; ADRIÃO, T. (Orgs.). Organização do ensino no Brasil: níveis e modalidades na Constituição Federal e na LDB. São Paulo: Xamã, 2002.).

Pretende-se apropriar de Foucault aportes teóricos de análise, que permitam a investigação explorativa da formação do professor de Física, a partir desse tema central, em sua respectiva ordem do discurso.

2. DISCURSO E ENUNCIADO NA PERSPECTIVA DE FOUCAULT

Tratar de discurso na perspectiva de Foucault, em qualquer de seus desdobramentos, seria inequivocamente uma refuta, um verdadeiro exercício de desprendimento do ideal de conceito de estreita interpretação, definitivo, unívoco ou óbvio. Não corresponderia à perseguição de uma verdade lapidável ou de um sentido definitivo de determinada coisa (dita ou escrita), suposta e intencionalmente ocultos e dissimulados, mas a explorá-lo no nível da existência das palavras e no âmbito de sua complexidade (FOUCAULT, 1996FOUCAULT, M. Entrevista com Michel Foucault, por Sérgio P. Rouanet e J. G. Merquior. In: FOUCAULT, M. et al. O homem e o discurso: a arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1996.; 2012FOUCAULT, M. Estratégias, poder-saber. Ditos & Escritos IV. Trad.: Vera Lúcia Avelar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.; 2014).

Nessa perspectiva, não há, no discurso, desinências a ser explicitadas, mas enunciados e relações nele constituídos e por ele postos em funcionamento. Assim, analisá-lo compreenderia investigar produções históricas, relações políticas e práticas sociais concretas, construídas e construtoras do que se convencionou a chamar de realidade.

Essa visão do discurso como prática social fica assinalada na seguinte passagem de A arqueologia do saber:

{...} gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. {...} não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse “mais” que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 59-60).

É robusta e central a materialidade dada por Foucault, em toda a sua obra, ao discurso como prática social, sempre imbricado em relações de saber/poder. O discurso não se apresenta apenas como uma articulação textual destinada a expressar um sentido qualquer, explícito ou oculto, mas comovum vetor de regularidades e relações intrínsecas a ele e também por ele próprio postas em funcionamento, definindo assim uma rede conceitual cujas regras de formação não se encontram em poder dos indivíduos, mas impostas aos interlocutores de determinado campo discursivo (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.).

Em A arqueologia do saber (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.), maior foi a preocupação de Foucault em dizer em que não se constituem determinadas conceitos do que propriamente em defini-los. Isso precisamente para que as suas conexões fossem adequadamente explicitadas, evitando-se assim os postulados tautológicos e, até mesmo, equivocados. Contudo, dentre as muitas definições apresentadas para discurso na obra, uma foi nuclear: “chamaremos de discurso um conjunto de enunciados que se apoiem na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 143).

Para os enunciados, a propósito, Foucault não se propôs à definição pragmática e circunstancial. Tal iniciativa de fato não se sustentaria, senão pelo expediente de um jogo incerto de noções, do que resultaria o estreitamento e a vulgarização de sentidos e a multiplicação de lacunas e incertezas. Em suas próprias palavras:

Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critérios estruturais de unidade; é que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço. É essa função que é preciso descrever agora como tal, ou seja, em seu exercício, em suas condições, nas regras que a controlam e no campo em que se realiza (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 105).

Foucault, assim, não negligencia nenhuma possibilidade ou forma de constituição e associação de enunciados; antes, descreve-os no campo do discurso e sob a perspectiva das relações a que são suscetíveis. A discussão sobre enunciado dá-se em âmbito discursivo - e não sub-repticiamente conceitual -, considerando-o função enunciativa que encerra a condição de existência e de materialidade dos significados do discurso.

O não enquadramento dos enunciados a uma lei específica de formação o aproxima mais de uma perspectiva funcional do que de uma acepção ontológica, como se pode constatar na apreensão de que:

o enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles “fazem sentido” ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita) (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 105).

O enunciado, que sempre se apoia em um conjunto de signos para existir, é uma função caracterizada por quatro elementos básicos (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.): (i) um referente (um princípio de identificação e diferenciação); (ii) um sujeito (uma posição potencial, ocupável sob determinadas condições); (iii) um campo associado (domínio de coexistência para outros enunciados); e (iv) uma materialidade específica (um status, formas concretas de aparição, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização).

Descrever um enunciado seria, assim, especificar seus referentes, seus sujeitos, seus campos associados e suas materialidades específicas, apreendendo-o como um acontecimento localizado, cultural e historicamente inscrito. A sua alocação em um domínio de enunciados conexos dar-se-ia na hipótese de seus comuns pertencimentos a determinada formação discursiva4 6 “{...} o que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?” (FOUCAULT, 2012, p. 42). , sobre o que Foucault faz notar que:

no caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhantes sistemas de dispersão e no caso em que, entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva (...). Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos, modalidades de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). As regras de formação são condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 47).

Há uma relação comutativa entre enunciado e formação discursiva: “a análise do enunciado e da formação discursiva são estabelecidas correlativamente”, dado que “a lei dos enunciados e o fato de pertencerem à formação discursiva constituem uma única e mesma coisa» (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 143). Ao demarcar uma formação discursiva, algo se revela sobre os enunciados; ao descrever enunciados, uma determinada formação discursiva é individualizada.

Três aspectos em Foucault (2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.) são fundamentais à imersão nos conceitos de enunciado em perspectiva discursiva: (i) a afirmação de que “uma sequência de elementos linguísticos só é enunciado se estiver imersa em um campo enunciativo em que apareça como elemento singular” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 120); (ii) a noção de que um enunciado pode ser replicado indefinidas vezes, tendo-se que cada repetição em um distinto campo institucional de formação discursiva constitui únicas e distintas formas de enunciação; e (iii) a ideia de o enunciado não constituir, em si, um sentido, mas de operá-lo em determinada função enunciativa. Da articulação desses três aspectos, é possível admitir o enunciado como uma unidade de significação discursiva irredutível, cuja possível repetição é sempre ambientada em condições restritas, operando, assim, sentido em determinada formação discursiva. Foucault metaforiza enunciado como “o átomo do discurso” (2014, p. 96), um átomo regido pelo princípio da incerteza de Heisenberg, é claro.

A definição dada por Foucault ao discurso (conjunto de enunciados de mesma formação discursiva) requereu dele demonstrar que a formação discursiva é “princípio de dispersão e de repartição” dos enunciados (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 131). Nos domínios de tal dispersão e repartição, estabelece-se o dizível em determinado campo, conforme a posição ocupada por determinado sujeito, reconhecendo-se os pronunciantes do discurso pelas significações compartilhadas. Assim, os denominados atos ilocutórios (ou enunciativos) estariam circunscritos a formações discursivas sustentadas em determinado regime de verdade, obedecendo a um conjunto de regras e reafirmando verdades historicamente estabelecidas, “radicalmente amarradas às dinâmicas de poder e saber de seu tempo” (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 114, p. 197-223, 2001., p. 204).

A prática discursiva, para Foucault, não é a singular expressão de um pensamento, mas um ato imbricado em determinado regime de regras e de exposição das relações inseridas em um discurso. Trata-se de

{...} um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 144).

Em uma formação discursiva, determinado enunciado pode ser, “ao mesmo tempo, não visível e não oculto” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 133). Por mais dispersa que possa ser a apreensão de um enunciado, há que se considerar que ele se inscreve em questões particulares de um contexto, reparte-se segundo outros enunciados de determinadas formações discursivas e se relaciona com enunciados de outros discursos.

Ora, por mais que o enunciado não seja oculto, nem por isso é visível; ele não se oferece à percepção como portador manifesto de seus limites e caracteres. É necessária uma certa conversão do olhar e da atitude para poder reconhecê-lo e considerá-lo em si mesmo (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 135).

Essa conversão do olhar e da atitude se direciona e se materializa na interrogação do discurso, para dele compreender o que se diz, não os referentes ou significados eventualmente reprimidos. Ao se apropriar da análise discursiva na perspectiva foucaultiana, a investigação de um fenômeno ou de um objeto se orienta à tentativa de compreender como o discurso é produzido, situando-o em seu próprio e em diversos outros campos discursivos, e o que determina a existência de determinado enunciado.

Ao invés de buscar explicações lineares de causa e efeito ou mesmo interpretações ideológicas simplistas, ambas reducionistas e harmonizadoras de uma realidade bem mais complexa, aceitar que a realidade se caracteriza antes de tudo por ser belicosa, atravessada por lutas em torno da imposição de sentidos (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 114, p. 197-223, 2001., p. 205).

Esboçar a forma de funcionamento de um discurso é, em dada formação discursiva, ater-se a respectivos enunciados e colocá-los em relação a outros, do mesmo campo ou de campos discursivos distintos. “É perguntar: por que isso é dito aqui, deste modo, nesta situação, e não em outro tempo e lugar, de forma diferente?” (FISCHER, 2001FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 114, p. 197-223, 2001., p. 205). Expandir o alcance de relações de um discurso é atravessá-lo em seu surgimento, sua descontinuidade e sua transformação, reconhecendo o muito do que para ele é campo de influência e de determinação

A análise de projetos pedagógicos na perspectiva foucaultiana (em suas condições de discursos) é, assim, uma análise da materialidade que caracteriza e evidencia enunciados em seu tempo, em determinada regularidade discursiva e em constituídas redes de saber/poder. Defende-se, assim, que o projeto pedagógico de um curso imprime identidade a um conjunto de enunciados de formação discursiva comum (isto é, indicativos de um ou de mais discursos de um mesmo plano), do qual se poderiam extrair determinadas regularidades (ordenação, similaridades, associações, posicionamentos, lógicas e evoluções), que são, em síntese, a manifestação, explícita e implícita, de uma prática social e a expressão da visão de mundo de seus enunciadores.

3. A ANÁLISE DE ENUNCIADOS EM PROJETOS PEDAGÓGICOS DE CURSOS

Mesmo não sendo factível estabelecer uma matriz inapelável de análise de enunciados, a obra de Foucault sobre discurso permite a assunção de alguns aportes teóricos de exploração da coisa dita como um objeto de arqueologia5 5 Esta pesquisa enquadra-se teoricamente na fase arqueológica da obra de Foucault, considerando por arqueologia: “{...} uma análise comparativa que não se destina a reduzir a diversidade dos discursos nem a delinear a unidade que deve totalizá-los, mas sim a repartir sua diversidade em figuras diferentes. A comparação arqueológica não tem um efeito unificador, mas multiplicador” (FOUCAULT, 2014, p. 195). . Neste trabalho, são propostas quatro dimensões de análise de enunciados:

3.1. A delimitação da formação discursiva

Tendo-se por pressuposto que o discurso é produzido por e produtor de relações históricas de saber/poder e embates políticos gestados em práticas sociais concretas, o primeiro aporte de análise do discurso em visão foucaultiana surge em uma afirmação inscrita na obra A Ordem do Discurso:

{...} suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012., p. 8-9).

Delimitar determinada formação discursiva corrobora com o efeito multiplicador dos discursos a ela relacionados, não se limitando, portanto, a descrever os respectivos mecanismos de existência, de controle ou de reprodução. Nessa perspectiva, o escrutínio de um discurso impõe a descrição dos diversos enunciados que o inserem e o legitimam em determinada formação discursiva, em seu tempo histórico e em sua materialidade, e não apenas a descrição, a exemplificação, a ilustração e a interpretação de um conteúdo discursivo.

Segundo Foucault (2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 56):

As relações discursivas, como se vê, não são internas ao discurso: não ligam entre si os conceitos ou as palavras; não estabelecem entre as frases ou as proposições uma arquitetura dedutiva ou retórica. Mas não são, entretanto, relações exteriores ao discurso, que o limitariam ou lhe imporiam certas formas, ou o forçariam, em certas circunstâncias, a enunciar certas coisas. Elas estão, de alguma maneira, no limite do discurso: oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou antes (pois essa imagem da oferta supõe que os objetos sejam formados de um lado e o discurso, do outro), determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisá-los, classificá-los, explicá-los etc. Essas relações caracterizam não a língua que o discurso utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio discurso enquanto prática.

A delimitação da formação discursiva em que se assentam projetos pedagógicos de curso deve considerar o intercruzamento das diversas enunciações e dos múltiplos discursos que se constituem em e por esses documentos. Uma enunciação - por exemplo, “o professor deve ser um agente da transformação social” - pode conceber e construir significações distintas, a depender da formação discursiva em que se inserir. Essa enunciação tomada por exemplo poderia fazer parte de um discurso político (o do professor como um dos responsáveis pela transformação social), de um discurso pedagógico (o do professor como mediador do processo de transformação social), de um discurso utilitário (o do professor como um técnico com competências específicas), de um discurso humanista (o do professor como alguém a quem foi confiada a tarefa de promover a transformação humana e, consequentemente, social), de um discurso acrítico (o do professor como o responsável definitivo pela transformação social), entre outros tantos. Isso, a que Foucault trata como efeito multiplicador dos discursos, é produto do estudo das formações discursivas e constitui uma das dimensões de análise de enunciados.

3.2. A descrição dos enunciados

O segundo aporte de análise proposta relaciona-se à descrição de enunciados relevantes ao objeto de investigação, considerando-se o referencial teórico da pesquisa. Na perspectiva foucaultiana, o analista dos enunciados deve tomar o discurso no nível de sua existência e orientar-se pelos dois seguintes princípios: primeiramente, o abandono do simplismo e das obviedades na atribuição de significados e, em segundo plano, a complexificação entre o sentido tomado e o pretenso significado (FISCHER, 2013FISCHER, R. M. B. Foucault. In: OLIVEIRA, L. A. (Org.). Estudos do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.).

A partir desses princípios, é possível considerar, no compêndio da correlata obra de Foucault, três fundamentos para a análise de discursos na concepção do filósofo: (i) a inscrição histórica e a materialidade dos enunciados; (ii) a irrevogável condição de prática social atribuída ao discurso; e (iii) as disputas por poder imbricadas na e pela constituição dos sujeitos dos discursos (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.).

Analisar enunciados em perspectiva discursiva é, para Foucault, investigar a “constituição de campos de saber e de regimes de verdades” (FISCHER, 2013FISCHER, R. M. B. Foucault. In: OLIVEIRA, L. A. (Org.). Estudos do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2013., p. 127). A forma de operação dessa análise é aberta, mas pertencente a um domínio teórico: contrapõe, assim, a requerida flexibilidade à necessidade de fundamentação e rigor analíticos no trato com a enunciação.

A descrição do enunciado efetiva-se em quatro aspectos (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.): (i) o reconhecimento do princípio de identificação e diferenciação (referente); (ii) a determinação da posição potencial dos sujeitos do discurso; (iii) a descrição do domínio de coexistência de outros enunciados (campo associado); e (iv) a delimitação das condições de aparição (materialidade).

Trata-se, assim, de identificar, nos enunciados, os seus objetos, os seus interlocutores (não os sujeitos, mas as posições a ser ocupadas, por sujeitos quaisquer, para proferir legitimamente determinado discurso), os outros enunciados ou discursos correlatos e as formas concretas (os meios e as condições tradicionais) de sua existência.

Na análise do discurso em um projeto pedagógico de curso, à guisa do interesse primeiro de multiplicar os discursos, é possível identificar alguns enunciados com referentes associados aos interesses da pesquisa (com base em determinado referencial teórico) e descrevê-los (identificar sujeitos, domínios de coexistência e condições de existência).

Embora não haja um protocolo de procedimentos a ser adotado, há definidos aspectos de ordem geral a ser observados pela analítica do discurso em perspectiva foucaultiana: (i) a existência de diferentes enunciações em determinado discurso; (ii) a não redutibilidade da análise do discurso à interpretação textual; (iii) a refutação à concepção de que os discursos inscrevem conteúdos ocultos e verdades a ser revelados pelos analistas; (iv) a não correspondência literal entre discurso e expressão sociocultural de significados; e (v) o distanciamento da concepção de análise do discurso como meio de alcance do objeto de um discurso, independente dele e imutável (FISCHER, 2013FISCHER, R. M. B. Foucault. In: OLIVEIRA, L. A. (Org.). Estudos do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.).

Observa-se imediatamente, tomando-se por referência a obra de Foucault, a impossibilidade da construção de uma matriz geral de análise de enunciados. A pretensão do analista foucaultiano, portanto, não é a cartografia do discurso, mas o alcance da complexidade das práticas discursivas e não discursivas por meio das quais se constitui determinado objeto. A análise enunciativa deve considerar, no discurso, a pluralidade, a superposição, o intercruzamento e a mútua afirmação e negação de enunciados, bem como a sua articulação com diversos sistemas de formação discursiva.

Retomando-se o exemplo anterior de enunciado (“o professor deve ser um agente da transformação social”), seria assim possível descrevê-lo: o sujeito desse enunciado é o autor de um projeto pedagógico (um político, um gestor, um docente, um técnico, um burocrata, um humanista ou um cidadão comum); seu domínio de coexistência poderia ser um projeto pedagógico, um documento com perspectivas para um docente, um documento acadêmico, um descritor profissional, um programa político ou um texto pertencente ao senso comum; a sua existência pressupõe um documento e uma prática concreta de natureza política, acadêmico-pedagógica ou instrucional ou, ainda, uma posição de origem qualquer sobre o papel social do professor. Novamente, esse aporte se propõe à multiplicação dos discursos.

3.3 As práticas discursivas e as não discursivas: relações de saber/poder

As relações de saber/poder são centrais na obra de Foucault. Para o filósofo, os dois elementos são circularmente produtores e produzidos: o saber estabelece, em determinada formação discursiva, um regime, um sistema estratégico de poder que, por sua vez, influencia as relações de força produtoras do saber nesta mesma formação discursiva, e assim sucessivamente (MACHADO, 1982MACHADO, R. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982.; FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.; 1992FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992.; 2003FOUCAULT, M. Entrevista com Michel Foucault, por Sérgio P. Rouanet e J. G. Merquior. In: FOUCAULT, M. et al. O homem e o discurso: a arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1996.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.). Na perspectiva de Foucault (2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.), um discurso está suposto em uma inscrição histórica e em disputas de poderes na constituição de um campo de saberes.

Foucault não contrapõe tampouco segrega poder e discurso: “o poder não é nem fonte nem origem do discurso. O poder é alguma coisa que opera através do discurso, já que o próprio discurso é um elemento em um dispositivo estratégico de relações de poder” (FOUCAULT, 2003FOUCAULT, M. Estratégias, poder-saber. Ditos & Escritos IV. Trad.: Vera Lúcia Avelar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003., p. 252). Assim, a prática discursiva é um acontecimento genuinamente político.

A relação saber/poder fica bem notada em uma das definições de Foucault para o discurso:

{...} um bem - finito, limitado, desejável, útil - que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não simplesmente em suas “aplicações práticas”), a questão do poder; um bem que é, por natureza, o objeto de uma luta, e de uma luta política (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., 147-148, grifos nossos).

O discurso, assim, constitui-se das e constitui as dinâmicas de saber/poder próprias de seu tempo. Para Foucault, corresponde a um domínio de saber que institui um poder em determinada formação discursiva, em diferentes níveis e por variadas formas.

No estudo das relações de saber/poder em Foucault, é central a ideia de que não há elementos externos ao discurso (práticas não discursivas) que o constituíssem uma espécie de interioridade ou, opostamente, elementos intrínsecos à prática concreta que tornassem o discurso a eventual representação de sua exterioridade (FOUCAULT, 2003FOUCAULT, M. Estratégias, poder-saber. Ditos & Escritos IV. Trad.: Vera Lúcia Avelar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.; 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.). Por essa razão, analisar um discurso por meio de seus enunciados requer reconhecer o contínuo atravessamento entre as práticas discursivas e as não discursivas (DELEUZE, 1991DELEUZE, G. Foucault. Trad.: Cláudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 1991.).

Dentre os aportes de análise do discurso inspirados em Foucault, está o estudo das dinâmicas de saber/poder imanentes a determinada formação discursiva e explicitadas na descrição dos enunciados. Relativamente ao projeto pedagógico de um curso, que é um dos elementos do sistema de ensino6 6 “{...} o que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?” (FOUCAULT, 2012, p. 42). constituintes da prática discursiva educacional, conhecer as relações de saber/poder implica discutir quem, de qual lugar, com qual legitimidade e por meio de que determina o regime de verdade em dado momento histórico.

As práticas institucionais (não discursivas), que caracterizam o funcionamento acadêmico e pedagógico de determinado curso, não se separam das práticas discursivas políticas, econômicas e educacionais, inclusive o projeto pedagógico do curso, que definem ou corroboram, em determinada época e cultura, os parâmetros de ensino (FISCHER, 2013FISCHER, R. M. B. Foucault. In: OLIVEIRA, L. A. (Org.). Estudos do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.; FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.).

Esse argumento justifica teoricamente, em parte, a opção por investigar relações entre práticas discursivas e não discursivas, mesmo ante a complexidade dos diversos discursos, que se intercruzam em determinada formação discursiva, como uma das dimensões estratégicas de análise de enunciados.

3.4 A cena enunciativa e a prática social

O analista do discurso, na perspectiva foucaultiana, deve aceitar a fragilidade do seu objeto de análise: o discurso é sempre múltiplo, imbricado em determinado campo de saber e em relações de poder específicas, composto de enunciados multifacetados em seus referentes, sujeitos, campos de associação e materialidade e relativo ao seu tempo histórico e à sua cultura. Além disso, há que se considerar que o discurso é também precário, pois “as coisas não têm o mesmo modo de existência, o mesmo sistema de relações com o que as cerca, os mesmos esquemas de uso, as mesmas possibilidades de transformação depois de terem sido ditas” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 151).

Quer-se, com isso, atentar que o trabalho do analista referenciado em Foucault é o de procurar descrever algumas das inúmeras e diversas relações atreladas ao discurso objeto de sua análise, baseado em questões teóricas a ele relacionadas, tomando-se a prática discursiva como um acontecimento historicamente posicionado. Da análise, devem resultar indicativos e itinerários que apontem para zonas concretas (supostamente exteriores), que efetivamente se liguem à trama de saber/poder e à produção de subjetividade, que são imanentes ao discurso.

A cena enunciativa fornece elementos para que se investigue a construção de determinado regime de verdade em dada formação discursiva. A análise do discurso, nessa perspectiva, deve contemplar as relações históricas e as práticas concretas por ele postas em funcionamento. Dessa maneira, a análise da cena enunciativa não se propõe à precisa e esgotável descrição e análise do conteúdo de determinado discurso, mas ao estabelecimento do feixe de relações por ele tornadas possíveis na extensão de sua prática social (concreta).

A análise enunciativa em perspectiva foucaultiana deve subsidiar a provisão de linhas de reflexão, com base em objetivos e referencial teórico específicos, voltadas para o registro histórico do estabelecimento desse que passa a ser um regime de verdade, bem como para a compreensão das práticas concretas que levam à legitimação do discurso. Também servindo ao propósito da multiplicação dos discursos, a análise das práticas sociais atreladas é a construção de itinerários de manifestação concreta do regime de verdades.

4. UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DE ENUNCIADOS EM PROJETOS PEDAGÓGICOS DE LICENCIATURA EM FÍSICA EAD

Considerando-se os explicitados aportes teóricos propostos para a análise de enunciados, segundo a perspectiva de Foucault, foram analisados projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Física, seguindo-se os procedimentos doravante explicitados.

O espaço amostral desta pesquisa é o conjunto de todos os 26 cursos de licenciatura em Física EaD ofertados, no ano de 2014, por instituições públicas de ensino superior no Brasil. A tabela 1, a seguir, ilustra a distribuição dos cursos analisados, por região geográfica e tipologia:

Tabela 1:
Qualificação do espaço amostral da pesquisa

A base de dados é constituída pelo conjunto dos arquivos (em forma digital e impressa) dos projetos pedagógicos dos cursos públicos de licenciatura em Física EaD7 7 Por não possuírem relevância para a modalidade de análise transcorrida e para preservar a identidade das respectivas instituições de ensino, as referências dos projetos pedagógicos foram ocultadas do corpus bibliográfico desta pesquisa. A despeito disso, são indicadas as fontes de consulta e é reiterada a natureza pública dos dados consultados. , ofertados no ano de 2014, tal qual caracterizada na Tabela 1. Os arquivos foram numerados (utilizando-se a letra “P”, seguida dos naturais de um a 26) para fins de registro e apresentação dos resultados. Dessa forma, o primeiro arquivo analisado foi denominado “P1”; o segundo, “P2”, e assim, sucessivamente, até o último, que foi denominado “P26”, tendo como fulcro a sua submissão à análise de enunciados e enunciações8 8 A enunciação corresponde a uma formulação individualizada de um enunciado, isto é, ao conjunto de possíveis combinações linguísticas que se remete a determinado objeto enunciativo. .

A análise foi realizada a partir da primeira leitura do texto integral da base de dados, composta de 26 documentos e respectivas 2.089 páginas (média aproximada de oitenta páginas por arquivo). Na sequência, realizou-se a segunda leitura integral dos documentos, procedendo-se à identificação de enunciações, que se remetiam à articulação entre ensino, pesquisa e extensão, registrando-as, segundo as respectivas fontes (projetos pedagógicos e seções de extração).

Outras duas leituras dos documentos foram realizadas, visando, respectivamente, ao registro das relações extratextuais - a exemplo de estudo de documentos institucionais, legais e políticos, referentes às instituições de ensino e respectivos cursos e à modalidade educacional (EaD) - e à complementação da análise. Procedeu-se, ao fim, à organização dos resultados em um quadro-síntese (quadro 1), objetivando a realização de suas apresentações e análises.

O quadro 1, apresentado no Apêndice, consolida o trabalho de registro de enunciações referentes aos temas ensino, pesquisa e extensão, relativamente ao conjunto dos projetos pedagógicos de cursos analisados. Buscou-se o registro ipsis litteris dessas enunciações, exceto pela supressão de excertos reincidentes, acessórios ou identificadores das fontes.

Após o registro das enunciações, procedeu-se à sua exploração, na perspectiva da análise do discurso, orientando-se pelos quatro aportes teóricos propostos neste estudo. Os resultados são a seguir apresentados e analisados.

4.1. A delimitação da formação discursiva

No quadro 2, a seguir, propõe-se uma indicação possível de formações discursivas pertencentes e associadas aos projetos pedagógicos dos cursos analisados. As numerosas (precisamente, 57) e diversificadas formas de enunciação se aglomeram em classes restritas - os enunciados, corroborando a raridade a eles atribuída por Foucault (2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 147): “por serem raros os enunciados, recolhemo-los em totalidades que os unificam e multiplicamos os sentidos que habitam cada um deles”.

Quadro 2:
Delimitação das formações discursivas e de enunciados (ensino, pesquisa e extensão).

As possibilidades de intercruzamento de formações discursivas são certamente muito mais numerosas do que as apresentadas nesses resultados, pois a multiplicidade dos discursos é talvez o único elemento inconteste desse tipo de análise. Dentre os resultados obtidos, há que se destacar que enunciações muito semelhantes (do ponto de vista de sua constituição textual) integram enunciados restritos e transitam por diferentes formações discursivas, sustentando, ainda que sutilmente, relações distintas na designação de determinado objeto.

As enunciações identificadas não apenas se inscrevem em variadas seções dos projetos pedagógicos, mas em diferentes formações discursivas, com múltiplas formas, conteúdos, articulações e designações. Enquanto determinados projetos sequer mencionam, por exemplo, a extensão universitária, outros o fazem por diferentes modos: fixando cargas-horárias mínimas para esse tipo de atividade (E15.5.), concebendo-a, juntamente à pesquisa, como atividade complementar (E8.2.; E12.3.; E15.4.; E19.2.), instrumental à formação no curso (E1.1.; E17.2.; E23.3.) ou, ainda, como prestação de serviço/assistencialismo (E16.3.; E24.1.; E26.1.).

Assim, é possível perceber que a articulação ensino-pesquisa-extensão se posiciona, na dispersão de seus enunciados, em diversos discursos. Determinado enunciado pode cumprir funções distintas - por vezes, antagônicas - a partir de sua movimentação entre formações discursivas. Os exemplos são inesgotáveis, mas, em função de sua representatividade, quer-se aqui chamar a atenção para uma enunciação específica, que vai a seguir novamente reproduzida:

E19.4. Alguns pontos, tidos como problemáticos para os alunos da educação a distância, foram resolvidos pela universidade, de forma que os discentes do curso passaram a ser elegíveis para bolsas, assim como os demais alunos da instituição. Um entrave para uma maior divulgação deste tipo de iniciativa é o fato do curso contar com muitos professores contratados externamente (bolsistas) que, formalmente, não podem responder como orientadores dos alunos do curso. Desta forma, a responsabilidade do apoio à pesquisa e extensão aos discentes recai nos professores efetivos. {Além disso}, o desafio de alocar um aluno de iniciação científica ou de extensão, em formação e trabalhando fora do ambiente universitário (por residir em uma cidade polo), causa situações que não são evidenciadas na educação presencial e, portanto, os docentes ainda estão em fase de adequação (Enunciação extraída do projeto pedagógico de curso de número dezenove - P19).

Essa enunciação poderia representar um discurso institucional, de caráter político, pautado na justificação de uma suposta deficiência em um dos seus processos orgânicos, que é o oferecimento articulado de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Proferida por um docente, por exemplo, poderia constituir um discurso de protesto, em caráter crítico, remetendo à desvalorização e precarização do trabalho docente (contratos temporários, para o exercício de atividades universitárias típicas, sem vínculo estatutário com o serviço público e mediante remuneração por bolsas que, a rigor, destinam-se ao estudo e à pesquisa9 1 Conforme os dispositivos da Lei nº. 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, que “Autoriza a concessão de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de programas de formação inicial e continuada de professores para a educação básica” (BRASIL, 2006). ) (GOULART, 2011GOULART, D. M. Adesão ao Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB): implicações organizacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2014. 162f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2014.).

Como se pode notar, há uma vastidão de enunciações e de formações discursivas relativas a um discurso eleito para análise em perspectiva foucaultiana (no caso, a articulação entre ensino, pesquisa e extensão). Os enunciados, embora raros, constituem subsídios e indicam itinerários para a abordagem e a exploração da diversidade de formações discursivas correlatas.

4.2 A descrição dos enunciados

No quadro 3, a seguir, propõe-se a descrição dos enunciados identificados, o que requer: (i) a delimitação do referente (seu objeto); (ii) a determinação da posição potencial que legitima os sujeitos do discurso; (iii) a descrição de outros enunciados, discursos e formações discursivas (campos) associados; e (iv) a indicação dos meios e das condições de sua aparição (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014.).

Quadro 3:
Descrição dos enunciados (ensino, pesquisa e extensão).

Dessa descrição dos enunciados, é possível perceber a articulação de referentes, sujeitos, campos associados e condições de existência bastante distintos entre si e, efetivamente, pertencentes a diversas formações discursivas, resultando objetivamente no que propôs Foucault: a multiplicação dos discursos.

Os referentes identificados nos enunciados indicam que o enquadramento da articulação ensino-pesquisa-extensão posiciona-se, dentre os projetos pedagógicos analisados, desde a concepção funcionalista (como meio de alcance de determinado objetivo) até a finalística (como objeto de apropriação pela formação no curso), passando pela visão acessória (que relativiza a importância desse princípio e o atribui a aspectos humanistas, jurídicos, tecnicistas, pedagógicos ou políticos). Além disso, há também diversas posições a ser assumidas por sujeitos que legitimamente poderiam proferir esses enunciados, dando lugar a diversas tipologias de campos de associação desses enunciados e a uma complexidade de condições de aparição.

Assim, por mais acentuado que seja o caráter técnico de um projeto pedagógico de curso (fundamentado em legislações, normas, modelos, padrões, documentos oficiais, estruturas referenciais etc.), a variedade de concepções atribuídas por um grupo desses documentos a determinado tema aponta para a multiplicidade de discursos e de formações discursivas intercruzadas.

4.3. As práticas discursivas e as não discursivas: relações de saber/poder

No estabelecimento de um discurso como saber (regime de verdade) temporal e culturalmente dominante, há que se considerar a existência permanente de lutas (pela imposição de sentidos, determinação da posição de sujeitos, legitimação ou obtenção de vantagens de diversas ordens) - e, portanto, de disputas de poder.

Esse embate não está necessariamente marcado em determinada prática discursiva, mas também na dispersão de práticas não discursivas. Como exemplo em projetos pedagógicos de cursos, poder-se-ia citar a recorrente omissão ou a explícita não valorização da articulação entre ensino, pesquisa e extensão como eixo de sustentação de um curso de licenciatura (FERREIRA; LOGUERCIO, 2016FERREIRA, M.; LOGUERCIO, R. Q. Análise de Competências em Projetos Pedagógicos de Licenciatura em Física a Distância. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. v. 16, n. 2, p. 389-419, mai./ago., 2016.).

Essa modalidade de prática discursiva encontra-se rigorosamente relacionada com outras tantas práticas não discursivas. Como exemplos, tem-se a segregação de políticas universitárias institucionais de ensino, pesquisa e extensão, e a valorização da racionalidade técnica tanto na formação em cursos superiores como no perfil profissional exigido no mercado de trabalho. Assim, analisar um discurso (em perspectiva arqueológica) é ater-se às continuidades e às descontinuidades na formação dos seus enunciados, dos sentidos e do regime de verdade por ele estabelecidos, tendo-se por referência a articulação e, mais que do que isso, a inseparabilidade entre práticas discursivas e não discursivas.

Dentre as enunciações identificadas e os enunciados descritos, encontram-se posicionamentos como o da vinculação da articulação ensino-pesquisa-extensão ao cumprimento de atividades complementares do curso. Esses posicionamentos instituem claramente uma relação de empoderamento da unidade acadêmica do curso (em sua condição de determinadora das atividades obrigatórias e complementares) em detrimento à política e, para além, ao princípio constitucional marcado na tríade ensino- pesquisa-extensão.

Outra relação de poder é possível de ser identificada no enunciado que posiciona a extensão universitária como um serviço a ser prestado, em caráter assistencialista, à sociedade. Essa relação subjaz claramente a sociedade ao potencial de intervenção da universidade em sua condição de detentora e socializadora de um conhecimento supostamente útil.

Algumas enunciações, ainda à guisa de exemplificação das relações de saber/poder, estabelecem a articulação ensino-pesquisa-extensão como um conhecimento e uma competência técnica, em si, desejáveis aos egressos do curso. Essa perspectiva desloca esse princípio da posição institucional de fundamento de atividades acadêmicas e do próprio exercício das funções universitárias, subordinando-o à assunção de competências ou habilidades. Outras visões, como a racionalista técnica, por exemplo, dicotomizam a relação ensino-pesquisa-extensão e a formação e disseminação do conhecimento científico, sugerindo uma ascendência institucional da visão conteudista da formação e da segregação entre conhecimento científico, ensino e extensão universitária.

Todas essas concepções formam o regime de verdade de um curso ou de uma instituição de ensino sobre a articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse regime, estabelecem-se relações de poder que determinam quem, de qual lugar, com qual legitimidade e por meio de que exerceria ascendência sobre o discurso e a mobilização de suas práticas concretas.

Essas e tantas outras relações de saber/poder se constituem nos e pelos discursos a que se relacionam, corroborando a previsão teórica que sustenta a exploração das práticas discursivas e das não discursivas na análise discursiva como reforço à multiplicação dos discursos e das formações discursivas intercruzadas.

4.4 A cena enunciativa e a prática social

A análise da cena enunciativa deve ser indicativa dos elementos que influenciam e que são influenciados pelo discurso, no conjunto de relações possibilitadas na respectiva prática concreta. Com finalidade ilustrativa, retomam-se os cinco enunciados já descritos, procedendo-se à articulação das respectivas cenas enunciativas a potenciais práticas concretas. O resultado dessa análise encontra-se disposto no quadro 4, a seguir.

Quadro 4:
Análise da cena enunciativa e da prática social

As práticas concretas derivadas das cenas enunciativas indicam que as articulações entre ensino, pesquisa e extensão possuem, conforme os enunciados descritos e analisados, formas e consequências significativamente variadas. O exercício de analisá-las na perspectiva foucaultiana força a permanência no plano discursivo e, portanto, limita a admissão de zonas de influência exteriores ao discurso. Dessa forma, as práticas sociais concretas ficam atreladas às apreensões sobre determinado objeto, que podem ou não tomar existência na respectiva formação discursiva. A mudança de cena enunciativa provoca, consequentemente, alteração de prática concreta correspondente.

Cada tipologia enunciativa provoca concepções e ações determinadas pelo respectivo regime de verdade em que se insere. A vinculação a diferentes formações discursivas faz com que os enunciados surjam em e produzam situações concretas, práticas sociais específicas. Mesmo sutil, a distinção entre os enunciados promove e é promovida pelas diversas concretudes das práticas associadas. Assim, enquadrar-se em uma ou outra das cenas enunciativas não representa, à prática concreta, mera classificação tipológica ou inserção contextual, mas, efetivamente, a integração a uma visão de mundo, a um campo de determinação de sentidos e de ações.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, com apoio no referencial discursivo de Foucault, buscou-se a análise de enunciados sobre a articulação entre ensino, pesquisa e extensão em projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Física EaD, ofertados no ano de 2014.

Foi possível classificar e discutir enunciações e enunciados, compreendendo melhor o desenho dos cursos analisados. Em alguns projetos pedagógicos, somente a título de exemplo, a extensão universitária sequer é referida. Em outros, as atividades de ensino, pesquisa e extensão são consideradas atividades meramente complementares, voltadas à integralização de créditos obrigatórios à conclusão do curso, desconexas da visão de princípio da função universitária, subordinadas a outros objetivos do curso, como a aquisição de competências pelos egressos ou aos processos de ensino-aprendizagem, ou, ainda, reduzida à prestação de serviços sociais.

As análises apontam que a articulação entre ensino, pesquisa e extensão é fragilizada e não se sustenta discursivamente como princípio fiador da qualidade e autonomia universitária, fundante em suas funções na construção e disseminação do conhecimento. A partir desses resultados, é possível instaurar algumas reflexões. A primeira delas diz respeito a uma certa surpresa por ver versões tão recentes de propostas pedagógicas de cursos arrastando características tão tradicionalizadas.

Embora se pudesse supor - ou, ao menos, admitir como possível - que a contemporaneidade desses cursos EaD (que, formalmente, foram desenvolvidos somente a partir do ano de 2005) legaria a eles um caráter renovado, supostamente mais compatível com os estudos e pesquisas que revelaram o conhecimento disponível sobre as limitações dos modelos tradicionais de ensino, as evidências, no entanto, apontaram para a reafirmação da tradição, até mesmo com a preservação de sabidas inconsistências.

Há que se considerar, ainda, que a manutenção do status quo em determinada ordem do discurso requer legitimações, que passam pelo convencimento de agências de fomento, de pares institucionais e de iguais em competências. Por isso, os discursos se constituem, se mantêm e se reforçam (de dentro para fora da universidade e também no sentido contrário), tomando forma em documentos oficiais e em propostas de formação de cursos.

Para sugerir transformações na ordem do discurso, bem como para propor novas ordens, é preciso conhecer e decompor a ordem vigente, percebendo potências e modelos alternativos para uma nova EaD, esperadamente compatível com os desafios educacionais que o Brasil se propõe a enfrentar também por meio dessa modalidade.

A EaD resguarda, em seu contexto,10 10 Marcado pelo redimensionamento espaço-temporal e pela associação das tecnologias emergentes aos processos de ensino-aprendizagem, bem como pela organização por estruturas específicas de administração e gestão acadêmica. particularidades que favoreceriam a articulação integrada entre ensino-pesquisa-extensão, vis-à-vis seus processos intrinsicamente dinâmicos, as interfaces com projetos de vida de cada sujeito em formação e realidades de cada localidade de oferta dos cursos e, ainda, peculiaridades curriculares para a conformação com a modalidade, tais como: aprendizagem por projetos e por pesquisa; seminários integradores, entre outros.

Também é importante, por outro lado, ter em conta que o formato mais comum de oferta curricular de cursos EaD, no contexto da não institucionalização da modalidade na maior parte das instituições de ensino superior (especialmente as públicas que se constituem universo desta pesquisa), é contraproducente ao fértil desenvolvimento de projetos integrados de ensino-pesquisa-extensão. Por praxe, a oferta em ciclo único, mais comumente no modelo de “grade fechada”, por programas especiais de graduação e com fomento por órgãos externos, leva à manutenção de práticas conservadoras, com baixíssimo potencial inovador, mas também com reduzido risco do que se poderia chamar de “frustrações acadêmicas”, um temor sempre presente nas universidades públicas, que se constituem de instituições extremamente burocratizadas e com elevado grau de resistência a mudanças abruptas, por sua própria natureza organizacional

Outra reflexão possível - e de extrema relevância - diz respeito às implicações desse modelo de organização curricular às formas de organização das licenciaturas orientadas por esses projetos. Impende dizer que a despotencialização do modelo de integração ensino-pesquisa-extensão nos cursos de Física EaD leva, por consequência, ao enfraquecimento da respectiva formação. Trata-se, por um lado, de uma aproximação a modelos racionalistas técnicos, com evidente segregação das funções de produção, aplicação e disseminação de conhecimento científico; e, por outro, de uma evidente subversão da função formativa da universidade.

A partir dessas constatações, parece também importante reforçar a relevância para que os órgãos universitários responsáveis pela formulação das propostas pedagógicas (os Núcleos Docentes Estruturantes e os colegiados dos cursos) e as instâncias avaliativas internas (comumente, as pró-reitorias de graduação e os conselhos superiores ou análogos) observem as políticas integrativas de ensino-pesquisa-extensão, na perspectiva da superação dos traçados limitadores, buscando visões amplificadas e fortemente conectadas com os objetivos institucionais, com os projetos formativos, com os processos de formação e difusão do conhecimento e com os desafios políticos inerentes à formação do professor e, particularmente, do professor de Física.

Entende-se ter alcançado, assim, o objetivo original de explorar as formas de significação dos enunciados relativos à articulação ensino-pesquisa-extensão, integrantes dos projetos pedagógicos analisados, por meio da multiplicação dos discursos. Contudo, novas aplicações devem não apenas reafirmar a utilidade da articulação proposta, mas aperfeiçoá-la. Esse objetivo, portanto, não se esgota no traçado dessas linhas; a partir delas, ele renova, modifica, traveste, complexifica, é forjado, funde-se a outros, pluraliza-se e toma formas, como a propósito são os discursos: simultaneamente, práticas circunstanciadas e circunstâncias volatilizadas em práticas.

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  • 1
    No ano de 2014, que foi parâmetro para a eleição da amostra desta pesquisa, a oferta de cursos de licenciatura em Física EaD deu-se, exclusivamente, nas instituições públicas de ensino superior.
  • 2
    Conceito derivado do idealismo, “concepção filosófica segundo a qual existe uma realidade exterior, determinada, autônoma, independente do conhecimento que se pode ter sobre ela. O conhecimento verdadeiro, na perspectiva realista, seria então a coincidência ou correspondência entre nossos juízos e essa realidade {...} Quando certos filósofos idealistas se perguntam sobre a realidade do mundo exterior, estão se perguntando se o mundo possui uma existência efetiva exterior a nosso pensamento ou se não passa de um conjunto de representações de nosso pensamento” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006., p. 162-163).
  • 3
    Compreende-se a enunciação como um ato de fala ou de escrita. Para Foucault (2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 123), “{...} há enunciação cada vez que um conjunto de signos for emitido”.
  • 4
    É válido registrar um importante conceito correlato à formação discursiva, o de sistema de formação: “um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ele prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou tal objeto, para que empregue tal ou tal enunciação, para que utilize tal ou tal conceito, para que organize tal ou tal estratégia” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 88).
  • 5
    Esta pesquisa enquadra-se teoricamente na fase arqueológica da obra de Foucault, considerando por arqueologia: “{...} uma análise comparativa que não se destina a reduzir a diversidade dos discursos nem a delinear a unidade que deve totalizá-los, mas sim a repartir sua diversidade em figuras diferentes. A comparação arqueológica não tem um efeito unificador, mas multiplicador” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed., 2014., p. 195).
  • 6
    “{...} o que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?” (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad.: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012., p. 42).
  • 7
    Por não possuírem relevância para a modalidade de análise transcorrida e para preservar a identidade das respectivas instituições de ensino, as referências dos projetos pedagógicos foram ocultadas do corpus bibliográfico desta pesquisa. A despeito disso, são indicadas as fontes de consulta e é reiterada a natureza pública dos dados consultados.
  • 8
    A enunciação corresponde a uma formulação individualizada de um enunciado, isto é, ao conjunto de possíveis combinações linguísticas que se remete a determinado objeto enunciativo.
  • 1
    Conforme os dispositivos da Lei nº. 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, que “Autoriza a concessão de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de programas de formação inicial e continuada de professores para a educação básica” (BRASIL, 2006BRASIL. Lei nº. 11.273, de 6 de fevereiro de 2006. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 fev. 2006.).
  • 10
    Marcado pelo redimensionamento espaço-temporal e pela associação das tecnologias emergentes aos processos de ensino-aprendizagem, bem como pela organização por estruturas específicas de administração e gestão acadêmica.

Apêndice

Quadro 1:
Enunciações relativas aos temas ensino, pesquisa e extensão

Quadro 1:
continuação 1

Quadro 1:
continuação 2

Quadro 1:
continuação 3

Quadro 1:
continuação 4

Quadro 1:
continuação 5

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2015
  • Aceito
    27 Dez 2016
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