Questões Sociocientíficas no Ensino de Ciências: algumas características das pesquisas brasileiras

Socioscientific Issues in Science Teaching: some characteristics of Brazilian researches

Cuestiones Sociocientíficas en la Enseñanza de Ciencias: algunas características de las investigaciones brasileñas

Resumo:

Neste trabalho, analisou-se a compreensão apresentada pelas pesquisas brasileiras em Educação em Ciências sobre Questões Sociocientíficas. Para tal, realizou-se um estudo dos trabalhos publicados nas Atas do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), entre o período de 1997 a 2013. Mediante a Análise Textual Discursiva, foram organizadas as categorias: Foco temático e natureza dos trabalhos; Compreensão de Questão Sociocientífica; Questões Sociocientíficas, abordagem CTS e desenvolvimento da argumentação; e Planejamento e implementação de propostas centradas em Questões Sociocientíficas. Dentre os resultados, destaca-se a necessidade de ampliar as discussões sobre o papel das Questões Sociocientíficas no Ensino de Ciências, que permitam esclarecer se essas constituem recurso didático-pedagógico, objeto de aprendizagem em sala de aula ou elemento estruturante do currículo. Além disso, há necessidade de mais sistematizações acerca das características dessas questões, suas relações com outros referenciais e critérios de seleção.

Palavras-chave:
Ensino de Ciências; Questões Sociocientíficas; Pesquisas Brasileiras.

Abstract:

In this paper, we analyzed the understanding presented in Brazilian researches in Science Education about Socioscientific Issues. Therefore, a study was conducted in the Proceedings of the Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), from 1997 to 2013. Throughout Discursive Textual Analysis the categories were organized: Thematic Focus and nature of work; Understanding of Socioscientific Issues; Socioscientific Issues, STS approach and development of argumentation; Planning and implementation of proposals focused on Socioscientific Issues. Among the results, it is emphasized the need to broaden the discussions about the role of Socioscientific Issues in Science Education, allowing to clarify whether these are a didactic-pedagogical resource, object of learning or curriculum organizer element. In addition, there is need for greater systematizations about the characteristics of these issues, their relationships with other benchmarks and selection criteria.

Key-words:
Science Education; Socioscientific Issues; Brazilian researches.

Resumen:

En este trabajo, se analizó la compresión presentada por las investigaciones brasileñas en Educación en Ciencias acerca de Cuestiones Sociocientíficas. Para ello, se realizó un estudio de trabajos publicados en las Actas del Encuentro Nacional de Investigación en Educación en Ciencias (ENPEC), entre los años 1997 y 2013. Considerándose el Análisis Textual Discursivo, se organizó las categorías: Foco temático y naturaleza de los trabajos; Comprensión de Cuestión Sociocientífica; Cuestiones Sociocientíficas, abordaje CTS y desarrollo de la argumentación; y Planeamiento e implementación de propuestas centradas en Cuestiones Sociocientíficas. De entre los resultados, se puede destacar la necesidad de ampliación de las discusiones acerca del papel de las Cuestiones Sociocientíficas en la Enseñanza de Ciencias, que permitan aclarar si ellas constituyen un recurso didáctico-pedagógico, objeto de aprendizaje en clase o elemento estructurante del currículo. Además, se necesita más sistematizaciones acerca de las características de esas cuestiones, sus relaciones con otros referenciales y criterios de selección.

Palabras clave:
Enseñanza de Ciencias; Cuestiones Sociocientíficas; Investigaciones Brasileñas.

INTRODUÇÃO

A abordagem de Questões Sociocientíficas tem sido amplamente recomendada em pesquisas da área de Ensino de Ciências, especialmente em estudos que apontam a sua discussão como possibilidade de propiciar o desenvolvimento da argumentação em sala de aula (SÁ, 2010). Compreendidas como questões controversas, que envolvem diferentes pontos de vista e que têm implicações em uma ou mais áreas do conhecimento, tais questões, além de favorecer a formação cidadã do educando, podem contribuir para a compreensão da natureza da ciência, com a articulação de diferentes áreas do conhecimento, com o desenvolvimento do pensamento crítico etc. (SIMONNEAUX, 2007).

Penha (2012) destaca a existência de certo nível de convergência entre documentos adotados como referenciais para a área de Ensino de Ciências, tal como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Brasileiro, a favor da abordagem de questões e/ou atividades que envolvam componentes sociais, econômicos, culturais e morais relacionados à Ciência e Tecnologia em sala de aula, como proposto pelas Questões Sociocientíficas.

Por outro lado, Lima e Martins (2013), ao analisarem as relações entre a abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e as Questões Sociocientíficas, por meio de um levantamento da produção acadêmica em periódicos nacionais e internacionais, identificaram que, no Brasil, ainda são poucos os trabalhos que têm a abordagem de Questões Sociocientíficas como foco de pesquisa. Tais resultados estão em consonância com os estudos realizados por Mendes (2012) e Sá (2010), acerca da produção acadêmica sobre argumentação no Brasil, os quais indicam que, embora a abordagem de Questões Sociocientíficas em ambientes de ensino e aprendizagem argumentativos seja abundante no cenário internacional, no Brasil elas ainda são pouco exploradas.

Ainda que as discussões apresentadas por Lima e Martins (2013), Mendes (2012) e Sá (2010) apresentem elementos relevantes acerca da abordagem de Questões Sociocientíficas no contexto brasileiro, elas estiveram centradas nas relações estabelecidas entre essa perspectiva com o referencial CTS (LIMA; MARTINS, 2013) e com o desenvolvimento da argumentação (MENDES, 2012; SÁ, 2010). Além disso, as análises apresentadas nesses estudos compartilham a preocupação com alguns aspectos, como o surgimento de referenciais teóricos, consolidação de grupos de pesquisa, focos de interesse etc. Dessa maneira, é necessário aprofundar as discussões abarcando, por exemplo, aspectos relacionados à natureza das questões abordadas e ao seu desenvolvimento em sala de aula.

Sob esta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo analisar a compreensão apresentada pelas pesquisas em Educação em Ciências no Brasil sobre as Questões Sociocientíficas. Para isso, realizou-se um estudo exploratório dos trabalhos publicados nas atas das nove últimas edições do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), abarcando o período de 1997 a 2013, tendo como foco as pesquisas que discutem a abordagem de Questões Sociocientíficas. A opção por esse evento justifica-se por constituir um encontro de porte nacional, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), permitindo concentrar, socializar e divulgar as pesquisas da área. Além disso, a maioria dos trabalhos apresentados no ENPEC integra a produção dos programas de pós-graduação, constituindo recortes, por exemplo, de teses e dissertações defendidas.

O foco de investigação consistiu em identificar o entendimento apresentado pelos pesquisadores brasileiros acerca das Questões Sociocientíficas, em especial no que tange à sua natureza, seleção e abordagem no contexto pedagógico. Entende-se que a abordagem de Questões Sociocientíficas no Ensino de Ciências constitui um tema de pesquisa recente e em desenvolvimento, de modo que, investigar as discussões envolvidas nesse processo pode possibilitar uma visão preliminar da compreensão de Questões Sociocientíficas presente na pesquisa em Educação em Ciências no Brasil, elucidando elementos relacionados à sua abordagem no ensino e sinalizando para aspectos que demandam aprofundamentos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a identificação das pesquisas da área de Educação em Ciências utilizamos as Atas do I ao IX ENPEC, compreendendo o período de 1997 a 2013, realizando a busca das seguintes expressões, seja no título, resumo e/ou palavras-chave dos trabalhos: sociocientífico(a), sócio-científico(a), assim como controverso(a) e controvérsia, visto que, por seu caráter controverso, frequentemente é utilizada essa nomenclatura para se referir às Questões Sociocientíficas.

Este levantamento inicial possibilitou identificar um total de 47 trabalhos que discutem a abordagem de Questões Sociocientíficas, os quais foram lidos em sua íntegra e analisados por meio da Análise Textual Discursiva (ATD) (MORAES; GALIAZZI, 2007), a qual tem sido utilizada como uma ferramenta metodológica em diversos estudos da área de Educação em Ciências (CARAMELLO; ZANOTELLO; PIRES, 2014; OLIVEIRA; LANGHI, 2014; SOLINO; GEHLEN, 2014).

Com base na ATD, inicialmente foi realizada a busca, a partir da leitura dos trabalhos, de elementos considerados relevantes aos propósitos deste estudo, o que permitiu a elaboração de uma planilha contendo informações como: título, autor e instituição, relação com a abordagem CTS, relação com o desenvolvimento da Argumentação em sala de aula, natureza (empírica ou teórica), foco temático, objetivo e entendimento acerca das Questões Sociocientíficas (definição, critério de seleção, desenvolvimento em sala de aula). Tais elementos foram emergindo com a leitura dos trabalhos, por meio de um processo recursivo de análise, constituindo-se como relevantes para a discussão. Esse momento correspondeu à etapa de Unitarização proposta pela ATD.

No que tange ao foco temático dos trabalhos, tendo como referência a classificação utilizada por Sá (2010), os trabalhos foram classificados nos seguintes focos: Estratégias de ensino, Formação de Professores, Elaboração de modelos, Ambiente de ensino-aprendizagem, Levantamento bibliográfico, Análise de material e Análise do envolvimento dos estudantes, tal como explicitado na Tabela 1.

Destaca-se que a classificação de trabalhos em focos constitui um desafio em virtude do espectro de temas que pode ser abarcado, permitindo a classificação de um mesmo estudo em mais de um foco. Por outro lado, segundo Megid Neto (1999), uma classificação mais extensa, atenta aos diferentes focos temáticos presentes nas pesquisas, é mais apropriada para a construção de Catálogos Analíticos. Assim, para um estudo das tendências dessas produções, tal como proposto em nossa análise exploratória, é conveniente explicitar o aspecto privilegiado nas pesquisas, razão pela qual, no presente trabalho, os estudos serão classificados segundo seus focos principais (MEGID NETO, 1999).

Tabela 1:
Descrição dos focos temáticos utilizados na análise

Identificados os elementos considerados significativos dos trabalhos, estes foram reorganizados, seguindo a etapa de Categorização da ATD, em quatro categorias:

1. Foco temático e natureza dos trabalhos, que discorre acerca dos focos apresentados nos trabalhos que abordam Questões Sociocientíficas;

2. Compreensão de Questão Sociocientífica, que versa sobre o entendimento apresentado nos trabalhos sobre o que caracteriza uma Questão Sociocientífica;

3. Questões Sociocientíficas, abordagem CTS e o desenvolvimento da argumentação, que discute as relações estabelecidas nos trabalhos publicados entre esses referenciais; d) Planejamento e implementação de propostas centradas em Questões Sociocientíficas, que discutem os critérios de seleção adotados para a identificação das Questões Sociocientíficas, assim como de que maneira são estruturadas e desenvolvidas propostas didático-pedagógicas nessa perspectiva.

Destaca-se que a etapa de categorização seguiu um processo de análise misto, tal como caracterizada por Moraes e Galiazzi (2007), em que foram combinados os métodos: dedutivo, em que as categorias são deduzidas a partir das teorias que fundamentam a pesquisa, sendo denominadas categorias a priori e o método indutivo, em que as categorias são produzidas a partir das unidades de significado emergentes do corpus, sendo denominadas categorias emergentes. Deve-se sublinhar que, em ambos os procedimentos, é necessário que o pesquisador tenha como pano de fundo da análise o referencial teórico, uma vez que as categorias emergentes não são meras considerações empíricas. Assim, compreendem-se as categorias Compreensão de Questão Sociocientífica e Planejamento e implementação de propostas centradas em Questões Sociocientíficas como definidas a priori, enquanto as categorias Foco temático e natureza dos trabalhos e Questões Sociocientíficas, abordagem CTS e desenvolvimento da argumentação constituem categorias emergentes.

Tais categorias são discutidas a seguir, constituindo a etapa de Comunicação da ATD.

A ABORDAGEM DE QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS NO ENPEC

Por meio do levantamento realizado nas Atas dos ENPECs, foram identificados 47 trabalhos relacionados à abordagem de Questões Sociocientíficas no Ensino de Ciências, o que representa um percentual de menos de 1% de todos os trabalhos publicados no ENPEC ao longo da I à IX edição, compreendendo um período de 17 anos de pesquisa. A distribuição dos trabalhos publicados nos eventos é representada na Tabela 2, que apresenta o interesse recente dos pesquisadores brasileiros sobre as Questões Sociocientíficas e um aumento das publicações nos últimos anos.

Tabela 2:
Quantitativo de trabalhos por edição do ENPEC

Com base na Tabela 2, constata-se que as discussões sobre Questões Sociocientíficas no ENPEC são identificadas a partir de 2001, ainda que timidamente. O primeiro trabalho identificado neste estudo, no III ENPEC, de autoria de Santos, Mortimer e Scott (2001), advoga em prol do desenvolvimento da argumentação em sala de aula no contexto da discussão do que os autores denominam aspectos sociocientíficos. Nesse estudo, os autores destacam a importância dessas discussões para capacitar os alunos a participarem de processos decisórios e para a importância das intervenções pedagógicas dos professores nesse processo.

Enquanto o primeiro trabalho presta especial atenção ao desenvolvimento da argumentação em discussões de aspectos sociocientíficos, o segundo trabalho identificado no levantamento, de autoria de Pierson, Freitas e Zuin (2005), publicado nas atas do V ENPEC, volta-se para a análise de aspectos da relação Ciência, Educação Científica e Cidadania, que emergem da discussão de uma situação sociocientífica.

Além disso, a partir da Tabela 2, constata-se que em 2009, no VI ENPEC, houve um acréscimo significativo das publicações relacionadas às Questões Sociocientíficas, o que sinaliza para a abordagem recente desse aspecto nas pesquisas brasileiras.

Foco temático e natureza dos trabalhos

No que concerne à natureza dos trabalhos, isto é, se são empíricos ou teóricos, vale observar a sua distribuição ao longo dos ENPECs. Por exemplo, entre os primeiros trabalhos publicados relacionados às Questões Sociocientíficas no ENPEC, apresentados nas edições III, V e VI, três são empíricos e apenas um tem como foco uma discussão teórica. No VII ENPEC, dos 8 trabalhos identificados, 6 consistem em pesquisas empíricas, o que corresponde a 75% das publicações. Tal porcentagem dos trabalhos empíricos permanece no VIII ENPEC, em que, dos 12 trabalhos selecionados, 9 são empíricos e apenas 3 são teóricos. No IX ENPEC o interesse dos pesquisadores permanece em trabalhos empíricos, sendo 15 trabalhos do total de 22 localizados neste evento, representando 65% das produções.

A predominância dos trabalhos empíricos sobre os teóricos identificada no levantamento do ENPEC está em consonância com os resultados obtidos por Penha (2012) ao traçar um panorama global das pesquisas internacionais que abordam Questões Sociocientíficas. Entre os 42 trabalhos selecionados no seu levantamento das pesquisas internacionais voltadas para a inserção de aspetos sociocientíficos no ensino de ciências, 76% constituíam estudos empíricos, ou experimentais como denominado pelo autor. Para Penha (2012), isso “indica o modo pelo qual esta área vem se constituindo, priorizando o modelo de abordagem empírica como principal instrumento de análise de suas questões” (p. 53).

Por outro lado, no contexto nacional aqui abordado, o interesse demasiado em pesquisas de caráter empírico pode estar relacionado à possível compreensão dos pesquisadores de que a proposta já apresenta uma consistência teórica e necessita de aprofundamentos somente para compreendê-la no âmbito da sala de aula, para compreender os desafios e as possibilidades imanentes da prática. Tal inferência, embora necessite de aprofundamentos, está relacionada ao fato de poucos trabalhos, entre aqueles que constituem o escopo do presente estudo, discutirem o que constitui uma questão sociocientífica, como se houvesse certo consenso a esse respeito, aspecto que será melhor abordado na categoria Compreensão de Questão Sociocientífica.

Vale salientar que, tal como realizado por Lima e Martins (2013), os termos “empírico” e “teórico” são empregados com a finalidade de sinalizar o interesse dos pesquisadores por estudos mais voltados para práticas de sala de aula e concepções de professores, licenciandos e estudantes. Isto é, não se compreende que haja uma dicotomia entre estudos empíricos e teóricos, mas sim uma relação dialética entre eles na pesquisa. Além disso, os termos também não são utilizados do ponto de vista dos delineamentos de pesquisa que discutem estudos empíricos, genuinamente experimentais, pré-experimentais e quase-experimentais (GIL, 2008; GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Busca-se, portanto, contribuir com as discussões realizadas na área, ampliando a percepção sobre as pesquisas brasileiras.

Ainda que, quanto à natureza das pesquisas, prevaleçam os trabalhos empíricos em detrimento dos teóricos, foram identificadas mudanças quanto aos interesses dos pesquisadores da área, isto é, quanto ao foco temático, aspecto representado na Figura 1.

A distribuição dos trabalhos segundo o foco temático, por edição do ENPEC, é representada na Figura 1.

Figura 1:
Distribuição dos trabalhos, segundo foco temático, por edição do ENPEC

Com base na Figura 1, é possível identificar a maior concentração dos trabalhos nos VII, VIII e IX ENPECs. Constata-se que, no VII e VIII ENPECs, o foco temático predominante nas pesquisas consiste na Análise do envolvimento dos estudantes durante e/ou após o desenvolvimento de atividades relacionadas com elementos sociocientíficos², de modo que os dois eventos somam 13 trabalhos sobre essa temática. Quanto aos demais focos identificados nesses dois eventos, foram identificados: 1 trabalho referente ao foco Estratégias de ensino, 1 voltado para a Elaboração de modelos, 2 sobre Formação de professores, 2 com foco em Levantamento bibliográfico e 2 abordando Análise de material.

Já no IX ENPEC, constata-se um aumento das pesquisas que têm como foco a Formação de Professores, com a presença de 10 trabalhos, em relação àqueles que discutem o envolvimento dos estudantes, que constituem apenas 5. Esses estudos apresentam preocupações relacionadas: ao desempenho docente, no que concerne às ações do professor que contribuem para o envolvimento dos estudantes em discussões sociocientíficas (MELO; SANTOS, 2013; MENDES; SANTOS, 2013); à elaboração de propostas por professores da educação básica que envolvam elementos sociocientíficos, no que se refere às possibilidades de suprir possíveis necessidades formativas (CARNIO; CARVALHO, 2013; LOPES; CARVALHO; FARIA, 2013); e ao desenvolvimento de discussões em torno de elementos sociocientíficos na formação inicial e continuada de professores, tendo em vista a influência das experiências do professor na sua prática pedagógica (BERNARDO et al., 2013; RIBEIRO; DARSIE, 2013; SANTOS et al., 2013).

Os demais estudos localizados no IX ENPEC estão distribuídos nos seguintes focos: 3 referentes a Estratégias de Ensino, 4 abordando Ambiente de ensino-aprendizagem, 4 com foco em Levantamento bibliográfico e 5 referentes à Análise de material.

Em síntese, constatou-se nos trabalhos publicados no ENPEC que existe um maior interesse das pesquisas que discutem a abordagem de questões sociocientíficas para compreender as implicações do envolvimento dos estudantes em atividades nessa perspectiva. Embora os trabalhos identificados possam constituir recortes de pesquisas mais amplas, as discussões apresentadas indicam intervenções pontuais. Nesse sentido, é relevante salientar o posicionamento de Vargas e Martinez Pérez (2011), segundo o qual a abordagem de questões sociocientíficas alcança melhores resultados se as atividades forem desenvolvidas a partir de uma mudança curricular.

Em concordância com Vargas e Martinez Pérez (2011), compreende-se que a abordagem de questões sociocientíficas pode integrar um processo de reconfiguração curricular. Isso porque, parte-se do pressuposto de que as questões sociocientíficas constituem mais do que uma estratégia metodológica, implicando mudanças mais profundas no processo de ensino e aprendizagem. Por outro lado, as iniciativas predominantemente pontuais podem representar um indicativo de que a abordagem dessas questões mediante mudanças curriculares ainda representa um desafio, necessitando de maiores investigações a seu respeito no âmbito da pesquisa em Educação em Ciências.

Compreensão de Questão Sociocientífica

Entre os 47 estudos localizados nos ENPECs, foram identificadas diferentes expressões para o que se denominou na análise de “elementos sociocientíficos”. Por esta razão, foram utilizados os trabalhos que utilizaram explicitamente o termo Questões Sociocientíficas para identificar características consensuais da área a seu respeito. Com isso, foram localizados 24 trabalhos, dentre os quais 13 forneceram elementos, ainda que de forma superficial, que permitem caracterizar as Questões Sociocientíficas como questões polêmicas e controversas, a exemplo dos trabalhos de Vargas e Martinez Pérez (2011) e de Azevedo et al. (2013). Isto é, que representam dilemas sociais com ligações conceituais, processuais ou tecnológicas com a ciência, e que apresentam uma solução complexa, sendo consideradas sob várias perspectivas, para além do ponto de vista da ciência, mobilizando aspectos éticos, afetivos, sociais, culturais etc.

Quanto à relação das Questões Sociocientíficas com a realidade, apenas dois trabalhos, entre os 47 encontrados no levantamento, apresentaram posicionamentos a esse respeito. Enquanto Lopes e Carvalho (2009) compreendem que as Questões Sociocientíficas devem apresentar caráter local e global, outros autores como Lopes, Carvalho e Faria (2013) entendem que tais questões podem apresentar um caráter global ou local, mas que questões muito distantes dos alunos podem não envolvê-los no debate.

Chama-se a atenção que esses trabalhos possuem dois autores em comum, de modo que, há indicativos de que os autores têm incorporado em suas pesquisas discussões acerca da abordagem de aspectos locais em sala de aula. Em particular, entende-se que, uma vez que as dimensões local e global podem ser compreendidas como inter-relacionadas (FONSECA, 2017), Lopes, Carvalho e Faria (2013) sinalizam para a necessidade de se abordarem questões próximas dos alunos no sentido de valorizar não apenas a relevância atribuída pelo professor à determinada questão, mas também a percepção dos estudantes sobre ela.

Com relação à dimensão social e científica, dois trabalhos explicitam que as Questões Sociocientíficas têm, em sua base, o conhecimento científico (LOPES; CARVALHO, 2009; VARGAS; MARTÍNEZ PÉREZ, 2011), enquanto um compreende que consistem em questões sociais relacionadas com o conhecimento científico (LENHARO; LOPES, 2013). Tais considerações explicitam as diferentes ênfases que podem ser atribuídas às Questões Sociocientíficas e a dificuldade de articular as dimensões científica e social em sua abordagem, aspecto já explicitado por Jiménez-Aleixandre e Puig (2012). Segundo estas autoras, o desenvolvimento da argumentação em sala de aula ocorre dentro de um espectro que vai desde questões científicas até Questões Sociocientíficas, conforme estas estejam livres ou carregadas de valores.

Ainda que poucos trabalhos tenham discutido o que caracteriza uma Questão Sociocientífica, é possível inferir que tal campo ainda está se constituindo no contexto do ensino de ciências brasileiro. Por outro lado, algumas das características convergentes observadas estão de acordo com aquelas apontadas por Mendes (2012), segundo a qual existe um consenso quanto ao fato de as Questões Sociocientíficas integrarem aspectos científicos e sociais, serem de natureza pluridisciplinar, além de permitirem aspectos morais e éticos na sua discussão.

Além do termo Questão Sociocientífica, foram identificadas nos trabalhos outras expressões. O Quadro 1 apresenta tais termos, bem como algumas das características apresentadas pelos autores a seu respeito.

Quadro 1:
Características dos diferentes termos utilizados nos trabalhos localizados para se referir à abordagem de elementos sociocientíficos no Ensino de Ciências.

Quadro 1:
Continuação

O Quadro 1 sinaliza que, apesar das diferentes expressões, os termos apresentam aspectos em comum, relacionados, por exemplo, com a abordagem de questões que envolvam dilemas e diferentes pontos de vista. Por meio desta análise inicial também foi possível constatar que, em sua maioria - no que concerne aos trabalhos que envolvem apresentação de propostas e/ou discussão de implementações - os estudos envolvem o desenvolvimento de um posicionamento crítico dos educandos ou a tomada de decisão fundamentada. Tais expressões, não raramente, ainda apresentam referenciais teóricos ligados à pesquisa internacional sobre Questões Sociocientíficas, a exemplo das pesquisas que utilizam os termos temática sociocientífica (PEREIRA; TRIVELATO, 2009) e temas sociocientíficos (BORBOLETTO; CARVALHO, 2009). Portanto, apesar das diferentes nomenclaturas, não se tratam de trabalhos divergentes, mas que refletem o interesse das pesquisas nacionais na abordagem de Questões Sociocientíficas.

Vale frisar que não estão representados no Quadro 1 estudos que utilizam diferentes expressões em sua discussão, a exemplo dos trabalhos de Pierson, Freitas e Zuin (2005) e de Zuin e Freitas (2007) que utilizam ao longo do texto termos como: tema sociocientífico controverso, aspectos sociocientíficos, situações sociocientíficas controversas, questões sociocientíficas controversas, situações sociocientíficas polêmicas. Além disso, não está representado o trabalho de Ramos e Silva (2007) que discute o conceito de controvérsia científica e sua abordagem na área de Ensino de Ciências de forma mais ampla, seja por meio das questões sociocientíficas ou mediante outras perspectivas.

Questões Sociocientíficas, abordagem CTS e o desenvolvimento da argumentação

O Quadro 1 também apresenta informações referentes à articulação entre os trabalhos localizados e referenciais teóricos relacionados à abordagem CTS(A)⁴ e ao desenvolvimento de ambientes argumentativos. Constatou-se que, do total de 20 trabalhos representados no Quadro 1, 12 deles apresentam o enfoque CTS(A) como parte do seu referencial teórico. Além disso, foram identificados mais 15 trabalhos entre aqueles que utilizaram explicitamente o termo Questões Sociocientíficas, totalizando 27 trabalhos, aproximadamente 57% do corpus de análise, que articulam Questões Sociocientíficas e abordagem CTS(A), sinalizando para uma possível tendência.

Entre os trabalhos localizados que articulam a abordagem de Questões Sociocientíficas ao enfoque CTS(A), encontram-se os estudos de Carnio e Carvalho (2013), Carvalho, Genovese e Pessoa (2013), Lopes, Carvalho e Faria (2013) e Santos et al. (2011), os quais apontam que as Questões Sociocientíficas têm sido consideradas, por alguns autores, como uma forma de efetivar os pressupostos do movimento CTS nas salas de aula de ciências. Essa compreensão sinaliza que as Questões Sociocientíficas, para alguns autores, podem ser compreendidas como um artifício metodológico para concretizar os pressupostos CTS(A) em sala de aula.

Segundo Penha (2012), ainda que os objetivos da abordagem CTS(A) e das Questões Sociocientíficas aparentem coincidir, discussões na área de Ensino de Ciências sugerem que a abordagem CTS(A) não enfatiza as questões éticas contidas em processos de tomada de decisão que envolvem ciência e tecnologia, mas apenas os seus impactos na sociedade.

Para Zeidler et al. (2005), por exemplo, embora a abordagem CTS(A) enfatize o impacto das decisões sobre ciência e tecnologia na sociedade - convencendo a comunidade educativa que ciência, tecnologia e sociedade não constituem aspectos isolados - e situe a aprendizagem de conteúdos em um contexto social, essa abordagem não impõe a devida atenção às questões éticas contidas em processos de tomada de decisão e ao desenvolvimento moral dos alunos. Sob este prisma, Zeidler et al. (2005) destacam que a abordagem de Questões Sociocientíficas representa um avanço em relação à abordagem CTS(A), de modo que além de englobar o enfoque CTS, consideram as dimensões éticas da ciência, o raciocínio moral e o desenvolvimento emocional do educando.

Por outro lado, para Mendes (2012), a abordagem CTS se insere em um contexto mais amplo, de reflexão em torno do papel da ciência e da tecnologia na sociedade, propondo currículos e materiais de ensino, enquanto as Questões Sociocientíficas voltam-se para o desenvolvimento de técnicas para a discussão dessas questões, apresentando um caráter complementar. Santos e Mortimer (2002), ao discutirem a estruturação de currículos pautados em CTS, enfatizam, entre seus objetivos, o desenvolvimeto de valores relacionados às necessidades humanas, visto que processos de tomada de decisão, por vezes, envolvem não apenas aspectos relacionados ao conhecimento científico, mas também questões éticas envolvidas na situação em análise.

Nesse contexto, constata-se a existência de posicionamentos controversos na área acerca da relação entre a abordagem CTS(A) e as Questões Sociocientíficas, sinalizando para a necessidade de aprofundamentos da interface entre tais abordagens, tal como sugerido por Lima e Martins (2013). De acordo com Santos (2011), tem havido um declínio no uso da sigla CTS e novos slogans têm sido utilizados os quais, apesar de propósitos em comum, reproduzem e carregam princípios ideológicos que os diferenciam significativamente. Depreende-se, portanto, a necessidade de explicitar os princípios balizadores de práticas nessas perspectivas, independente do slogan utilizado.

No que concerne à articulação da abordagem de Questões Sociocientíficas e o desenvolvimento de ambientes argumentativos, dos 47 trabalhos identificados no levantamento, 12 fazem referência ao desenvolvimento da argumentação dos alunos, entre os quais 3 também estão relacionados ao enfoque CTS(A). Entre esses trabalhos, destacam-se aqueles que fornecem encaminhamentos para o desenvolvimento da argumentação em sala de aula, voltando-se para aspectos como: importância da formação do professor e das intervenções pedagógicas realizadas pelo docente para o desenvolvimento da argumentação dos alunos em discussões sociocientíficas (BERNARDO et al., 2013; LENHARO; LOPES, 2013; MENDES; SANTOS, 2011; SANTOS; MORTIMER; SCOTT, 2001) e da análise do potencial argumentativo de Questões Sociocientíficas (SOBRINHO; RAMOS, 2013). Há também aqueles preocupados com a qualidade da argumentação dos alunos, que analisam suas justificativas, engajamento, conhecimentos mobilizados etc. (BORBOLETTO; CARVALHO, 2009; PEREIRA; TRIVELATO, 2009; PEREIRA; TRIVELATO, 2011; SANTOS et al, 2013; SILVA et al., 2013; SILVA; LLAVANERA; SANTOS, 2011).

Segundo Sá (2010), a abordagem de Questões Sociocientíficas em situações de ensino-aprendizagem de ciências preocupadas com o desenvolvimento da argumentação dos educandos tem sido recomendada em pesquisas realizadas na área. De acordo com Mendes (2012), a natureza controversa dessas questões favorece a emergência de posicionamentos contrários e, consequentemente, o desenvolvimento da argumentação. Todavia, Mendes (2012) discute que, no Brasil, a argumentação no âmbito de discussões sociocientíficas ainda é pouco explorada, aspecto consonante com o levantamento aqui descrito, visto que, dos 12 trabalhos localizados 11 estão distribuídos nos VII, VIII e IX ENPECs, sinalizando para um interesse recente e ainda incipiente.

Planejamento e implementação de propostas centradas em Questões Sociocientíficas

No que tange às características dos trabalhos relacionadas aos critérios de seleção de Questões Sociocientíficas e estratégias didáticas utilizadas para a sua abordagem na educação básica ou na formação de professores, 28 trabalhos, aproximadamente 58% entre aqueles analisados, apresentam aspectos de propostas de ensino centradas em elementos sociocientíficos desenvolvidas em sala de aula.

Em geral, as questões ou temáticas são selecionadas pelo professor e atendem, além das características de Questões Sociocientíficas entendidas pelos autores, alguns critérios, quais sejam:

1. Evidência na mídia, envolvendo uma discussão atual, a exemplo dos temas: Transposição das águas do rio São Francisco (ZUIN; FREITAS, 2007), Mudanças climáticas (LIMA; SILVA, 2011; RAMOS; SILVA, 2009), Radioatividade/Energia nuclear (SILVA; PESSANHA, BOUHID, 2011), Aquecimento global (SILVA et al., 2013), Pesquisa com células-tronco embrionárias (SANTOS et al., 2013) e Produção de energia elétrica em usinas nucleares (BERNARDO et al., 2013).

2. Relação com o conteúdo abordado, material didático adotado ou com os propósitos da disciplina ou minicurso ministrado, tais como as propostas em torno dos temas: Combustíveis (OLIVEIRA; PIERSON; ZUIN, 2009), Construção de uma usina hidrelétrica na China (BORBOLETTO; CARVALHO, 2009), Ciência e (In)tolerância (CARNIO; LOPES; CARVALHO, 2011), E-lixo (resíduo eletroeletrônico) (MELO; PRÍMOLA; MACHADO, 2013).

3. Vínculo com a realidade local ou com o interesse dos alunos, a exemplo dos trabalhos que discutem os temas: Legalização da maconha na Colômbia (VARGAS; MARTÍNEZ PÉREZ, 2011), Produção de soja no norte do Mato Grosso (RIBEIRO; DARSIE, 2013), Agrotóxicos: custo versus toxidade (LOPES; CARVALHO; FARIA, 2013) e Agrotóxicos (LENHARO; LOPES, 2013).

4. Entendimento do professor, isto é, seleção de um tema/questão que seja considerado relevante pelo professor de ser abordado em sala de aula, tais como: Ciência, religião e magia (SANTOS; MORTIMER; SCOTT 2001), Contaminação de lençóis freáticos por cromo VI (PIERSON; FREITAS; ZUIN, 2005), Qual deveria ser o principal combustível do Brasil nas próximas décadas? (FREITAS; BRAGA, 2009), Lei de biossegurança 11105/05 (PEREIRA; TRIVELATO, 2009; 2011), Pesquisa com células-tronco embrionárias (SILVA; LLAVANERA; SANTOS, 2011), Produção da energia elétrica, desenvolvimento e meio ambiente (BERNARDO; VIANNA; SILVA, 2011), A construção da usina de Belo Monte (CREPALDE; AGUIAR, 2013; CORRÊA; GEREMIAS, 2013); Nanotecnologia (SANTOS; KATO, 2013), Implantação da TV digital brasileira (PENHA; CARVALHO, 2013).

Também foram identificados trabalhos em que são entendidos como elementos sociocientíficos textos do livro didático adotado, tais como os temas: “Cuidados com os produtos químicos domésticos” (MENDES; SANTOS, 2011; 2013) e “A química e os alimentos” (MELO; SANTOS, 2013).

Nesse contexto, embora os trabalhos discutam aspectos relacionados com a abordagem de elementos sociocientíficos, eles apresentam diferentes critérios de seleção. Destaca-se, portanto, a necessidade de maiores sistematizações, tendo em vista o risco mencionado por Mendes (2012) de desenvolver discussões apenas como uma associação superficial de tópicos do cotidiano, isto é, sem o aprofundamento necessário para o desenvolvimento de um posicionamento crítico do educando diante de temas sob a tônica científica e tecnológica.

Quanto às estratégias utilizadas na abordagem de elementos sociocientíficos nos 28 trabalhos identificados, é possível agrupá-las como:

1. Discussão com base em texto(s) de referência, tal como textos do livro didático, informes divulgados pela mídia, entre outros. Tal estratégia foi utilizada nos trabalhos de Bernardo, Vianna e Silva (2011), Melo e Santos (2013) e Mendes e Santos (2011; 2013), totalizando 4 dos 28 trabalhos.

2. Organização dos alunos em grupos, realização de pesquisa sobre a temática/questão abordada e realização de um debate, estratégia mais utilizada, tendo sido adotada em 11 trabalhos, a exemplo dos trabalhos de Freitas e Braga (2009), Santos e Kato (2013), Silva, Pessanha e Bouhid (2011) e de Zuin e Freitas (2001).

3. Júri-simulado, o qual pode ser compreendido sob duas perspectivas: realização de um debate em que há apenas dois posicionamentos, contrário e favorável à situação proposta (PEREIRA; TRIVELATO, 2009; 2011); e em que há a existência do proponente, oponente e do terceiro, que pondera os fatos como um juiz (BERNARDO et al., 2013). Apenas três trabalhos utilizaram tal estratégia.

4. Role Playing Game (RPG) que pode ser compreendido como uma estratégia em que são atribuídos papéis aos alunos com base nos atores sociais envolvidos na situação abordada, permitindo sua análise sob diferentes perspectivas. Destaca-se que, embora constitua uma estratégia comumente empregada em propostas com abordagem de Questões Sociocientíficas (SÁ, 2010) no presente levantamento foi utilizado apenas no trabalho de Oliveira, Pierson e Zuin (2009).

5. Discussão tendo como referência filmes, documentários e demais produções audiovisuais, sendo empregada por 5 dos 28 trabalhos identificados, a exemplo dos trabalhos de Borboletto e Carvalho (2009), Pierson, Freitas e Zuin (2001) e de Ramos e Silva (2009).

Apesar das distintas estratégias empregadas na implementação de propostas baseadas em elementos sociocientíficos em sala de aula, os trabalhos convergem no que tange ao desenvolvimento de práticas discursivas, envolvendo os alunos em discussões, tendo em vista capacitá-los para processos de tomada de decisão. Sobre as estratégias utilizadas na abordagem de elementos sociocientíficos, é conveniente refletir acerca do papel desempenhado por esses no processo educativo, isto é, se constituem apenas um recurso didático-pedagógico ou objeto de aprendizagem em sala de aula, aspecto que demanda aprofundamentos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Com base no estudo dos trabalhos publicados nas nove edições do ENPEC, constatou-se que houve um aumento nos trabalhos que discutem a abordagem de Questões Sociocientíficas nos últimos anos, em especial a partir do VII ENPEC em 2009, com maior interesse no estudo do envolvimento dos estudantes durante atividades centradas em elementos sociocientíficos e na formação de professores como foco de pesquisa.

Constatou-se, ainda, a incipiência de estudos que articulam a discussão das Questões Sociocientíficas com o desenvolvimento da argumentação dos alunos, assim como uma tendência entre os pesquisadores brasileiros de articular a abordagem de Questões Sociocientíficas e o enfoque CTS. Sobre esse último aspecto, destaca-se a necessidade de se explicitar os princípios balizadores dessa articulação, evidenciando a formação científica e tecnológica almejada.

Ao analisar o entendimento dos pesquisadores acerca das Questões Sociocientíficas, identificou-se que, embora poucos trabalhos discutam suas características e sejam utilizadas diferentes expressões para se referir a elementos sociocientíficos, há consenso quanto ao fato de integrarem aspectos científicos e sociais, assim como de envolverem: diferentes áreas do conhecimento para sua compreensão, aspectos morais e éticos e processos de tomada de decisão.

Por outro lado, os trabalhos identificados no levantamento, que discutem o desenvolvimento de atividades centradas em Questões Sociocientíficas, apresentam diferentes pontos de partida para a seleção dessas questões, tais como: temas discutidos na atualidade, relação com o conteúdo, realidade e/ou interesse dos educandos e entendimento do professor. Também são utilizadas diferentes estratégias para discussão das questões, quais sejam: discussão de texto de referência, debate, júri-simulado, Role Playing Game e discussão de produção audiovisual.

Além disso, ainda que as diferentes estratégias empregadas priorizem o envolvimento dos alunos em discussões, tendo em vista capacitá-los para processos de tomada de decisão, elas remetem para a reflexão em torno do papel desempenhado pelas Questões Sociocientíficas no processo educativo. Isto é, há indicativos da necessidade de maiores discussões que permitam elucidar se as Questões Sociocientíficas constituem recurso didático-pedagógico, objeto de aprendizagem em sala de aula ou elemento estruturante do currículo.

Dentre os trabalhos identificados, destaca-se a relevância da discussão realizada por Ramos e Silva (2007) sobre o conceito de controvérsia científica no campo dos estudos sociológicos da Ciência e Tecnologia e na pesquisa em Educação em Ciências, sinalizando algumas contribuições e limitações da sua abordagem em sala de aula. Entende-se que discussões de caráter epistemológico dessa natureza podem contribuir com uma melhor compreensão da abordagem de questões sociocientíficas, uma vez que essa pode ser considerada uma área de pesquisa ainda em consolidação e que se encontra associada a uma rede de conceitos sobre os quais existem amplas discussões e diferentes posicionamentos na área, tais como: formação cidadã, alfabetização científica, tomada de decisão, habilidades de pensamento crítico, raciocínio moral e natureza da ciência.

Em síntese, com base no levantamento realizado, há indícios de que a discussão das Questões Sociocientíficas no contexto brasileiro necessita de maiores sistematizações acerca das características dessas questões e suas relações com outros referenciais, assim como de mais discussões relacionadas ao desenvolvimento de propostas nessa perspectiva, vislumbrando maior consenso quanto aos critérios adotados na seleção dessas questões e ao papel desempenhado por elas no processo educativo.

Ademais, apesar da relevância dos trabalhos identificados para a pesquisa em educação em Ciências, destaca-se a necessidade de sintonizar a abordagem de questões sociocientíficas com o contexto sociocultural brasileiro, tendo em vista o enfrentamento do problema relativo ao pouco impacto das pesquisas sobre as práticas escolares discutido, por exemplo, por Delizoicov (2004). Assim, enfatiza-se a necessidade de a pesquisa brasileira delinear mais encaminhamentos para a abordagem de questões sociocientíficas em consonância com o contexto nacional e com a construção de um modo de ver a partir das especificidades do Ensino de Ciências brasileiro.

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• 1
  Total de trabalhos apresentados no evento, sem distinção entre trabalhos apresentados em comunicações orais e em pôster.

• 2
  Usar-se-á este termo, tendo em vista que foram utilizadas diferentes nomenclaturas nas pesquisas em análise, mesmo quando os referenciais teóricos eram compartilhados, aspecto que será melhor discutido na categoria “Compreensão de Questão Sociocientífica”.

• 3
  O termo “Aspectos Sóciocientíficos” é citado duas vezes na tabela, tendo em vista sua articulação com elementos da Argumentação. O mesmo vale para o termo “Tema Controverso”.

• 4
  CTS: Ciência, Tecnologia e Sociedade; CTSA: Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2017

Histórico

• Recebido
  27 Nov 2015
• Aceito
  21 Mar 2017