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MOTIVOS PARA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA: UMA ANÁLISE COM PROFESSORES DE FÍSICA A PARTIR DA TEORIA DA ATIVIDADE

REASONS FOR SCIENTIFIC EDUCATION: AN ANALYSIS WITH PHYSICS TEACHERS FROM ACTIVITY THEORY

RAZONES PARA LA EDUCACIÓN CIENTÍFICA: UN ANÁLISIS JUNTO A MAESTROS DE LA FÍSICA A PARTIR DE LA TEORÍA DE LA ACTIVIDAD

RESUMO:

Analisamos justificativas para a Educação Científica estáveis na literatura, aproximando-as da categoria significação objetiva da Teoria da Atividade de Leontiev, articulando-as aos sentidos pessoais apresentados por professores de Física. Na Teoria Histórico-Cultural da Atividade, tal análise equivale a investigar o trabalho docente em um nível psicológico fundamental, observando o nível de coerência entre as significações objetivas e os sentidos pessoais na construção de motivos, para o ensino. Os resultados indicam incoerências parciais entre as significações objetivas e sentidos pessoais dos professores para o Ensino de Física. Interpretamos essas incoerências parciais como dificuldades na construção de motivos eficazes para realização de uma atividade autêntica nesse caso, a atividade principal do professor de Física, a introdução dos jovens à cultura científica contemporânea.

Palavras-chave:
Teoria da Atividade; Formação de Professores; Motivos para a aprendizagem de Ciências

ABSTRACT:

We analyzed justifications for stable Scientific Education in literature, approaching them to the objective meaning category of Leontiev’s Theory of Activity, articulating them to personal meanings presented by Physics teachers. In the Historical-Cultural Theory of Activity, such analysis is equivalent to investigating the teaching work at a fundamental psychological level, observing the level of coherence between objective meanings and personal senses in the area of reasons’ construction for teaching. The results indicate partial inconsistencies between objective meanings and teachers’ personal meanings for Physics Teaching. We understand these partial inconsistencies as difficulty in effective construction reasons to perform an authentic activity, in this case, the main activity of a Physics teacher, the introduction of young individuals to the contemporary scientific culture.

Keywords:
Activity Theory; Teacher Training; Motives for learning science

RESUMEN:

Analizamos justificativas estables para la Educación Científica en la literatura, aproximándolas de la categoría significación objetiva de la Teoría de la Actividad de Leontiev, articulándolas a los sentidos personales presentados por maestros de la Física. En la teoría Histórico-Cultural de la Actividad, dicho análisis equivale a investigar el trabajo docente en un nivel psicológico fundamental, observando el nivel de coherencia entre las significaciones objetivas y los sentidos personales en la construcción de razones para la enseñanza. Los resultados indican incoherencias parciales como dificultades en la construcción de razones eficaces para la realización de una actividad auténtica, en este caso, la actividad principal del maestro de la física, a la introducción de los jóvenes a la cultura científica contemporánea.

Palabras clave:
Teoría de la Actividad; Formación de maestros; Razones para el aprendizaje de las Ciencias

1. APROXIMAÇÕES PARA COMPREENSÃO DOS SENTIDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Na literatura da área de Ensino de Ciências é possível identificar concepções de Educação Científica que dificilmente podem ser refutadas nas concepções contemporâneas de currículo para Educação Básica. Essas concepções são explicitadas em formas de justificativas e enfatizam sua importância e necessidade para a sociedade e para a formação geral dos alunos. Tal noção, por aproximação teórica, pode ser entendida como a categoria leontieviana motivos.

Nessa mesma literatura há frequentes menções a uma crise de sentidos da Educação Científica, algo como apatia dos jovens em relação a problemas científicos (FOUREZ, 2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e consequências de uma separação, politicamente produzida, entre a ciência e o cidadão, desde os primórdios da ciência moderna (TOTI, 2011TOTI, F. A. Educação científica e cidadania: as diferentes concepções e funções do conceito de cidadania nas pesquisas em Educação em Ciências. 2011. 267 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011.). O presente trabalho parte da hipótese de que muito dessa crise de sentidos repousa nas dificuldades encontradas por professores na geração de motivos eficazes para a aprendizagem. Então, conhecer a relação entre significação objetiva e sentidos pessoais, a partir da teoria da atividade, deve auxiliar-nos a entender melhor onde está e como se dá essa dificuldade e essa crise de sentido no Ensino de Ciências, olhando para características psicológicas dos docentes.

Apoiados na Teoria da Atividade, defendemos que as principais conceituações encontradas em trabalhos que revisam e estabelecem metas para o Ensino de Ciências, em contexto internacional, podem ser consideradas significações objetivas em um sentido Leontieviano. Trata-se de objetivações sociais, moldadas ao longo do processo sócio-histórico e estáveis a décadas, apesar de reedições.

Construímos tal categoria emergente, a partir de trabalhos de revisão e de organização de ideias fundamentais sobre justificativas para a Educação Científica na Educação Básica: Gil-Perez e Vilches (2005)GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. Importância da Educação Científica na sociedade Actual. In: CACHAPUZ, A. et al (org). A necessária Renovação do Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez, 2005.; Cachapuz, et al (2005)CACHAPUZ, A. et al . (org). Proceedings of the International Seminar on “The state of the art in Science Education Research”,15th -16th October, 2004, Research Center Didactics and Technology for Teacher Education (CIDTFF). University of Aveiro, Portugal. (CD-Rom, ISBN: 972-789-174-8). 2005. Disponível em: < Disponível em: http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/ >. Acesso em:20 jan. 2016.
http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/...
; Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.); DeBoer (2000)DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.; Laugksch (2000LAUGKSCH, R. C. Scientific literacy: a conceptual Overview. Science Education, v. 84, n. 1, p. 71-94, 2000.); Furió et al (2003)FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.; Shamos (1995SHAMOS, M. The myth of scientific literacy. New Brunswick: Rutgers University Press, 1995); AAAS (1989)AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE (AAAS). American Association for the Advancement of Science. Science for all americans: a Project 2061 report on literacy goals in science, mathematics, and technology. Washington: AAAS, 1989.; Shortland (1988SHORTLAND, M. Advocating science: Literacy and public understanding. Impact of Science on Society, v. 38, n. 4, 1988.); Thomas e Durant (1987THOMAS, G; e DURANT, J. Why should we promote the public understanding of science? In: SHORTLAND, M. (ed.), Scientific literacy papers (p. 1-14). Oxford: Department for External Studies, University of Oxford, 1987.); Miller (1987MILLER, J. D. Scientific literacy in the United States. In: D., Evered; M., O’Connor(org.), Communicating science to the public. London: Wiley, p. 19-40, 1987.); Shen (1975SHEN, B. S. P. Science literacy. American Scientist, New Haven, v. 63, n. 3, p. 265-268, 1975.).

Apesar do reduzido número de artigos selecionados, sua característica de estado da arte ou de meta-análise e distribuição temporal, permitiu-nos identificar uma saturação e estabilização temporal em se tratando de significações objetivas leontievianas.

Apesentam uma farta conceituação e justificação para o Ensino de Ciências, importantes para a história e desenvolvimento da área e permitem perceber que há um conjunto de significações objetivas consistentes para justificar a Educação Científica como uma das tarefas fundamentais da Educação Básica.

Nosso objetivo principal é empregar as categorias dialéticas da Teoria da Atividade de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.): significação objetiva e sentido pessoal, para compreender a produção e transformação de sentidos no Ensino de Física na atividade principal do professor de Física. Com esse objetivo esperamos adentrar nas relações entre significados, sentidos e motivos (categorias leontievianas) para a aprendizagem de Física manifestada pelos professores e dirigida para seus alunos uma vez que se trata de componente importante da consciência do professor em seu trabalho docente.

2. TEORIA DA ATIVIDADE DE LEONTIEV E ATIVIDADE DOCENTE

Leontiev (1979)LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. estabelece que de modo geral, a atividade humana, planificada pelos sujeitos, é responsável por desencadear ações que aparentam nenhuma correspondência com o motivo da atividade. Entretanto, olhada na estrutura geral (ampla) da atividade, é revelado seu motivo e sua necessidade. Assim, há um nível na estrutura leontieviana da atividade que revela as escolhas realizadas em função das condições objetivas disponíveis no contexto da atividade. Níveis mais complexos de atividade correspondem a níveis mais complexos de necessidades a serem satisfeitas.

Porém, não é todo e qualquer processo que pode ser considerado uma atividade em sentido leontieviano, mas apenas aquelas que são voltadas para satisfazer uma necessidade humana específica, materializada na relação humana com a natureza. Tanto uma ação quanto uma operação são categorias executáveis (se faz), já a atividade é um processo psicológico. (LEONTIEV, 1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.). Assim, há a atividade legítima, verdadeira e processos que apesar de apresentarem componentes da atividade não chegam a integralizá-la.

A atividade é autêntica se a objetivação coincidir com o motivo. Em um processo (não atividade) o motivo pode transformar-se, passando de motivo não conectado com a objetivação (não atividade) para um motivo coincidente com a objetivação resultando em uma atividade autêntica.

Aqui entra uma nova conceituação leontieviana, o sentido. O sentido que o sujeito atribui a sua objetivação pode mudar os motivos da atividade e então temos motivos eficazes (que coincidem com objetivações) e motivos compreensíveis (incapazes de produzir uma atividade autêntica) (LEONTIEV, 1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.).

Assim, a transformação de motivos é algo de fundamental importância no trabalho docente para que atividades autênticas sejam produzidas nos processos educacionais, junto aos seus alunos. A aprendizagem de conceitos de Física, pode iniciar-se na Educação Básica sem, no entanto, constituir-se uma atividade autêntica, isso se faz perceber pela crise na Educação Científica (FOUREZ, 2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.), pela visão limitada a aprovação em exames e seleção ou nos objetivos apenas propedêuticos. No entanto, os motivos podem ser transformados de compreensíveis para eficazes mediante uma nova relação entre objetivação e sentido. Esse processo pode ser promovido pelo professor de Física.

Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.) apresenta uma estrutura para a atividade humana, com componentes muito bem definidos: há uma necessidade, essa necessidade se materializa em um motivo, esse motivo está vinculado ao objetivo da atividade. Ação pode transformar-se em atividade e vice-versa em um complexo movimento.

Por exemplo: dirigir começa como atividade (exige total consciência). Com o tempo passa a ser uma ação e depois uma operação, já quando não exigir tanta consciência, ou seja, quando mobilizar os esforços necessários não apresentar dificuldades elevadas, mobilizando a consciência. A atividade autêntica exige a preexistência de motivos. Na ausência de motivos, a atividade torna-se uma ação. Se a ação ganha motivo, torna-se atividade. O movimento da relação sentido/objetivação é o definidor qualitativo da atividade.

Transformar motivos compreensíveis em motivos eficazes é fundamental para a realização psicológica da atividade autêntica. Para Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.), só na avaliação consciente da atividade é que o sujeito poderá transformar seus motivos compreensíveis para eficazes. Esse processo modifica a relação da objetivação e sentido, produzindo sentido pessoal e gerando uma atividade autêntica. Assim o sujeito atribui sentido pessoal às significações objetivas. Essa coincidência fundamental produz atividade autêntica e esta produz a consciência.

Usando um exemplo empregado por Moretti e Moura (2011MORETTI, V. D.; MOURA, M. O. Professores de matemática em atividade de ensino: contribuições da perspectiva histórico-cultural para a formação docente. Ciência e Educação (UNESP. Impresso), v. 17, p. 435-450, 2011.): um triângulo é uma significação objetiva (um conceito definido e estabilizado historicamente). O sujeito pode dar diferentes sentidos pessoais. Por exemplo, a noção de que triângulo retângulo “deitado” não é triângulo. Mas quando o sentido pessoal coincide com a significação objetiva para triângulo, então o sujeito se apropriou do conceito.

A Educação é um processo de apropriação cultural e a mediação docente é fundamental para essa apropriação. Isso coloca a Educação na condição de atividade construtora do psiquismo humano. Assim a Educação (não só escolar) é direito dos sujeitos para apropriação eficaz da cultura, para se constituírem na genericidade humana.

A mediação, quando envolve coletivos, não significa atividade para ambos, podem operar juntos, mas não ser ainda uma atividade autêntica. Ou seja, o professor pode não ter o ensino de Física como atividade em sentido leontieviano, mas para o aluno, ainda sim, a aprendizagem de Física se constituir em atividade autêntica. Nossa pesquisa assume que o trabalho docente é construtor de sentido pessoal para o professor e para o aluno, por meio da mediação e ao tempo em que a mediação seja capaz de transformar a aprendizagem de Física em atividade genuína, ou seja, que motivos eficazes sejam produzidos pela mediação do professor no processo de aprendizagem do aluno.

A partir da Teoria da Atividade, convergências ou divergências entre significações objetivas e sentido pessoal podem ser analisadas e revelar características da consciência do professor. Além disso, divergências entre sentido pessoal e significação objetiva obstruem a geração de motivos eficazes, resultando em atividades não autênticas (LEONTIEV, 1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.), pelo menos até que se transforme tal relação entre as categorias. Podemos dizer que a incoerência entre sentido pessoal e significação objetiva favorece a geração de motivos compreensíveis ao mesmo tempo em que destrói as condições para desenvolvimento de motivos eficazes, este sim, definidor de uma atividade autêntica e da consciência.

2.1 PREPARAÇÃO DOS DADOS E METODOLOGIA DE ANÁLISE

Compatível com a perspectiva teórica da teoria da atividade, uma vez que enfatiza a importância do sentido da mensagem, a análise de conteúdo foi a matriz metodológica para análise das informações obtidas com o questionário online. Com a análise do conteúdo, pudemos produzir inferências a partir de dados obtidos com o instrumento. (FRANCO, 2007FRANCO, M. L. B. Análise do conteúdo. Série pesquisa. V. 6. Brasília: Liber Livro Editora, 2007.).

A análise do conteúdo possui categorias análogas à Teoria da Atividade. Baseados em Franco (2007FRANCO, M. L. B. Análise do conteúdo. Série pesquisa. V. 6. Brasília: Liber Livro Editora, 2007.), tomamos a mensagem como a categoria central nas análises, no nosso caso a mensagem expressa voluntariamente, diretamente provocada por meio do questionário online. A expressão da mensagem envolve a captação de sentidos, ou ainda complexas diferenças entre significado e sentido e que não pode ser considerado isolado, mas contextualizado.

A metodologia de análise envolveu a leitura das respostas longas e curtas, dadas ao questionário, categorização dos sentidos pessoais e em seguida a leitura dessas categorias de sentido pessoal por meio das categorias a priori, categorias leontievianas para significação objetiva. A análise que se depreendeu está na relação dialética dessas duas categorias, na constituição da atividade.

O instrumento de coleta de informações online foi enviado para professores de Física do Ensino Médio após contatos prévios e o preenchimento foi realizado mediante interação individual com cada professor, pessoalmente ou por vias eletrônicas, visando sempre assegurar a compreensão dos objetivos do instrumento e da pesquisa. O critério utilizado para convite e envio do questionário foi: ser licenciado em Física e atuar no Ensino Médio, na disciplina de Física. O questionário não solicitou informações que identificassem os sujeitos e somente aqueles que recebessem o link, puderam responder e editar as suas respostas durante 60 dias.

Contamos com aderência de 14 professores (nomeados, prof. 1 a 14), egressos de cursos de licenciatura em Física em duas regiões de Goiás, todos a menos de 8 anos em 2015. Esse número representa aproximadamente 50% dos professores de Física (com formação em Física) de quatro municípios do Estado de Goiás, totalizando 14 escolas de Ensino Médio. Portanto, trata-se de uma amostra potencialmente representativa, especialmente no contexto do interior do Brasil, por exemplo. Um caso não muito restritivo em se tratando de semelhanças e paralelismos (DEZIN; LINCOLN, 2006)DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. (org.). Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2ª ed. Porto Alegre: ARTMED, 2006.. Abaixo reproduzimos as três questões, apresentadas aos professores.

  1. Imagine que sou um aluno do terceiro ano do Ensino Médio e pergunto a você, meu professor de Física, por que devo aprender a sua matéria, se quero seguir uma carreira profissional que não precisa dessas áreas. O que você me responderia? Por favor, responda a essa questão como se estivesse respondendo para seu aluno o porquê aprender sua matéria, ou seja, trata-se da justificativa dada aos alunos para aprender sua matéria.

  2. 2) Você deve ter muitos alunos, uns mais interessados e outros menos interessados na sua matéria. Qual a sua hipótese para explicar o interesse dos que são interessados e o desinteresse dos desinteressados pela sua matéria? Por favor, observe que essa questão tem duas partes: a) os interessados e b) desinteressados.

  3. 3) Quais recursos ou estratégias o (a) Sr(a) considera que seriam úteis para esclarecer ou convencer os jovens da importância da aprendizagem de Física no Ensino Médio? Por favor, sinta-se à vontade para colocar as suas ideias, mesmo que não façam parte de nossa realidade educacional imediata que vivenciamos hoje no país.

Três enfoques foram contemplados, um em cada questão: Motivos (categoria leontieviana) e procurando encontrar elementos de conflito ou afirmação para os motivos apresentados, solicitamos hipótese de ação do professor e recursos/estratégias que considera. Ou seja, como lidam com os motivos para a Educação Científica, o que pensam sobre como melhorar o envolvimento dos seus alunos com a ciência e, por último, o que pensam ser necessário para esse ensino.

Esse instrumento exigiu do professor uma reflexão que o fez se reportar aos seus sentidos pessoais atribuídos à atividade de ensino. Assim, apesar de haver três questões solicitando mobilizações de ideias diferentes, o objetivo das três foi um só: suscitar e desencadear posicionamentos refletidos dos professores que nos leve a seus sentidos pessoais vinculados à atividade de Ensinar Física.

3. APROXIMAÇÕES PARA CONCEITUAR SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA

Adotamos dois critérios de seleção de artigos para constituição da categoria significação objetiva. Primeiramente buscamos reunir artigos de periódicos que tivessem como objetivo central apresentar e debater consistentemente os motivos (leontievianos) para uma Educação Científica na Educação Básica ou, pelo menos, apresentasse uma ampla revisão de metas, objetivos, justificativas para a Educação Científica.

O segundo critério consistiu em identificar saturação conceitual com base em artigos constituídos de textos dedicados especificamente a sistematizar de forma direta e geral o máximo de significações objetivas para Educação Científica, seja em forma de objetivos, função social ou enquanto justificativas para a relevância da aprendizagem de ciências. Na medida em que a sobreposição de concepções surgia, indicando uma saturação na aproximação para significações objetivas encontradas, a seleção de textos foi concluída.

Os textos finais selecionados abordam ideias que se sobrepõem, revelando concordância sobre essas significações objetivas para a Educação científica e indicando saturação. Além disso, o objetivo não foi esgotar as numerosas e históricas revisões internacionais sobre Educação Científica, mas sim constituir de forma segura e fidedigna a categoria significação objetiva necessária para a análise das posições dos professores mediante a Teoria da Atividade de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.). Essa construção de categorias é possível na medida em que assumimos as sínteses das significações objetivas como a posição oficial de uma comunidade de pesquisadores e professores.

Nesse processo, alguns textos são destacáveis. Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.) realizou uma abrangente revisão dos objetivos e significados para o currículo escolar de ciências em um cenário internacional. Este autor optou por uma metodologia que buscou enquadrar essa revisão ao longo dos séculos XIX e XX.

Outro ponto relevante é que não encontramos significação objetiva que não tenham sido também contempladas nessa revisão de DeBoer, o que indica que seus resultados são significativamente amplos. Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e Shen (1975SHEN, B. S. P. Science literacy. American Scientist, New Haven, v. 63, n. 3, p. 265-268, 1975.) apresentam três enunciados (de natureza humanista, social e política) semelhantes às categorias de DeBoer (2000)DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.. Tais categorias de significação objetiva em Fourez (2003)FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003. também contemplam aquelas apresentadas por Furió, et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) e Cachapuz et al (2005)CACHAPUZ, A. et al . (org). Proceedings of the International Seminar on “The state of the art in Science Education Research”,15th -16th October, 2004, Research Center Didactics and Technology for Teacher Education (CIDTFF). University of Aveiro, Portugal. (CD-Rom, ISBN: 972-789-174-8). 2005. Disponível em: < Disponível em: http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/ >. Acesso em:20 jan. 2016.
http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/...
, por exemplo.

Trabalhos anteriores a estes tratam de características semelhantes da Educação Científica, ajudando a nossa argumentação de que tais compreensões são equivalentes a significações objetivas.

Thomas e Durant, (1987THOMAS, G; e DURANT, J. Why should we promote the public understanding of science? In: SHORTLAND, M. (ed.), Scientific literacy papers (p. 1-14). Oxford: Department for External Studies, University of Oxford, 1987.) abordam três dimensões de alfabetização científica: alfabetização científica prática, voltada para aspectos mais específicos das ciências, aproximando-se de uma formação para um uso prático das ideias da ciência. A Alfabetização científica cívica, voltada para a participação e controle da ciência pelo cidadão e fundamentação de decisões. Alfabetização científica cultural, que remete a um interesse na ciência enquanto elemento fundamental de cultura geral e também a uma perspectiva estética da ciência.

Shamos (1995SHAMOS, M. The myth of scientific literacy. New Brunswick: Rutgers University Press, 1995) considera três noções de alfabetização científica: Alfabetização científica cultural, em que a ciência é aprendida limitando-se ao elemento cultural. Literatura científica funcional, que permite um entendimento razoável de problemas científicos, permitindo que se leia, fale e escreva dentro de um contexto técnico-científico significativo. Alfabetização científica verdadeira, capaz de colocar o cidadão em condições de participar ativamente da ciência, o que para Shamos (1995)SHAMOS, M. The myth of scientific literacy. New Brunswick: Rutgers University Press, 1995 é algo que pode ser mantido como meta, mas é irrealizável na maioria das vezes, por exigir um amplo conhecimento difícil até mesmo para especialistas.

Laugksch (2000LAUGKSCH, R. C. Scientific literacy: a conceptual Overview. Science Education, v. 84, n. 1, p. 71-94, 2000.) considera que a alfabetização científica permite duas esferas de ação, uma baseada na construção de uma macrovisão e uma segunda baseada em uma microvisão. Segundo esse autor, parece haver um acordo generalizado de que a alfabetização científica é “uma coisa boa”, mas muitas vezes só existe uma compreensão tácita das razões para defender a alfabetização científica (THOMAS e DURANT, 1987THOMAS, G; e DURANT, J. Why should we promote the public understanding of science? In: SHORTLAND, M. (ed.), Scientific literacy papers (p. 1-14). Oxford: Department for External Studies, University of Oxford, 1987.). O autor lista uma série de argumentos comuns que foram sugeridos em favor da alfabetização científica, baseados em Thomas e Durant (1987THOMAS, G; e DURANT, J. Why should we promote the public understanding of science? In: SHORTLAND, M. (ed.), Scientific literacy papers (p. 1-14). Oxford: Department for External Studies, University of Oxford, 1987.) e Shortland (1988SHORTLAND, M. Advocating science: Literacy and public understanding. Impact of Science on Society, v. 38, n. 4, 1988.) e os agrupa essencialmente em uma visão macro e micro. O primeiro refere-se aos alegados benefícios que se obtêm para a nação, a ciência ou a sociedade, enquanto o último se relaciona com o aprimoramento da vida do indivíduo.

Observando as datas dos trabalhos podemos inferir que há uma saturação dessa discussão, esta saturação representa as significações que procuramos para levar à análise dos sentidos pessoais apresentados pelos professores para seu trabalho docente, no Ensino de Física. A seguir, discutimos as quatro categorias aproximativas.

3.1. SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA DE NATUREZA HUMANISTA

Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e Shen (1975SHEN, B. S. P. Science literacy. American Scientist, New Haven, v. 63, n. 3, p. 265-268, 1975.) nos apresentam três amplas categorias de Educação Científica análogas a significações objetivas. Segundo estes autores, os objetivos humanistas estão voltados para a capacidade de situar os sujeitos em um universo técnico-científico e também a utilizar as ciências para decodificar seu mundo, a fim de que se torne menos obscuro. Trata-se ao mesmo tempo de manter sua autonomia crítica na sociedade e familiarizar-se com as grandes ideias provenientes das ciências. Para Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e também para Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.), isso significa participar da cultura do nosso tempo.

Gil-Pérez; Vilches (2005)GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. Importância da Educação Científica na sociedade Actual. In: CACHAPUZ, A. et al (org). A necessária Renovação do Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez, 2005., Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.), Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) e DeBoer (2000)FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003. apresentam revisões nos quais manifestam que o ensino das ciências tem sua relevância no currículo escolar, na medida em que é característica marcante do processo sócio-histórico, ou seja, uma parte importante da nossa experiência cultural que deve ser passada de geração em geração, tanto por transformar a relação da humanidade com a natureza, quanto as relações internas da sociedade. Tais posições também são reportadas pela AAAS (1989)AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE (AAAS). American Association for the Advancement of Science. Science for all americans: a Project 2061 report on literacy goals in science, mathematics, and technology. Washington: AAAS, 1989. como motivos para Educação Científica.

Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.) articula as significações objetivas de natureza humanísticas da aprendizagem de ciências em três tópicos: “Ensinar e aprender ciências como uma força cultural no mundo contemporâneo”; “Aprender sobre a ciência como um modo particular de examinar o mundo natural” e “Aprender sobre a ciência por seu apelo estético”. (DEBOER, 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 591-593, tradução nossa).

Deboer defende que a ciência tem um lugar no currículo escolar em função da sua importância como parte de nossa herança intelectual. Trata-se, segundo esse autor, de uma parte importante da nossa experiência cultural que deve ser passada de geração em geração. Sob este contexto, Deboer (2000)AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE (AAAS). American Association for the Advancement of Science. Science for all americans: a Project 2061 report on literacy goals in science, mathematics, and technology. Washington: AAAS, 1989. afirma que os defensores dessa justificativa para o ensino de ciências defendem as ciências como um estudo de natureza cultural, adequado para ensinar tanto sobre o desenvolvimento histórico das ideias científicas, bem como os entendimentos atuais da ciência.

Enquanto um estudo de natureza cultural e humanístico, Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.) indica que outro argumento presente na literatura é a concepção de que a ciência é uma maneira particular de ver o mundo natural e, por sua influência, os alunos devem ser introduzidos a este modo de pensar e aprender a usá-lo por eles mesmos, uma vez que este é um dos mais importantes meios de geração de conhecimento do mundo. Os defensores dessa justificativa, segundo este autor, reconhecem que os alunos também “[...] devem ser capazes de reconhecer quando os métodos da ciência são empregadas corretamente” (DEBOER, 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 591, tradução nossa).

A dimensão estética da ciência também é reportada amplamente na literatura analisada e adequada a categoria humanística. Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.), Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e Gil-Pérez; Vilches (2005)GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. Importância da Educação Científica na sociedade Actual. In: CACHAPUZ, A. et al (org). A necessária Renovação do Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez, 2005., Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) argumentam que uma justificativa para o ensino de ciências é que os alunos devem ser introduzidos a este modo de pensar e aprender a usá-lo, uma vez que aprender a ciência traz satisfação pessoal. Esses autores utilizam argumentos semelhantes para dizer que existe um forte apelo estético nos fenômenos naturais.

Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.) considera que nas aulas de Ciências podem ser oferecidas experiências diretas com os fenômenos da natureza em meio a considerações estéticas apresentadas em evidência. “No século 19, quando estudos naturalísticos eram mais comuns do que são hoje, o ensino da ciência foi frequentemente justificado com base na sua busca da verdade e da beleza na natureza” (DEBOER, 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 592), características distintivamente humanizadoras.

Nessa categoria de significação objetiva incluímos a ideia de a aprendizagem favorecer o desenvolvimento cognitivo, uma vez que tal desenvolvimento faz parte na noção de humanização de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.) e outros autores da Psicologia Histórico-Cultural como Vygostsky (2005). Ou seja, o desenvolvimento cognitivo por meio da aprendizagem é também uma característica distintivamente humanizadora da Educação Científica.

3.2. SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA DE NATUREZA SOCIAL

Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.), Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) e Gil-Pérez; Vilches (2005)GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. Importância da Educação Científica na sociedade Actual. In: CACHAPUZ, A. et al (org). A necessária Renovação do Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez, 2005., trazem na pauta da defesa de uma educação científica a atenção para a necessidade fundamental das aulas de ciências conectarem os temas científicos com a vida do estudante. Os conceitos e princípios da ciência podem ser selecionados e instruídos de tal maneira que os alunos vejam as aplicações da ciência em suas vidas diárias. Para Gil-Pérez; Vilches (2005)GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. Importância da Educação Científica na sociedade Actual. In: CACHAPUZ, A. et al (org). A necessária Renovação do Ensino de Ciências. São Paulo, Cortez, 2005., uma “alfabetização científica prática”, deve viabilizar o uso dos conhecimentos na vida diária com o fim de melhorar as condições gerais de vida, o conhecimento sobre nós mesmos, etc.

Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) justifica uma educação científica ampla, para todos, tendo em vista seu potencial de “[...] diminuir as desigualdades produzidas pela falta de compreensão das tecnociências, ajudar as pessoas a se organizar e dar-lhes os meios para participar de debates democráticos que exigem conhecimentos e um senso crítico [...]” (FOUREZ, 2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003., p. 114).

Na revisão histórica de Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.) encontra-se reiteradamente defesas para a educação científica a partir da importância da ciência para a aplicação direta na vida cotidiana, argumentando a aplicabilidade de coisas como “atrito, luz, eletricidade, calor, evaporação e condensação, nutrição de plantas, anatomia e fisiologia humana, a saúde e a doença, a fotossíntese, metabolismo e microbiologia” (DEBOER 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 592, tradução nossa).

Cachapuz (2005)CACHAPUZ, A. et al . (org). Proceedings of the International Seminar on “The state of the art in Science Education Research”,15th -16th October, 2004, Research Center Didactics and Technology for Teacher Education (CIDTFF). University of Aveiro, Portugal. (CD-Rom, ISBN: 972-789-174-8). 2005. Disponível em: < Disponível em: http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/ >. Acesso em:20 jan. 2016.
http://web.dte.ua.pt/ProceedingsPOCTI/...
também destaca a relevância da aprendizagem de ciências para o contexto social, principalmente quando relacionada à compreensão da natureza da ciência e seu significado no contexto científico e tecnológico. Na mesma linha argumentativa, Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.), obtém como resultado de sua revisão crítica que ter uma alfabetização científica, significa, por outro lado, que a grande maioria da população acesse conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para desenvolver-se na vida diária, no seu cotidiano.

Esses autores afirmam que está em jogo na Educação Científica, possibilidades tais como, resolver problemas de saúde e necessidades básicas de sobrevivência, até a de tornarem-se conscientes das complexas relações entre ciência, tecnologia e sociedade em contexto diário. Trata-se de entender sobre as aplicações tecnológicas, a produção de energia mediante o uso de combustíveis fósseis, resíduos contaminantes para o ar, água e os seres vivos, resíduos radiativos e sua atividade durante décadas ou que determinadas doses de alguns produtos químicos no ambiente podem ser prejudiciais para os seres vivos. E esses são todos temas que dizem respeito ao contexto social imediato das pessoas.

3.3. SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA DE NATUREZA ECONÔMICA

Para a significação objetiva de ordem econômica, Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.) apresenta a Educação Científica como necessária para garantir a participação dos cidadãos na produção do mundo industrializado e como meio para potencializar o desempenho econômico da sociedade que é favorecido pelo emprego de ciência e tecnologia. Fourez completa ainda que “[…] a isto se acrescenta a promoção de vocações científicas e/ou tecnológicas, necessárias à produção de riquezas” (FOUREZ, 2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003., p. 114).

Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) indicam que, em sua revisão, realizadas com professores de ciências, a maior parte apresenta concepções de Educação Científica preponderantemente de natureza propedêutica como foco principal nas finalidades de natureza econômica.

As significações objetivas de natureza econômica se desdobram em preparação para o Mundo do Trabalho (de modo mais geral), preparação de quadros de futuros cientistas e técnicos (carreiras científicas) e acrescenta-se ainda a necessidade de se formar uma visão de tecnologia que sirva ao modelo de desenvolvimento vigente.

É comum encontrarmos na literatura, motivos segundo os quais o estudo de ciências pode proporcionar aos alunos conhecimentos e habilidades que são úteis para o mundo do trabalho e que podem melhorar as suas perspectivas de emprego em longo prazo, o que também implica na produção de riquezas, assim como pode ser útil para diminuir as desigualdades de natureza econômicas. (FOUREZ, 2003FOUREZ, G. Crise no Ensino de Ciências? Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre: UFRGS, v. 8. n. 2, p. 109-123, 2003.; FURIÓ et al, 2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.; DEBOER, 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.).

Considerando quantidades, os motivos de ordem econômica são as mais encontradas na revisão de Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., desde o século 19). Soma-se na análise de Deboer (2000)DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., a justificativa para a Educação Científica segundo a qual a compreensão das relações entre ciência e tecnologia precisam ser clarificadas, como forma fundamental de compreensão de como se dá a passagem das ideias da ciência para contextos práticos. Esta visão está, pois também dentro de um viés econômico da Educação Científica. Nessa visão o autor encontra muitos defensores da ciência e seus métodos enquanto força produtiva progressiva para a humanidade, mas alertam para o risco de recair na visão unilateral que vê a ciência como força que serve somente para o bem, incorrendo em uma visão distorcida da ciência.

3.4. SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA DE NATUREZA POLÍTICA

Nesta categoria de significação objetiva, encontramos nas revisões desenvolvidas por Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000.), Gil-Pérez; Vilches (2005)DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) a Educação Científica como possibilidade de contribuir com os cidadãos para que possam atuar de forma crítica nas tomadas de decisões e debater sobre assuntos de relevância socioeconômica que envolvam a ciência e tecnologia.

Na revisão de Furió et al (2001FURIÓ, C.; VILCHES, A.; GUISASOLA, J.; ROMO, V. Finalidades de la Enseñanza de las ciencias em la secundaria obligatoria. ¿Alfabetización científica o preparación propedéutica? Enseñanza de las ciencias v.19, n. 3, 2001.) realizada junto a professores, a Educação Científica deve desenvolver nos alunos uma compreensão de conhecimentos, procedimentos e valores que permitem aos estudantes tomar decisões e perceber tanto as utilidades da ciência quanto as limitações e as consequências negativas do seu desenvolvimento.

Cachapuz (2005) menciona uma “Alfabetização científica cívica”, para que todas as pessoas possam intervir socialmente, com critério científico, em decisões políticas. Trata-se de um processo entendido como uma participação coletiva na solução dos problemas da sociedade/comunidade da qual fazem parte.

Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 592-593) apresenta dois motivos de dimensão política para a Educação Científica: “Preparar os alunos para serem cidadãos informados e possam fundamentar suas escolhas e decisões” e “Compreender relatórios e discussões de ciência que aparecem na mídia e em contextos populares”.

Segundo este autor é frequente na história da área, se utilizar o argumento de que as pessoas precisam saber analisar situações que envolvem a ciência e o rumo das decisões que envolvem a si e outros.

Perguntas sobre os alimentos geneticamente modificados, aquecimento global, as usinas nucleares, aquecimento global, fluoretação da água, de conservação de energia nos confrontam todos os dias. Os cidadãos precisam ter consciência dessas questões, a compreensão da forma como as decisões relativas a eles são feitas na sociedade, e as habilidades necessárias para investigá-los por conta própria, para que possam de forma inteligente interferir na política que afeta a eles e suas comunidades. O sucesso de uma sociedade democrática depende da participação dos cidadãos deste tipo (DEBOER, 2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 593, tradução nossa)

Deboer (2000DEBOER, G. E. Scientific literacy: Another look at its historical and contemporary meanings and its relationships to science education reform. Journal of Research in Science Teaching, v. 37, n. 6p. 582-601, 2000., p. 592) soma a essa justificativa a necessidade dos indivíduos de ler e compreender criticamente as informações científicas na mídia e em outros meios que as divulguem, acompanhando as discussões que têm a ver com a ética na ciência e se comunicar uns com os outros sobre o que foi lido ou ouvido.

O quadro 1, busca reunir de forma resumida os elementos discutidos nesta seção, organizando as categorias e subcategorias de significação objetiva e as referências utilizadas nessa construção.

Quadro 1
Categorias e subcategorias de significação objetiva: aproximações para a Educação Científica.

4. SENTIDO PESSOAL: OS MOTIVOS PARA A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA SEGUNDO OS PROFESSORES E A ANÁLISE DA TEORIA DA ATIVIDADE

O quadro 2 sintetiza os resultados de análise que culminaram com a comparação entre os sentidos pessoais, manifestados pelos professores, sujeitos da pesquisa, com as significações objetivas (resumidas no quadro 1).

Quadro 2
Sínteses das análises da coerência entre significação objetiva e sentido pessoal

Entre 49 citações dos professores, ao longo das respostas ao nosso instrumento, 19 delas reportaram-se a questões sem convergência com as significações objetivas. Essas 19 citações não trazem elementos substanciais para nossa análise uma vez que faltaram maiores esclarecimentos e, além disso, denotaram ter dimensão de motivos compreensíveis, sem convergência com as significações objetivas ou incoerentes com as significações objetivas leontievianas. Referem-se a motivos compreensíveis, mas não eficazes para a atividade docente ligada ao ensino de Física. Exemplos desses casos são: queixas salariais e das condições de prédios, indisciplina e impaciência dos alunos e adolescência, falta de segurança na escola, tratativas da direção, acesso a ponto de ônibus/escola, formação deficiente dos alunos na etapa anterior de ensino. Evidentemente, que podem se tratar de questões importantes para o sujeito e a comunidade, mas não têm relação clara com o ensino de Física e não há justificativa para incluí-las como sentido pessoal convergente com as significações objetivas resumidas no quadro 1 .

Olhando para os demais 30 resultados (resumidos no quadro 2 e exemplificados a seguir), a maioria dos professores cita algum sentido pessoal coerente com, pelo menos, uma significação objetiva. Porém, há incompletudes/incoerências observadas. Cada significação objetiva envolve subcategorias, conforme quadro 1, resultando 10 subcategorias de significações enquanto as respostas dos professores contam com apenas uma subcategoria.

Outro resultado que chama a atenção é que as significações mais escassas nas respostas dos professores são aquelas de natureza política, seguidas respectivamente pelas significações de natureza social, natureza econômica e natureza humanística. Esta última é apresentada em maior número.

É fundamental relatar, que embora todos os professores apresentem sentidos pessoais para a atividade de ensinar Física, nenhum dos 14 apresentou sentidos pessoais convergentes como todas as significações objetivas, ou seja, uma convergência integral entre sentidos pessoais e significações objetivas não foi identificada nesta pesquisa. Esse resultado tem implicações para a formação inicial de professores de Física. Ele sugere que a Física enquanto significação objetiva precisa ser enfatizada na formação inicial para favorecer a construção de sentidos pessoais convergentes com as significações objetivas e consequentemente motivos eficazes para o ensino de Física. Procuramos transcrever nas análises a seguir os excertos mais representativos dos dados.

5. EXEMPLOS DE SENTIDOS PESSOAIS PARA O ENSINO DE FÍSICA EXPRESSADOS PELOS PROFESSORES

5.1. ESTUDAR FÍSICA COMO UM ELEMENTO IMPORTANTE DA CULTURA.

Nesta categoria de sentido pessoal, encontramos uma convergência com a significação objetiva de natureza humanista. O prof. 1 considera que um tipo de analfabetismo ocorre quando os alunos não adquirem uma cultura científica adequada.

Adquirir uma cultura científica é importante para viver neste mundo rodeado por ciência e tecnologia, sem essa aprendizagem o sujeito é um tipo de analfabeto (Prof. 1).

Essa posição do prof. 1, foi encontrada em resposta também do prof. 3. Nas duas respostas consideram a cultura científica uma condição de interlocução cultural, característica humanizadora, em que veem implicada a Educação Científica.

Em outras respostas, os professores acreditam que o interesse ou desinteresse do aluno está ligado diretamente com a incompreensão do papel da escola.

A maior parte dos alunos está desinteressada, primeiramente pela falta de maturidade que não permite entender qual a finalidade de estudar. (Prof.4)

Neste exemplo é indicada uma convergência para a significação objetiva de natureza humanista, ligada à necessidade dos alunos perceberem a escola como um uma necessidade intrínseca à humanização, pela via da aprendizagem de conhecimentos construídos e acumulados ao longo do processo sócio-histórico. Nesse caso o prof. 4 identificou um indício que revela dificuldade dos alunos de alcançaram motivos eficazes para a aprendizagem de Física.

5.2. ESTUDAR FÍSICA PARA ENTENDER OS FENÔMENOS NATURAIS.

Novamente, encontramos elementos que nos remetem a um sentido pessoal convergente com a significação objetiva de natureza humanista, mas desta vez relacionada com a compreensão humana dos fenômenos naturais, caracterizada pela ciência.

[a aprendizagem de Física] leva a uma melhor capacidade de interpretação da natureza, do cotidiano e da tecnologia. Mas geralmente essa é uma afirmação que não convence aos estudantes, os quais preferem a ignorância científica e as respostas místicas e religiosas para os questionamentos cotidianos (Prof. 2).

Tal posição do prof. 2 sugere um sentido pessoal convergente com nossa categoria para significação objetiva de natureza humanista, que trata da aprendizagem de Física como possibilidade de “interpretação da natureza, do cotidiano e da tecnologia” consideramos uma significação de natureza humanística uma vez que remete, ainda que vagamente, a uma capacidade humana ligada a ontologia do ser social defendida no materialismo histórico e dialético.

Entretanto, também está presente neste excerto, uma incoerência com as significações objetivas, quando ao final da resposta o prof. 2 expressa um idealismo para o ensino de Física que coloca a ciência como saber verdadeiro e oposto às respostas místicas e religiosas.

5.3. ESTUDAR FÍSICA PARA PROMOVER O SEU DESENVOLVIMENTO COGNITIVO.

Mais uma vez, vemos evidências de um sentido pessoal convergente com uma significação objetiva de natureza humanista, conforme nossas categorias apriorísticas da seção 3.1.

[…] o estudo e a aprendizagem destas disciplinas [Física, Química e Biologia] te ajudará a ter uma capacidade de raciocinar, de pensar, mais desenvolvida do que se você não tivesse que estudá-las. (Prof. 8).

[…] Outros pontos, talvez secundários frente ao anterior, seriam o desenvolvimento de habilidades cognitivas. (Prof. 12)

A Física serve para você ter conhecimentos básicos que lhe ajudarão a ser uma pessoa crítica, questionadora, curiosa, contribuindo para você ser uma pessoa esclarecida e não alienada (Prof. 14).

Aqui os professores citados demonstram uma concepção dos objetivos para o Ensino de Ciências, em particular, ensino de Física, que se coaduna com a ideia de atividade autêntica da Teoria da atividade de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.).

O prof. 12 secundariza a importância do papel da aprendizagem no desenvolvimento intelectual, pois entende como mais importantes outros pontos indicados nas suas respostas, nesse caso do prof. 4, itens também de natureza humanística.

5.4. ESTUDAR FÍSICA PARA QUE SE POSSA EXERCER CIDADANIA.

Nessa categoria, identificamos um sentido pessoal convergente com a significação objetiva de natureza política, segundo nosso quadro teórico. Vejamos alguns excertos que exemplificam tal análise:

[…] você [aluno] terá que se posicionar frente a questões polêmicas quanto a tecnologia”. Prof.7.

[é preciso saber também ciências] Para poder se posicionar criticamente em relação aos assuntos de grande relevância que são de cunho científico e fazer valer sua condição de cidadão atuante na sociedade (Prof. 13).

As respostas que obtivemos nesta categoria, refletem conhecimento de que questões científicas e tecnológicas acarretam consequência para toda a sociedade, demonstrando que os professores nutrem uma visão não ingênua das questões C&T.

Essa posição é relevante, especialmente no contexto do enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade, que busca dar mais conteúdo político ao Ensino de Ciências. Algumas vezes este enfoque é adequadamente entrelaçado com perspectivas teóricas, por exemplo, Santos (2009SANTOS, W. L. P. Scientific Literacy: A Freirean Perspective as a Radical View of Humanistic Science Education. Science Education, v. 93, p. 361-382, 2009.), Auler (2007AULER, D. Enfoque ciência-tecnologia-sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro, Ciência & Ensino, v1, n. especial. 2007.) e Walks (1990WALKS, L. Educación en ciencia, tecnología y sociedad: orígenes, desarrollos internacionales y desafíos intelectuales. In: MEDINA, M.; SANMARTIN, J. (org.). Ciencia, tecnología y sociedad, estudios interdisciplinares en la universidad, en la educación y en la gestión pública. Barcelona: Anthropos, p. 42-75, 1990.).

5.5. ESTUDAR FÍSICA PARA APLICAÇÃO DIRETA NA VIDA COTIDIANA.

Identificamos, nas análises seguintes, um Sentido pessoal convergente com a significação objetiva de natureza social.

A Física pode não ser necessária para sua carreira profissional [caso não escolha carreira que dependa de conhecimentos de Física], mas pode ser muito útil no seu dia a dia. (Prof. 5)

Mesmo você (aluno) que não vá seguir nenhuma carreira que necessite desse aprendizado [Física], ele se torna de fundamental importância no seu dia a dia, a parte da Física que é estudada no terceiro ano do Ensino Médio é justamente Eletricidade e Eletromagnetismo que está presente em pelo menos 80% de seus afazeres no decorrer do dia. Então se torna importante você (aluno) ter conhecimento sobre essa área (Prof. 6).

Com relação a essa significação objetiva (de natureza social) as respostas dos prof. 5 e 6 são exemplos do que encontramos em outras respostas, apresentadas nessa categoria. Não satisfazem a integralidade da significação objetiva, portanto, podemos dizer que não há convergência (plena, integral) do sentido pessoal (que os professores fazem transparecer nas respostas) com as significações objetivas. As respostas dos prof. 5 e 6 reafirmam uma importância genérica da Física no dia a dia sem justificar tal importância. Segundo nossa interpretação pela Teoria da atividade, a ausência desse motivo leva ao mesmo tempo, a uma fragilidade geral nos motivos eficazes para o Ensino de Física e ao trabalho docente, enquanto atividade não autêntica para o sujeito.

A aprendizagem de Física implica em desenvolver algumas habilidades gerais como interpretação de gráficos, raciocínio lógico, e interpretação de informações científicas que são indispensáveis na vida do cidadão atual, para a participação na sociedade e para sua autodefesa, não acreditar em qualquer coisa que se diga sem fundamento, não ser enganado. (Prof. 1).

Essa resposta de prof. 1 demonstra convergência entre sentido pessoal e a significação objetiva de natureza social. Motivos de natureza social, que é aquela que engloba a significação segundo a qual a Ciência deve ser ensinada de modo que os alunos possam perceber os conceitos e princípios científicos como aplicações em suas vidas diárias.

5.6. ESTUDAR FÍSICA COMO PARTE DE UMA FORMAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO.

Conforme nosso quadro teórico, aproximativo a partir de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.), identificamos situações em que os professores expressaram sentido pessoal convergente com uma significação objetiva de natureza econômica.

Há muitas razões […] as principais que eu diria para os alunos: Compreender o mundo produtivo, hoje o mundo produtivo é totalmente dependente da aplicação de teorias da Física dentre outras ciências. (Prof. 1).

Primeiramente você [o aluno] está equivocado em relação ao fato de existir uma carreira profissional que não precisa de Física. Talvez você não precise dela diretamente, como é visto aqui na escola. Mas, pensemos juntos. Qualquer profissão que irá exercer, com certeza você precisará de manusear equipamentos tecnológicos, correto? Toda a tecnologia existente só foi possível devido a conhecimentos físicos e de outras ciências. (Prof. 3).

Caso sua relutância seja tão grande em aprender Física, saiba que a cultura geral diferencia os grandes profissionais, pois é ridículo imaginar um Juiz de direito (por exemplo) que não consegue entender nada do que seu engenheiro lhe explica (Prof. 1).

Podemos inferir, mais uma vez, a existência de incompletude, por parte dos professores, no que se refere a uma convergência entre sentido pessoal e significações objetivas. Neste sentido prof. 1 revelou uma convergência mais adequada entre as categorias (sentido pessoal e significação objetiva), quando exemplifica usando o caso fictício, mas plenamente possível e talvez até comum, acima.

6. A RELAÇÃO ENTRE SIGNIFICAÇÃO OBJETIVA, SENTIDO PESSOAL E A INTEGRALIDADE PSICOLÓGICA DOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS.

A partir da literatura especializada de Ensino de Ciências, construímos uma ideia de que o significado estabelecido coletivamente ao longo da história da área; a respeito do ensino de ciências, podemos interpretar como significações objetivas, na perspectiva da Teoria da Atividade de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.). Algumas vezes os resultados indicados como sentidos pessoais coincidem com os motivos apresentadas pelos professores para ensinar Física. Porém, em um número significativo de respostas, tal convergência não foi consistente. De acordo com o nosso referencial, se houver uma ruptura entre o significado social para a aprendizagem de Física com o sentido pessoal do professor, em sua atividade docente ou ao aluno em sua atividade principal como estudante, estas atividades podem ser consideradas alienantes, enquanto atividade humana.

Dada a função social da escola, de inserção dos jovens na cultura através da aquisição dos conhecimentos historicamente construídos pelo homem, o processo de aprender os conteúdos escolares deveria constituir no primeiro motivo eficaz para o aluno, ou seja, o aluno deveria ser motivado pela aprendizagem de conhecimentos que se mostraram relevantes ao longo do processo sócio-histórico. Porém tal processo não é espontâneo e depende fortemente de um trabalho pedagógico especializado, dedicado para favorecer essa função social da escola. No entanto, o que percebemos nesse estudo é que o grupo de professores demonstrou deficiência na capacidade de justificar o Ensino de Ciências, em particular o Ensino de Física para seus alunos de forma completa e adequada, não convergindo para as significações objetivas de forma completa. Dada a complexidade da natureza das significações objetivas, tal quadro certamente não se restringe a esse grupo.

Uma vez que a relação entre significado e sentido diz respeito, na psicologia histórico-cultural, à consciência do trabalho docente realizado, o que inclui a complexidade de sua função social, sua relevância, podemos concluir que a formação de professores está implicada nesse processo. Além disso, está implicado também, e aqui é o que mais importa, o processo de envolvimento do aluno com a aprendizagem de ciências. Trata-se de um tema que tem impacto psicológico de grande proporção no professor e seu aluno: ter motivos eficazes para o que se ensina e se aprende.

Motivos eficazes na rede de atividades são, de acordo com abordagem da Teoria da Atividade da Psicologia Histórico-cultural, preponderante para a realização dos sujeitos e para a realização da própria função social das suas atividades. Isso significa uma maior harmonia simbólica e funcional entre indivíduos e sociedade. Os professores de Física levam em conta uma compreensão do processo de Ensino de Física com características semelhantes aos conceitos de motivos eficazes e motivos compreensíveis de Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.), na teoria da atividade? Nossos professores de Física sabem que seus alunos começam com motivos compreensíveis, mas sabem como transformá-los em eficazes?

A atividade principal de um sujeito, por exemplo, o professor de Física, deve ser uma atividade balizada no processo sócio-histórico. A Física pode ser uma atividade principal para alunos no Ensino Médio. Trata-se da atividade mais relevante para esse sujeito em uma dada fase e que tem o maior potencial de promover o seu desenvolvimento psíquico/psicológico. Tal atividade principal é o que impele e origina motivos eficazes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES

A atribuição de sentidos tem sido defendida como algo imprescindível ao processo de ensino e aprendizagem e tarefa fundamental, com acréscimos de complexidade para o trabalho docente. Uma tese quase consensual na educação é a de que sem a construção de sentidos na aprendizagem, ela não acontece.

Esta investigação procurou mostrar que a relação entre significação objetiva e o sentido pessoal é uma componente fundamental para a realização social do trabalho docente, nesse caso, do trabalho docente no ensino de Física.

Considerando que na literatura especializada encontramos dez subcategorias significações objetivas (organizadas em quatro grandes categorias) para o ensino de ciências, os professores participantes desta pesquisa apresentaram uma quantidade pequena de sentidos pessoais convergentes/coerentes com essas significações objetivas, o que na perspectiva da Teoria da Atividade da Psicologia Histórico-Cultural é um indicador de um processo no qual os professores não relataram adequadamente os significados sociais sobre o ensino de Física. Assim, provavelmente estão presentes dificuldades de produção de motivos eficazes para a atividade de ensino e para a atividade de aprendizagem junto aos jovens.

Nenhum dos participantes apresentou mais do que três sentidos pessoais que pudessem estar em uma mesma categoria de significação objetiva. Ou seja, poucas das significações objetivas que caracterizamos através da literatura especializada estão de fato presentes nos argumentos dos professores, com elementos de semelhança ou de convergência.

Tal incompletude implica em prejuízos tanto para a carreira docente em si, quanto para o ensino. Os resultados sugerem que um dos problemas que estamos dando pouca atenção na preparação de professores é a questão, aqui traduzida como relação entre significação objetiva e sentidos pessoais, que para Leontiev (1978LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.) tem reflexo sobre a motivação. Especificamente, uma motivação ligada a necessidades de aprendizagens, ligada ao reconhecimento da importância da Ciência na sociedade e de uma participação na sociedade, de modo a colaborar com um circuito de ações dos quais uma sociedade depende.

Outro ponto que reforça a necessidade de preparação do professor para construção de motivos eficazes é que o aluno não aceita passivamente os dizeres: “você deve aprender isso e aquilo...”. Isso é compreensível se considerarmos a cultura imediatista em que a maioria de nós e de nossos alunos estamos imersos. É preciso ver a utilidade, as vantagens e desvantagens de determinados esforços pessoais, em particular os escolares em se tratando da ciência, uma entidade frequentemente chamada a ser uma definidora da nossa atual condição sócio-histórica.

Embora professores e alunos, na prática, sigam construindo sentidos para o conhecimento que os relaciona na rede de atividade, o professor pode encontrar dificuldades para organizar ideias e processos didáticos que apresentem de forma completa motivos eficazes para os alunos. Como a ausência de motivos eficazes também para o aluno, os processos de ensino e aprendizagem terão um obstáculo comum, quase sempre garantido.

Há outra consideração que é preciso ser realizada a partir das divergências entre significações objetivas e sentidos pessoais, que observamos nessa pesquisa. Alcançar objetivos coletivos educacionais torna-se algo ainda mais complexo quando professores e pesquisadores pensam coisas diferentes, mas consideram trabalhar com os mesmos objetivos. Este estudo sugere um significativo desencontro entre as ideias circulantes nesses contextos (comunidade de pesquisa e trabalho docente).

Pesquisas com essa temática, com maior número de professores, poderão indicar o grau de generalização desse problema. Outra possibilidade relevante seria levantamentos junto aos alunos com objetivos de obter deles os motivos eficazes que seus professores apresentam.

Por fim, precisamos também pensar em como mediar a construção de motivos eficazes para a aprendizagem de Ciências a saírem do plano do verbal e se conectarem com níveis mais práticos do ensino. Por exemplo, mostrando ao aluno o seu ganho intelectual no julgamento de uma questão sócio-científica controversa (justificativa de natureza política), ou o seu ganho na interpretação de uma situação de trabalho (justificativa de natureza econômica) e assim por diante, envolvendo práticas de ensino.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2016
  • Aceito
    16 Fev 2018
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