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ENSINO DE BOTÂNICA NA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO: CONTRIBUIÇÕES DOS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR

ENSEÑANZA DE LA BOTÁNICA EN LA LICENCIATURA EN LAS CIENCIAS BIOLÓGICAS DE UNA UNIVERSIDAD PÚBLICA DE RIO DE JANEIRO: CONTRIBUCIONES DE LOS MAESTROS DE LA ENSEÑANZA SUPERIOR

BOTANY TEACHING IN BIOLOGICAL SCIENCES TEACHING DEGREE IN A PUBLIC UNIVERSITY IN RIO DE JANEIRO: CONTRIBUTIONS OF UNIVERSITY TEACHERS

RESUMO:

Objetivando analisar concepções e saberes docentes dos professores da área de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas realizamos um grupo focal em uma universidade pública carioca, cuja análise culminou na organização dos resultados e discussões em três unidades temáticas: Função social da universidade, Formação em Licenciatura e Ensino de Botânica; as quais se resumem em objetivos mais direcionados à formação do biólogo, com ênfase em conhecimentos científicos pouco relacionados aos conhecimentos pedagógicos e à prática escolar. Isso se reflete no desinteresse dos licenciandos pela Fitologia, favorecendo também sintomas da Cegueira Botânica na escola básica. Destarte, há a necessidade do diálogo entre universidade e escola, e a valorização de abordagens pedagógicas na licenciatura que favoreçam o apreço pela aprendizagem da Botânica.

Palavras chave:
Ensino de Botânica; Licenciatura em Ciências Biológicas; Professores do ensino superior

RESUMEN:

Con el objetivo de analizar concepciones y saberes docentes de los maestros en el área de la Botánica en la Licenciatura en las Ciencias Biológicas, realizamos un grupo focal en una universidad pública de Rio de Janeiro, una análisis que culminó en la organización de los resultados y discusiones en tres unidades temáticas: Función social de la universidad, Formación en Licenciatura y Enseñanza de la Botánica. Ellas se resumen en objetivos más direccionados a la formación del biólogo, con énfasis en conocimientos científicos poco relacionados a los conocimientos pedagógicos y la práctica escolar.Eso refleja en el desinterés de los estudiantes de licenciatura por la Fitología, favorando también síntomas de Ceguera Botánica en la escuela básica. Destarte, hay la necesidad del diálogo entre universidad y escuela, y la valoración de abordajes pedagógicos en la licenciatura que favorezcan el aprecio por el aprendizaje de la Botánica.

Palabras clave:
Enseñanza de la Botánica; Licenciatura en las Ciencias Biológicaas; Profesores del nivel superior

ABSTRACT:

Aiming to analyze the conceptions and teaching knowledge of the Botany teachers in the teacher training in Biological Sciences, we conducted a focus group in a public university in Rio de Janeiro, whose analysis culminated in the organization of results and discussions in three thematic units: Social function of the university, Teacher training and Teaching Botany; which are summarized in objectives more directed to the formation of the biologist, with emphasis on scientific knowledge little related to the pedagogical knowledge and the school practice. This is reflected in the lack of interest of the future teachers in Phytology, also favoring symptoms of Botany Blindness in elementary school. From this, there is a need for dialogue between university and school, and the valuation of pedagogical approaches in the degree that favor the appreciation for the learning of Botany.

Keywords:
Botany teaching.; Biological Sciences teacher training; University teachers

INTRODUÇÃO

O ensino de Botânica se insere com destaque na Educação Básica (EB) no século XIX, quando seus conteúdos escolares eram provenientes de uma primeira forma sistematizada para o estudo dos seres vivos - a História Natural (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.). Já no Ensino Superior (ES), Lucas (2014LUCAS, M. C. Formação de professores de Ciências e Biologia nas décadas de 1960/1970: entre tradições e inovações curriculares. Rio de Janeiro, Dissertação (Mestrado em educação).- Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 136 p., 2014.) revela que o primeiro curso para a formação inicial docente em Ciências Biológicas (CB) da Universidade do Brasil, atual UFRJ, teve origem na História Natural com as áreas de Botânica e Zoologia altamente valorizadas e caracterizadas por descrições detalhadas, coleções e classificações do mundo natural.

Embora tenha constituído uma tradição curricular tanto no ES quanto na EB, na atualidade, o ensino de Botânica vem recebendo críticas, passando a ser considerado “enfadonho”, mnemônico e fragmentado (TOWATA, SANTOS e URSI, 2010TOWATA, N.; URSI, S.; SANTOS, D. Y. A. C. Análise da percepção dos licenciandos sobre o ‘ensino de “botânica na educação básica”. Revista da SBenBio. n. 03, p. 1603-1612. 2010., SANTOS et al, 2015SANTOS, I. C. O; SILVA, B. I. S.; ECHALAR, A.D. L. F. Percepções dos alunos do curso de Biologia a respeito de sua formação para e com o conteúdo de Botânica. Revista do Campus de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás, Goiás, 2015, SANTOS, SILVA e ECHALAR, 2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Aliado a isso, diversos estudos, como os contidos no trabalho de Fonseca e Ramos (2017FONSECA, L. R. da; RAMOS, P. O Ensino de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas: uma revisão de literatura. XIENPEC. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, julho 2017 2017. Disponível em: <Disponível em: http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1127-1.pdf > Acesso: 04 abr. 2018.
http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/...
), apontam que a Botânica possui os mesmos moldes didáticos do período áureo da História Natural, anterior à década de 1960, quando ocorreu o fim dos cursos universitários dessa ciência e a criação da formação superior em CB - pautada pelas relações genéticas e ecológicas entre os seres vivos (LUCAS, 2014LUCAS, M. C. Formação de professores de Ciências e Biologia nas décadas de 1960/1970: entre tradições e inovações curriculares. Rio de Janeiro, Dissertação (Mestrado em educação).- Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 136 p., 2014.). Essa conjuntura tem contribuído para caracterizar a Botânica na EB como sendo enciclopédica, rica em pormenores e classificações (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.; TOWATA, SANTOS e URSI, 2010TOWATA, N.; URSI, S.; SANTOS, D. Y. A. C. Análise da percepção dos licenciandos sobre o ‘ensino de “botânica na educação básica”. Revista da SBenBio. n. 03, p. 1603-1612. 2010. e SANTOS et al, 2015SANTOS, I. C. O; SILVA, B. I. S.; ECHALAR, A.D. L. F. Percepções dos alunos do curso de Biologia a respeito de sua formação para e com o conteúdo de Botânica. Revista do Campus de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás, Goiás, 2015).

No ES, especificamente, nas Licenciaturas em CB, tal caracterização do ensino de Botânica não é diferente (SANTOS et al, 2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Ademais, a prática docente nesses cursos gira em torno da formação do profissional biólogo, não existindo preocupação declarada com a formação profissional de professores (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Essa situação é agravada pelo fato da maioria dos cursos universitários de licenciatura estar baseada no modelo de “racionalidade técnica” (SCHÖN, 1983SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: Basic Books, 1983.) de formação profissional. Segundo Diniz-Pereira (2014), esse modelo é também conhecido como “epistemologia positivista da prática”, já que a educação é vista como uma ciência aplicada, em que o professor é responsável, somente, pela eficiência com a qual implementa as decisões feitas por teóricos educacionais. Desse modo, o autor citado considera que “a prática educacional é baseada na aplicação do conhecimento científico e questões educacionais são tratadas como problemas ‘técnicos’ os quais podem ser resolvidos objetivamente por meio de procedimentos racionais da ciência” (DINIZ-PEREIRA, 2014DINIZ-PEREIRA, J. E. Da racionalidade técnica à racionalidade crítica: formação docente e transformação social. PERSPEC. DIAL.: REV. EDUC. SOC., Naviraí, v.01, n.01, p. 34-42, 2014., p. 35).

Essa concepção se agudiza pelo fato dos professores das licenciaturas-professores formadores (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.) - especialmente nas universidades públicas, apresentarem uma prática de ensino fortemente vinculada com uma característica fundamental do ES, isto é, a pesquisa científica das chamadas ciências exatas e da natureza (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo. e CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.). Nesse sentido, em geral, o professor formador privilegia que o licenciando domine os conhecimentos de sua especialidade e das formas acadêmicas de sua produção científica; de modo que o conhecimento pedagógico e das humanidades fica em segundo plano nos cursos de formação inicial docente para a EB (CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.). Esse cenário é ainda mais acentuado em tempos de produtividade acadêmica e de indissociabilidade entre pesquisa e ensino, quando os docentes universitários são professores-pesquisadores cujas carreiras são medidas através de títulos acadêmicos e trabalhos científicos (SILVA, 2013SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.).

Assim, diversos estudos apontam que os professores de ES compreendem os saberes profissionais dos docentes de EB como técnicos e científicos à medida que não levam em conta os saberes produzidos pela experiência profissional e reflexão autônoma dos educadores de escola básica (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.; CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Contudo, muito se discute no campo da formação de professores de EB sobre a docência ser algo mais complexo e mobilizar outros saberes, que não só os científicos (PORTO; CHAPANI, 2013PORTO, M. L. O.; CHAPANI, D. T. Abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) e Formação de Professores: Possíveis relações e questionamentos. In: XColóquio Nacional e III Internacional do Museu Pedagógico: A produção do conhecimento no Limiar do século XXI: Tendências e conflitos, 2013, Vitória da Conquista. Produção do conhecimento no limiar do século XXI: tendências e conflitos. Vitória da Conquista 2013.).

Considerando a lacuna entre os saberes valorizados na formação e os necessários para a prática docente, diversos trabalhos apontam a dificuldade que o professor de Ciências e Biologia enfrenta ao se deparar com a prática na EB (PORTO; CHAPANI, 2013PORTO, M. L. O.; CHAPANI, D. T. Abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) e Formação de Professores: Possíveis relações e questionamentos. In: XColóquio Nacional e III Internacional do Museu Pedagógico: A produção do conhecimento no Limiar do século XXI: Tendências e conflitos, 2013, Vitória da Conquista. Produção do conhecimento no limiar do século XXI: tendências e conflitos. Vitória da Conquista 2013.). Essa dificuldade se deve, principalmente, pelo fato de que ao atribuírem maior peso à quantidade de conteúdos científicos, os professores universitários mantêm mediações de ensino facilitadoras de uma aprendizagem em último plano, de forma que os licenciandos não compreendem de fato as temáticas científicas, assumindo o papel de meros receptores de conteúdo (SILVA e SCHNETZLER, 2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.; SILVA, 2013SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.; SANTOS et al, 2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8. e SANTOS, SILVA e ECHALAR, 2015SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.).

Com isso, no exercício profissional, os professores de EB acabam reproduzindo o modelo vivenciado em sua formação - valorizando linguagens e metodologias de ensino que favorecem terminologias científicas sem promover sua contextualização com a realidade do aluno tampouco a formação de cidadãos críticos sobre o papel da ciência na sociedade (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Tal conjuntura, se acentua quando nos referimos à prática pedagógica em Botânica na EB, gerando um ciclo negativo de formação em Botânica na universidade e na escola (SANTOS et al, 2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.).

Contudo, mesmo em meio a essas problemáticas, cabe realçar que o ensino de Botânica possui grande relevância, principalmente, se considerarmos todas as questões de cunho ambiental que permeiam nossa sociedade, tais como a crescente urbanização e devastação das florestas, a biopirataria e a poluição dos ecossistemas naturais (SARTIN, 2012SARTIN, R.D. et al. Análise do conteúdo de botânica no livro didático e a formação de professores. In: IVENEBIO, 2012, Goiânia. Anais.SBenBIO. 2012). Essa relevância se torna ainda mais proeminente ao se tratar do Brasil, que é provavelmente o país com a maior biodiversidade vegetal do mundo (FORZZA et al, 2010FORZZA, R. C., et al(org.). Catálogo de plantas e fungos do Brasil [online]. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio: Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 871 p. vol. 1., 2010. Disponível em: < Disponível em: http://books.scielo.org/ > Acesso em: 12 Jan. 2017.
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). Dessa forma, a contextualização dos conhecimentos botânicos com as problemáticas ambientais atuais constituiria uma oportunidade de favorecer a curiosidade pelo estudo das plantas e a aprendizagem significativa dos seus conhecimentos, tanto na EB como na formação de professores das CB (SARTIN, 2012SARTIN, R.D. et al. Análise do conteúdo de botânica no livro didático e a formação de professores. In: IVENEBIO, 2012, Goiânia. Anais.SBenBIO. 2012). Nesse sentido, Santos e colaboradores (2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.) defendem que, na formação inicial de professores em CB:

Se evidencia a necessidade de uma nova abordagem para o ensino de botânica, de tal forma que contribua efetivamente para a aprendizagem significativa dos conteúdos, aliado à formação de cidadãos críticos, mais conscientes e atuantes na realidade que os cercam. (SANTOS et al, 2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8., p. 7).

Ante ao exposto, consideramos a necessidade de que haja uma aproximação entre universidade e escola para o ensino da Botânica, pelo viés de uma reflexão integrada entre formadores e professores de EB, acerca do currículo e da prática docente na Licenciatura em CB. Contudo, diversos estudos, a exemplo os de Juliani (2016JULIANI, S. de F. Discursos de educação ambiental na formação inicial de professores de ciências: analisando projetos de extensão universitária. Dissertação de Mestrado. PPECS, NUTES, Universidade Federal de Rio de Janeiro. 97 p., 2016.) e Fernandes (2017FERNANDES, K. de O. B. Currículo acadêmico de Ciências Biológicas: deslocando fronteiras na formação inicial docente. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Rio de Janeiro. 175 p., 2017.), apontam que tal reflexão integrada tem sido rara nas tradicionais universidades brasileiras na medida em que são os professores universitários os protagonistas nos currículos da formação inicial de professores para a EB (JULIANI, 2016JULIANI, S. de F. Discursos de educação ambiental na formação inicial de professores de ciências: analisando projetos de extensão universitária. Dissertação de Mestrado. PPECS, NUTES, Universidade Federal de Rio de Janeiro. 97 p., 2016.). Segundo Silva (2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.), que investigou três grandes universidades paulistas, as concepções e saberes docentes dos professores universitários possuem certo protagonismo na determinação do currículo de Botânica da Licenciatura em CB, enquanto os professores de EB acabam por assumir o papel de coadjuvantes na produção curricular da sua própria formação inicial.

Diante do exposto, e com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o objetivo do presente estudo é analisar o ensino de Botânica na Licenciatura em CB, com base nas concepções (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010.) e saberes docentes (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.) dos professores universitários- responsáveis pelo ensino desse campo no curso de licenciatura. Esperamos, com isso, refletir sobre: quais as concepções e saberes desses formadores sobre a formação do professor de ciências/ biologia da EB? Quais os principais desafios e problemas eles identificam? Quais as especificidades eles reconhecem da formação em licenciatura em relação ao bacharelado?

REFERENCIAL TEÓRICO

A docência exige um corpo de saberes variados, os quais se constroem e se reconstroem a partir dos erros e acertos ao longo da carreira e reflexão permanente do professor (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.; NÓVOA, 2013NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de Professores, Porto: Porto Editora, Portugal, 2013.). Nesse sentido, Tardif (2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.) ressalta que os saberes docentes são definidos a partir do entendimento da noção de “saber” de forma mais ampla, incorporando conhecimentos, experiências, competências, habilidades (ou aptidões), bem como atitudes. Para o autor, os saberes docentes não estão isolados de outras dimensões do ensino, que envolvem realidades sociais, organizacionais e humanas nas quais os professores se encontram mergulhados (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.). Assim, de acordo com Tardif (2014)TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, v. 23, n. 73, 2000., os saberes docentes são ao mesmo tempo sociais e individuais, pois são constituídos pela socialização e pela comunicação com outro, em que o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho na relação com seus alunos e colegas de profissão.

Diante disso, o saber docente não é atemporal, pelo contrário, ele se estabelece ao longo do tempo por meio das experiências vividas pelos professores, como: as relações pessoais que construiu com a família e ambiente em que vive; a formação escolar anterior e os primeiros anos de carreira (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.; NÓVOA, 2013NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de Professores, Porto: Porto Editora, Portugal, 2013.). Assim, o estudo de Tardif e Raymond (2000TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, v. 23, n. 73, 2000.) nos alerta que o trabalho modifica não só os conhecimentos de um professor como também a sua identidade enquanto profissional. E tal modificação se dá com o tempo de magistério, ao longo dos anos de experiência na prática docente, já que é nessa experiência que o professor se familiariza com a sua atuação profissional e tem contato com outros saberes que a mesma proporciona (TARDIF; RAYMOND, 2000TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, v. 23, n. 73, 2000.). Desse modo, compreendemos a experiência como núcleo vital do saber docente (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.; NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. Repositório Universidade de Lisboa, Portugal, 1992., 2013NEVES, C. E. B. Ensino Superior no Brasil: expansão, diversificação e inclusão. In: Trabalho apresentado no Congresso da LASA (Associação de Estudos Latino Americanos), São Francisco, Califórnia. 2012.).

De forma semelhante ao conceito de saberes docentes, o estudo do referencial teórico das concepções dos professores, sobretudo os docentes universitários (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.), também possui potencialidades para as investigações do campo da formação inicial dos professores de EB (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010.). Isto porque, esse constructo, assim como os saberes docentes, assumiu bastante importância nas pesquisas do campo, quando, a partir dos anos de 1980, o professor da EB passou a ser considerado o protagonista de sua formação e prática (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010. e TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.). Assim, com base em Jupiassú e Marcondes (2006JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006., p. 51), o conceito de concepção tem origem no latim conceptio e significa “operação pela qual o sujeito forma, a partir de uma experiência física, moral, psicológica ou social, a representação de um objetivo de pensamento ou conceito [...] Operação intelectual pela qual o entendimento forma um conceito”.

Ardiles (2007ARDILES, R. N. Um estudo sobre as concepções, crenças e atitudes dos professores em relação à matemática. Mestrado em Educação. Universidade de Campinas. Campinas. 268 p., 2007.) aponta que as concepções docentes se referem aos traços de personalidade, competências e sentimentos dos professores, que determinam - ou pelo menos influenciam decisivamente - a forma como desempenha suas tarefas. Assim, entendemos o conceito de concepções como as visões e pensamentos individuais que cada professor - seja ele da EB ou do ES - possui. Aliado a isso, segundo Guimarães (2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010.), as concepções correspondem a um aspecto mais individual sobre as formas como os professores concebem suas práticas profissionais e a de seus pares (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010.).

Pajares (1992PAJARES, M. F. Teacher’s beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of Educational Research, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.) argumenta que o que diferencia os conceitos de concepções e saberes docentes é a “justificativa social” ou a racionalidade envolvida nos enunciados desses sujeitos sobre algo - neste caso, o ensino de Botânica na licenciatura em CB. Nesse sentido, o autor considera que enquanto o conceito de concepção dos professores é associado a componentes afetivos e existenciais intrínsecos de cada sujeito educador; o conceito de saber/conhecimento corresponde a uma construção coletiva humana, socialmente justificada pela Ciência e/ou legitimada pelas diferentes culturas, inclusive aqueles referentes às classes sociais mais desfavorecidas (SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e RAMOS, 2010RAMOS, P. Ambiente virtual vivências: análise do processo de desenvolvimento na perspectiva da pesquisa baseada em design. Tese de doutorado. (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil, 2010.).

Apesar do papel central que os saberes e concepções docentes assumiram na pesquisa do campo; na prática, na maioria das vezes, as universidades e as faculdades de Educação são as detentoras das rédeas da formação inicial docente e os professores de profissão pouco participam da elaboração, da implantação e da avaliação dos currículos universitários (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014. e NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. Repositório Universidade de Lisboa, Portugal, 1992.). Além disso, ao longo da formação inicial, os futuros professores pouco têm contato com as escolas e a prática docente (AYRES, 2005AYRES, A. C. B. M. Tensão entre matrizes: um estudo a partir do curso de Ciências Biológicas da FFP/UERJ. 2005. 183 p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói.) tampouco com os saberes profissionais para a EB do ponto de vista teórico (NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. Repositório Universidade de Lisboa, Portugal, 1992.).

Assim, vários trabalhos discutem que há uma espécie de fosso, ausência de parceria, entre escolas e universidades quando a questão é a produção curricular das licenciaturas (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991TARDIF, M. ; LESSARD, C. & LAHAYE, L. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação, n. 4, 1991.; TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.; AYRES, 2005AYRES, A. C. B. M. Tensão entre matrizes: um estudo a partir do curso de Ciências Biológicas da FFP/UERJ. 2005. 183 p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói.; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. e NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. Repositório Universidade de Lisboa, Portugal, 1992., 2013NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de Professores, Porto: Porto Editora, Portugal, 2013.). Nesse sentido, o trabalho de Zeichner (2010ZEICHNER K. Rethinking the connections between campus courses and field experiences in college- and university- based teacher education. Journal of Teacher Education, v. 61(1-2), p. 89-99, 2010.) discute que é preciso construir um terceiro espaço para a formação de professores, uma espécie de lugar comum entre universidade e escola, em que haja parceria entre essas instituições para a produção docente não só no aspecto curricular como também do reconhecimento público e da afirmação profissional. Isso se refletiria em uma relação colaborativa, dialógica, entre universidade e escola, no espaço em que as experiências dos representantes do ES e da EB sejam valorizadas (ZEICHNER et al., 2015ZEICHNER K.; PAYNE K. & BRAYKO K. Democratizing teacher education. Journal of Teacher Education, v. 66, n. 2, p.122-135, 2015.).

Aliado a isso, Pimenta e Anastasiou (2002PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002.), Cunha (2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.) e Silva (2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.) refletem sobre o fato de a formação pedagógica dos professores universitários ser incipiente ou nula ante ao histórico de valorização da pesquisa e produção de conhecimento científico da cultura universitária. Desse modo, Cunha (2009) e Silva (2013) revelam que os formadores acabam por reproduzir práticas e construir saberes e concepções em associação com a natureza da ciência exaltada na universidade; a qual é pautada por questões técnicas e positivistas em que o conhecimento é considerado como inquestionável e superior às humanidades e questões sociais necessárias para atuação do professor de EB.

Igualmente, do ponto de vista histórico, as universidades estabeleceram suas bases funcionais em torno da produção de “alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos, necessários à formação das elites” (SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013., p. 4), sendo as classes sociais mais abastadas as detentoras do poder de influência para a elaboração dos currículos universitários (SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e 2013SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013.). Assim, o capital cultural1 1 Segundo o qual os bens culturais, enquanto bens simbólicos, são apreendidos por aqueles que possuem previamente os instrumentos e códigos necessários para tal apropriação. (BOURDIEU, 2003BOURDIEU, P. Reprodução cultural e reprodução social. In: A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, p. 295-336, 2003.) valorizado nas IES é o das elites. Contudo, no início dos anos 2000 (SANTOS, 2013SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013.) ganham ênfase, no contexto nacional, pressões sociais para ampliação do acesso ao espaço universitário brasileiro com o objetivo de proporcionar às classes socioeconômicas menos abastadas melhores oportunidades no mercado de trabalho (SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e 2013SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013.). Frente a concretização das pressões sociais citadas, na atualidade, os professores do ES têm vivido uma crise frente aos impasses enfrentados para equilibrar excelência acadêmica e democratização social (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, M. I. Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez. 184p., 2012.; NEVES, 2012NEVES, C. E. B. Ensino Superior no Brasil: expansão, diversificação e inclusão. In: Trabalho apresentado no Congresso da LASA (Associação de Estudos Latino Americanos), São Francisco, Califórnia. 2012. e SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e 2013SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013.).

Ademais, ressaltamos que os discursos da sociedade civil para uma formação profissional mais ligada ao mercado de trabalho da docência na EB e a mudança do perfil universitário para a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não foram suficientes para o fim da conjuntura de valorização da produção científica na universidade (CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.). Haja vista que, as pressões neoliberais por eficiência e progresso na carreira dos professores universitários têm se transfigurado na maior cobrança pela produção de investigações científicas em detrimento das questões de ensino (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.).

METODOLOGIA

A escolha pela investigação da Licenciatura em CB em instituições públicas do Rio de Janeiro ocorreu pelo fato de neste estado estarem localizadas as mais tradicionais Instituições de Ensino Superior gratuitas do Brasil (LUCAS, 2014LUCAS, M. C. Formação de professores de Ciências e Biologia nas décadas de 1960/1970: entre tradições e inovações curriculares. Rio de Janeiro, Dissertação (Mestrado em educação).- Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 136 p., 2014.). Dessa maneira, selecionamos uma universidade pública fluminense como contexto de estudo e com a aprovação desta pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa (do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva IESC/UFRJ), efetuamos a coleta de dados por meio de um grupo focal, que foi gravado em áudio e, posteriormente, transcrito para a análise. Tendo em mente o objetivo deste estudo, fizemos o convite para a participação no grupo focal apenas aos docentes que lecionam Botânica na Licenciatura em CB da universidade escolhida; e obtivemos uma resposta positiva de 8 profissionais, os quais participaram da coleta de dados. Para fins éticos, criamos nomes fictícios referentes a cada sujeito participante desta pesquisa, são eles: Lineu, Aristóteles, Graziela, Maria Luíza, Thresse, Juliana, Flora e Margarete.

Desse modo, a partir das transcrições do grupo focal, as concepções foram diferenciadas, respectivamente, por meio de palavras, expressões e até mesmo frases que se relacionavam com as visões e maneiras como os professores formadores da Botânica enxergam as questões do nosso tema de investigação. No que se refere aos saberes docentes, seguimos a lógica de selecionarmos falas e expressões de acordo com o referencial teórico de Tardif (2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.) e Nóvoa (2013NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de Professores, Porto: Porto Editora, Portugal, 2013.) sobre a importância das experiências de trabalho e de formação vividas pelos professores para a construção dos seus saberes. Para tal, escolhemos interações que expressassem componentes de racionalidade em que os sujeitos buscavam um respaldo externo às suas comunicações, especialmente, nas situações vivenciadas, e memorizadas sobre as questões de ensino e aprendizagem (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.).

Após a seleção das falas a serem investigadas, os materiais de análise obtidos foram examinados por meio da Análise de Conteúdo temática de Bardin (2004BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.). Ao passo que tal análise proporcionou a criação de três categorizações temáticas, nomeadamente: Função social da Universidade, Formação em Licenciatura e Ensino da Botânica. Nesse âmbito, como o foco da nossa investigação é compreender os processos pelos quais os nossos sujeitos de pesquisa descrevem, explicam e, sobretudo, compreendem o ensino de Botânica na formação inicial de professores em CB, assumimos uma perspectiva não impositiva para a organização das análises em categorias. Desse modo, no presente trabalho, assim como no estudo de Ramos (2010RAMOS, P. Ambiente virtual vivências: análise do processo de desenvolvimento na perspectiva da pesquisa baseada em design. Tese de doutorado. (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil, 2010.), a criação de categorias se deu, principalmente, a partir da imersão nos dados por meio da leitura pormenorizada das transcrições, buscando os sentidos surgidos sobre a temática investigada durante as interações entre pesquisadoras e professores formadores.

QUEM SÃO E O QUE DIZEM OS PROFESSORES FORMADORES

Entendendo as questões relacionadas ao exercício profissional como vitais para formação das concepções e saberes docentes (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimento- afinidades e distinções essenciais. Quadrante Revista de Investigação em Educação matemática, v. 19, p. 81-102, 2010. e TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.), antes do grupo focal, pedimos para que cada sujeito de pesquisa respondesse um questionário de autopreenchimento com questões a respeito do tempo de formação e carreira. Assim, a tabela abaixo, tabela 1, relaciona os nomes fictícios dos professores que responderam ao questionário (um docente não respondeu, Lineu), com características relativas à carreira na Botânica e na Licenciatura em CB:

Tabela 1
Características relativas a carreira dos formadores da Botânica

Função Social da Universidade

Em relação a essa unidade temática, analisamos as falas dos professores formadores que se relacionaram com suas visões e experiências sobre o papel que a universidade desempenha e/ou deve desempenhar perante à sociedade. Nesse sentido, os professores destacaram aspectos relacionados, principalmente, às políticas de ampliação do acesso à universidade para classes socioeconômicas desfavorecidas e as implicações dessas políticas em suas práticas docentes. Essa questão ganhou destaque na discussão, de tal modo que foi o ponto de partida do grupo focal iniciado pela fala a seguir da formadora Graziela.

Graziela: Eu tenho um ponto, se é que eu posso começar a falar, que é exatamente essa vivência da chegada do aluno que a gente pega aqui no primeiro ano. Essa chegada dos alunos que vêm de diferentes escolas, diferentes níveis sociais e níveis mesmo de, o que eu posso dizer, de aprendizado, dependendo das escolas.

De modo geral, as colocações sintetizaram um panorama de problemáticas e crises que a universidade tem vivido nos últimos anos devido aos impasses enfrentados para equilibrar excelência acadêmica e democratização social (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, M. I. Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez. 184p., 2012.; SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e 2013). Essa questão foi discutida, principalmente, pelas formadoras Graziela e Margarete que, de forma geral, concordaram com o fato de que, atualmente, o trabalho do professor universitário difere significativamente do passado. Isto, devido principalmente à heterogeneidade intelectual dos alunos. Para elas, é nítido que os alunos chegam à universidade com um pior nível acadêmico, trazendo dificuldades para o ensino dos conteúdos. Em relação a isso, apontaram uma perda da qualidade acadêmica com a entrada de alunos oriundos de uma escolarização básica deficitária e, portanto, com o menor domínio conceitual:

Graziela: há uma dificuldade no curso porque nós temos uma ementa (...). Então, já há esse primeiro impasse, e aí o que eu penso exatamente o nosso papel na universidade em como pegar uma diferença muito grande que tem de ensino.

Nesse diálogo, os formadores trouxeram uma maior complexidade ao debate, atribuindo o desafio do trabalho docente à heterogeneidade intelectual, social e cultural dos alunos, como podemos observar no trecho a seguir:

Margarete: Eu comecei a dar aula em 1990 (...) E a composição social era completamente diferente naquela universidade. Os meus alunos pertenciam todos a uma certa elite social. De maneira tal que do ponto de vista do trabalho que a gente fazia era outra coisa. Eu podia transmitir diretamente a eles uma bibliografia de última publicação, que havia por aí afora, e não havia nenhum problema (...)

Nesse viés, Margarete estabeleceu estreita relação entre as condições sociais e intelectuais dos alunos. Essa discussão remete ao conceito de capital cultural de Bourdieu (2003BOURDIEU, P. Reprodução cultural e reprodução social. In: A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, p. 295-336, 2003.). Nesse sentido, a formadora, ao declarar que seu trabalho era outro, marca como diferença o fato de que os alunos atuais - por não possuírem esse capital cultural - não conseguem atingir certo domínio de atualização/aprofundamento nos conteúdos da disciplina, por não possuírem habilidade de leitura e interpretação (ou domínio de inglês) para acessar bibliografia de última publicação. Para ela, essa condição traz problemas relacionados ao conteúdo.

Assim, assumindo o referencial de Bourdieu (2003BOURDIEU, P. Reprodução cultural e reprodução social. In: A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, p. 295-336, 2003.), considera-se que a cultura universitária se torna “compreensível” aos graduandos que já na EB possuíam os códigos necessários para tal compreensão. Diante disso, segundo o estudo de Caôn e Frizzo (2010CAÔN, G. F.; FRIZZO, H. C. F. Acesso, equidade e permanência no ensino superior: desafios para o processo de democratização da educação no Brasil. UFSJ Repositório, 2010.) e Neves (2012NEVES, C. E. B. Ensino Superior no Brasil: expansão, diversificação e inclusão. In: Trabalho apresentado no Congresso da LASA (Associação de Estudos Latino Americanos), São Francisco, Califórnia. 2012.), o sucesso na conclusão de curso por alunos de classes sociais desfavorecidas tem relação com uma série de medidas para orientação e acompanhamento pedagógico ao longo da formação. Assim, o estudo de Caôn e Frizzo (2010) mostra que, no geral, podemos identificar uma “naturalidade” com o ensino superior em graduandos provenientes de escolas particulares e famílias cujos pais possuem graduação completa.

De maneira geral, os formadores continuaram apontando aspectos negativos da expansão universitária de modo que eles estabeleceram, um posicionamento crítico em relação à maneira como a inclusão social vem sendo feita na universidade:

Margarete: Eu vejo isso, que é maciço em que os meninos não sabem nem escrever e que ninguém se preocupa, sabe? É para inglês ver! (...). Ninguém se preocupa em fazer um curso mínimo de gramática e ortografia em ensinar a usar o dicionário no computador. Bota aqui na sala dos meninos e ensina-os a usar, a corrigir, e eles aprendem, porque não são bobos sabe? Simplesmente eles têm estilo de vida diferentes, mas são tão inteligentes como os outros.

A formadora Margarete parece se colocar favorável à ideia de uma democratização do acesso à universidade caso esta democratização esteja balizada por políticas institucionais que garantam a permanência no ES. Isso fica claro quando a formadora afirma: “Bota aqui na sala dos meninos e ensina-os a usar (...) porque não são bobos, sabe? (...) são tão inteligentes como os outros”. Contudo, se coloca crítica ao fato dessa inclusão não ter sido acompanhada por ações que respaldassem a qualidade universitária e permanência dos alunos. Desse modo, a formadora considera que não só o acesso, mas também a permanência dos alunos é responsabilidade da universidade.

Ante ao exposto, a problematização abordada pelos formadores, é tratada por autores que questionam a eficácia dos processos de democratização do ES no setor público (NEVES, 2012NEVES, C. E. B. Ensino Superior no Brasil: expansão, diversificação e inclusão. In: Trabalho apresentado no Congresso da LASA (Associação de Estudos Latino Americanos), São Francisco, Califórnia. 2012.). Esses estudos mostram que a incipiência de ações que garantem uma justa igualdade de oportunidades para a permanência dos graduandos tem culminado em altas taxas de evasão e dificuldades pedagógicas por parte daqueles provenientes de famílias com baixo poder aquisitivo (CAÔN; FRIZZO, 2010CAÔN, G. F.; FRIZZO, H. C. F. Acesso, equidade e permanência no ensino superior: desafios para o processo de democratização da educação no Brasil. UFSJ Repositório, 2010.).

Formação em Licenciatura

Nessa seção, apresentamos, mais especificamente, as análises a respeito do currículo e prática docente na Licenciatura em CB da universidade carioca que investigamos. De modo geral, os docentes universitários dialogaram sobre a centralidade dos conteúdos científicos botânicos para a graduação de futuros professores da EB e, ao trazerem essa discussão, revelaram suas experiências e concepções a respeito do currículo do curso, bem como o papel que desempenham na formação do licenciando. Assim, de forma consensual, os formadores concordaram que a graduação em Biologia prioriza a formação do bacharel, principalmente, voltada para a pesquisa:

Lineu: Agora, a nossa tradição mesmo é pesquisador, né? Por isso, que eu acho importante né a gente poder trabalhar aqui. A universidade X (se referindo ao Instituto de Biologia e ao departamento de Botânica da universidade X) não tem muita tradição de formar professor não, né?

Essa concepção, sintetizada na fala do formador Lineu, e corroborada pelos outros formadores, aponta para a existência de uma tensão curricular entre bacharelado e licenciatura, em que esta última modalidade formativa se torna uma extensão da primeira, sem que haja uma preocupação com a especificidade da formação do professor e sim do pesquisador. Tal conjuntura é descrita em diversos estudos sobre a formação inicial de professores de Ciências e Biologia (SILVA e SCHNTLZER, 2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.; MARANDINO; SELLES e FERREIRA, 2009MARANDINO, M.; SELLES, S. E. & FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: Histórias e Práticas em Diferentes Espaços Educativos. São Paulo: Cortez, 2009.; VIANA et al, 2012VIANA, G. M. et al Relações entre teoria e prática na formação de professores: investigando práticas sociais em disciplina acadêmica de um curso nas ciências biológicas. Educação em revista, v. 28, n. 4, p. 17-49, 2012.; SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.; BARZANO, 2016BARZANO, M. A. L. Currículo das margens: apontamentos para ser professor de Ciências e Biologia. Educ. foco, v. 21, n. 1, p. 105-124, 2016. e FERNANDES, 2017FERNANDES, K. de O. B. Currículo acadêmico de Ciências Biológicas: deslocando fronteiras na formação inicial docente. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Rio de Janeiro. 175 p., 2017.), que historicamente apresentam as disciplinas pedagógicas, associadas aos departamentos e Faculdades de Educação, como aquelas contempladas com menor status curricular nas universidades brasileiras, sendo a gênese da Licenciatura em CB associada ao bacharelado.

Esses estudos apontam também para uma dicotomia entre as disciplinas pedagógicas da Licenciatura - associadas à cultura e produção de conhecimento acerca da ação profissional docente - e as disciplinas de conteúdo ou científicas (SILVA e SCHNTLZER, 2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.) - associadas à formação do bacharel e o ensino sobre os temas específicos do campo das CB; em que essas últimas são frequentemente valorizadas (SILVA e SCHNTLZER, 2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.; MARANDINO, SELLES e FERREIRA, 2009MARANDINO, M.; SELLES, S. E. & FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: Histórias e Práticas em Diferentes Espaços Educativos. São Paulo: Cortez, 2009.; VIANA et al, 2012VIANA, G. M. et al Relações entre teoria e prática na formação de professores: investigando práticas sociais em disciplina acadêmica de um curso nas ciências biológicas. Educação em revista, v. 28, n. 4, p. 17-49, 2012. e FERNANDES, 2017FERNANDES, K. de O. B. Currículo acadêmico de Ciências Biológicas: deslocando fronteiras na formação inicial docente. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Rio de Janeiro. 175 p., 2017.).

Ante ao cenário descrito, os formadores ressaltaram concepções sobre a centralidade do conhecimento científico e sobre seus papéis como mero transmissores de tal conhecimento em vários momentos do grupo focal, revelando uma tendência ao reforço e naturalização do paradigma da racionalidade técnica (SCHÖN, 1983SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: Basic Books, 1983.) na formação de licenciatura, como descreve Diniz-Pereira (2014), Cunha (2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.) e Fernandes e Cunha (2013FERNANDES, M. B. C.; CUNHA, Maria I. da. Formação de professores: tensão entre discursos, políticas, teorias e práticas. Inter-ação (UFG. Online), v. 38, n. 1, p. 51-65, Jan/abr. 2013.). Essa postura é ilustrada no excerto abaixo:

Flora: o conteúdo é a parte mais importante que na minha cabeça não pode ser comprometida [...] é importante que ele [em referência ao licenciando] se aproprie daquele conhecimento e saiba usá-lo e que disso ele faça a sua ferramenta de trabalho.

Isso posto, e embasadas por Cunha (2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.), Diniz-Pereira (2014) e Viana e colaboradores (2012VIANA, G. M. et al Relações entre teoria e prática na formação de professores: investigando práticas sociais em disciplina acadêmica de um curso nas ciências biológicas. Educação em revista, v. 28, n. 4, p. 17-49, 2012.), vislumbramos a exaltação ao ensino dos conteúdos botânicos como característica do modelo formativo tecnicista (SCHON,1983SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: Basic Books, 1983.). Como fica claro na fala de Flora, ela acredita que o domínio do conteúdo botânico é suficiente para os futuros professores em qualquer situação de ensino escolar. Nesse contexto, Silva e Schnetzler (2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.) e Viana e colaboradores (2012) apontam que os formadores das licenciaturas em CB, em especial das disciplinas de conteúdo, concebem a preparação dos licenciandos para atuação no mercado de trabalho como fortemente associada ao profundo conhecimento científico. Na fala, isso reforça uma visão redutora sobre a prática educacional escolar: a de que para ensinar basta o professor aplicar os conhecimentos científicos - inclusive os vinculados às Faculdades de Educação - transmitidos ao longo da formação inicial (CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.).

Essa visão fica clara quando, em diversos momentos, os sujeitos de pesquisa mencionam seus saberes experienciais para exemplificar como concebem a formação e seu papel no ensino. Como ilustrado no segmento abaixo, de forma geral, consideram que tratar o conteúdo de maneira contextualizada na vida do licenciando é parte secundária da formação e pode ser excluída da disciplina.

Maria Luíza: Eu caracterizava todas as algas tudo, tudo no contexto da Biologia e, no final da aula, eu dava aplicações. Aí, por exemplo semana passada eu comecei ao contrário falando do Sargassum que chegou no Brasil em Fernando de Noronha (...) está todo mundo assim: Que legal, aí pá! Agora, sem comprometer o conteúdo!

Ante ao referenciado, compreendemos que a noção sobre os conteúdos botânicos proporcionada pelos formadores traz fortes aproximações com o paradigma Positivista da Ciência Moderna, pautado pela neutralidade da Ciência perante a sociedade e pela inspiração nas Ciências Exatas e Naturais (CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009. e FERNANDES e CUNHA, 2013FERNANDES, M. B. C.; CUNHA, Maria I. da. Formação de professores: tensão entre discursos, políticas, teorias e práticas. Inter-ação (UFG. Online), v. 38, n. 1, p. 51-65, Jan/abr. 2013.). Essa perspectiva confere aos saberes científicos um caráter de superioridade e verdade inquestionável (NASCIMENTO, FERNANDES e MENDONÇA, 2010NASCIMENTO, F. do; FERNANDES, H. L; MENDONÇA, V. M. O ensino de ciências no Brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, 2010, v. 10, n. 39, p. 225-249. et al. O ensino de ciências no brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, [S. l.] v. 10, n. 39.). Como pode ser visto na fala de Maria Luíza, há uma visão hermética de conteúdo, em que a contextualização dos conteúdos botânicos com aspectos históricos e cotidianos da sociedade, exemplo de abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) da Botânica, não é essencial, mas constitui um “bônus” na formação inicial de professores em CB da universidade.

Nesse sentido, Auler (2008AULER, D. Enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino. v. 1, 2008.) aponta a abordagem CTS como promotora do interesse dos estudantes à medida que relaciona a ciência com os aspectos tecnológicos, históricos, sociais. Dessa forma, tal abordagem constrói caminhos para a formação de cidadãos cientificamente letrados; ou seja, capazes de desenvolver independência intelectual e pensamento crítico em relação à ciência na sociedade (AULER, 2008AULER, D. Enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino. v. 1, 2008. e CARVALHO, 2017CARVALHO, M. M. Botânica no Ensino Fundamental II: aplicação de conceitos do movimento CTS por meio de metodologia ativa. Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia de Lorena. Universidade de São Paulo. Lorena, SP. 109 p., 2017.). Nessa noção, estudos apontam que o ensino dos temas científicos na formação inicial de professores deve favorecer abordagens, como a CTS, (LAUGKSCH, 2000LAUGKSCH, R. C. Scientific literacy: A conceptual overview. Science education, 84(1), 71-94, 2000.; UNO, 2009UNO, G. E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753-1759, 2009.; NASCIMENTO, FERNANDES e MENDONÇA, 2010NASCIMENTO, F. do; FERNANDES, H. L; MENDONÇA, V. M. O ensino de ciências no Brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, 2010, v. 10, n. 39, p. 225-249. et al. O ensino de ciências no brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, [S. l.] v. 10, n. 39.); já que o trabalho do professor de Ciências e de Biologia está diretamente relacionado à capacidade de articular práticas educativas às práticas sociais (ARROYO, 2011ARROYO, M. A. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2011.; NASCIMENTO; FERNANDES; MENDONÇA, 2010NASCIMENTO, F. do; FERNANDES, H. L; MENDONÇA, V. M. O ensino de ciências no Brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, 2010, v. 10, n. 39, p. 225-249. et al. O ensino de ciências no brasil: história, formação de professores e desafios atuais. Revista HISTEDBR On-line, [S. l.] v. 10, n. 39.).

Nessa perspectiva, quando perguntados se eles incorporavam algo de diferente em suas disciplinas pelo fato de estarem formando professores, alguns formadores descreveram suas estratégias, apontando sua concepção de “formação pedagógica”:

Aristóteles: Eu botei um trabalho de transposição didática em muitos casos não era legal e quem me alertou isso foi um ano que eu dei aula junto com a professora X, né? Então, ela falou: talvez isso seja uma função da parte de Licenciatura mesmo né, a gente deve cuidar de dar o conteúdo que é básico para lá na frente alguém recuperar essa ideia e fazer. Então, eu até parei com isso.

Frente ao exposto, os formadores compreendem que a preocupação com as futuras elaborações didáticas dos licenciandos sobre os conteúdos botânicos é de responsabilidade maior das disciplinas da Licenciatura. Dessa forma, nossos sujeitos de pesquisa tendem a associar, de forma exclusiva, a formação pedagógica dos futuros professores de Ciências e Biologia aos departamentos de ensino e Educação da universidade carioca investigada. Essa conjuntura, observada também no trabalho de Silva e Schnetzler (2006SILVA, L. H de A.; SCHNETZLER, R.P. A mediação pedagógica em uma disciplina científica como referência formativa para a docência de futuros professores de biologia. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 57-72, 2006.), Silva (2013)SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e Cunha (2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009.), reforça ainda mais a dicotomia entre as disciplinas de conteúdo e as disciplinas pedagógicas; pois nossos entrevistados atribuem o seu papel enquanto formadores à tarefa exclusiva de transmitir aos licenciandos conhecimentos científicos fitológicos.

Ensino de Botânica

Nesta unidade temática, analisamos as falas dos professores formadores acerca do ensino e aprendizagem da Botânica. Nesse sentido, realçamos a unanimidade das colocações sobre o desinteresse e a negligência com a qual os licenciandos em CB da universidade pesquisada têm concebido as temáticas curriculares botânicas. De modo geral, essa postura apontada pelos formadores se remete ao conceito de Cegueira Botânica2 2 Dificuldade de enxergar e reconhecer a importância dos seres fotossintéticos para a biosfera e a humanidade no nosso cotidiano haja vista que as pessoas consideram estes seres como inanimados, sem vida (WANDERSEE; SCHUSSLER, 2001 e SALATINO; BUCKERIDGE, 2016). (WANDERSEE; SCHUSSLER, 2001WANDERSEE, J.H. & SCHUSSLER, E.E. Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, v. 47, n. 1, p. 2-9, 2001.) existente na sociedade atual (HERSHEY, 2002HERSHEY, D.R. Plant blindness: “we have met the enemy and he is us”. Plant Science Bulletin, v. 48, n. 3, p. 78-85, 2002.; UNO, 2009UNO, G. E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753-1759, 2009.; SALATINO; BUCKERIDGE, 2016SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve saber botânica? Estudos avançados, v. 30, n. 87, 2016.). Como exemplo desta visão, destacamos a fala da formadora Flora, que iniciou essa discussão no grupo focal.

Flora: eu acho que a maioria dos nossos alunos não acha que a planta está viva [...]. Eu tenho essa clara sensação de que uns 60 % não percebe o estar vivo da planta.

A questão apresentada por Flora foi debatida de forma contundente por todos os participantes do grupo focal que expuseram concepções e experiências sobre aspectos desencadeadores da cegueira botânica; assim como, comentaram sobre novas perspectivas e objetivos de ensino para combater as problemáticas dessa cegueira, tanto na EB como no ES. No que tange aos aspectos que geram a Cegueira Botânica, os formadores destacaram o distanciamento vivido pelo ser humano em relação à natureza; a desvalorização curricular da Botânica na EB e no ES e o desmerecimento das plantas pelos estudantes quando em comparação aos animais. Assim, em relação ao primeiro aspecto, os formadores denotaram que:

Graziela: a gente não tem apelo. Entendeu quer dizer, então o que é a Botânica para eles é algo muito distante. São tantas coisas que estão dentro da cidade, a gente aqui dentro não tem uma realidade Botânica.

Frente ao exposto, percebemos que Graziela associa lugares muito urbanizados como aqueles excluídos de uma realidade Botânica natural. A respeito disso, Gullich (2003GULLICH, R. I. C. A Botânica e seu ensino: história, concepções e currículo. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) Faculdade de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2003.) afirma que o acréscimo desenfreado da urbanização tem distanciado cada vez mais o homem da biodiversidade vegetal, principalmente, das espécimes nativas; de maneira que a missão contemporânea do ensino de Botânica se encontra no reestabelecimento do apreço e cuidado humano pelas plantas; do contrário, o desinteresse pela aprendizagem dos conteúdos fitológicos será uma realidade cada vez mais incisiva (GULLICH, 2003GULLICH, R. I. C. A Botânica e seu ensino: história, concepções e currículo. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) Faculdade de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2003. e SALATINO e BUCKERIDGE, 2016SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve saber botânica? Estudos avançados, v. 30, n. 87, 2016.).

Quanto à desvalorização curricular da Botânica na EB, os formadores destacaram a maneira desprestigiada com a qual os professores de Ciências e Biologia exercem sua prática pedagógica com relação a Botânica:

Aristóteles: Quando o professor vê que tem menos horas para cumprir, bom, a primeira coisa que é cortada é a Botânica.

Isto posto, Carvalho e colaboradores (2015CARVALHO, F. V. M.; SANTOS, N. M. S.; ARAÚJO, N. S. Aulas práticas como estratégia para o ensino de Botânica: contribuições formativas do estágio supervisionado. VIENFORSUP, 2015.) afirmam que ao não se sentirem confortáveis com os conteúdos botânicos os professores de profissão encontram na baixa carga horária do final do ano letivo uma solução para a prática docente em Botânica, o que cria uma conotação de ciência irrelevante para os educandos de forma a constituir um ciclo negativo de formação em Botânica (CARVALHO et al, 2015CARVALHO, F. V. M.; SANTOS, N. M. S.; ARAÚJO, N. S. Aulas práticas como estratégia para o ensino de Botânica: contribuições formativas do estágio supervisionado. VIENFORSUP, 2015.). Ademais, Santos e colaboradores (2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.) e Salatino e Buckeridge (2016SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve saber botânica? Estudos avançados, v. 30, n. 87, 2016.) associam a antipatia dos professores de profissão com a Botânica ao reflexo de uma formação inadequada em Fitologia nos cursos de Licenciatura em CB.

Para além da EB, os formadores também relataram uma desvalorização curricular da Botânica no ES:

Flora: tem disciplinas no mesmo período que são Zoologia e Bioquímica que tem o dobro da minha carga horária e créditos altos e aí é prático o negócio [...]. Eu vou estudar Botânica que tem poucos créditos e vai contar pouco no meu CR ou eu vou estudar regularmente para Zoologia e para Bioquímica?

Nesta acepção, o fato de as disciplinas botânicas possuírem uma carga horária e contribuição menor para a média semestral do licenciando faz com que esse estudante dedique maiores esforços nos processos de aprendizagem de outras disciplinas. Assim, fica claro que a grade curricular do curso de Licenciatura em CB da universidade investigada tem desfavorecido a Botânica e, consequentemente, a irrelevância com a qual os futuros professores de Ciências e Biologia, oriundos desta universidade, têm concebido essa ciência. Essa conjuntura, também é descrita no trabalho de Santos, Silva e Echalar (2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.). Do mesmo modo, o trabalho de Lucas (2014LUCAS, M. C. Formação de professores de Ciências e Biologia nas décadas de 1960/1970: entre tradições e inovações curriculares. Rio de Janeiro, Dissertação (Mestrado em educação).- Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 136 p., 2014.) e Fonseca e Ramos (2017FONSECA, L. R. da; RAMOS, P. O Ensino de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas: uma revisão de literatura. XIENPEC. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, julho 2017 2017. Disponível em: <Disponível em: http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1127-1.pdf > Acesso: 04 abr. 2018.
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) traz embasamento teórico para essa desvalorização curricular por meio das mudanças ocorridas no conhecimento biológico a partir dos anos de 1960, quando os avanços tecnológicos dão destaque à Genética e à Ecologia em detrimento das classificações e nomenclaturas dos seres vivos, características até hoje marcantes no ensino de Botânica universitário (SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.).

A desvalorização curricular da Botânica não foi a única pauta de fundamentação da Cegueira Botânica na Licenciatura em CB, já que os formadores atribuíram tal situação no curso investigado à forma secundarizada como a sociedade vê as plantas em comparação aos animais:

Lineu: Ah, isso aí para mim - a cegueira - é porque a planta, os movimentos são muito lentos. Então, a planta é um ser sem graça, digamos assim, que não tem o sentimento, não é como um cachorro.

Essa conjuntura é apresentada no trabalho de Hershey (2002HERSHEY, D.R. Plant blindness: “we have met the enemy and he is us”. Plant Science Bulletin, v. 48, n. 3, p. 78-85, 2002.) como Zoocentrismo, sendo um dos principais sintomas da Cegueira Botânica. Nessa perspectiva, os seres fotossintéticos são constantemente colocados como pano de fundo aos animais em exemplos de situações que envolvam princípios básicos da Biologia (TOWATA; URSI; SANTOS; 2010TOWATA, N.; URSI, S.; SANTOS, D. Y. A. C. Análise da percepção dos licenciandos sobre o ‘ensino de “botânica na educação básica”. Revista da SBenBio. n. 03, p. 1603-1612. 2010. e HERSHEY, 2002HERSHEY, D.R. Plant blindness: “we have met the enemy and he is us”. Plant Science Bulletin, v. 48, n. 3, p. 78-85, 2002.). Além disso, o fato de os representantes botânicos serem estáticos em relação aos animais, como apresenta Lineu em: “os movimentos são muito lentos” gera um não reconhecimento dos mesmos como seres vivos. Afinal, a neurofisiologia do cérebro humano prioriza aspectos relacionados aos movimentos. Desse modo, a imobilidade ou movimentos letárgicos não são salientados aos olhos do homem, assim as plantas se confundem com o cenário abiótico das paisagens (WANDERSEE; SCHUSSLER, 2001WANDERSEE, J.H. & SCHUSSLER, E.E. Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, v. 47, n. 1, p. 2-9, 2001.).

Em outro momento do grupo focal, os formadores apresentaram novas perspectivas e objetivos de ensino como alternativa para o fim da Cegueira Botânica nos licenciandos em CB. Desse modo, eles relacionaram experiências e concepções sobre atividades didáticas em Botânica na EB de maneira a tornar o ensino desta temática mais interessante e promotor de aprendizagens significativas desde essa etapa de escolarização. Aliado a isso, os formadores também descreveram experiências de propostas pedagógicas com o mesmo objetivo de ensino para a licenciatura. Para a EB, os formadores sugeriram: um ensino de Botânica que priorize a contextualização, interdisciplinaridade, sobretudo com questões relacionadas ao uso antropológico das plantas, e a associação dos seres fotossintetizantes com as questões ambientais do entorno da escola. Essas alternativas de trabalho pedagógico com a Botânica são expostas nos excertos a seguir:

Juliana: Eu acho que também tem muita coisa sabe, eu acho que ninguém percebe que nós somos Botânica, a gente veste o quê? A gente come o quê? A gente passa o quê no rosto, no cabelo? Então, mostrar para um aluno menor assim seria muito mais interessante.

Graziela: Por exemplo, tem que pegar um problema ambiental e puxar para o lado da Botânica, né? Aí, o cara tem que inventar e aí se tivesse a água aqui do lado do rio, se tivesse sombra, porque eles acham que as árvores sujam. Então, até mostrar que folha não é sujeira já é uma grande coisa.

Com relação à perspectiva contextualizada, interdisciplinar, do ensino de Botânica, autores como Uno (2009UNO, G. E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753-1759, 2009.), Towata, Ursi e Santos (2010TOWATA, N.; URSI, S.; SANTOS, D. Y. A. C. Análise da percepção dos licenciandos sobre o ‘ensino de “botânica na educação básica”. Revista da SBenBio. n. 03, p. 1603-1612. 2010.) e Macedo e colaboradores (2012MACEDO, M. et al. Concepções de professores de Biologia do ensino médio sobre o ensino-aprendizagem de Botânica. In: Anais Encontro Ibero-americano sobre Investigação em Ensino de Ciências, Porto Alegre, p. 387-401, 2012.) associam essa perspectiva de ensino a caminhos mais sólidos para o letramento científico em Botânica na EB. Assim, Carvalho (2017CARVALHO, M. M. Botânica no Ensino Fundamental II: aplicação de conceitos do movimento CTS por meio de metodologia ativa. Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia de Lorena. Universidade de São Paulo. Lorena, SP. 109 p., 2017.) aponta que estes caminhos se dão através do ensino contextualizado dos seres fotossintéticos com a aplicação econômica e os demais usos antropológicos desses seres na sociedade, como sugere Juliana; de modo que o mesmo autor associa tal perspectiva de ensino a abordagem CTS. A despeito dessa perspectiva de ensino, Salatino e Buckeridge (2016SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve saber botânica? Estudos avançados, v. 30, n. 87, 2016.) apresentam que a abordagem CTS dos representantes botânicos é positiva para a aprendizagem dessa temática na EB, sobretudo no cotidiano brasileiro cuja economia e história tem fundamentação nos seres fotossintéticos.

Por fim, a associação dos temas botânicos com questões ambientais é para Gullich (2003GULLICH, R. I. C. A Botânica e seu ensino: história, concepções e currículo. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) Faculdade de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2003.) e Fonseca e Ramos (2017FONSECA, L. R. da; RAMOS, P. O Ensino de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas: uma revisão de literatura. XIENPEC. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, julho 2017 2017. Disponível em: <Disponível em: http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1127-1.pdf > Acesso: 04 abr. 2018.
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) o princípio básico para o ensino contemporâneo da Botânica na EB. Isto porque, para Uno (2009UNO, G. E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753-1759, 2009.), a prática docente sobre as temáticas botânicas interligadas com questões pessoalmente significativas aos estudantes, como as problemáticas ambientais relata por Graziela, promove o interesse pela aprendizagem em Fitologia, o que consequentemente contribui para o fim da Cegueira Botânica (FONSECA E RAMOS, 2017FONSECA, L. R. da; RAMOS, P. O Ensino de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas: uma revisão de literatura. XIENPEC. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, julho 2017 2017. Disponível em: <Disponível em: http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1127-1.pdf > Acesso: 04 abr. 2018.
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).

No que tange ao ES, os colaboradores dessa pesquisa sugeriram o trabalho didático em excursões de campo como meio de aprimorar a convivência e a percepção do licenciando em relação aos seres botânicos:

Thresse: Eu acho que uma coisa que esta universidade tem de diferencial, aos trancos e barrancos, é justamente o campo. E com o campo eles veem que as algas estão ali, elas fazem parte daquele ambiente, entendeu? A gente vai para a Floresta da Tijuca, então, a gente consegue enxergar melhor.

Nesse sentido, a estratégia didática proposta por Thresse promove a compreensão da planta como ser vivo integrante dos ecossistemas, cujo papel de integração com os componentes desses ambientes é vital para a sua continuidade. A respeito disso, Araújo e colaboradores (2012ARAÚJO, J.N. et al. O uso de espaços não-formais para a aprendizagem de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas. In: 2ºSimpósio em Educação em Ciências na Amazônia, 2012, Manaus. Anais. Manaus: UEA, 2012.) postulam que as práticas de campo aguçam a curiosidade dos futuros professores de CB, fortalecendo a articulação entre os conhecimentos teóricos e os vivenciados no campo, de modo a dar sentido ao ensino-aprendizagem da Botânica para esses licenciandos. Ademais, o uso de espaços naturais também possibilita a integração de conceitos botânicos às demais disciplinas da formação universitária dos professores de CB, como a Ecologia (BARBOSA et al, 2016BARBOSA, T. V. et al. Atividades de ensino em espaços não formais amazônicos: um relato de experiência integrando conhecimentos botânicos e ambientais. Revista brasileira de educação ambiental, São Paulo, v. 11, n. 4: 174-183, 2016.); bem como enfatiza questões ambientais quanto à biodiversidade de espécies da flora regional (BARBOSA et al, 2016 e ARAÚJO et al, 2012ARAÚJO, J.N. et al. O uso de espaços não-formais para a aprendizagem de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas. In: 2ºSimpósio em Educação em Ciências na Amazônia, 2012, Manaus. Anais. Manaus: UEA, 2012.).

Outra perspectiva de ensino mencionada pelos formadores foi relatada pelas professoras Juliana e Graziela, que decidiram mudar suas antigas abordagens de ensino para despertar o interesse pela Botânica nos estudantes do primeiro período:

Juliana: Esse semestre foi bem especial, muitos dos alunos do primeiro período já estão falando que querem fazer Botânica, tá!

Graziela: Foi porque a gente está dando aula diferente . (...) eu vou começar a aula falando de um artigo que eu quero que vocês leiam e eles estão lendo. E, aí, a gente escolhe os artigos de modo que tenham uma aplicação em um organismo que é o que causa lá um benefício ou um malefício ao homem e aí eu explico aquele grupo de organismos em função daquele exemplo. Toda aula tem artigo.

De acordo com a experiência das formadoras, percebemos que elas têm obtido bons resultados em suas novas abordagens didáticas, algo que para nós se evidencia em: “muitos dos alunos do primeiro período já estão falando que querem fazer Botânica”. Assim, acreditamos que tal sucesso se constitui no aspecto contextualizado do ensino de Botânica com as aplicações antropológicas dos seres fotossintetizantes, como aponta Fonseca e Ramos (2017FONSECA, L. R. da; RAMOS, P. O Ensino de Botânica na Licenciatura em Ciências Biológicas: uma revisão de literatura. XIENPEC. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, julho 2017 2017. Disponível em: <Disponível em: http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1127-1.pdf > Acesso: 04 abr. 2018.
http://abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/...
) e Uno (2009UNO, G. E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753-1759, 2009.). Para além disso, a abordagem didática de Juliana e Graziela coloca os licenciandos como protagonistas nos processos de ensino-aprendizagem. Haja vista que, ao fundamentarem as aulas na participação ativa dos licenciandos por meio da leitura de artigos, como defende Graziela, as formadoras conferem a estes alunos o maior envolvimento com as temáticas botânicas abordadas, de forma que cabe aos futuros professores de Ciências e Biologia a busca pela aprendizagem dos conhecimentos botânicos. Segundo Santos e colaboradores (2015SANTOS, M. L. et al. O Ensino de Botânica na Formação Inicial de Professores em Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado de Goiás. 2015. In: XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, p. 1-8.), Silva (2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.) e Uno (2009), tal abordagem de ensino é fundamental para a promoção de aprendizagens significativas sobre Botânica no ES, pois ao participar ativamente da construção da sua aprendizagem, o licenciando constrói maiores articulações entre os conceitos ensinados pelos formadores e seus saberes prévios, além do sentimento de motivação ante aos desafios para a obtenção de bons resultados em avaliações.

Frente ao mencionado, compreendemos que, no geral, as perspectivas de ensino sugeridas pelos formadores para o fim da Cegueira Botânica se pautam na educação CTS, pois ao enfatizarem a contextualização dos conteúdos botânicos com a aplicação socioeconômica das plantas e as questões ambientais, os nossos sujeitos de pesquisa se utilizam dos objetivos deste modelo educacional (CARVALHO, 2017CARVALHO, M. M. Botânica no Ensino Fundamental II: aplicação de conceitos do movimento CTS por meio de metodologia ativa. Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia de Lorena. Universidade de São Paulo. Lorena, SP. 109 p., 2017.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo central analisar a formação da licenciatura em CB de uma universidade carioca, especialmente, no que diz respeito ao ensino de Botânica, por meio das concepções e dos saberes docentes dos professores formadores da área de Botânica dessa universidade. Com base na análise das interações entre os sujeitos, foram organizadas três unidades temáticas, são elas: Função social da universidade, Formação em Licenciatura e Ensino de Botânica. Com relação à primeira categoria temática, entendemos que os saberes e concepções docentes apresentados pelos nossos entrevistados seguem uma tendência que prioriza o aspecto cultural elitista do ES. Nossa compreensão, se dá pelo fato de os formadores terem encarado a democratização social do espaço universitário como um problema à manutenção da excelência acadêmica, tendo em vista que os graduandos provenientes de classes sociais menos abastadas possuem uma heterogeneidade intelectual aos saberes da universidade.

Nesse viés, compreendemos também que os formadores culpabilizam o sistema universitário por ter promovido uma expansão de vagas atropelada, “para inglês ver”; já que esta não foi acompanhada de ações - em especial as relacionadas ao apoio pedagógico do novo perfil de graduandos, o qual possui dificuldades básicas de aprendizagem dos saberes necessários à permanência e sucesso na universidade- que respaldassem o trabalho deles para a manutenção da qualidade acadêmica. Qualidade esta, historicamente mensurada pelo ensino e, sobretudo, pesquisa das Ciências Exatas e Biológicas (SANTOS, 2010SANTOS, B.S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In: Questões da nossa época. Cortez, 2010. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice- o social e o político na pós-modernidade. Coimbra: Almedina, 2013. e 2013). Destarte, apontamos que os professores universitários caracterizam a função social da universidade como relacionada à produção e ao ensino de conteúdos científicos em detrimento de uma equidade social via diploma universitário das classes socioeconômicas mais pobres.

Esse apontamento fica mais claro quando analisamos os saberes e concepções referentes à unidade temática Formação em Licenciatura, pois os formadores continuaram a defender o papel da universidade como pautado pela produção e ensino de conteúdos científicos. Nossa análise se fundamenta no argumento desses sujeitos sobre a universidade investigada ter tradição em formar pesquisador. De modo que, a maioria dos formadores compreendem o seu papel como transmissores dos conteúdos científicos botânicos, enquanto a contextualização desses conteúdos com questões pedagógicas deve ficar a cargo da Faculdade de Educação. Mesmo porque, segundo grande parte dos nossos sujeitos de pesquisa, a transmissão dos conteúdos científicos se constitui como tarefa suficiente e fundamental para a prática de ensino em Botânica na EB.

Nesse sentido, identificamos também que os saberes e concepções docentes dos nossos sujeitos de pesquisa estão associados ao modelo tecnicista de formação profissional (SCHON, 1983SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: Basic Books, 1983.). Em especial, porque, na generalidade, esses sujeitos apresentaram uma visão de ciência como saber hermético e superior aos conhecimentos pedagógicos e sociais, de extrema importância na formação inicial de professores (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 323 p., 2014.). Em face disso, atribuímos tal concepção de ciência à formação e à carreira universitária dos professores entrevistados, haja vista que estas, sobretudo a formação, se constituem como incipientes do ponto de vista da Pedagogia (CUNHA, 2009CUNHA, M.I. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 81-90. 2009. e SILVA, 2013SILVA, J. R. S. Concepções de professores de botânica sobre ensino e formação de professores. São Paulo, 2013, 219p. Tese (Doutorado em Ciências na área de Botânica) - Instituto de Biociências da USP. São Paulo.).

Ante ao exposto, ao ensinarem botânica na licenciatura em CB , a maior parte dos professores formadores investigados acabam por reproduzir práticas concatenadas aos aspectos da sua própria formação universitária; de modo que, ao lecionarem, os professores formadores acabam por desenvolver uma licenciatura desinteressante e descontextualizada ao futuro professor de Ciências e Biologia, o qual, por consequência, no decorrer da sua formação inicial passa a apresentar grandes dificuldades de entendimento dos conteúdos botânicos. Isso se reflete em um ciclo negativo de formação em Botânica na escola básica; haja visto as dificuldades que professores dessa etapa de escolarização enfrentam para ensinar sobre os conteúdos botânicos. Sendo assim, ao contrário dos entrevistados, não consideramos como estranho o fato de grande parte dos estudantes chegarem ao ES com sintomas de Cegueira Botânica. Além disso, cabe ressaltar o fato de vivermos em uma sociedade que favorece esses sintomas de desinteresse pelos seres fotossintéticos, basta ver a crescente urbanização dos espaços naturais e a histórica conceituação zoocêntrica de vida.

Tendo em vista as discussões levantadas, propomos uma aproximação e maior diálogo entre os professores formadores das disciplinas de conteúdo da Botânica e os professores das disciplinas pedagógicas; de modo que esses sujeitos possam destituir as dicotomias existentes entre os seus componentes curriculares. O que, acreditamos ter potencial para a formulação de práticas docentes na universidade mais contextualizadas com os aspectos profissionais da docência na EB. Contudo, entendemos as contingências inclusas nesta proposição à medida que as atribuições profissionais dos professores universitários não se resumem à formação inicial docente. Pelo contrário, essas atribuições têm sido uma espécie de “tarifa” aos formadores, inclusive das disciplinas pedagógicas, em tempos de produtividade acadêmica e progressão em carreira.

Ademais, acreditamos que há de se ter em conta o papel que a universidade possui para o fim do desinteresse pelos seres fotossintéticos, sobretudo no Brasil, país com um cotidiano social de grande influência desses seres vivos (SALATINO; BUCRIDGE, 2016SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve saber botânica? Estudos avançados, v. 30, n. 87, 2016.). Em razão disso, sugerimos também que os professores formadores, na sua totalidade, se apropriem de práticas de ensino que favoreçam o apreço pela aprendizagem da Botânica. Para tanto, apostamos no trabalho didático por meio da abordagem CTS, já que esta tem beneficiado os processos de ensino-aprendizagem das temáticas botânicas no ES. Tendo em conta sua natureza de conteúdos- como aplicação econômica dos seres botânicos e a relação desses seres com as questões ambientais -, a qual frequentemente, possui relação com o cotidiano dos licenciandos. Ocorre, então, uma redução das dificuldades de compreensão das temáticas botânicas na licenciatura e, portanto, acreditamos ter impactos positivos na prática de ensino em Botânica na EB. Aliado a isso, apostamos também na promoção de saídas de campo ao longo da licenciatura, e na contextualização dos conteúdos botânicos com as demais áreas das CB, em especial a Ecologia.

Nessa conjuntura, consideramos que deve haver um importante esforço por parte de todos os formadores para que o curso de licenciatura em CB se constitua não mais como uma espécie de “bacharelado disfarçado de formação inicial para professores de Ciências e Biologia”. Acreditamos, portanto, que somente com base em um processo de reflexão e de diálogo constantes, será possível construir a indispensável aproximação da formação universitária com a docência na escola básica. A respeito disso, compreendemos o presente estudo como promotor de subsídios teóricos para os processos de reflexão e diálogo citados.

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  • 1
    Segundo o qual os bens culturais, enquanto bens simbólicos, são apreendidos por aqueles que possuem previamente os instrumentos e códigos necessários para tal apropriação.
  • 2
    Dificuldade de enxergar e reconhecer a importância dos seres fotossintéticos para a biosfera e a humanidade no nosso cotidiano haja vista que as pessoas consideram estes seres como inanimados, sem vida (WANDERSEE; SCHUSSLER, 2001 e SALATINO; BUCKERIDGE, 2016).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2018
  • Aceito
    22 Out 2018
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