Acessibilidade / Reportar erro

ENGAJAMENTO DE ESTUDANTES EM INVESTIGAÇÃO ESCOLAR SOBRE CIRCUITOS ELÉTRICOS SIMPLES

COMPROMISO DE ESTUDIANTES CON UNA INVESTIGACIÓN ESCOLAR SOBRE CIRCUITOS ELÉCTRICOS SIMPLES

RESUMO:

Buscam-se objetivos variados com as atividades desenvolvidas no laboratório escolar de Física. Entre as várias propostas para esse ambiente de aprendizagem estão aquelas que o concebem a partir de atividades investigativas, com diferentes níveis de abertura. Neste trabalho, apresentamos os resultados de uma investigação sobre o engajamento de estudantes do Ensino Médio durante o desenvolvimento de uma atividade investigativa semiaberta sobre circuitos elétricos simples. O objetivo do trabalho foi caracterizar o engajamento desses estudantes nessa atividade. O estudo foi conduzido numa escola pública brasileira, vinculada à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, localizada na cidade de Belo Horizonte/MG (Brasil). A coleta de dados envolveu gravações de áudio e vídeo de grupos de três a quatro estudantes no laboratório de física da 1ª série do Ensino Médio. A análise dos dados baseou-se no conceito e nos indicadores de engajamento estabelecidos na literatura de pesquisa. Os resultados mostram que embora todos os grupos tenham demonstrado algum envolvimento com a atividade, nem todos os estudantes se engajaram na resolução das tarefas propostas. Entre os que se engajaram nas tarefas, percebe-se variação na qualidade desse envolvimento.

Palavras-chave:
Engajamento: Atividades Investigativas; Ensino de Física

RESUMEN:

Se buscan objetivos variados con las actividades desarrolladas en el laboratorio escolar de Física. Entre las varias propuestas para ese ambiente de aprendizaje se hallan aquellas que lo comprenden a partir de actividades investigativas, con distintos niveles de apertura. En este trabajo, presentamos los resultados de una investigación sobre el compromiso de estudiantes de Enseñanza Media a lo largo del desarrollo de una actividad investigativa semiabierta sobre circuitos eléctricos simples. El objetivo del trabajo fue caracterizar el compromiso de esos estudiantes con esa actividad. El estudio fue dirigido en una escuela pública brasileña, vinculada a la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica, y ubicada en la ciudad de Belo Horizonte/Minas Gerais (Brasil). La recopilación de datos ocurrió por medio de grabaciones de audio y videos de grupos de tres a cuatro estudiantes en el laboratorio de Física del 1º año de la Enseñanza Media. El análisis de datos se basó en el concepto y en los indicadores de compromiso establecidos en la bibliografía de investigación. Los resultados señalan que, aunque todos los grupos hayan demostrado cierta participación, no todos los estudiantes se comprometieron con la resolución de las tareas propuestas. Entre los que se comprometieron con las tareas, se percibe una variación en la calidad de ese compromiso.

Palabras clave:
Compromiso; Actividades Investigativas; Enseñanza de Física

ABSTRACT:

Laboratory in Physics teaching can serve many pedagogical objectives. One of the proposals to physics labs involves the use of investigative activities. In this paper, we present the results of a study about high school students’ engagement in an investigative activity about electrical circuits. The aim of this study was to characterize the engagement of these students in this activity. The research was conducted in a Brazilian federal high school located in Belo Horizonte/Minas Gerais. We recorded groups of three to four year students during physics lab lessons. The data analysis was based on the concept of engagement and its indicators established in research literature. The results reveal that all students exhibited involvement in the activity but not all engaged in tasks proposed in it. Among the students who engaged in tasks, we identified variations in the quality of their involvement.

Keywords:
Engagement; Investigative Activities; Physics Teaching.

INTRODUÇÃO

Discussões sobre os fundamentos, as finalidades, as potencialidades e os modos de organização do laboratório escolar e das atividades práticas no Ensino de Ciências estão em pauta há algumas décadas (BAROLLI; LABURÚ; GURIDI, 2010BAROLLI, E.; LABURÚ, C. E.; GURIDI, V. M. Laboratorio didáctico de ciencias: caminos de investigación. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 9, n. 1, p. 88-110, 2010.; BORGES, 2002BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.; GOMES; BORGES; JUSTI, 2008GOMES, A. D. T.; BORGES, A. T.; JUSTI, R. Processos E Conhecimentos Envolvidos Na Realização De Atividades Práticas: Revisão Da Literatura E Implicações Para a Pesquisa. Investigações em Ensino de Ciências, v. 13, n. 2, p. 187-207, 2008.; HODSON, 1988HODSON, D. Experimentos na ciência e no ensino de ciências. Education philosophy and theory, v. 20, p. 53-66, 1988.; HOFSTEIN; LUNETTA, 1982HOFSTEIN, A.; LUNETTA, V. N. The Role of the Laboratory in Science Teaching: Neglected Aspects of Research. Review of Educational Research, v. 52, n. 2, p. 201-217, 1982.; HOFSTEIN; LUNETTA, 2004HOFSTEIN, A.; LUNETTA, V. N. The Laboratory in Science Education: Foundations for the Twenty-First Century. Science Education, v. 88, n. 1, p. 28-54, 2004.; WHITE, 1996WHITE, R. T. The link between laboratory and learning. International Journal of Science Education, v. 18, n. 7, p. 761-774, 1996.; WILCOX; LEWANDOWSKI, 2017WILCOX, B. R.; LEWANDOWSKI, H. J. Developing skills versus reinforcing concepts in physics labs: Insight from a survey of students’ beliefs about experimental physics. Physical Review Physics Education Research, v. 13, p. 1-9, 2017.). O desenvolvimento de atividades práticas, no laboratório ou fora dele, tem sido descrito e analisado sob diferentes enfoques e a partir de diferentes conceitos e referenciais teóricos (JULIO; VAZ, 2007JULIO, J. M.; VAZ, A. M. Grupos de alunos como grupos de trabalho: um estudo sobre atividades de investigação. Revista Brasileira de Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 7, n. 2, 2007.; KIPNIS; HOFSTEIN, 2008KIPNIS, M.; HOFSTEIN, A. The inquiry laboratory as a source for development of metacognitive skills. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 6, n. 3, p. 601-627, 2008.; REIGOSA; ALEIXANDRE, 2011REIGOSA, C.; ALEIXANDRE, M. P. J. Formas de Actuar de los Estudiantes en el Laboratorio para la Fundamentación de Afirmaciones y Propuestas de Acción. Enseñanza de Las Ciencias, v. 29, n. 1, p. 23-34, 2011.; SANDI-URENA et al., 2011SANDI-URENA, S. et al. Students’ experience in a general chemistry cooperative problem based laboratory. Chem. Educ. Res. Pract., v. 12, p. 434-442, 2011.; WOLF; FRASER, 2008WOLF, S. J.; FRASER, B. J. Learning environment, attitudes and achievement among middle-school science students using Inquiry-based laboratory activities. Research in Science Education, v. 38, n. 3, p. 321-341, 2008.).

No contexto dessas discussões, há autores que sugerem a estruturação do laboratório escolar em torno de atividades didáticas investigativas (BORGES, 2002BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.; HOFSTEIN; LUNETTA, 2004HOFSTEIN, A.; LUNETTA, V. N. The Laboratory in Science Education: Foundations for the Twenty-First Century. Science Education, v. 88, n. 1, p. 28-54, 2004.; KUHN et al., 2017KUHN, D. et al. Can Engaging in Science Practices Promote Deep Understanding of Them? Science Education, v. 101, n. 2, p. 232-250, 2017.; TAMIR; STAVY; RATNER, 1998TAMIR, P.; STAVY, R.; RATNER, N. Teaching science by inquiry: assessment and learning. Journal of Biological Education, v. 33, n. 1, p. 27-32, 1998.; ZÔMPERO; LABURÚ, 2011ZÔMPERO, A. F.; LABURÚ, C. E. Atividades investigativas no ensino de ciências: Aspectos históricos e diferentes abordagens. Revista Ensaio, v. 13, n. 3, p. 67-80, 2011.). O conceito de investigação escolar é multifacetado (BARROW, 2006BARROW, L. H. A Brief History of Inquiry: From Dewey to Standards. Journal of Science Teacher Education, v. 17, p. 265-278, 2006.; MUNFORD; LIMA, 2007MUNFORD, D.; LIMA, M. E. C. DE C. E. Ensinar ciências por investigação: em quê estamos de acordo? Ensaio, v. 9, n. 1, p. 89-111, 2007.; RODRIGUES; BORGES, 2008RODRIGUES, B. A.; BORGES, A. T. O ensino de ciências por investigação: reconstrução histórica. 2008, Curitiba: SBF. p. 1-12.; ZÔMPERO; LABURÚ, 2011ZÔMPERO, A. F.; LABURÚ, C. E. Atividades investigativas no ensino de ciências: Aspectos históricos e diferentes abordagens. Revista Ensaio, v. 13, n. 3, p. 67-80, 2011.). Por isso, desde já, deixaremos claro que nossa compreensão sobre o que é uma atividade didática investigativa baseia-se no trabalho de Borges (2002BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.). Atividades didáticas investigativas envolvem desafios ou problemas com variados graus de abertura, que tanto podem demandar realização de experimentos, simulações de computador ou análise de vídeo, quanto o simples uso de lápis e papel. Os desafios ou problemas mais abertos, que não apresentam soluções imediatas possíveis de serem alcançadas sem a devida reflexão por parte dos estudantes, lhes conferem maior autonomia.

Algumas pesquisas sugerem que atividades escolares de investigação têm o potencial de estimular o uso de estratégias de raciocínio e de aprendizagem, de favorecer a compreensão funcional de conceitos e de promover a colaboração e o engajamento dos estudantes (JULIO; VAZ; FAGUNDES, 2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.; KANARI; MILLAR, 2004KANARI, Z.; MILLAR, R. Reasoning from data: How students collect and interpret data in science investigations. Journal of Research in Science Teaching, v. 41, n. 7, p. 748-769, 2004.; KASSEBOEHMER; FERREIRA, 2013KASSEBOEHMER, A. C.; FERREIRA, L. H. Método investigativo em aulas teóricas de Química: Estudo das condições da formação do espírito científico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 12, p. 144-168, 2013.; KIPNIS; HOFSTEIN, 2008KIPNIS, M.; HOFSTEIN, A. The inquiry laboratory as a source for development of metacognitive skills. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 6, n. 3, p. 601-627, 2008.; KUHN et al., 2017KUHN, D. et al. Can Engaging in Science Practices Promote Deep Understanding of Them? Science Education, v. 101, n. 2, p. 232-250, 2017.; WILCOX; LEWANDOWSKI, 2017WILCOX, B. R.; LEWANDOWSKI, H. J. Developing skills versus reinforcing concepts in physics labs: Insight from a survey of students’ beliefs about experimental physics. Physical Review Physics Education Research, v. 13, p. 1-9, 2017.; WOLF; FRASER, 2008WOLF, S. J.; FRASER, B. J. Learning environment, attitudes and achievement among middle-school science students using Inquiry-based laboratory activities. Research in Science Education, v. 38, n. 3, p. 321-341, 2008.). Por outro lado, há pesquisas com resultados que surpreendem por seu caráter contraintuitivo e, por isso, devem ser vistos com atenção. Por exemplo, Kirschner, Sweller e Clark (2006KIRSCHNER, P.; SWELLER, J.; CLARK, R. Why Unguided Learning Does Not Work: An Analysis of the Failure of Discovery Learning, Problem-Based Learning, Experiential Learning and Inquiry-Based Learning. Educational Psychologist, v. 41, n. 2, p. 75-86, 2006.) concluem, com base em trabalho de revisão de literatura, que atividades abertas de investigação não promovem ganhos de aprendizagem se comparadas às atividades didáticas estruturadas. Em alguns casos, as abertas seriam até menos eficientes. Essa conclusão mostra a importância de se adequar o grau de abertura de uma atividade didática investigativa ao público a que ela se destina (Cf. BORGES, 2002BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.; MUNFORD; LIMA, 2007MUNFORD, D.; LIMA, M. E. C. DE C. E. Ensinar ciências por investigação: em quê estamos de acordo? Ensaio, v. 9, n. 1, p. 89-111, 2007.). Tão surpreendentes quanto esses, são os resultados de Barron (2000BARRON, B. Achieving Coordination in Collaborative Problem-Solving Groups. Journal of the Learning Sciences, v. 9, n. 4, p. 403-436, out. 2000., 2003BARRON, B. When Smart Groups Fail. Journal of the Learning Sciences, v. 12, n. 3, p. 307-359, 2003.) ou de Julio, Vaz e Fagundes (2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.) que revelam dificuldades apresentadas por estudantes com respeito ao engajamento no processo de resolução de tarefas que compõem atividades didáticas investigativas. Tais resultados são importantes, pois indicam que o engajamento dos estudantes pode não ocorrer mesmo em atividades com características favoráveis ou pode ocorrer com a perda de foco nas tarefas propostas.

Esses resultados de pesquisa nos inspiraram a propor que o conceito de engajamento tem o potencial de contribuir com a investigação das experiências de estudantes envolvidos em atividades de investigação escolar. Esse potencial reside na possibilidade de caracterizar o envolvimento de estudantes nos processos de resolução de problemas e na realização de tarefas que compõe atividades de investigação, bem como na possibilidade de identificar elementos que favorecem ou restringem esse envolvimento. Essa nossa proposta vai ao encontro de uma demanda comum ao ensino e à pesquisa: a necessidade de instrumentos de avaliação de processos de ensino e aprendizagem em atividades abertas.

Dito isso, apresentamos neste artigo os resultados de uma investigação sobre o engajamento de estudantes da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública brasileira. Nosso objetivo foi caracterizar o engajamento dos estudantes numa atividade de investigação escolar sobre circuitos elétricos simples.

ENGAJAMENTO ESCOLAR

O conceito de Engajamento Escolar - ou simplesmente engajamento - se refere à relação que o estudante estabelece com as atividades escolares que lhes são propostas. Essa relação é influenciada pela interação dos estudantes com o contexto. O engajamento é dito maleável pois mudanças em tal contexto podem alterar a relação que os estudantes estabelecem com as atividades (FREDRICKS; BLUMENFELD; PARIS, 2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.; FRYDENBERG; AINLEY; RUSSELL, 2005FRYDENBERG, E.; AINLEY, M.; RUSSELL, V. J. Student Motivation and Engagement. Canberra: [s.n.], 2005.; OGAN-BEKIROGLU; ESKIN, 2012OGAN-BEKIROGLU, F.; ESKIN, H. Examination of the relationship between engagement in scientific argumentation and conceptual knowledge. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 10, n. 6, p. 1415-1443, 2012.; OLITSKY; MILNE, 2012OLITSKY, S.; MILNE, C. Understanding engagement in science education: The psychological and the social. In: FRASER, B. J.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C.(org.). Second International Handbook of Science Education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 19-33.; SHERNOFF et al., 2015SHERNOFF, D. J. et al. Student engagement as a function of environmental complexity in high school classrooms. Learning and Instruction, v. 43, p. 52-60, 2015.).

De acordo com Fredricks, Blumenfeld e Paris (2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.), engajamento tem três dimensões: comportamental, emocional e cognitiva. O engajamento comportamental relaciona-se à participação e ao envolvimento dos estudantes, bem como às condutas positivas empreendidas por eles. O engajamento emocional envolve as reações afetivas e emocionais dos estudantes diante de uma atividade, dos sujeitos e de outros elementos que compõem o ambiente escolar. O engajamento cognitivo relaciona-se ao investimento do estudante na aprendizagem. Ele é marcado pelo esforço empreendido para atingir níveis mais elevados de compreensão sobre determinado assunto.

Olitsky e Milne (2012OLITSKY, S.; MILNE, C. Understanding engagement in science education: The psychological and the social. In: FRASER, B. J.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C.(org.). Second International Handbook of Science Education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 19-33.) consideram que essa definição de engajamento é falha, por desconsiderar a complexa relação entre as dimensões comportamental, emocional e cognitiva. A nosso ver, a crítica apresentada por Olitsky e Milne não está dirigida para a definição de engajamento em si, mas às metodologias de pesquisa - como, por exemplo, o uso de questionários - consideradas inadequadas para lidar com a complexidade das situações de ensino-aprendizagem. Para nós, a concepção multidimensional de engajamento permite tratar dessa complexidade caso se empregue estratégias metodológicas tais como a observação e as gravações de estudantes em atividades regulares de classe. As dimensões do engajamento podem ser pontos de vista úteis. Se usadas como lentes, os efeitos dos processos de ensino e de aprendizagem dos estudantes podem ser vistos das mais diferentes perspectivas.

Além de sua maleabilidade, o engajamento também tem atraído a atenção de gestores, pesquisadores e professores por outra razão: sua correlação com o desempenho escolar dos estudantes. Isso permite inferir que estudantes engajados aproveitam melhor as oportunidades de aprendizagem que lhes são oferecidas (AINLEY, 1993AINLEY, M. D. Styles of engagement with learning: Multidimensional assessment of their relationship with strategy use and school achievement. Journal of Educational Psychology, v. 85, n. 3, p. 395-405, 1993.; BORGES; JULIO; COELHO, 2005BORGES, O.; JULIO, J. M.; COELHO, G. R. Efeitos de um Ambiente de Aprendizagem sobre o Engajamento Comportamental, o Engajamento Cognitivo e sobre a Aprendizagem. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do...Bauru: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2005.; CHRISTENSON; RESCHLY; WYLIE, 2012CHRISTENSON, S. L.; RESCHLY, A. L.; WYLIE, C. (org.). Handbook of Research on Student Engagement. New York: Springer, 2012.; FREDRICKS; BLUMENFELD; PARIS, 2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.; FRYDENBERG; AINLEY; RUSSELL, 2005FRYDENBERG, E.; AINLEY, M.; RUSSELL, V. J. Student Motivation and Engagement. Canberra: [s.n.], 2005.; MARKS, 2000MARKS, H. M. Student Engagement in Instructional Activity: Patterns in the Elementary, Middle, and High School Years. American Educational Research Journal, v. 37, n. 1, p. 153-184, 2000.; NEWMAN, 1992NEWMAN, F. M. Student engagement and achievement in American secondary schools. New York: Teacher College Press, 1992.; SINGH; GRANVILLE; DIKA, 2002SINGH, K.; GRANVILLE, M.; DIKA, S. Mathematics and Science Achievement: Effects of Motivation, Interest, and Academic Engagement. The Journal of Educational Research, v. 95, n. 6, p. 323-332, 2002.).

Cabe destacar que os conceitos de engajamento e motivação costumam ser tratados como se referissem a uma mesma coisa. Contudo, tratam-se de conceitos distintos (FRYDENBERG; AINLEY; RUSSELL, 2005FRYDENBERG, E.; AINLEY, M.; RUSSELL, V. J. Student Motivation and Engagement. Canberra: [s.n.], 2005.; MARTIN; GINNS; PAPWORTH, 2017MARTIN, A. J.; GINNS, P.; PAPWORTH, B. Motivation and engagement: Same or different? Does it matter? Learning and Individual Differences, v. 55, p. 150-162, 2017.; NEWMANN; WEHLAGE; LAMBORN, 1992NEWMANN, F. M.; WEHLAGE, G. G.; LAMBORN, S. D. The significance and sources of student engagement. In: NEWMANN, F. M. (org.). Student engagement and achievement in American secondary schools. New York: Teacher College Press, 1992. p. 11-39.). Pode ocorrer, por exemplo, de um estudante estar motivado a ter uma boa atuação no geral sem estar engajado em tarefas específicas da escola.

A motivação se relaciona aos processos psicológicos que exercem influência sobre o comportamento dos estudantes em situações de aprendizagem. Ela está relacionada às razões ou motivos que levam determinada pessoa a agir de certa maneira. Já o engajamento se refere à relação que alguém - que está em contato com uma professora ou um professor, ou ainda, com outras pessoas bem definidas - estabelece com uma atividade bem específica; seja no tempo, seja nas demais circunstâncias ou características em que ela ocorre (FRYDENBERG; AINLEY; RUSSELL, 2005FRYDENBERG, E.; AINLEY, M.; RUSSELL, V. J. Student Motivation and Engagement. Canberra: [s.n.], 2005.).

Os trabalhos na área de pesquisa em Ensino de Ciências que investigaram o engajamento de estudantes, o fizeram em situações escolares diversas, com propósitos também diversos e embasamento teórico variado (BORGES; JULIO; COELHO, 2005BORGES, O.; JULIO, J. M.; COELHO, G. R. Efeitos de um Ambiente de Aprendizagem sobre o Engajamento Comportamental, o Engajamento Cognitivo e sobre a Aprendizagem. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do...Bauru: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2005.; JULIO; VAZ; FAGUNDES, 2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.; MILNE; OTIENO, 2007MILNE, C.; OTIENO, T. Understanding engagement: Science demonstrations and emotional energy. Science Education, v. 91, n. 4, p. 523-553, 2007.; MOREIRA; PONTELO, 2009MOREIRA, A. F.; PONTELO, I. Níveis de engajamento em uma atividade prática de Física com aquisição automática de dados. Revista Brasileira de Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 9, n. 2, p. 148-167, 2009.; OGAN-BEKIROGLU; ESKIN, 2012OGAN-BEKIROGLU, F.; ESKIN, H. Examination of the relationship between engagement in scientific argumentation and conceptual knowledge. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 10, n. 6, p. 1415-1443, 2012.; SASSERON; DUSCHL, 2016SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. A. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, v. 21, n. 2, p. 52-67, 2016.). Esses trabalhos podem ser classificados em três grupos: os que concebem engajamento como um construto multidimensional na linha de Fredricks, Blumenfeld e Paris (2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.); os que se organizam em torno da noção de “engajamento disciplinar produtivo” de Engle e Conant (2002ENGLE, R.; CONANT, F. Guiding principles for fostering productive disciplinary engagement: explaining an emergent argument in a community of learners classroom. Cognition and Instruction 2, v. 20, n. 4, p. 399-483, 2002.) e os que se propõem a investigar o engajamento sem defini-lo explicitamente.

Julio, Vaz e Fagundes (2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.), por exemplo, observaram a maneira como estudantes interagiram numa sequência de aulas em que se deu uma atividade investigativa de Física em grupos. Analisaram-se gravações em áudio e vídeo, com base na articulação dos conceitos psicanalíticos de “grupo de trabalho” e “suposições básicas” com o conceito multidimensional de engajamento. Os resultados indicam que estudantes engajados na atividade como um todo podem não estar engajados nas várias tarefas específicas propostas pelo professor.

Milne e Otieno (2007MILNE, C.; OTIENO, T. Understanding engagement: Science demonstrations and emotional energy. Science Education, v. 91, n. 4, p. 523-553, 2007.) investigaram o engajamento de estudantes em aulas de Química em que foram desenvolvidas demonstrações acerca da lei dos gases, de maneira dialógica. Essas pesquisadoras analisaram vinhetas de vídeos com base numa compreensão multidimensional do conceito de engajamento articulada a referenciais da sociologia das emoções. Os resultados sinalizam que os estudantes se engajaram nas atividades demonstrativas desde o início. Essas atividades forneceram o suporte inicial para o engajamento dos estudantes, o que permitiu à professora reorganizar suas ações e estratégias na condução da atividade e estabelecer novas oportunidades de engajamento e de aprendizagem.

Borges, Julio e Coelho (2005BORGES, O.; JULIO, J. M.; COELHO, G. R. Efeitos de um Ambiente de Aprendizagem sobre o Engajamento Comportamental, o Engajamento Cognitivo e sobre a Aprendizagem. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do...Bauru: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2005.) investigaram os níveis de engajamento comportamental e cognitivo de estudantes do ensino médio em um ambiente de aprendizagem oriundo de um projeto de renovação curricular. Eles analisaram as influências do ambiente de aprendizagem sobre os níveis de engajamento dos estudantes e as inter-relações entre engajamento comportamental, cognitivo e aprendizagem. Os indicadores de engajamento foram pautados em notas obtidas em provas compostas por questões abertas e em dados sobre a realização de atividades gerais como leitura de textos, elaboração de resumo e envolvimento em discussões com colegas. Os resultados indicam que o ambiente de aprendizagem concebido favoreceu a manutenção do engajamento comportamental dos estudantes ao longo do ano, mas não do engajamento cognitivo. Percebeu-se também que a manutenção do engajamento comportamental não implica em aprendizagem. Para que ela ocorra é preciso que os estudantes estejam cognitivamente engajados.

Moreira e Pontelo (2009MOREIRA, A. F.; PONTELO, I. Níveis de engajamento em uma atividade prática de Física com aquisição automática de dados. Revista Brasileira de Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 9, n. 2, p. 148-167, 2009.) investigaram o engajamento de estudantes de iniciação científica do Ensino Médio envolvidos em um projeto sobre aquisição e tratamento automáticos de dados no laboratório. As entrevistas com os estudantes foram analisadas a partir de articulação entre a Teoria da Atividade e o conceito multidimensional de engajamento. Nesse processo, Moreira e Pontelo desenvolveram e utilizaram os constructos: engajamento operacional (nível das ações e operações) e engajamento compreensivo (nível da atividade). Os resultados apontam que os diferentes níveis de engajamento dos estudantes podem ser parcialmente explicados pelas diferenças na relação entre o sentido inicial que os estudantes atribuem às atividades e o significado das mesmas.

Coelho (2011COELHO, G. R. A evolução do entendimento dos estudantes em eletricidade: Um estudo longitudinal. 2011. 173 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.) recorreu a um conjunto de ferramentas estatísticas e analisou dados extraídos de atividades escolares cotidianas para avaliar quais fatores influenciaram a evolução do entendimento conceitual de eletricidade. O autor colheu dados de alunos de cinco cursos técnicos de nível médio de uma escola federal e concluiu que, estatisticamente, o fator que mais contribuiu para a evolução do entendimento conceitual foi o engajamento cognitivo. A seguir, aparecem fatores como engajamento comportamental e a origem socioeconômica.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Contexto Escolar

Os dados analisados neste trabalho foram coletados em uma escola pública federal de Belo Horizonte (Brasil) com tradição de atividades didáticas em laboratórios. Semanalmente, os estudantes tinham três aulas de 50 minutos em classe e, quinzenalmente, duas aulas de 50 minutos no laboratório. Acompanhamos as aulas de Física de duas turmas da primeira série do ensino médio durante dois trimestres letivos, em classe e no laboratório. No entanto, a coleta dos dados aconteceu apenas nas aulas de laboratório.

Nos laboratórios, a turma era dividida em duas subturmas com 13 ou 14 estudantes cada. Enquanto uma das subturmas desenvolvia atividades no laboratório de Física, a outra participava de outra disciplina. Na semana seguinte, invertia-se essa ordem. Os estudantes sempre trabalhavam em grupo, que tinham constituição fixa de três ou quatro membros.

Atividade Analisada

Analisamos a 11ª aula de laboratório do ano: uma atividade investigativa onde problemas com variados graus de abertura foram propostos (Cf. BORGES, 2002BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.). Era uma aula no segundo trimestre letivo com organização semelhante à dos laboratórios anteriores: um roteiro semiestruturado orientava o trabalho dos grupos (em anexo).

A atividade introduzia o conteúdo de eletricidade e era desenvolvida regularmente como parte do programa de Física da 1ª série do Ensino Médio. Decidimos analisá-la porque no processo de coleta de dados e, posteriormente, na triagem do conjunto de dados obtidos, observamos indícios de que ela favorecia interações entre os estudantes durante o desenvolvimento de suas tarefas. Essa era uma característica fundamental para a investigação do engajamento a partir de gravações em áudio de vídeo dos grupos de estudantes.

Nossa análise foi inspirada na definição de episódio dada por Mortimer et al (2007MORTIMER, E. F. et al. Uma metodologia para caracterizar os gêneros de discurso como tipos de estratégias enunciativas nas aulas de Ciências. In: NARDI, R. (org.). A pesquisa em Ensino de Ciências no Brasil: Alguns Recortes. 1ª ed. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 53-94.): “[...] um conjunto coerente de ações e significados produzidos pelos participantes em interação, que tem início e fim claros e que pode ser facilmente discernido dos episódios precedentes e subsequentes”. A observação cuidadosa das gravações da aula nos permitiu distinguir claramente três episódios:

  • Episódio 1 - Montagem de um circuito simples com uma lâmpada: Os estudantes foram solicitados a montar circuitos simples com apenas uma lâmpada, fios e uma pilha elétrica. Eles deveriam desenhar esses três itens nas situações em que a lâmpada acendeu e também naquelas em que ela não acendeu. Além disso, eles deveriam explicar por que uns circuitos funcionaram e outros não.

  • Episódio 2 - Pilhas de tamanhos diferentes e o brilho da lâmpada: Os estudantes previram, observaram e explicaram o brilho de uma lâmpada quando ligada a pilhas de tamanhos diferentes, ambas de 1,5 volts.

  • Episódio 3 - Montagem de circuitos simples com duas lâmpadas: Solicitou-se a montagem de circuitos em série e paralelo com duas lâmpadas. Eles deveriam desenhar os circuitos que funcionaram e os que não funcionaram. Eles também deveriam prever, observar e explicar o que ocorreria com o brilho da outra lâmpada do circuito caso uma delas fosse queimada ou desligada.

Voluntários da Pesquisa

Participaram da pesquisa 22 estudantes de duas turmas da primeira série do Ensino Médio - nove de uma turma e treze de outra. Os participantes do sexo masculino e feminino tinham entre 15 e 16 anos de idade na época, com exceção de um estudante de 18 anos. Voluntariaram-se também um professor, doutor em Educação, e uma professora, especialista em Ensino de Ciências; ambos com vários anos de atuação na Educação Básica.

Cuidamos da manutenção do anonimato de todos. Associamos nomes fictícios às turmas, aos alunos e aos professores. Todos os estudantes concordaram, com a anuência de seus responsáveis, em ser voluntários da pesquisa através da assinatura de Termo de Assentimento/Consentimento Livre e Esclarecido.

Estratégias de Coleta e de Análise dos Dados

Observamos e filmamos quatro grupos de estudantes (dois por turma). Em cada turma, posicionamos uma câmera no fundo da sala de modo a enquadrar só os grupos com voluntários e colocamos um gravador de áudio sobre cada bancada para garantir a qualidade da gravação das interações verbais. Durante as filmagens, um de nós permaneceu na sala e - em um diário de campo - tomou nota de acontecimentos que chamaram a atenção e pareceram relevantes para os objetivos da pesquisa.

No primeiro contato com os dados, assistimos as gravações continuamente, sem qualquer tipo de interrupção na reprodução. Observamos como os estudantes se relacionaram com a atividade proposta, a organização deles durante o processo de resolução dos problemas que compuseram a atividade, as discussões dos estudantes entre si e as discussões dos estudantes intermediadas pelo professor. Identificamos trechos das gravações com indícios de engajamento dos estudantes na resolução das tarefas. A cada anotação, registramos o tempo de gravação correspondente.

Na segunda e na terceira vez em que assistimos aos vídeos, cuidamos de certificar a coerência das anotações realizadas e incluímos novas anotações sobre acontecimentos que passaram despercebidos. Quando necessário, pausamos, avançamos ou retrocedemos o vídeo.

Com base nessas anotações, destacamos trechos da aula com a presença de indicadores de engajamento dos estudantes na atividade. Contrapusemos as informações obtidas por esse meio com as anotações feitas no diário de campo. Em caso de dúvida ou divergência tornamos a assistir aos vídeos. Localizados esses indicadores, transcrevemos e analisamos as sequências de turnos de fala dos trechos de vídeo correspondentes.

Para identificar cada turno de fala transcrito, usamos notação do tipo E1.3 onde “E1” designa que o turno foi extraído do episódio 1 e o “3” indica a ordem do turno na sequência transcrita.

Indicadores de Engajamento

Há pesquisas sobre o engajamento de estudantes em atividades escolares baseadas na observação direta da sala de aula ou em gravações de áudio e vídeo (Cf. COELHO, 2011COELHO, G. R. A evolução do entendimento dos estudantes em eletricidade: Um estudo longitudinal. 2011. 173 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; FREDRICKS; BLUMENFELD; PARIS, 2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.; JULIO; VAZ; FAGUNDES, 2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.; OLITSKY; MILNE, 2012OLITSKY, S.; MILNE, C. Understanding engagement in science education: The psychological and the social. In: FRASER, B. J.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C.(org.). Second International Handbook of Science Education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 19-33.). Essas técnicas observacionais contribuem na análise dos fatores comportamentais, emocionais e cognitivos da aprendizagem e evitam assim a fragmentação destacada por Olitsky e Milne (2012OLITSKY, S.; MILNE, C. Understanding engagement in science education: The psychological and the social. In: FRASER, B. J.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C.(org.). Second International Handbook of Science Education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 19-33.). A observação de aula dá indícios do engajamento que emerge das interações entre os estudantes, deles com o professor e deles com os demais elementos materiais e imateriais que constituem o contexto da atividade. No entanto, essa não é uma abordagem predominante, sendo mais comum o uso de questionários e entrevistas com os estudantes.

Nós investigamos o engajamento dos estudantes pela observação direta e por gravações em áudio e vídeo de aula. Anotações que fizemos durante as aulas e as gravações foram usadas para obter indicadores de engajamento dos estudantes. Nossos indicadores são baseados em Fredricks, Blumenfeld e Paris (2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.) e em Sinatra, Heddy e Lombardi (2015SINATRA, G. M.; HEDDY, B. C.; LOMBARDI, D. The Challenges of Defining and Measuring Student Engagement in Science. Educational Psychologist, v. 50, n. 1, p. 1-13, 2015.). Eles são apresentados no quadro 1.

Quadro1.
Indicadoresde engajamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Grupo G1: Carlos, Manoel e Mirela

Os três estudantes eram curiosos, participativos e gostavam de mostrar que dominavam o conteúdo de Física. Havia alguma rivalidade entre eles, mas isso não os impediu de se tratarem com respeito e de trabalharem em prol do grupo. Mirela tinha bom relacionamento com os dois garotos. Ela demonstrou insegurança em diferentes situações, o que não comprometeu sua participação. Esta estudante foi responsável pela solução de muitos impasses e por manter a harmonia no grupo.

O engajamento comportamental dos membros de G1 pode ser caracterizado pela colaboração e pelo grande interesse e envolvimento no processo de resolução das tarefas. Todos manipularam os materiais disponíveis e participaram da montagem dos circuitos, ainda que precisassem se contorcer e se amontoar sobre a bancada para conseguir acessar os materiais. Eles persistiram diante das tentativas malsucedidas de montagem dos circuitos, embora isso tenha causado desconforto, principalmente entre os garotos. As ideias e propostas de resolução das tarefas que surgiram no grupo foram acolhidas e discutidas. O engajamento emocional em G1 ficou evidenciado pela empolgação com que lidaram com as tarefas propostas e pela satisfação demonstrada nos momentos em que conseguiram fazer os circuitos elétricos funcionarem (nesses momentos, eles chegaram a vibrar como torcedores esportivos).

A atuação dos estudantes de G1 para a resolução das tarefas da atividade sobre circuitos elétricos nos deu indícios de que eles também se engajaram cognitivamente, sobretudo no segundo episódio da aula: em que deviam prever, observar e explicar o que acontece com o brilho de uma lâmpada ligada a pilhas de tamanhos diferentes. O caráter contra intuitivo da tarefa do segundo episódio parece ter mobilizado de maneira especial esses estudantes:

E2.1. Prof. A: Mas o quê vocês estavam esperando?

E2.2. Carlos: Que aumentasse.

E2.3. Prof. A: Por quê?

E2.4. Carlos: Ué, porque é um maior número... Maior potência. Uma intensidade maior. Não é intensidade que fala. É mais volts.

E2.5. Manoel: Não é, não. É igual voltagem.

E2.6. Carlos: Tem a mesma voltagem?

E2.7. Mirela: É a mesma voltagem.

E2.8. Manoel: Por que a pilha é tão gorda?

E2.9. Mirela: Porque tem maior quantidade de elétrons aí. Ela dura mais temquoteo.

E2.10. Carlos: É. Eu acho que é. Deve ser então.

E2.11. Manoel: Não. É 1,5 volts. Toda pilha é 1,5 volts.

Os estudantes encararam como um desafio a tarefa de comparar a previsão e o resultado do experimento. Vemos indícios de engajamento cognitivo no investimento empregado na compreensão do fenômeno em questão (lâmpadas com brilhos idênticos quando ligadas a pilhas de tamanhos diferentes). Eles articularam dados e informações que tinham disponíveis para explicar o resultado. Por exemplo, buscaram informações sobre a diferença de potencial da pilha (E2.5, E2.7 e E2.11) e articularam conhecimentos prévios sobre a constituição de pilhas e baterias (E2.9).

No primeiro e no terceiro episódios também houve engajamento cognitivo, mas neles os estudantes priorizaram a montagem de circuitos em detrimento da análise e explicação dos mesmos. Veja a sequência de turnos a seguir. Nela há um exemplo do engajamento cognitivo dos estudantes nos episódios um e três:

E1.1. Mirela: Tem que fazer um circuito. Os elétrons têm que circular. Porque se fizer curto-circuito...

E1.2. Carlos: Vai queimar.

E1.3. Manoel: Isso aqui é um positivo e um negativo? [Aponta para a pilha]

E1.4. Carlos: Claro! É uma pilha.

E1.5. Mirela: É o positivo e o negativo da pilha.

E1.6. Manoel: Positivo e negativo! Mas como é que a gente vai saber se está passando corrente?

E1.7. Carlos: Se a luz acender, né?

E1.8. Manoel: Ah, tem uma lampadinha!

E1.9. Mirela: Encosta aí. Tem que encostar para fazer o circuito. [Aponta para a lâmpada na mão de Manoel].

Nessa sequência de turnos do primeiro episódio, o engajamento cognitivo dos estudantes está voltado para o reconhecimento dos materiais e para a compreensão do que devem fazer na tarefa. Para tal, eles mobilizam conceitos como circuito, curto-circuito, corrente e polos de uma pilha. No turno E1.9, Mirela direciona os colegas para a tarefa de montar um circuito elétrico que acenda a lâmpada.

No terceiro episódio, identificamos indícios que sustentam nossa interpretação de que os estudantes de G1 priorizaram a montagem dos circuitos em detrimento de sua análise e explicação. As falas a seguir mostram que os estudantes trabalharam alguns minutos para conseguirem acender duas lâmpadas com uma pilha e fios. Quando conseguiram, comemoraram e mostraram ao professor que o circuito funcionou. Diante do questionamento do professor sobre o registro do circuito montado, Carlos revelou que as ações do grupo centraram-se nas tentativas de montagem dos circuitos:

E3.1. Carlos: Deu! Agora você viu, né prof. A?

E3.2. Prof. A: Mas como é que vocês vão desenhar? Vocês não [inaudível].

E3.3. Carlos: Não. A gente fez uma experiência só para experimentar.

As ações do professor no grupo visavam fundamentalmente manter ou aprofundar o engajamento cognitivo dos estudantes nas tarefas. Isso porque o professor conseguiu perceber quando os estudantes deixaram de se orientar pelos objetivos da tarefa (notou, p.e., que depois de montar, eles não desenharam nem explicaram os circuitos) e decidiu intervir de modo a reorientar o trabalho do grupo.

Nas falas a seguir, os estudantes conversam com o professor no final do primeiro episódio. O professor pediu que explicassem o que possibilitou o acendimento da lâmpada e o seu funcionamento:

E1.10. Mirela: Há um circuito de elétrons.

E1.11. Carlos: [Inaudível].

E1.12. Manoel: É por que tem uma corrente elétrica. Por causa da diferença de potencial.

E1.13. Prof. A: Uhm?

E1.14. Manoel: Ocorre uma corrente elétrica por causa da diferença de potencial.

E1.15. Prof. A: Tudo bem. Tem uma corrente elétrica. E daí?

E1.16. Manoel: A corrente elétrica vai acender a lâmpada. [Enquanto isso Carlos mostra para Mirela como a corrente elétrica percorre a lâmpada]

E1.17. Prof. A: Como?

E1.18. Manoel: Não estou entendendo.

E1.19. Prof. A: Como é que a corrente elétrica vai acender a lâmpada?

E1.20. Manoel: Porque, quando passa a corrente elétrica, a corrente elétrica é quente. Ela vai esquentando o fio de tungstênio até ele atingir não sei quantos mil graus. Aí ele emite luz..

E1.21. Prof. A: Tá. O que vocês acham da explicação dele aqui?

E1.22. Manoel: Eles não ouviram. [Carlos e Mirela estavam distraídos, manipulando os materiais].

E1.23. Carlos: Oi? Repete, Manoel.

E1.24. Manoel: Que passa uma corrente elétrica pelo fio de tungstênio, ele esquenta, fica vermelho e emite luz.

E1.25. Carlos: Ah, explicação inédita!

E1.26. Prof. A: Espera aí. Tem um detalhe. Você fala que a corrente elétrica...

E1.27. Manoel: Esquentou o filamento de tungstênio.

E1.28. Carlos: É por que o fio de tungstênio é uma resistência para a corrente. Como a resistência vai lá e...

E1.29. Manoel: É, ué? A resistência elétrica do fio de tungstênio.

E1.30. Prof. A: Era isso que você estava falando? .

E1.31. Manoel: [Inaudível] O negócio é mais rebuscado. Eu falei que vai funcionar por que vai gerar calor..

E1.32. Prof. A: Então descreve isso.

Ao intervir no grupo, o professor lançou um desafio que não estava previsto no roteiro da atividade, mas ajudou os estudantes na tarefa de compreender os circuitos montados: explicar o funcionamento da lâmpada incandescente. Os estudantes reconheceram que a corrente elétrica que percorre o circuito é responsável pelo acendimento da lâmpada. Porém, eles não explicam porque isso ocorre. Entre E1.10 e E1.14, os estudantes deram indícios que estavam cognitivamente engajados na tarefa e no desafio proposto pelo professor ao recorrerem a conceitos de eletricidade para tentar explicar o funcionamento da lâmpada. A questão colocada pelo professor no turno E1.15 contribuiu para manter os estudantes cognitivamente engajados. A partir dela, Manoel expressou seu entendimento sobre o funcionamento da lâmpada com a proposição de um modelo explicativo. Paralelamente, Carlos e Mirela discutiram o caminho percorrido pela corrente no interior da lâmpada em funcionamento. No turno E1.21, o professor reordenou o trabalho do grupo de modo a envolver todos os estudantes na mesma discussão. Para isso, ele tentou fazer com que Carlos e Mirela percebessem e discutissem a inconsistência no modelo proposto por Manoel no turno E1.20. A ação do professor favoreceu a participação e o envolvimento dos três estudantes. O esforço deles em responder as questões do professor os fez atingir níveis mais elevados de compreensão sobre o assunto, o que sugere ter havido engajamento cognitivo dos estudantes na tarefa.

Grupo G2: André, Renato e Valter

Os três garotos de G2 eram muito participativos, mas também agitados e vaidosos. Entre eles havia uma disputa pela liderança do grupo. Isso os levou a vivenciar dificuldades de reunir esforços e coordenar iniciativas para resolução das tarefas da atividade. Valter era tímido. Esforçou-se para contribuir com o desenvolvimento das tarefas, mas tinha dificuldade de se fazer ouvir pelos colegas. Por isso não participou das discussões no grupo em muitos momentos. Por outro lado, ele foi muito observador e atento ao que ocorreu durante o processo de resolução das tarefas. Era perceptível o esforço desprendido para compreendê-las e trabalhá-las bem. Isso ajudou Valter a perceber coisas importantes que o habilitaram a opinar, apesar de ser mais tímido e da resistência dos colegas de grupo.

Observamos que o grupo se engajou nas tarefas sobre circuitos elétricos simples na dimensão comportamental. Eles tiveram dificuldades de se engajar na dimensão cognitiva em vista das características de seu engajamento emocional.

Os indicadores que conseguimos reunir sobre o engajamento comportamental em G2 estão mais no plano da ação individual do que no plano da ação coletiva. Os estudantes, individualmente, se envolveram e apresentaram contribuições para a resolução das tarefas. Mostraram persistência, por exemplo, ao tentar fazer os circuitos elétricos funcionarem (lâmpada acender). Cada um deles nos pareceu imbuído do propósito de fazer bem o que foi proposto pelo roteiro da atividade. Contudo, não percebemos preocupação ou cuidado dos membros do grupo em estabelecer uma dinâmica de trabalho colaborativo. Os estudantes não foram bem sucedidos em considerar e coordenar as contribuições individuais postas para a realização das tarefas. Isso se observa, por exemplo, nessa sequência de turnos:

E1.1. André: Encosta aqui. A lâmpada.

E1.2. Renato: Eu sei o que você está tentando fazer.

E1.3. André: O Renato quer tentar sozinho... Vai.

[Breve silêncio]

E1.4. André: Calma, Renato.

E1.5. Renato: André, espera aí. Me empresta...

E1.6. André: Eu encosto!

E1.7. Renato: Não! Faz o seguinte: você segura um dos negócios que eu cuido aqui.

E1.8. André: Vai.

E1.9. Valter: Desse lado não, Renato.

E1.10. Renato: Tem que encostar o ferrinho preto da lâmpada.

E1.11. André: Espera aí! [Valter tentou pegar os materiais]

E1.12. Renato: Tem que criar um circuito!

E1.13. Valter: Renato, segura aqui. E esse daqui, aqui.

E1.14. Renato: Tem que criar um circuito.

Essas falas são do primeiro episódio da atividade, quando os estudantes lidavam com a tarefa de acender uma lâmpada com pilha e fios. Todos os estudantes se empenharam na tarefa - com participação ativa na montagem do circuito - o que é um indicador de engajamento comportamental. Mas, as falas também indicam o tipo de situação que, de maneira recorrente, desviou os estudantes do trabalho colaborativo: a disputa de André e Renato pela liderança do grupo. A disputa entre os dois foi intensa e, aparentemente, inconsciente. Houve situações em que os estudantes agiram com certa dose de agressividade (ao puxar materiais das mãos do colega, por exemplo). Embora seja importante haver um líder que coordene, oriente e valorize as contribuições dos demais membros do grupo, no G2, André e Renato tiveram dificuldade de administrar seu desejo de assumir essa função. Isso gerou inúmeros conflitos, dificultou a inclusão de Valter nas discussões e empobreceu algumas boas oportunidades de aprendizagem.

Os estudantes podem não ter se dado conta que alimentaram uma disputa durante toda a aula e o quanto ela foi prejudicial ao grupo. Veja que, no turno E1.7., Renato propôs um sistema de trabalho que envolveu André. Essa atitude possibilitou, momentaneamente, o fim da disputa e a participação do colega. Renato possibilitou a administração momentânea dos conflitos, criou condições favoráveis à participação dos outros estudantes e contribuiu para o avanço do grupo. Esse comportamento é esperado das lideranças, mas essa situação não repetiu. A partir do turno E1.7, Valter percebeu uma oportunidade de participar com os colegas da resolução das tarefas. Apesar de ter se mantido afastado do início da discussão, ele continuou atento ao que os colegas fizeram. Nos turnos E1.9 e E1.13, Valter indicou a maneira correta de ligar os fios. Veja que, apesar de terem amenizado a disputa entre si, André e Renato não conseguiram prestar atenção no que o colega lhes disse. No turno E1.13, Valter resolveu mostrar com as mãos como deveriam ser as ligações, o que foi muito importante para que o grupo acendesse a lâmpada.

O engajamento emocional dos estudantes do grupo G2 nas tarefas é evidenciado de maneira especial por essas situações de disputa pela liderança entre André e Renato. Além disso, na resolução das tarefas, suas ações foram marcadas por um misto de empolgação, agitação e nervosismo. Essas reações emocionais associadas à prioridade dada à montagem dos circuitos em detrimento de sua análise e explicação nos pareceram determinantes para as dificuldades dos dois se engajarem cognitivamente no processo de resolução das tarefas. Não identificamos nenhum indício de engajamento cognitivo nas ações desempenhadas por eles. O engajamento emocional de Valter, por sua vez, foi marcado por reações de frustação e inconformismo com as atitudes dos colegas e com o fato de ter sido ignorado em meio a essa disputa. No entanto, o fato de Valter observar a disputa, sem tomar partido, pode ter lhe dado tempo para refletir sobre as tarefas em andamento. As poucas intervenções dele nas discussões foram precisas e decisivas para solução de impasses. Há a possibilidade de que o sucesso das propostas de Valter esteja associado a um investimento na compreensão dos circuitos estudados, o que seria um indicador de seu engajamento cognitivo na atividade.

Vejamos, por exemplo, o que ocorreu quando os estudantes de G2 tentaram acender a lâmpada com apenas um fio e uma pilha no primeiro episódio:

E1.40. André: Eu sei como acende a lâmpada com uma pilha só. [Acender a lâmpada com apenas um fio].

E1.41. Renato: Eu também sei.

[Segundos depois...]

E1.42. André: Encosta aqui, Valter. Você tem que me ajudar a encostar aqui. Era mais fácil com um fio...

E1.43. Valter: Ô, André...

E1.44. André: Encosta aqui! Eu vou tentar fazer com uma pilha só. Com um fio só.

E1.45. Renato: [Inaudível].

E1.46. André: Tem que fazer com um fio só!

E1.47. Renato: Onde falou que tem que fazer com um fio só?

E1.48. André: Mas eu vou conseguir fazer com um fio só.

E1.49. Renato: Você vai desenhar. Se o André fizer errado, ele vai desenhar sozinho.

E1.50. Valter: E como é que vai passar???

E1.51. André: Viu? Fraquinho. Eu sou o cara!

Nesta sequência de turnos, André enfrentou o desafio de acender a lâmpada com a pilha e apenas um fio. Tal desafio não estava posto no roteiro da atividade. Outros grupos já haviam tentado o mesmo. Provavelmente, ele se deu conta disso e resolveu fazer suas próprias tentativas. Renato não assumiu o desafio, pois o mesmo não estava posto no roteiro e nem foi proposto pelo professor. Do turno E1.48 em diante, pode-se perceber uma evidência da disputa entre André e Renato. Disputas como essa não valorizaram as oportunidades de aprendizagem criadas no grupo. Valter desde o início ficou atento a tudo o que ocorria. Em E1.43 ele tentou fazer um intervenção sem sucesso. Em E1.50, Valter fez uma questão que interpretamos como orientada pela busca de compreender o “caminho” da corrente elétrica ou, em outras palavras, o circuito elétrico que seria estabelecido. Isso evidencia seu investimento cognitivo no entendimento dos fenômenos em questão.

Grupo G3: Andreza, Cecília, João e Max

Os quatro estudantes eram entrosados. Eles conseguiram organizar bem o trabalho no grupo, o que conferiu fluidez ao desenvolvimento das tarefas. Não identificamos nenhum tipo de rivalidade. Também não identificamos atitudes de depreciação de um membro em relação a outro. Todos participaram ativamente da resolução das tarefas. Cabe destacar que João e Andreza eram alunos repetentes.

Os estudantes de G3 engajaram-se plenamente no processo de resolução das tarefas nas dimensões comportamental, emocional e cognitiva. O engajamento comportamental caracterizou-se pelas contribuições individuais, pela colaboração, pelo empenho e persistência no processo de desenvolvimento das tarefas; pelo compromisso que tiveram uns com os outros seja no acolhimento e discussão de ideias, seja em ações que visaram à manutenção do engajamento dos membros no grupo. Tudo isso ficou explícito enquanto discutiram e planejaram a montagem dos circuitos, propuseram novas formas de fazer as ligações e preocuparam-se em compreender o que permitiu e o que impediu o funcionamento adequado dos circuitos. As ideias expostas, por mais estranhas que fossem, foram debatidas de maneira respeitosa. Uma característica marcante do engajamento comportamental desses estudantes pôde ser observada quando algum deles deixou de colaborar para abordagem das tarefas. Por exemplo, João protagonizou situações desse tipo seja montando sozinho algum circuito, seja saindo de sala demonstrando impaciência quando discussões se alongaram ou foram retomadas. Tais situações foram localizadas. Quando ocorreram, foram imediatamente enfrentadas pelos membros do grupo: eles chamaram a atenção de quem se desviou de um esquema de trabalho colaborativo ou tentaram incluir esse membro no sistema que mantinham para a resolução das tarefas.

O engajamento emocional dos estudantes ficou evidenciado pela satisfação em conseguir realizar as tarefas. A forma como o grupo se organizou parece ter contribuído para o bem-estar dos estudantes. Um dos exemplos disso está na sequência de falas a seguir. Ela foi extraída do terceiro episódio quando os estudantes discutiam sobre como fariam o relatório da atividade em desenvolvimento:

E3.1. João: Como é que vai ser? Cada um faz o seu ou a gente vai juntar para fazer?

E3.2. Cecília: Cada um faz o seu.

E3.3. João: Se quiser juntar para fazer a gente pode ficar [inaudível].

E3.4. Andreza: Eu acho mais fácil de tirar 1,2 [nota total] se a gente juntar. Por que você viu o tanto de ideia que estava surgindo aqui com a gente conversando?

E3.5. Cecília: Vocês quem sabem.

E3.6. Andreza: Vamos ficar aqui terça-feira para fazer.

João consultou os colegas se trabalhariam o relatório juntos. A princípio, Cecília mostrou preferência por fazê-lo sozinha. Contudo, o posicionamento de João em E3.3 e o argumento de Andreza em E3.4 parecem tê-la desarmado. O indicador de engajamento emocional nesta sequência de turnos está na argumentação de Andreza que demonstra satisfação com o resultado do trabalho colaborativo no grupo.

O sistema de trabalho estabelecido pelo grupo e o envolvimento emocional dos estudantes com as tarefas foram favoráveis ao engajamento cognitivo. Diferentemente dos outros grupos, G3 engajou-se cognitivamente também na busca de uma explicação para os circuitos montados. Conseguir acender uma lâmpada os empolgou, como aconteceu com os demais grupos, mas os estudantes de G3 não se limitaram a isso: também descreveram e tentaram explicar o que permitiu ou o que impediu o funcionamento dos circuitos montados.

A seguir, está uma sequência de turnos de fala do primeiro episódio que evidencia o engajamento cognitivo dos estudantes. Observamos aqui que eles buscaram compreender o funcionamento dos circuitos montados:

E1.1. Andreza: E por que é que não liga aqui? Porque o lugar dela receber energia é nessa parte daqui? [apontou para as ligações entre a lâmpada e a pilha]

E1.2. João: Acho que é, né?

E1.3. Andreza: O que você acha, Cecília?

E1.4. Cecília: Acho que é isso. Nos outros circuitos, que não acenderam, é por que não estavam em contato com... Como é que fala?

E1.5. Andreza: O circuito estava aberto.

E1.6. Cecília: Não...

E1.7. Andreza: Ah, é. Se o circuito não tiver contato...

E1.8. Max: Talvez o condutor não consiga transmitir energia.

E1.9. Andreza: Não. O condutor estando encostado aqui, encostado ali e isso encostado aqui, sempre vai acender. A não ser que essa parte aqui esteja encostada. Se tiver essa parte aqui, acende. Mas, agora, se ele tiver aberto, se ele não tiver as duas partes dele encostando aqui, transferindo energia, não vai ter como.

A discussão foi iniciada por Andreza, que apresentou uma questão sobre a maneira de ligar o circuito para conseguir acender a lâmpada. Isso fez os estudantes apresentarem sua compreensão sobre o funcionamento do circuito e sobre o que era preciso para que a lâmpada acendesse. Houve uma discussão conjunta entre todos os integrantes levando-os a perceber que a lâmpada acenderia quando conectada a um circuito fechado. Nessa discussão fica claro o investimento cognitivo direcionado para a compreensão dos circuitos montados.

Outro aspecto interessante nessa sequência de turnos, e que se repetiu em diversos momentos, é o cuidado de Andreza em envolver os colegas nas discussões. Em E1.3, ela procurou ouvir o que Cecília tinha a dizer sobre o circuito montado. A tentativa de dar uma dimensão coletiva às discussões levou o grupo a vivenciar boas situações de aprendizagem. Por isso, afirmamos que essa característica do engajamento comportamental de Andreza favoreceu tanto o engajamento comportamental quanto o engajamento cognitivo de todos do grupo.

Grupo G4: Helena, Luiz e Michel

Michel e Luiz eram bastante agitados e desatentos. Eles se mostraram descomprometidos com a própria aprendizagem, com a aprendizagem de Helena e com o desenvolvimento do grupo. Michel era respeitado pelos colegas. Ele liderou o processo de resolução das tarefas. Porém, sua liderança se orientou pelo interesse em, o quanto antes, se ver livre da atividade. Luiz apoiou as atitudes do colega o que fortaleceu sua liderança. Helena pareceu-nos esforçada, concentrada e organizada, mas insegura em relação ao que sabia. Isso a colocava em situação de fragilidade em relação aos colegas: contrariada e sem apresentar resistência, Helena passou a orientar suas ações pela dinâmica de trabalho estabelecida por Luiz e Michel.

O tipo de relação que os estudantes de G4 estabeleceram com a atividade foi muito diferente do que observamos nos outros grupos (G1, G2 e G3). A liderança de Michel e sua parceria com Luiz foram decisivas para o desengajamento dos membros do grupo na atividade.

Michel e Luiz trabalharam na tentativa de solucionar tarefas que integravam a atividade. À primeira vista, isso poderia ser tomado como um indício de engajamento comportamental. Contudo, um olhar mais cuidadoso revelou que esses estudantes se portaram como se a atividade fosse um jogo do qual queriam se ver livres o quanto antes. Isso, por exemplo, é evidenciado no primeiro episódio quando Michel propõe uma divisão de tarefas para agilizar o trabalho a ser desenvolvido:

E1.16. Michel: A gente podia dividir. Cada um faz um pedaço.

E1.17. Luiz: Nossa! É grande!

E1.18. Michel: Um faz de 1 a 5, o outro faz de 7 a 9 e eu faço a 11 e a 10.

Ao sugerir que cada membro do grupo fizesse uma parte das tarefas e desafios, Michel não se comprometeu em estabelecer um sistema de trabalho colaborativo, não valorizou o grupo como um espaço de discussão e não demonstrou envolvimento com a resolução das tarefas. Os dois garotos não fizeram leitura cuidadosa do roteiro a fim de se inteirar das tarefas propostas. Em mais de uma ocasião, inventaram respostas ou descreveram no caderno procedimentos não realizados como forma de evitar o trabalho, mas conseguir um produto a ser apresentado ao professor ao final da aula. Essas atitudes mostram que a falta de motivação de alguns estudantes pode ser tal que eles não conseguem se engajar nem mesmo numa atividade que cativa a maioria de seus colegas por ter ingredientes lúdicos e intrigantes. Consideramos isso como indício tanto de desengajamento comportamental quanto emocional.

Helena iniciou a aula engajada comportamental e cognitivamente: demonstrou esforço, concentração e atenção na resolução das tarefas; procurou ler o roteiro e compreender o que foi pedido; tentou contribuir para o desenvolvimento do grupo ao alertar os colegas sobre o que se pediu na atividade; demonstrou investimento cognitivo na compreensão dos circuitos montados. Apesar de ignorada pelos colegas durante a resolução das tarefas do primeiro episódio, não deixou de prestar atenção no que ocorreu no grupo e de refletir sobre as ações dos colegas.

Apesar do seu esforço, Helena não teve a oportunidade de participar das discussões protagonizadas por Michel e Luiz. Os colegas, além de não ouvi-la, dificultaram a sua participação no processo de montagem dos circuitos. Embasaremos essa afirmação através de um exemplo que extraímos do primeiro episódio. Ao observar as repetidas tentativas mal sucedidas de Michel e Luiz acenderem a lâmpada, Helena tentou participar:

E1.1. Helena: Deixa eu tentar, Luiz?!

E1.2. Luiz: Pega mais lá. Tem um tanto ali.

Essa situação exemplifica bem a maneira como Michel e Luiz se relacionaram com Helena. Nesse caso, Helena pediu uma chance para tentar montar um circuito com a lâmpada. Luiz negou e sugeriu à colega que pegasse mais materiais na bancada do professor.

Inferimos que Helena, ao fazer tal solicitação, tinha ideia sobre como as ligações entre os componentes do circuito deveriam ser feitas. Pareceu-nos que ela não só observou, mas também buscou compreender o que os colegas faziam. Tomamos isso como um indício do seu engajamento cognitivo na tarefa. Essa nossa interpretação é reforçada pelo que se seguiu a essas falas: Helena conseguiu pegar os materiais sobre a bancada, num momento de distração dos colegas, e acendeu a lâmpada após poucas tentativas.

Os colegas não gostaram de ver Helena manipulando os materiais. A sequência de turnos de fala a seguir ilustra como Michel e Luiz se portaram diante desta ação de Helena:

E1.3. Michel: Me dá uma lâmpada aí!

E1.4. Luiz: Eu... [inaudível]. [procurou a lâmpada na bancada]

E1.5. Michel: Cadê a lâmpada? Você deu para Helena essa lâmpada?! [Em tom de reprovação]

As intervenções de Helena ao longo primeiro episódio da atividade visaram o próprio desenvolvimento e o desenvolvimento do grupo. Contudo, essa forma de agir não se manteve ao longo da aula. Helena viu que suas ideias e propostas não foram bem aceitas pelos colegas. Do segundo episódio em diante, ela se desengajou e passou a agir do mesmo modo que eles.

O segundo episódio contém situações que reforçam o que dissemos sobre o grupo. Nele, os estudantes deveriam prever, observar e explicar o brilho de uma lâmpada ligada a pilhas de tamanhos diferentes. Michel elaborou uma previsão incorreta sem a participação de Luiz e Helena. Ele a apresentou ao professor, em vez de discuti-la com os colegas de grupo:

2.1. Michel: Olha a três [questão 3 do roteiro]... Ela não iria brilhar, né??? Prof. B, com a pilha pequena a lâmpada brilha?

2.2. Prof. B: Quê?!

2.3. Michel: Não, né?

2.4. Helena: Tenta aí.

2.5. Michel: Aqui, ó. A três. A pilha pequena no lugar da média.

2.6. Luiz: Que pergunta mais caprichada, viu?

2.7. Helena: Cadê a lâmpada?

2.8. Michel: Vamos, Prof. B. Deixa ele pra lá. [Prof. B conversava com um aluno de outro grupo]

2.9. Michel: A pilha pequena no lugar da pilha média. Ela não ia brilhar.

2.10. Prof. B: O brilho da lâmpada. É o brilho. Se você mudasse as lâmpadas.

2.11. Michel: Não iria [inaudível].

2.12. Prof. B: Unnn? Como assim? Você está falando... 2.13. Helena: Acendeu. Acendeu.

2.14. Michel: Não. A gente usou essa [pilha média]. Tinha que ser a pequenininha.

2.15. Helena: Ah, a pequenininha.

2.16. Michel: Uma menor.

2.17. Prof. B: Ah, por quê?

2.18. Michel: Por que não ia ter energia suficiente.

2.19. Prof. B: Ah, é? Qual é a voltagem da pilha? Você já usou aquela pilha pequena? Qual é a voltagem dela? É 1,5V.

Michel pareceu inseguro de sua previsão. Ele não quis discuti-la com Prof. B, mas confirmar se estava correto. Em E2.4, Helena quis montar o circuito para observar o brilho e comparar com a previsão de Michel, mas ele ignorou a proposta da colega e continuou a se dirigir ao Prof. B. Helena chegou a montar o circuito, mas não conseguiu observar os resultados e discuti-los com os colegas. A conversa com professor, sobretudo o turno E2.19, parece ter contribuído para que Michel percebesse que sua previsão estava incorreta. Que, na verdade, o brilho da lâmpada seria o mesmo quando ligada em pilhas de tamanhos diferentes. Michel usou essa informação para registrar no caderno suas respostas às questões 3, 4 e 5 do roteiro, embora não tivessem feito a comparação entre previsão e resultado.

Helena chamou a atenção dos colegas para a necessidade de montar o circuito, observar o brilho e comparar com os resultados da observação com a previsão. Por ter inferido a resposta correta a partir da conversa com Prof. B, Michel sugeriu “fazer de conta” que fizeram a observação:

E2.20. Helena: A quatro [questão quatro do roteiro]. Sua previsão sobre o... Não...

E2.21. Michel: Estava correta.

E2.22. Helena: Aqui! [apontou para o roteiro]

E2.23. Michel: O brilho não foi o mesmo?

E2.24. Helena: Mas olha aqui: Monte o circuito usando a pilha pequena no lugar da média .

E2.25. Michel: Tem problema não. Faz de conta que a gente fez. Faz de conta...

E2.26. Helena: Ah, tá. Entendi. Tá certo.

A partir de E2.26, Helena reduziu suas tentativas de participação no processo de resolução das tarefas propostas na atividade. Ela passou a anotar as respostas elaboradas por Michel ou a elaborar respostas baseadas nas falas dos colegas. Quando Michel e Luiz deixaram de responder a alguma questão no caderno, eles copiaram o que Helena escreveu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizamos o engajamento de estudantes da primeira série do Ensino Médio que trabalharam em grupo numa atividade investigativa sobre circuitos elétricos simples. Fizemos essa caracterização para quatro grupos compostos por três a quatro estudantes.

Nos quatro grupos investigados, os estudantes se envolveram com as tarefas da atividade sobre circuitos elétricos. Isso poderia ser interpretado como uma evidência de engajamento. Vimos, contudo, que nem todos estudantes se engajaram e que, entre os que o fizeram, houve variações significativas na qualidade do engajamento.

Nossos resultados sugerem que o engajamento comportamental é um requisito para sua dimensão cognitiva: o envolvimento comportamental mínimo dos estudantes com as tarefas escolares, por exemplo, pela observação das normas de funcionamento da aula, pelo esforço para resolução das tarefas e pelo respeito às ideias e propostas de resolução gestadas no grupo, é necessário ao estabelecimento de condições favoráveis ao investimento cognitivo na compreensão do que está posto como objeto de estudo. Por outro lado, há uma situação curiosa e não intuitiva: pode haver engajamento comportamental sem que haja engajamento cognitivo pleno na atividade. Situação desse tipo pode ocorrer quando os estudantes agem orientados exclusivamente ou parcialmente por demandas pessoais, desviando-se em maior ou menor medida das tarefas propostas na atividade.

Essa nossa constatação vai ao encontro dos resultados de Julio, Vaz e Fagundes (2011JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.) e de Borges, Julio e Coelho (2005BORGES, O.; JULIO, J. M.; COELHO, G. R. Efeitos de um Ambiente de Aprendizagem sobre o Engajamento Comportamental, o Engajamento Cognitivo e sobre a Aprendizagem. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do...Bauru: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2005.). O primeiro trabalho também revela situações de estudantes engajados comportamentalmente na atividade como um todo, mas não nas tarefas propostas pelo professor. Verificou-se isso em situações em que o engajamento era orientado por interesses pessoais em vez de pelos objetivos das tarefas propostas. Já o segundo trabalho revela que apenas o engajamento comportamental na disciplina de física não garante melhor desempenho escolar nessa disciplina. Para isso, é preciso também de engajamento cognitivo. Esse resultado reforça a ideia de que a ocorrência de engajamento comportamental não garante o engajamento cognitivo.

No contexto em que esta pesquisa foi conduzida, percebemos que a dimensão emocional do engajamento estava associada: à sensação de bem-estar ocasionada seja pela oportunidade de participação na busca de solução para as tarefas, seja pela percepção de bom desempenho na lida com as tarefas; e também a sensações emocionalmente desgastantes como frustração e agitação decorrentes de disputas entre os membros dos grupos para a resolução das tarefas.

A análise do engajamento dos quatro grupos de estudantes revelou dois elementos do contexto de desenvolvimento da atividade que pareceram relacionados à qualidade da relação dos estudantes com as tarefas: as interações estabelecidas entre os colegas de grupo e a maneira como os estudantes lidaram com as tarefas. Há, na literatura de pesquisa, resultados que revelam que o engajamento em tarefas escolares é influenciado por questões ligadas às interações entre estudantes (ADEGOKE, 2012ADEGOKE, B. A. Impact of interactive engagement on reducing the gender gap in quantum physics learning outcomes among senior secondary school students. Physics Education, v. 47, n. 4, p. 462-470, 2012.; KINDERMANN, 1993KINDERMANN, T. A. Natural peer groups as contexts for individual development: The case of children’s motivation in school. Developmental Psychology, v. 29, n. 6, p. 970-977, 1993.; SHERNOFF et al., 2015SHERNOFF, D. J. et al. Student engagement as a function of environmental complexity in high school classrooms. Learning and Instruction, v. 43, p. 52-60, 2015.).

Identificamos que o plano de ação em que se dá o engajamento - se individual ou coletivo - tem impacto direto sobre a qualidade desse. O engajamento dos membros de um grupo é mais vigoroso e possui um caráter multidimensional quando todos ou a maior parte desses membros trabalham nas tarefas em um plano de ação coletiva, mesmo que no grupo haja situações adversas como algum grau de disputa entre membros ou fuga das tarefas. O trabalho no plano da ação coletiva ocorre quando os estudantes se percebem como parte de um grupo e assumem a corresponsabilidade por desenvolver um trabalho de qualidade em que o outro é visto como parte do processo de resolução das tarefas e por isso cuidado, valorizado e incluído em todas as etapas desse processo. O engajamento dos membros de um grupo tende a ter sua multidimensionalidade comprometida e a ser menos vigoroso quando o trabalho nas tarefas se dá no plano de ação individual. Nesses casos, os estudantes podem até demonstrar engajamento nas dimensões comportamental e cognitiva, mas a qualidade desse engajamento fica comprometida pela falta de colaboração para abordagem das tarefas e pelo não compartilhamento de compreensão sobre essas tarefas e sobre os fenômenos enquadrados por elas.

Identificamos também que a maneira como os estudantes lidaram com as tarefas propostas influenciou a qualidade do engajamento. As tarefas que constituíram a atividade demandavam montagem, descrição e explicação de circuitos elétricos simples. Os estudantes do grupo que observou essas três demandas engajaram-se nas dimensões comportamental, emocional e cognitiva. A qualidade do engajamento cognitivo se destacou, pois, ao descreverem e explicarem os circuitos, os estudantes demonstraram claro investimento na compreensão dos fenômenos enquadrados pela atividade. Por outro lado, os estudantes dos grupos que observaram apenas a demanda de montagem dos circuitos elétricos também apresentaram engajamento multidimensional, porém a dimensão cognitiva do engajamento foi limitada. Entendemos que essa limitação na dimensão cognitiva se deu porque os estudantes priorizaram a montagem dos circuitos em detrimento de suas descrições e explicações. As tarefas de descrever e explicar os circuitos tinham grande potencial de incrementar o engajamento cognitivo dos estudantes de modo semelhante ao que ocorreu com os estudantes do grupo G3. Contudo, esse potencial não foi aproveitado pelos demais grupos.

Por isso é muito importante o monitoramento pelo professor do engajamento dos estudantes ao longo de uma atividade didática. Esse monitoramento pode permitir que se contribua para que os estudantes tomem consciência das tarefas que lhes são propostas e orientem seu engajamento por essas tarefas. Orientar todo o trabalho por tarefas específicas de uma atividade pode desviar os estudantes de boas oportunidades de engajamento cognitivo e, consequentemente, de aprendizagem.

Este estudo tem implicações para as pesquisas em ensino e também para o ensino de Física por ilustrar o uso do conceito de engajamento para a observação e análise de estudantes em situação real de ensino e aprendizagem. Os aspectos comportamentais, emocionais e cognitivos do engajamento estão inter-relacionados de maneira dinâmica como destacam Fredricks, Blumenfeld e Paris (2004FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.) e Sinatra, Heddy e Lombardi (2015SINATRA, G. M.; HEDDY, B. C.; LOMBARDI, D. The Challenges of Defining and Measuring Student Engagement in Science. Educational Psychologist, v. 50, n. 1, p. 1-13, 2015.). Embora essas dimensões não se separem, segundo esses autores, para efeito de análise, a caracterização de cada uma dessas dimensões em separado traz o ganho de permitir que se apure o olhar sobre cada uma delas. Isso pode interessar tanto a professores que buscam novas ferramentas de monitoramento ou avaliação de processos de aprendizagem, quanto a pesquisadores que desejam investigar o engajamento de estudantes com base em técnicas observacionais da sala de aula.

O uso que fizemos do conceito de engajamento neste trabalho de pesquisa acaba por mostrar qual pode ser seu uso pelo professor, durante a aula. Também somos professores. Portanto, sabemos que, em tempo real, não há como analisar o que acontece em cada grupo da maneira que o tempo da pesquisa nos permitiu fazer. Foram nuances de fala e detalhes de comportamento que nos permitiram perceber quem se engajou cognitivamente e quando o fez. Vimos que os estudantes do grupo G4, por exemplo, simularam um tipo de envolvimento com a tarefa. Durante a aula, o(a) professor(a) provavelmente não notou isso. Contudo, a descrição que fizemos daquele grupo pode servir a professores e professoras empenhados em conceber estratégias de avaliação e de monitoramento do desenvolvimento de atividades por estudantes. Uma vez que pudemos perceber nuances e detalhes com base no conceito de engajamento, esse conceito poderá ser invocado quando uma dessas professoras ou um desses professores notar diferenças nas respostas dos membros de um grupo que ela ou ele venha a atender em classe. Se o professor sabe que ter os estudantes envolvidos na tarefa é condição necessária, mas não suficiente, para considerar que eles estão engajados, ele sabe também que precisa dar maior atenção ao tipo de envolvimento, à natureza das ações, ao conteúdo das falas e a outros aspectos da atuação dos estudantes. Se o objetivo do ensino é a aprendizagem e aprendizagem é uma função do engajamento cognitivo, não basta fazer os estudantes se engajarem. É preciso trabalhar para que os estudantes se engajem nas tarefas em três dimensões: comportamental, emocional e cognitiva.

REFERÊNCIAS

  • ADEGOKE, B. A. Impact of interactive engagement on reducing the gender gap in quantum physics learning outcomes among senior secondary school students. Physics Education, v. 47, n. 4, p. 462-470, 2012.
  • AINLEY, M. D. Styles of engagement with learning: Multidimensional assessment of their relationship with strategy use and school achievement. Journal of Educational Psychology, v. 85, n. 3, p. 395-405, 1993.
  • BAROLLI, E.; LABURÚ, C. E.; GURIDI, V. M. Laboratorio didáctico de ciencias: caminos de investigación. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 9, n. 1, p. 88-110, 2010.
  • BARRON, B. Achieving Coordination in Collaborative Problem-Solving Groups. Journal of the Learning Sciences, v. 9, n. 4, p. 403-436, out. 2000.
  • BARRON, B. When Smart Groups Fail. Journal of the Learning Sciences, v. 12, n. 3, p. 307-359, 2003.
  • BARROW, L. H. A Brief History of Inquiry: From Dewey to Standards. Journal of Science Teacher Education, v. 17, p. 265-278, 2006.
  • BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.
  • BORGES, O.; JULIO, J. M.; COELHO, G. R. Efeitos de um Ambiente de Aprendizagem sobre o Engajamento Comportamental, o Engajamento Cognitivo e sobre a Aprendizagem. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do...Bauru: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2005.
  • CHRISTENSON, S. L.; RESCHLY, A. L.; WYLIE, C. (org.). Handbook of Research on Student Engagement. New York: Springer, 2012.
  • COELHO, G. R. A evolução do entendimento dos estudantes em eletricidade: Um estudo longitudinal. 2011. 173 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • ENGLE, R.; CONANT, F. Guiding principles for fostering productive disciplinary engagement: explaining an emergent argument in a community of learners classroom. Cognition and Instruction 2, v. 20, n. 4, p. 399-483, 2002.
  • FREDRICKS, J. A.; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, 2004.
  • FRYDENBERG, E.; AINLEY, M.; RUSSELL, V. J. Student Motivation and Engagement. Canberra: [s.n.], 2005.
  • GOMES, A. D. T.; BORGES, A. T.; JUSTI, R. Processos E Conhecimentos Envolvidos Na Realização De Atividades Práticas: Revisão Da Literatura E Implicações Para a Pesquisa. Investigações em Ensino de Ciências, v. 13, n. 2, p. 187-207, 2008.
  • HODSON, D. Experimentos na ciência e no ensino de ciências. Education philosophy and theory, v. 20, p. 53-66, 1988.
  • HOFSTEIN, A.; LUNETTA, V. N. The Laboratory in Science Education: Foundations for the Twenty-First Century. Science Education, v. 88, n. 1, p. 28-54, 2004.
  • HOFSTEIN, A.; LUNETTA, V. N. The Role of the Laboratory in Science Teaching: Neglected Aspects of Research. Review of Educational Research, v. 52, n. 2, p. 201-217, 1982.
  • JULIO, J. M.; VAZ, A. M. Grupos de alunos como grupos de trabalho: um estudo sobre atividades de investigação. Revista Brasileira de Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 7, n. 2, 2007.
  • JULIO, J. M.; VAZ, A. M.; FAGUNDES, A. Atenção: Alunos engajados - Análise de um grupo de aprendizagem em atividade de investigação. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, p. 63-81, 2011.
  • KANARI, Z.; MILLAR, R. Reasoning from data: How students collect and interpret data in science investigations. Journal of Research in Science Teaching, v. 41, n. 7, p. 748-769, 2004.
  • KASSEBOEHMER, A. C.; FERREIRA, L. H. Método investigativo em aulas teóricas de Química: Estudo das condições da formação do espírito científico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 12, p. 144-168, 2013.
  • KINDERMANN, T. A. Natural peer groups as contexts for individual development: The case of children’s motivation in school. Developmental Psychology, v. 29, n. 6, p. 970-977, 1993.
  • KIPNIS, M.; HOFSTEIN, A. The inquiry laboratory as a source for development of metacognitive skills. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 6, n. 3, p. 601-627, 2008.
  • KIRSCHNER, P.; SWELLER, J.; CLARK, R. Why Unguided Learning Does Not Work: An Analysis of the Failure of Discovery Learning, Problem-Based Learning, Experiential Learning and Inquiry-Based Learning. Educational Psychologist, v. 41, n. 2, p. 75-86, 2006.
  • KUHN, D. et al Can Engaging in Science Practices Promote Deep Understanding of Them? Science Education, v. 101, n. 2, p. 232-250, 2017.
  • MARKS, H. M. Student Engagement in Instructional Activity: Patterns in the Elementary, Middle, and High School Years. American Educational Research Journal, v. 37, n. 1, p. 153-184, 2000.
  • MARTIN, A. J.; GINNS, P.; PAPWORTH, B. Motivation and engagement: Same or different? Does it matter? Learning and Individual Differences, v. 55, p. 150-162, 2017.
  • MILNE, C.; OTIENO, T. Understanding engagement: Science demonstrations and emotional energy. Science Education, v. 91, n. 4, p. 523-553, 2007.
  • MOREIRA, A. F.; PONTELO, I. Níveis de engajamento em uma atividade prática de Física com aquisição automática de dados. Revista Brasileira de Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 9, n. 2, p. 148-167, 2009.
  • MORTIMER, E. F. et al Uma metodologia para caracterizar os gêneros de discurso como tipos de estratégias enunciativas nas aulas de Ciências. In: NARDI, R. (org.). A pesquisa em Ensino de Ciências no Brasil: Alguns Recortes. 1ª ed. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 53-94.
  • MUNFORD, D.; LIMA, M. E. C. DE C. E. Ensinar ciências por investigação: em quê estamos de acordo? Ensaio, v. 9, n. 1, p. 89-111, 2007.
  • NEWMAN, F. M. Student engagement and achievement in American secondary schools. New York: Teacher College Press, 1992.
  • NEWMANN, F. M.; WEHLAGE, G. G.; LAMBORN, S. D. The significance and sources of student engagement. In: NEWMANN, F. M. (org.). Student engagement and achievement in American secondary schools. New York: Teacher College Press, 1992. p. 11-39.
  • OGAN-BEKIROGLU, F.; ESKIN, H. Examination of the relationship between engagement in scientific argumentation and conceptual knowledge. International Journal of Science and Mathematics Education, v. 10, n. 6, p. 1415-1443, 2012.
  • OLITSKY, S.; MILNE, C. Understanding engagement in science education: The psychological and the social. In: FRASER, B. J.; TOBIN, K.; MCROBBIE, C.(org.). Second International Handbook of Science Education. Dordrecht: Springer, 2012. p. 19-33.
  • REIGOSA, C.; ALEIXANDRE, M. P. J. Formas de Actuar de los Estudiantes en el Laboratorio para la Fundamentación de Afirmaciones y Propuestas de Acción. Enseñanza de Las Ciencias, v. 29, n. 1, p. 23-34, 2011.
  • RODRIGUES, B. A.; BORGES, A. T. O ensino de ciências por investigação: reconstrução histórica. 2008, Curitiba: SBF. p. 1-12.
  • SANDI-URENA, S. et al Students’ experience in a general chemistry cooperative problem based laboratory. Chem. Educ. Res. Pract., v. 12, p. 434-442, 2011.
  • SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. A. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, v. 21, n. 2, p. 52-67, 2016.
  • SHERNOFF, D. J. et al Student engagement as a function of environmental complexity in high school classrooms. Learning and Instruction, v. 43, p. 52-60, 2015.
  • SINATRA, G. M.; HEDDY, B. C.; LOMBARDI, D. The Challenges of Defining and Measuring Student Engagement in Science. Educational Psychologist, v. 50, n. 1, p. 1-13, 2015.
  • SINGH, K.; GRANVILLE, M.; DIKA, S. Mathematics and Science Achievement: Effects of Motivation, Interest, and Academic Engagement. The Journal of Educational Research, v. 95, n. 6, p. 323-332, 2002.
  • TAMIR, P.; STAVY, R.; RATNER, N. Teaching science by inquiry: assessment and learning. Journal of Biological Education, v. 33, n. 1, p. 27-32, 1998.
  • WHITE, R. T. The link between laboratory and learning. International Journal of Science Education, v. 18, n. 7, p. 761-774, 1996.
  • WILCOX, B. R.; LEWANDOWSKI, H. J. Developing skills versus reinforcing concepts in physics labs: Insight from a survey of students’ beliefs about experimental physics. Physical Review Physics Education Research, v. 13, p. 1-9, 2017.
  • WOLF, S. J.; FRASER, B. J. Learning environment, attitudes and achievement among middle-school science students using Inquiry-based laboratory activities. Research in Science Education, v. 38, n. 3, p. 321-341, 2008.
  • ZÔMPERO, A. F.; LABURÚ, C. E. Atividades investigativas no ensino de ciências: Aspectos históricos e diferentes abordagens. Revista Ensaio, v. 13, n. 3, p. 67-80, 2011.

ANEXO: LAB11 - CIRCUITOS ELÉTRICOS SIMPLES

Material: pilhas média e pequena, lâmpadas, fios, soquete p/ lâmpada.

Parte 1 - Circuito simples com uma lâmpada

A primeira atividade para seu grupo é montar um circuito simples usando uma pilha média (AA) e fios, para acender uma pequena lâmpada. Preste atenção à forma como os componentes estão conectados.

1) Para cada tentativa que seu grupo fizer, faça um desenho que mostre como a lâmpada, a pilha e os fios estão ligados. Indique se a lâmpada brilhou ou não.

2) Depois que conseguir acender a lâmpada, examine os desenhos que você fez nas tentativas anteriores. Você consegue perceber o que havia de errado nos circuitos anteriores? Explique.

Responda a questão 3 antes de fazer qualquer outra montagem.

3) O que aconteceria ao brilho da lâmpada se você estivesse usando uma pilha pequena em lugar da pilha média? Explique seu raciocínio.

Monte o circuito usando a pilha pequena em lugar a média.

4) Sua previsão sobre o brilho da lâmpada estava correta? Descreva e explique o que você notou.

5) O tamanho da pilha tem influência sobre o brilho da lâmpada? Explique seu raciocínio.

Parte 2 - Circuito simples com duas lâmpadas

6) Pense agora em como vocês devem fazer para acrescentar uma segunda lâmpada ao circuito fazendo-as acender simultaneamente.

7) Desenhe cada circuito que seu grupo montou até conseguir sucesso. Tente explicar porque as lâmpadas acenderam ou não com cada um dos circuitos montados.

8) O que aconteceria com a segunda lâmpada se a primeira queimasse ou fosse desligada? Explique.

9) Como você desligaria a primeira lâmpada? Faça isso e observe se o resultado está de acordo com sua expectativa. Descreva o que aconteceu e explique qualquer desacordo com sua previsão.

10) Há alguma outra forma diferente de se acrescentar uma segunda lâmpada ao circuito? Como?

Você já deve ter notado que os circuitos para iluminação em residências e prédios são construídos de forma que se uma lâmpada queima ou é desligada, nem todas as outras são afetadas. Ou seja, outras lâmpadas podem ser ligadas ou desligadas independentemente. Neste tipo de ligação as lâmpadas estão ligadas em paralelo. Tente desenhar como seria isso com duas lâmpadas. Experimente montá-lo. Certifique-se de que se você desligar uma lâmpada, a outra continua ligada.

11) Uma outra forma de ligar as lâmpadas é em série. Uma é ligada após a outra. A diferença é que se uma delas queimar ou for desligada, a outra deixa de funcionar. Da mesma forma, num circuito série as lâmpadas ou estão ambas ligadas ou ambas desligadas. Ligue as lâmpadas em série e observe isso. 12) O que se nota acerca do brilho delas?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2018
  • Aceito
    07 Jan 2019
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antonio Carlos, 6627, CEP 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Tel.: (55 31) 3409-5338, Fax: (55 31) 3409-5337 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: ensaio@fae.ufmg.br