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LEITURA, LINGUAGEM E SABER: REFLEXÕES A PARTIR DA ANÁLISE DISCURSIVA DE DOIS TEXTOS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

LECTURA, LENGUAJE Y SABER: REFLEXIONES DESDE EL ANÁLISIS DISCURSIVO DE DOS TEXTOS EN EL CONTEXTO DE LA EDUCACIÓN EN CIENCIAS

READING, LANGUAGE AND KNOWLODGE: REFLECTIONS FROM A DISCURSIVE ANALYSIS OF TWO TEXTS ON THE CONTEXT OF SCIENCE EDUCATION

RESUMO:

Neste trabalho apresentamos alguns sentidos sobre leitura e linguagem e analisamos discursivamente dois textos que falam sobre peixes, a partir de diferentes saberes e contextos sociais e históricos. O objetivo foi apontar contribuições da análise discursiva e do trabalho com diferentes saberes para a educação em ciências. O primeiro texto analisado é uma narrativa Kamayurá escrita por Leonardo Boff e o segundo é uma estória de Rachel Carson traduzida por Antônio Salatino. Ambos foram analisados a partir da análise de discurso, com contribuições de estudos sociais da ciência e tecnologia, estudos antropológicos e sobre (de)colonialidade na educação em ciências. Concluímos que a leitura discursiva pode potencializar as discussões sobre circulação e legitimação de saberes na sociedade e que a ambivalência da linguagem e as condições de produção dos textos podem contribuir nos questionamentos sobre determinismo e colonialidade do saber nas ciências e na educação.

Palavras-chave:
Leitura discursiva; Ecologia de saberes; Educação em ciências

RESUMEN:

En este trabajo presentamos algunos sentidos acerca de la lectura y del lenguaje y analizamos desde el punto de vista discursivo dos textos que hablan de peces, a partir de diferentes saberes y contextos sociales e históricos. El objetivo fue apuntar contribuciones del análisis discursivo y del trabajo con distintos saberes a la educación en ciencias. El primer texto que se analizó es una narrativa Kamayurá escrita por Leonardo Boff y el segundo es una historia de Rachel Carson traducida por Antônio Salatino. Se analizaron los dos textos desde el análisis del discurso, con contribuciones de estudios sociales de la ciencia y tecnología, estudios antropológicos y acerca de la (de)colonialidad en educación en ciencias. Concluimos que la lectura discursiva puede potenciar las discusiones acerca de circulación y legitimación de saberes en la sociedad y que la ambivalencia del lenguaje y las condiciones de producción de los textos pueden contribuir a los cuestionamientos acerca del determinismo y colonialidad del saber en las ciencias y en la educación.

Palabras clave:
Lectura discursiva; Ecología de saberes; Educación en ciências

ABSTRACT:

Herein, we present some meanings about reading and language, and analyse two texts about fishes considering different social and historical contexts. The goal is to point out some contributions and reflections for science education. The first analysed text is a Kamayurá narrative written by Leonardo Boff, and the second is a Rachel Carson story translated by Antonio Salatino. Both texts were analysed under the discourse analysis with some contributions from social studies of science and technology and other references. We conclude that the discursive reading can enhance the discussions about knowledge circulation and legitimation in society; and that the ambivalence of language and the contextualization of texts can contribute to the questioning of determinism and coloniality on sciences and on education.

Keywords:
Discursive reading; Ecology of knowledge; Education on Science

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre leitura e linguagem na educação em ciências brasileira cresceram nas últimas décadas. Para Nardi (2008NARDI, R. Apresentação. In: ALMEIDA, M. J.; CASSIANI, S.; OLIVEIRA, O. Leitura e escrita em aulas de ciências: luz, calor, e fotossíntese nas mediações escolares. Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2008, p. 5-8.), Almeida e Pagliarini (2016ALMEIDA, M. J.; PAGLIARINI, C. Editorial: Leitura na Educação em Ciências. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 2, p. 271-277, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v22n2/1516-7313-ciedu-22-02-0271.pdf >. Acesso em: 20 nov. 2018.
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) dentre os fatores que impulsionam este crescimento, cabe considerar a criação e consolidação de encontros e grupos de pesquisas com este enfoque e de linhas temáticas direcionadas a essas abordagens nos eventos nacionais da área. Muitos trabalhos1 1 Entre os trabalhos consultados destacamos o de Andrade e Martins (2006); Andrade et al. (2015); Flôr e Cassiani (2011); Oliveira et al. (2014); Oliveira, Nicolli e Cassiani (2014) e Suisso e Galieta (2015). já foram feitos sobre o estado da arte desses estudos, alguns se ocupando de teses e dissertações, outros das publicações em periódicos e alguns das atas de eventos. Entre os trabalhos que consultamos foi possível constatar que as possibilidades de pesquisa são amplas e diversas, se ocupando de diferentes níveis de ensino e grupos de análise, em diferentes disciplinas e a partir de diferentes concepções teórico-metodológicas. Como um todo, consideramos, assim como Almeida e Pagliarini (2016), a importância da concepção de leitura ser condizente com a de linguagem nas pesquisas, para avançarmos na consistência teórica e metodológica dessa temática de trabalho.

Flôr e Cassiani (2011FLÔR, C.; CASSIANI, S. O que dizem os estudos da linguagem na educação científica? Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/260480494_O_que_dizem_os_estudos_da_linguagem_na_educacao_cientifica >. Acesso em: 11 fev. 2019.
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) fizeram um levantamento bibliográfico e argumentam que a linguagem nas pesquisas em educação em ciências é entendida de diferentes maneiras. Dentre elas, é comum a concepção de linguagem como produto do pensamento, associada à alfabetização científica e às ciências cognitivas, a exemplo da elaboração conceitual em sala de aula. Essas autoras também destacam o entendimento da linguagem em seu aspecto metafórico, como no uso de comparações, analogias e metáforas, para comunicar e significar as ciências. Elas ainda discorrem sobre a linguagem como ferramenta e instrumento de apropriação do conhecimento científico, com ênfase na comunicação entre professores e estudantes, comuns nas análises de interações discursivas e planejamentos didáticos. Por fim, tais autoras mostraram que a linguagem pode ser trabalhada a partir da concepção de leitura de professores em formação e no viés da formação de sujeitos-leitores, como também com a ênfase em textos escritos e no funcionamento dos mesmos, nos significados e sentidos construídos através da leitura. Ou seja, a linguagem pode ser compreendida tanto com um olhar para os aspectos humanos, sociais e históricos, inerentes à leitura, escrita, a produção de saber e das ciências, como para a compreensão e/ou legitimação de saberes, discursos e conteúdos das ciências, considerada mais como um instrumento didático.

Neste trabalho, o foco do papel linguagem e da leitura é no âmbito da dimensão humana, social e histórica da produção de saberes e da educação em ciências. Partimos do referencial teórico-metodológico da análise de discurso,2 2 De acordo com Faraco (2003), Zellig Harris foi o primeiro autor a usar a expressão “discourse analysis”, traduzida como análise do discurso ou análise de discurso. Neste trabalho nos fundamentamos principalmente na linha dos trabalhos de Michel Pêcheux e seu grupo e de Eni Orlandi. nos fundamentando, principalmente, nos textos de Orlandi (1988ORLANDI, E. Discurso e Leitura. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1988., 1996ORLANDI, E. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994., 1999ORLANDI, E. A Linguagem e seu Funcionamento. 4ª ed. Campinas: Pontes, 1996. , 2008ORLANDI, E. Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. ), que considera que os sentidos na linguagem não podem ser qualquer um, como também, não são universais ou factuais, e sim, produzidos nas relações entre língua/sujeito/história; compreendendo a leitura como um ato de linguagem implicado em leituras prévias e histórias de vida que atravessam o dizer.

Essa concepção de leitura e linguagem pode ser aproximada de alguns dos estudos sociais das ciências e tecnologias latino-americanos, como o de Avellaneda e Linsingen (2014AVELLANEDA, M.; LINSINGEN, I. Um olhar para a educação científica e tecnológica a partir dos estudos sociais da ciência e da tecnologia: abrindo novas janelas para a educação. In: Kreimer, P.; Vessuri, H.; Velho, L.; Arellano, A. (org.). Perspectivas latinoamericanas en el estudio social de la ciencia, la tecnología y la sociedad. 1ª ed. México/Buenos Aires: Siglo XXI editores, 2014, p. 505-518.), que descrevem as críticas de movimentos latino-americanos com relação aos determinismos e pretensas neutralidades do saber e do poder, assim como aos modelos políticos de transferência tecnológica e pedagógica, que não levam em conta os contextos sociais e potencialidades locais. Muitos desses estudos apostam em epistemologias construtivistas e na legitimação de saberes que são muitas vezes silenciados no campo científico, considerados como “populares” ou “tradicionais”. Essa compreensão se aproxima também da concepção epistemológica da ecologia de saberes, elaborada por Santos (2002SANTOS, B. de S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 63, 2002, p.237-280. Disponível em: < Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/1285 >. Acesso em: 20 dez. 2017.
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, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez , 2010, p. 31-83. ), que compreende que a complexidade do mundo e do conhecimento não pode ser abarcada apenas por uma epistemologia ou racionalidade, considerando o conhecimento como interconhecimento, denunciando a violência do sistema-mundo-moderno-colonial, que impôs valores e formas de ser de algumas culturas em detrimento de outras, negando o outro, e a riqueza da diversidade das experiências sociais e possibilidades de intervenção no real.

A questão central que nos orienta é a possibilidade de circulação e legitimação de diferentes discursos sobre o saber científico e também de distintos saberes, visões de mundo e racionalidades no contexto da educação em ciências. Para trabalhar essa possibilidade escolhemos a análise de textos como caminho, pensando na leitura e no funcionamento discursivo da linguagem. O motivo da escolha de textos como material de análise se deu devido à expressividade dessa via de comunicação no campo acadêmico, nas pesquisas e nas salas de aula, tendo a palavra escrita como caminho comumente percorrido, objetivado e validado; o que também é um aspecto de nosso histórico de colonização, onde as tradições das línguas latinas ocuparam o lugar da administração e do saber legitimado desde o período imperial (este tema será mais bem aprofundado no decorrer do artigo). O objetivo é analisar discursivamente dois textos que falam do mesmo referente, os peixes, mas a partir de contextos sócio-históricos muito distintos, com diferentes visões de mundo e relação homem-natureza, apontando possíveis contribuições para a educação em ciências.

A escolha dos textos foi motivada pelo contexto do trabalho, que foi a educação em biologia, e pela vontade de se trabalhar com literatura e com aspectos da linguagem na educação superior, assim como, com diferentes saberes e sujeitos. O primeiro texto foi selecionado a partir da leitura de um livro de contos dos povos indígenas do Brasil. O título desse texto é “Porque cores diferentes nos peixes?” e ele é uma tradução e adaptação de uma estória contada pelo povo Kamayurá que resiste na região do Alto-Xingu, no Mato Grosso. O outro texto, intitulado “O nascimento de uma cavala”, é um capítulo de um livro da bióloga e escritora estadunidense Rachel Carson, que nasceu e viveu nos Estados Unidos da América do Norte, em um contexto de guerras e pós-guerras no século XX. Eles serão melhores descritos na sessão de análise dos mesmos.

O caminho metodológico envolveu diferentes etapas: a) a escolha de trechos da introdução e prefácio dos livros em que os textos selecionados foram publicados, para descrevermos as condições de produção (contextos sociais e históricos, amplos e restritos, de produção e leitura dos textos no contexto deste artigo); b) a escolha de trechos dos dois textos selecionados como corpus de análise, que foram descritos a partir de citações e discutidos a partir da relevância para a educação em ciências e para as discussões sobre saber e linguagem na nossa sociedade; e c) a elaboração de relações interdiscursivas, que na análise de discurso são as relações dos textos e discursos com outros discursos e textualidades (ORLANDI, 1994ORLANDI, E. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994., 1996ORLANDI, E. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994., 1999ORLANDI, E. A Linguagem e seu Funcionamento. 4ª ed. Campinas: Pontes, 1996. , 2008ORLANDI, E. Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. ).

Por fim, consideramos importante destacar que o contexto de elaboração deste artigo, acadêmico e político, também implica nas análises que nos propomos. O ponto de partida foi uma pesquisa de mestrado que envolveu a leitura e análise dos dois textos citados acima (o nosso foco aqui) e a leitura dos mesmos textos por parte de estudantes da graduação e licenciatura em biologia, onde analisamos as respostas deles a um questionário que fizemos. Acreditamos na importância de publicar, atualizar e aumentar o alcance dessa pesquisa devido ao momento político de ameaça das conquistas no campo da educação, dos direitos humanos e movimentos sociais que movimentam nosso país, destacando a potência de se trabalhar com liberdade, diversidade e interculturalidade em qualquer área de atuação humana, e, principalmente, na educação. A seguir, antes de iniciarmos as análises dos textos, apontaremos alguns dos sentidos já produzidos sobre língua, leitura e linguagem em textos brasileiros, para fundamentar melhor a nossa linha de pensamento e argumentação, pois acreditamos que a imagem que temos da nossa língua é um ponto inicial para compreendermos as identificações e discursos que são mobilizados ao falarmos, assim como, quando lemos, escrevemos e pesquisamos.

SENTIDOS SOBRE LÍNGUA, LEITURA E LINGUAGEM

No Brasil, as formações das línguas foram e são marcadas pelas relações entre várias culturas (europeias, africanas, indígenas, árabes, asiáticas, dentre outras). Para Borges (2001BORGES, L. C. A instituição de línguas gerais no Brasil. In: ORLANDI, E. P. (org.). História das ideias linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes Editores; Cáceres, MT: Unemat Editora, 2001, p. 199-222. ), Orlandi (2001ORLANDI, E. (org.). História das idéias lingüísticas: construção do saber metalingüístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes , Cáceres: Unemat, 2001.) e Petter (2001)PETTER, M. Africanismos no português do Brasil. In: ORLANDI, E. P.(org.). História das ideias linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes Editores; Cáceres, MT: Unemat Editora , 2001, p. 223-234. , nos séculos de colonização (XVI ao XVIII) as línguas predominantes foram línguas indígenas, o português, o francês, as línguas gerais (constituídas no contato entre agentes da colonização e grupos indígenas, principalmente no período jesuítico de 1549-1759) e as línguas africanas, com predomínio da iorubá e quimbundo. Neste contexto, os autores apontam que as línguas gerais e os seminários jesuíticos, o português e as escolas católicas e colégios, podem ser vistos, historicamente, como o início do processo de construção da identidade linguística e cultural institucionalizadas, em meio à diversidade encontrada no país. Esses autores identificam que no período de constituição do Estado Nacional, no século XIX, a busca da construção de uma língua nacional para legitimar uma unidade/identidade (imaginária) em meio à diversidade concreta, levou a formalização do português brasileiro, a partir da história científica ocidental, com as tradições das línguas latinas e tecnologias como as gramáticas e dicionários, a escrita, a imprensa, a fundação da Biblioteca Nacional e depois a instituição da linguística no país, já no século XX. Atualmente, os estudos da linguagem e os processos tecnológicos de gramatização continuam sendo feitos, pois as línguas são vivas e estão em constante construção sócio-histórica, assim como os estudos das mesmas. No Brasil, nós falamos várias línguas, com diferentes formas de organização e produção de sentidos a partir da linguagem, nas relações língua/história/sociedade, o que torna essa construção ainda mais complexa.

Belo (2008BELO, A. História & livro e leitura 1º ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 120p.) aponta que as culturas orais, visuais e sonoras continuam convivendo entre si e compondo o mundo da linguagem e do conhecimento humano, desde a antiguidade, tanto entre diferentes grupos e momentos sócio-históricos, como no mesmo espaço-tempo, onde as maiores mudanças abrangem as técnicas e formas de valorização social da comunicação. Esse autor demonstra que o formato dos textos e livros em códice (como um conjunto de cadernos costurados uns aos outros, numerados, com índices, separações internas como capítulos, etc.), as facilidades da tipografia e depois dos modos de impressão, foram técnicas que favoreceram a leitura silenciosa e individual nas sociedades modernas e capitalistas. Para Britto e Abreu (1995BRITTO, L.; ABREU, M. Prefácio. In: ABREU, M. (org.). Leituras no Brasil: antologia comemorativa pelo 10° Cole. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995, p. 7-13. ), inicialmente ler e escrever eram técnicas apreendidas de diferentes modos, onde a leitura remetia a narração de um texto em voz alta para uma audiência e a escrita podia ser associada à lista de palavras ou textos. Para eles, a industrialização e o avanço da imprensa tornaram as atividades de ler e escrever como necessárias ao sistema de produção e consumo das “sociedades modernas”, tornando-se imperativos na alfabetização pública, como no caso do Brasil.

No entanto, a ideia de leitura como valor cultural, democrático, comum nas sociedades contemporâneas, nem sempre foi hegemônica. Segundo Belo (2008BELO, A. História & livro e leitura 1º ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 120p.), historicamente o material impresso nem sempre foi acessível e os discursos dominantes dirigiam leituras entre classes, gênero e faixa etária, controlando e censurando textos, tipos de impressão e livros, como os poderes civis e eclesiásticos no início da difusão de textos impressos e os regimes políticos ditatoriais, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, como na China de Mao Tse-Tung.

No Brasil, essa realidade foi forte no regime militar, com livros e livrarias queimadas e alguns textos e músicas sendo proibidos de circularem por questões ideológicas. Essas atitudes e ameaças ainda se fazem presentes, inclusive no campo da educação, ainda que com outras estratégias de ação e discursos.

Consideramos também a transformação dos paradigmas de leitura e linguagem pela era digital, com a internet e as redes sociais, onde as compreensões de limite e censura, de privacidade, autoria, alcance e temporalidade, adquiriram novas facetas. Além desse novo campo de leitura e linguagem escrita, existem ainda outras materialidades textuais e discursivas que circulam em nossa sociedade, como os audiovisuais, as exposições de arte, trabalhos instrumentais sonoros, pinturas corpóreas, etc. Dessa forma, o que se lê, como, quando, onde e por que, pode fazer vários sentidos dependendo dos contextos sócio-históricos de interlocução e das materialidades da linguagem.

Partindo para as pesquisas em educação em ciências, há muitos trabalhos disponíveis para consulta que abordam a questão da leitura a partir de diferentes textualidades, como leitura de textos escritos, de imagens, de audiovisuais, de exposições, dentre outros. A maioria dos trabalhos que consultamos aborda a questão da leitura (inclusive a leitura discursiva) a partir de textos de livros didáticos e de “divulgação científica”. Quanto aos textos literários, que são o estilo do nosso corpus de análise, eles são comumente associados aos textos de “ficção científica”, sendo também expressivos os textos de cordel, as histórias em quadrinhos, romances e contos e em menor número os poemas. Entre os trabalhos que partem da leitura de livros (ou parte deles), são comuns os que se filiam a noção de “escritores com veia científica e cientistas com veia literária” como proposto por João Zanetic (1997ZANETIC, J. física e literatura: uma possível integração no ensino. CADERNOS CEDES: ensino da ciência, leitura e literatura, campinas, N. 41, 1997, P. 46-61.). Muitas das vezes, os autores discutem as diferenças, interações, e complementaridades entre a linguagem científica e literária, como Galvão (2006GALVÃO, C. Ciência na literatura e Literatura na ciência. Interações, Lisboa, n. 3, p. 32-51, 2006. Disponível em: <http://repositorio.ipsantarem.pt/bitstream/10400.15/225/1/C3.pdf >. Acesso em: 10 setembro 2016.
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), Murad e Vincente (2010MURAD, S.; VICENTE, R. Ciência e literatura: irradiações e convergências. Revista Virtual de Letras, São Paulo, v.50, n.2, 2010, p.389-405. Disponível em: <Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/letras/article/view/4705/3998 >. Acesso em: 29 setembro 2016.
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), Piassi (2013PIASSI, L. P. A ficção científica e o estranhamento cognitivo no ensino de ciências: estudos críticos e propostas de sala de aula. Ciência & Educação, Bauru, v. 19, n. 1, 2013, p. 151-168. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-73132013000100011&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em: 22 abril 2017.
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), dentre outros. Alguns deles consideram o papel do discurso pedagógico em sala de aula na interação entre essas linguagens e na contextualização do ensino-aprendizagem de ciências e outros apontam que as relações entre as linguagens podem ser oportunidades criativas de expansão de conhecimento, auxiliando a romper barreiras socialmente construídas entre ciências e humanidades.

O nosso foco aqui é convergente com essas abordagens, pois buscamos apontar potencialidades da linguagem literária e dos diferentes contextos de escrita no âmbito da educação em ciências, com enfoque em questões sócio-históricas da produção, legitimação e valorização de saberes. Para isso, iremos analisar abaixo, os dois textos selecionados e trechos dos livros literários em que eles foram publicados.

ANÁLISE DOS TEXTOS

O texto “Por que cores diferentes nos peixes?” é uma adaptação de uma estória contada pelos Kamayurá, publicada no livro “O casamento entre o céu e a terra: contos dos povos indígenas do Brasil” (BOFF, 2001BOFF, L. Introdução. In: BOFF, L. O casamento entre o Céu e a Terra: contos dos povos indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora Salamandra, 2001a, p. 9. ). A Editora Salamandra, responsável pela edição, atende ao público infantojuvenil, e Leonardo Boff, o autor do livro, é um educador, teólogo e escritor brasileiro que já publicou vários livros na área da ecologia, ética, política e espiritualidade.

Para refletirmos sobre este contexto de publicação, que apresenta várias informações sobre os povos indígenas brasileiros e suas narrativas, apresentamos a seguir alguns trechos da introdução escrita pelo autor.

Todos eles são portadores de uma sabedoria ancestral, que está faltando a quase toda a humanidade, sabedoria necessária para iluminar os graves problemas que coletivamente enfrentamos. Problemas relativos à convivência pacífica entre os povos, à combinação adequada entre trabalho e lazer, à veneração da natureza, à integração fraternal e sororal entre todos os seres da criação, vividos como parentes, irmãos e irmãs. Enfim, problemas relativos ao casamento entre o céu e a terra, que confere uma experiência do ser humano com a totalidade das coisas e com a Fonte originária de todo o universo (BOFF, 2001aBOFF, L. Introdução. In: BOFF, L. O casamento entre o Céu e a Terra: contos dos povos indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora Salamandra, 2001a, p. 9. , p. 9).

O outro, os indígenas, estão inscritos nesse discurso como portadores de uma sabedoria ancestral, diferentes dentro de uma coletividade, ressaltando suas particularidades. Para Orlandi (2008ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008., p. 67-82) esse é o discurso da civilização, falar sobre sujeitos diferenciados, sem semelhanças internas, sujeitos-culturais, onde o “choque cultural”, as estranhezas e familiaridades não acontecem casualmente, mas são produzidas e inscritas nas instituições. No caso, essa diferenciação cultural parece valorizar a sabedoria desses povos com relação aos problemas que enfrentamos.

Os termos “veneração da natureza; integração fraternal e sororal entre todos os seres da criação; casamento entre o céu e a terra, que confere uma experiência do ser humano com a totalidade das coisas e com a Fonte originária de todo o universo”, remetem a formação discursiva da instituição religiosa cristã na forma de circular sentidos sobre os índios, com uma visão unicista, de totalidade e fonte originária. A este respeito, Borges (2001BORGES, L. C. A instituição de línguas gerais no Brasil. In: ORLANDI, E. P. (org.). História das ideias linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes Editores; Cáceres, MT: Unemat Editora, 2001, p. 199-222. ) relata que no processo de homogeneização indígena (cultural e linguística), parte do empreendimento catequético-colonial, as divindades da teogonia tupi além de serem associadas aos santos da tradição católica e aos atributos do deus cristão, foram silenciadas a partir da associação de Deus com a figura de Tupã, remetendo a significação suprema e unicista da espiritualidade. Dessa forma, olhar a espiritualidade indígena a partir dos paradigmas da espiritualidade cristã implica em aspectos da subversão de valores, que é uma das formas de colonialidade que buscamos questionar neste texto.

A colonialidade é um termo criado por Anibal Quijano para questionar cânones do pensamento e das práticas moderno/coloniais, impostas por culturas eurocêntricas e assimiladas por muitos povos e ambientes acadêmicos, atrelada ao sistema de valores e paradigmas construídos na modernidade ocidental, que se pretendiam objetivos e universais, ao estudar o homem e seus aspectos sociais, mas que ao mesmo tempo, subalternizou outras diferentes formas de pensar, agir, sentir e existir, desde os períodos de colonização, persistindo em sustentar aspectos de dominação, autoritarismo e subversão de valores, consciente ou inconscientemente (GROSSFOGUEL, 2006GROSFOGUEL, R. La descolonización de la economía política y los estudios postcoloniales: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Tabula Rasa, Bogotá, n.4, p.17-48, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/tara/n4/n4a02.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2018.
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; WALSH, OLIVEIRA E CANDAU, 2018WALSH, C.; OLIVEIRA, L.; CANDAU, V. M. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas educativas, v. 26, n. 83, 2018. Disponível em: <https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/3874>. Acesso em: 08 junho 2019.
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).

No entanto, é importante colocar que o autor do livro e deste trecho da introdução em análise, é um teólogo com formação cristã, mas que se alinhou aos discursos da Teologia da Libertação, a movimentos sociais, como um militante social brasileiro que escreve e atua refletindo sobre a importância da voz dos oprimidos, de questionar os sistemas de poder autoritários, remetendo aos discursos de Paulo Freire, da pedagogia do oprimido e da solidariedade, o que faz com que os discursos cristãos associados aos indígenas também possam ser lidos aqui como sua maneira de valorizar esses povos, como iluminados segundo as concepções de mundo e espiritualidade que este sujeito-autor se filia. Outra questão é que na análise de discurso não se julga a intenção do sujeito-autor, o que está em jogo são as possibilidades de funcionamento dos discursos em diferentes contextos de interlocução, ou seja, sentidos possíveis de serem associados.

Consideramos importante visibilizar que os discursos cristãos foram muitas vezes os discursos da colonização e usados nos primeiros sistemas educacionais de nosso país. Eles merecem ser questionados assim como, a produção sociocultural de indígenas como exóticos e/ou folclóricos.

Outro aspecto do trecho citado para refletirmos é a noção de “convivência pacífica”, que pode remeter a aspectos históricos da construção do imaginário indígena na sociedade brasileira. Segundo Orlandi (2008ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.), a substituição da catequese religiosa da época imperial (que se definia localmente), para a catequese leiga do período republicano (liberal, visando à integração nacional), implica os discursos de “pacificação” indígena com a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) no século XX, precursor da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Segundo Menezes Bastos (1995)MENEZES BASTOS, R. J. Indagação sobre os Kamayurá, o Alto-Xingu e Outros Nomes e Coisas: uma etnologia da Sociedade Xinguara. Anuário Antropológico/94, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/pdf/anuario_antropologico/Separatas1994/anuario94_rafaelbastos.pdf >. Acesso em: 06 julho 2017
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os Kamayurás enfrentaram quase 200 anos de guerras e estabelecimento de alianças com outras etnias que já ocupavam a região do Xingu, até vir a ser demarcado o Parque Nacional do Xingu em 1961, que a partir de 1973, com a edição do Estatuto do Índio, passou a ser chamado de Parque Indígena do Xingu. Para Orlandi (2008)ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008. esse discurso de pacificação e proteção ao índio surgiu da posição humanística nas relações entre a sociedade nacional institucional e sociedade internacional, dando continuidade aos processos históricos (dos séculos anteriores), onde “pacificar” e “proteger” podem ser associados aos discursos de intervir, de colocar o branco como “autoridade” com sua forma de governar e exercer poder, mediando o índio com a sua própria cultura. “O amor a Deus, pelo qual o poder assegura a submissão do homem medieval, é substituído, nas sociedades capitalistas, pelo amor a pátria, dever do cidadão.” (ORLANDI, 2008ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008., p. 65). Dessa forma, acreditamos que a imagem de convivência pacífica também deve ser questionada: com relação ao quê? A quem? Procurando diferentes leituras sobre os processos de convivência indígena e entre todos os povos em nossa sociedade.

Quanto ao papel da instituição científica e das ciências nestas relações interculturais, destacamos o pensamento do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (2006)VIVEIROS DE CASTRO, E. “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”. ISA/Povos Indígenas no Brasil, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf >. Acesso em: 16 agosto 2017.
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que aponta que o objetivo político e teórico dos antropólogos contemporâneos é fazer com que o índio não seja uma questão de estereótipo, de cocar de pena, urucum, arco e flecha, etc., sobre o qual o estado “deveria legislar”, e sim, um modo de ser coletivo, em um movimento diferencial dentro da grande coletividade brasileira. Essa concepção tenta se deslocar do discurso científico etnológico dos séculos XVI, XVII, XVIII, que segundo Orlandi (2008ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.), demarcava estados massivos de “diferenças” a priori, como “culturas exóticas” a serem “descobertas”. Para Viveiros de Castro (2006)VIVEIROS DE CASTRO, E. “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”. ISA/Povos Indígenas no Brasil, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf >. Acesso em: 16 agosto 2017.
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o intuito agora não é mais fazer um laudo de identidades alheias, e sim fazer com que a condição indígena seja reconhecida a partir das coletividades que se sintam implicadas assim, como um modo de ser em construção. Neste contexto, a Constituição de 1988 foi, para ele, um marco importante para assegurar juridicamente o lugar da “comunidade indígena” com a instituição dos direitos coletivos, interrompendo um projeto secular de desindianização, jurídica e simbólica, e retomando a questão para a pauta da política nacional. Tudo isso mostra que a convivência indígena não foi pacífica historicamente, ao longo dos séculos, décadas, e sim marcada por lutas que continuam até hoje, principalmente em nosso atual governo. Voltando à Introdução do livro, encontramos a seguinte descrição:

Estas poucas estórias relatadas no livro […] visam ressaltar a contribuição inestimável que eles oferecem à nossa história: na linguagem, nos nomes de cidades, de rios e de montanhas, na culinária, nos costumes cotidianos, na religiosidade difusa do povo e na percepção coletiva acerca das forças misteriosas da natureza (BOFF, 2001aBOFF, L. Introdução. In: BOFF, L. O casamento entre o Céu e a Terra: contos dos povos indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora Salamandra, 2001a, p. 9. , p. 9).

Acima a religiosidade já é apresentada como difusa, no entanto, a história é apresentada como “nossa”, separada da deles, e o saber desses povos como uma contribuição que nos foi oferecida (será que eles ofereceram?). Esse posicionamento histórico pode ser relacionado ao imaginário dos processos de civilização, como descritos anteriormente, onde a história passa a ser contada a partir de certos pontos de vista. Isso também remete ao endereçamento do texto, que parece ser escrito para a população brasileira que não se reconhece como índia, onde o sujeito-autor situa uma coletividade em relação a outras em copresença sócio-histórica.

Com relação à análise da narrativa Kamayurá sobre os peixes, é possível associar o que o antropólogo Viveiros de Castro (1996)VIVEIROS DE CASTRO, E. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Maná, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131996000200005 >. Acesso em: 11 julho 2016.
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denomina de perspectivismo ameríndio,3 3 O perspectivismo ameríndio descrito por Viveiros de Castro (1996) foi baseado no estudo de diferentes povos ameríndios, principalmente na floresta amazônica. O autor não cita os Kamayurá, mas suas ideias se aproximam dos efeitos de sentido da nossa leitura do texto. Destacamos que essa concepção de alteridade do sujeito dialoga com a noção de sujeito da análise de discurso, que funciona como agente na interlocução, mobilizando a língua, as memórias e discursos que significam o real e fazem sentido sócio-historicamente. como uma economia simbólica da alteridade, que implica no princípio de que o ponto de vista cria o sujeito. Para ele, o que conecta os seres na visão ameríndia seria o partilhar de uma condição humana implicada em diferentes corpos (animais, homens, plantas, espíritos, etc.), onde a “natureza” e a “cultura” são vistas como perspectivas móveis, interconectadas, não existindo de forma separada uma da outra.

No texto, identificamos que as posições sujeito-autor variaram, sendo ora contadas por um narrador observador e ora contadas pelo diálogo entre os peixes:

[...] o perverso Kamayurá não respeitava mais ninguém. Num belo dia, matou o filhote do peixe-cachorro que, na época, era o chefe de todos os peixes dos rios e lagos. Este ficou furioso, reuniu todos os peixes e disse com voz ameaçadora: - Precisamos dar cabo desse Kamayurá ensandecido, senão ele vai matar todos nós. Todos os peixes concordaram e ali mesmo traçaram a estratégia. Deveriam derrubar o Kamayurá de seu jirau e pôr fim àquela matança. Decidiram, então, convidar os peixes saltadores para que eles, com sua conhecida habilidade em dar pulos altos, pudessem derrubar o índio assassino. (BOFF, 2001bBOFF, L. Porque cores diferentes nos peixes?. In: BOFF, L. O casamento entre o Céu e a Terra: contos dos povos indígenas do Brasi. Rio de Janeiro, RJ: Editora Salamandra , 2001b, p. 98-101., p. 98-99).

Associamos que na estória o jogo de alteridade entre os sujeitos-narradores é radical e diferente da posição observador-narrador do cientista moderno perante o animal, como objeto. Essa maneira dos peixes ocuparem o ponto de vista, de “sujeitos-autores”, se organizando como em uma aldeia, com um chefe, estratégias de guerra, outros grupos de peixes a que recorrem nas vizinhanças, remete também ao recurso de linguagem do antropomorfismo, expressivo em narrativas mitológicas e materiais de circulação de conhecimentos científico-tecnológicos, como no filme “Procurando Nemo”. No entanto, há uma diferença entre o lugar de fala como condição humana e o lugar de fala do animal como “antropomorfizado” para melhor compreensão do homem, como uma verossimilhança, um recurso retórico. No perspectivismo ameríndio a alteridade é radical e o ponto de vista é agenciador do sujeito, indo além da retórica do antropomorfismo. Na narrativa, a corporeidade sugere também uma fusão das características da cor do corpo do Kamayurá com as colorações dos peixes, como descrito por BOFF (2001bBOFF, L. Porque cores diferentes nos peixes?. In: BOFF, L. O casamento entre o Céu e a Terra: contos dos povos indígenas do Brasi. Rio de Janeiro, RJ: Editora Salamandra , 2001b, p. 98-101., p. 101):

Acorreram todos ao corpo inerte do índio: pintados, tucunarés, pacus, piranhas, curimatás, piraras, jaraquis, e outros. Começaram a comer com vontade o corpo do Kamayurá. À medida que comiam, se manchavam com as cores de urucum e de jenipapo com as quais ele havia pintado seu corpo. O tucunaré sujou de urucum o pescoço, o pacu a cabeça e o lado, a piranha a cabeça, o pirarucu a cauda, o jaraqui também a cabeça e a cauda. O pintado só encostou no jenipapo e não no urucum. […] Foi assim que os peixes ganharam suas cores a partir do urucum e do jenipapo que estavam no corpo do grande inimigo vencido, o índio Kamayurá.

As cores dos peixes vindas da interação com os frutos do urucum e jenipapo das pinturas do índio Kamayurá, borram os limites entre o físico e o “não-físico”, o real e o fictício, pois os peixes se mancharam das cores da pintura corpórea do índio, incorporando assim, as suas características; como sua “presa” ou “inimigo”, que lembra também a antropofagia. Nas explicações das ciências modernas, a coloração dos peixes remete a alimentação ou camuflagem e não o sentido de luta com um inimigo e incorporação de suas características. Nos oceanos, por exemplo, as cores dos peixes são relacionadas com a interação da incidência da luz solar nas camadas de água, que vão conferindo diferentes graus de luminosidade e tons, devido a fenômenos físicos de refração da luz, espalhamento e absorção. Os peixes em altas profundidades chegam a ser transparentes pela falta de incidência da luz solar, para não gastarem forças energéticas com a coloração, estrategicamente desnecessária. Subindo a coluna d’água eles apresentam tons violeta, púrpura, se confundindo com a escuridão do ambiente. Mais acima, vão aparecendo os tons azulados, até as camadas mais superficiais, onde alguns têm o dorso (parte de cima do corpo) azul escuro ou esverdeado, para camuflar a vista de cima, como a de aves, se confundindo com a água mais azulada ou esverdeada abaixo, e a parte pélvica (de baixo do corpo) clara, para camuflar com a cor do céu vista de baixo, e confundir peixes predadores de zonas mais profundas. Já no sentido da alimentação, os peixes podem ‘se manchar’ por predarem outros seres pigmentados, como os salmões que tem a carne mais roseada pela coloração de microalgas ingeridas.

Em um contexto de educação em ciências, esses diferentes saberes e formas de produzir sentidos podem ser trabalhados a partir de seus contextos sócio-históricos, auxiliando a compreensão de que as ciências “naturais” são uma das formas de explicar (ou imaginar) características da vida; existindo outras racionalidades, modos de interação e perspectivas, para lidar com o real. Ou seja, ao situar a produção dos conhecimentos e saberes é possível discutir implicações geopolíticas e corpo-políticas que desmistificam o que Grossfoguel (2006)GROSFOGUEL, R. La descolonización de la economía política y los estudios postcoloniales: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Tabula Rasa, Bogotá, n.4, p.17-48, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/tara/n4/n4a02.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2018.
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denuncia como o mito ocidental de neutralidade e objetividade, descorporificada e deslocalizada, na egopolítica do conhecimento pautado em paradigmas eurocêntricos de universalidade e fidedignidade, que disfarçam os sujeitos produtores de sentidos e saberes. A este respeito, Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez , 2010, p. 31-83. ) denomina como horizonte pós-abissal do conhecimento aquele em que a economia de valores permite a copresença das diferenças, onde os diferentes saberes não são classificados e hierarquizados. Mignolo (2003MIGNOLO, W. D. Historias locales/diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamientos fronterizos. Madri: Akal, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.ram-wan.net/restrepo/decolonial/11-mignolo-un%20paradigma%20otro.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2018.
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) denomina como horizonte fronteiriço no mundo do conhecimento, o rompimento das dicotomias provenientes do sistema-mundo-moderno-ocidental, libertando o pensamento e modos de ser de categorias rígidas estabelecidas pelos fundamentalismos hegemônico e marginais.

Quanto ao segundo texto em análise, “O nascimento de uma cavala”, ele foi traduzido para o português por Antônio Salatino, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, e publicado em 2011 pela Editora Gaia, como parte de um dos capítulos do livro “Sob o mar-vento”. Esse livro foi o primeiro escrito por Rachel Louise Carson (1907-1964) e originalmente publicado em 1941 com o nome “Under the Sea-Wind”. A autora foi uma bióloga e escritora que trabalhou como editora das publicações do Departamento de Pesca dos Estados Unidos da América do Norte, e escreveu textos para jornais e revistas como fonte alternativa de renda, assim como a redação de livros de história natural (LEAR, 2007LEAR, L. Introdução. 2007. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A. (trad.). Sob o mar-vento. São Paulo: Editora Gaia, 2011, p. 9-19.). A seguir, destacamos alguns trechos do Prefácio do livro em análise:

Sob o mar-vento, a estreia literária de Rachel Carson, começou modestamente como uma introdução de onze páginas para o folheto informativo de uma repartição governamental envolvida com a pesca. O livro assinalou o surgimento de uma das mais renomadas autoridades do século XX na literatura em língua inglesa, além de uma cientista que definitivamente mudou a forma de encarar nossa relação com a natureza. (LEAR, 2007LEAR, L. Introdução. 2007. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A. (trad.). Sob o mar-vento. São Paulo: Editora Gaia, 2011, p. 9-19., p. 9).

Carson foi apresentada como uma autoridade na literatura em língua inglesa, uma construção simbólica de sujeito-autor, que produz sentidos na leitura dos textos e se difere do imaginário construído para apresentar os saberes e o sujeito-autor dos contos indígenas, referenciados como saberes ancestrais, transmitidos aos mais jovens a partir de narrativas coletivas. No caso, quem está apresentando os textos de Carson é a biógrafa da autora, uma historiadora do campo literário, o que remete o papel das formações e memórias discursivas na produção de sentidos, na forma dela posicionar Carson e seus textos na sociedade.

Na última frase do trecho citado acima é possível também associar a demarcação da diferença e ao mesmo tempo complementaridade entre a Carson escritora de literatura e a Carson cientista. Para Orlandi (2007ORLANDI, E. Terra à vista: discurso do confronto - velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008., 2008PETTER, M. Africanismos no português do Brasil. In: ORLANDI, E. P.(org.). História das ideias linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas, SP: Pontes Editores; Cáceres, MT: Unemat Editora , 2001, p. 223-234. ) as significações estabilizadas pelo mundo científico com relação ao universo da literatura sujeito a equívocos são construções sócio-históricas, e no caso do Brasil, no contato do “velho” com o “novo” mundo, os escritos no século XVII ainda não separavam as formas de escrita do “conhecimento” e da “literatura”, pois naquele momento isso não era produtivo e os “estilos” se misturavam nos relatos dos missionários e viajantes europeus (legitimados como documentos), que abrangiam discursos da ciência, da política e da religião em um mesmo espaço simbólico do texto. Segundo ela, o efeito de dominação produzido a partir desses textos era (e ainda é) feito pela passagem do imaginário fantástico para o imaginário científico, esboçando essa diferenciação entre ficção (narrativa - literatura) e ciência (relatório - forma de escrita disciplinarizada).

Ao olharmos diferentes escritas do pensamento científico ao longo do tempo, também podemos perceber essas diferenças de compreensão e imaginários a respeito dos textos como documentos ou como ficções. Ludwik Fleck (1896-1961) escreveu sobre o estilo de pensamento na ciência a partir de descrições e comparações de pensamentos mais antigos com a ciência moderna, mostrando como o sentido que se dá entre um coletivo de pensamento pode se diferenciar de outros, historicamente. Ao apresentar descrições da química medieval, por exemplo, Fleck (2010FLECK, L. Algumas características do coletivo de pensamento na ciência moderna e Sobre o estilo de pensamento. In: FLECK, L. OTTE, G.; OLIVEIRA, M. (trad.). Gênese e desenvolvimento de um fato científico: introdução à doutrina do estilo de pensamento e do coletivo de pensamento [1935]. Belo Horizonte: Ed. Fabrefactum, 2010, p.164-201., p. 180) reflete a diferença com relação ao pensamento das ciências modernas:

[...] como seria se pudéssemos apresentar os nossos símbolos, por exemplo, o potencial, as constantes físicas, os genes da genética, aos pensadores da Idade Média? É de se supor que estes, impressionados pela sua “correção”, aceitariam estes símbolos imediatamente? Ou achariam os nossos símbolos, de maneira inversa, tão fantásticos, artificiais, e arbitrários, como nós achamos os seus?

Ele discute também a importância de se analisar arquivos originais quando se quer examinar um estilo de pensamento antigo, apresentando trechos de textos como os das ideias de Paracelso, onde descrições antigas que nos parecem metafóricas tiveram sentido quase físico no momento em que foram escritas. Ele mostra que o caminho mais próximo à verdade objetiva e a realidade em uma época pode ser considerado completamente fantasioso e arbitrário em outro momento histórico, concentrando e aprofundando sua análise a partir de escritos médicos de anatomia e fisiologia. Este autor aponta como é mais fácil perceber a parte criativa e os sistemas de expectativa nos estilos de pensamento que diferem do nosso e mobilizam diferentes paradigmas, pois os pensamentos aos quais nos filiamos e fomos educados parecem naturais por estarem estabilizados. Essa questão remete às críticas de Santos (2002SANTOS, B. de S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 63, 2002, p.237-280. Disponível em: < Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/1285 >. Acesso em: 20 dez. 2017.
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; 2010) sobre os sistemas de racionalidade moderno-ocidental que valorizam a ciência moderna produzindo outros saberes como arbitrários, crenças, intuições, quando eles compõem outros tipos de racionalidade ou outras formas de relação com o real.

No século XX, muitos epistemólogos da ciência tentaram demarcar o lugar das ciências modernas em uma posição que se distanciava da metafísica, das ideologias, da política, dos dogmas, na busca do ideal de realidade objetiva. Uma das maneiras de construir expressões de realismo e objetividade nas ciências foi e é através da linguagem. A tecnologia literária de Boyle, descrita por Steven Shapin (2013SHAPIN, S. Bomba e Circunstância: A tecnologia literária de Robert Boyle. In: SHAPIN, S.; RAMALHO, E. (trad.). Nunca Pura: Estudos históricos de ciência como se fora produzida por pessoas com corpos, situadas no tempo, no espaço, na cultura e na sociedade e que se empenham por credibilidade e autoridade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 90-117.), mostra esse empreendimento na época do empirismo. Algumas de suas ideias se fazem presentes ainda nos estilos de escrita contemporâneos nas ciências. Um exemplo é a busca da confiança do coletivo ao qual o sujeito-autor se endereça. Shapin (2013) descreve que isso foi feito por Boyle na valorização do experimento e construção do fato, através de meios expositivos que buscavam multiplicar as testemunhas de um experimento feito em laboratório, a partir da narrativa escrita. Este autor também discute o estímulo do texto, encorajando os iniciantes a tentar reproduzir os experimentos, com modéstia na narrativa para demonstrar que não se afirmava mais do que se conseguia comprovar, evitando o estilo floreado e adotando o estilo “funcional”, com termos cautelosos ao registrar princípios e explicações.

Atualmente, os papers científicos raramente abarcam tanta riqueza de detalhes e prolixidade como na época de Boyle, mas a modéstia e o estilo “funcional” ainda prevalecem e podem ser associados ao ideal de neutralidade e fidelidade factual das ciências ocidentais, que muitas vezes não situam o ego na produção do saber. No entanto, há outras propostas epistemológicas que vem sendo produzidas e legitimadas nas ciências que levam em conta a corporeidade e a geopolítica do conhecimento, implicando outras tecnologias de escrita, como as propostas feministas e decoloniais.

Neste outro trecho do prefácio do livro destacamos mais uma comparação e complementariedade entre as linguagens científica e literária, que pode dar continuidade a essa discussão:

Cada cena é descrita cientificamente, porém com tamanho encanto e maravilha que o mundo submarino fica acessível até aos leitores com mínimos conhecimentos científicos. “Sob o mar” lançou Carson como uma escritora que atrairia grande atenção por sua fala singular e cientificamente acurada, mas, ao mesmo tempo, poética e lírica. (LEAR, 2007LEAR, L. Introdução. 2007. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A. (trad.). Sob o mar-vento. São Paulo: Editora Gaia, 2011, p. 9-19., p. 10).

A escrita científica de Carson é descrita como acurada e acessível a partir do efeito literário de encanto e maravilha. Dessa forma, é possível associar a linguagem científica à descrição de uma realidade já-lá, já construída, como um instrumento de decodificação, enquanto a linguagem literária remete à poética e criação humana. Essas caracterizações podem ser relacionadas ao estudo de Bensaude-Vincent (2001)BENSAUDE-VINCENT, B. A genealogy of the increasing gap between science and the public. Public Understanding of Science, Trento, v. 10, p. 99-113, 2001. Disponível em: <Disponível em: https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1485266/mod_resource/content/1/Public%20Understanding%20of%20Science-2001-Bensaude-Vincent-99-113.pdf >. Acesso em: 28 outubro 2015.
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sobre aspectos do imaginário e construção histórica da noção de cientista e de público. Essa autora mostrou que no século XX (época das escritas de Carson) a separação entre produtores de ciência e o público foi influenciada pela cultura de massa, onde o “público” passou a ser visto como uma massa a ser informada dos avanços da ciência (profissional e institucionalizada). A autora aponta o papel da linguagem nos processos de interlocução nos séculos anteriores, onde os “iniciados” se dirigiam aos “amadores” interessados em adentrar ao campo científico (como no caso de Boyle) e depois foi se produzindo a ideia que a ciência era (e é) muito “complicada” para o “público geral”, um imaginário reforçado com a confirmação da teoria da relatividade, os avanços da mecânica quântica, etc. Para ela, tal distanciamento criou a ideia de divulgar, popularizar e apropriar as ciências e tecnologias, sendo um valor aproximar os discursos científicos dos discursos populares para garantir o apoio social, uma maior interlocução e a continuidade das atividades científicas nas sociedades.

Neste contexto, o problema passa a ser a construção da ciência enquanto conhecimento monopolista, como descreve Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez , 2010, p. 31-83. ), ao invés de parte de uma ecologia de saberes, como um dos conhecimentos pertinentes. Ciência para quem, como, onde, quando, por quê? Qual ciência? Esses questionamentos também se fazem importantes nesses processos de popularização das ciências e tecnologias, como apontou Avellaneda e Linsingen (2014AVELLANEDA, M.; LINSINGEN, I. Um olhar para a educação científica e tecnológica a partir dos estudos sociais da ciência e da tecnologia: abrindo novas janelas para a educação. In: Kreimer, P.; Vessuri, H.; Velho, L.; Arellano, A. (org.). Perspectivas latinoamericanas en el estudio social de la ciencia, la tecnología y la sociedad. 1ª ed. México/Buenos Aires: Siglo XXI editores, 2014, p. 505-518.), e neste contexto, o texto de Carson pode ser visto como uma das formas de popularizar conhecimentos produzidos em coletivos especializados e institucionalizados das ciências.

Em “O nascimento de uma cavala” a estória do peixe é contada também como uma história humana, mas de forma diferente do perspectivismo ameríndio. Os peixes são aproximados das condições afetivas humanas em suas relações entre si, com a nomeação de “pais”, “cavala-bebê”, dentre outros, mas eles não dialogam da posição sujeito-autor. A condição humana não é atribuída ao peixe cavala de forma autoral, a ‘cosmovisão’ é outra, a da ecologia, onde o protagonista-objeto é ora o ambiente e ora o peixe, e o sujeito-autor é a cientista. A estória narra os processos de nascimento e desenvolvimento inicial de uma cavala, peixe que vive no Oceano Atlântico, em águas costeiras, de uma maneira similar aos discursos de documentários e canais científicos de televisão. O nome do peixe principal é Scomber, que é o nome do gênero da cavala na classificação hierárquica das ciências biológicas (taxionomia). No entanto, o efeito de sentido de “universalidade” produzido a partir dos interdiscursos com as ciências modernas, é deslocado em momentos do texto onde os traços da cultura norte-americana são utilizados como analogias para “ilustrar” o que estava sendo descrito e aproximar o leitor. Um dos exemplos encontra-se no trecho “[...] os ctenóforos pareciam grandes frutos de groselha” (CARSON, 2011CARSON, R. L. O nascimento de uma cavala. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A.(trad.). Sob o mar-vento. São Paulo, SP: Editora Gaia, 2011, p. 86-91., p. 87), onde os frutos de groselha são usados como imagem para os ctenóforos (um filo de seres aquáticos). No Brasil não há frutos de groselha naturalmente, só em comercialização, o que torna essa analogia mais distante do imaginário e pode ampliar o efeito da polissemia na leitura, ao invés aproximar o leitor do sentido ou imagem pretendida. As metáforas também foram muito usadas no texto. A seguir, citamos algumas a partir de características espirituais e religiosas, que deslocam as descrições materiais e físicas do ambiente e do ovo de cavala em desenvolvimento, para este outro contexto discursivo:

Na reencarnação que domina o mar, na qual uma espécie é predada por outra, muitos ovos foram convertidos em matéria gelatinosa que constituía o corpo de seu inimigo. [...] estranhas procissões apressaram-se na água à medida que animais do plâncton fugiam do sol [...] (CARSON, 2011CARSON, R. L. O nascimento de uma cavala. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A.(trad.). Sob o mar-vento. São Paulo, SP: Editora Gaia, 2011, p. 86-91., p. 88-90).

Há também inúmeras referências a termos e valores da ciência moderna, que podem produzir outros sentidos dependendo das formações discursivas e contextos sócio-históricos de leitura do texto:

Por questão de milímetros, um tentáculo que buscava alimento deixou de apanhar a esfera flutuante na qual a partícula de protoplasma já tinha se dividido em oito partes - e iniciava, assim, o desenvolvimento por meio do qual uma única célula fertilizada rapidamente se transformaria em embrião de peixe. [...] Como resultado dessa agourenta estatística, pouco mais de um ovo entre mil conseguiria desenvolver-se completamente. (CARSON, 2011CARSON, R. L. O nascimento de uma cavala. In: CARSON, R. L.; SALATINO, A.(trad.). Sob o mar-vento. São Paulo, SP: Editora Gaia, 2011, p. 86-91., p. 88).

Se pudéssemos deslocar a leitura deste trecho para muitos séculos atrás, outros sentidos poderiam ser produzidos, assim como, considerando sua leitura por sujeitos que não foram “iniciados” na linguagem científica, pois os termos usados implicam em discursos das ciências modernas, da matemática, estatística e biologia. Segundo Orlandi (2007)ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007. a memória discursiva científica é gerenciada historicamente e coletivamente, a partir da divisão dos que estão autorizados a falar e dos outros que copiam, transcrevem, classificam, codificam, repetindo gestos de leitura e tratando os arquivos textuais de modo a facilitar a comunicação e reprodução dos mesmos, aproximando as referências como evidências. Ela compara o discurso religioso com o das ciências naturais, onde a interpretação seria encontrar os sentidos já dados, ou por Deus (pelas revelações), ou pela natureza (pelas experimentações), mostrando que é uma necessidade humana se relacionar com o estabilizado ou lógico para alcançar o efeito de liberdade de movimento simbólico naquilo que falta saber, que ainda pode ser produzido. Ela concluiu que apesar de qualquer discurso ser interpretável e sujeito a equívocos, desvios e polissemia, o estabilizado faz parte da necessidade do imaginário para a língua fazer sentido e no campo das ciências as diferentes disciplinas e áreas implicam diferentes relações com o real e com a interpretação. Ou seja, há sempre memórias mobilizadas no discurso e a posição de sujeito-autor permite avançar nas formulações a partir de modos de significar o já estabilizado.

No texto em análise há interdiscurso com discursos científicos e religiosos, como apresentado acima, que podem ajudar a criar um universo simbólico estabilizado (ou não), ao mesmo tempo, auxiliando o espaço simbólico para a criação, para o interpretável, que joga com a ambivalência da linguagem, com a produção de sentidos sujeita a equívocos. Por outro lado, a falta de referências aos métodos de construção do pensamento científico em voga, as teorias que embasam os argumentos e a lógica da narração, faz com que o texto seja diferente de um artigo de revista especializada, ou de um texto de livro didático, de manuais de disciplinas, etc.

Outro aspecto é a descrição das cores dos organismos, do ambiente ou de parte dos seres e células no texto, que é feita pelos nomes (verde, dourado), em seus matizes (como acinzentado), às vezes metaforicamente (como cor de âmbar, brilho frio) ou correlacionadas à luz (transparente/escuro). Essa maneira de produzir sentidos é diferente da estória Kamayurá, que associava as cores dos peixes aos frutos e sementes regionais utilizados na pintura do índio. O vermelho era a cor do urucum, o azul escuro ou preto, a cor do jenipapo. Na cultura científica ocidental as cores são associadas a nomes a partir da leitura de frações do espectro de radiação eletromagnética (que inclui a frequência, o comprimento de onda, a interação com as superfícies, etc.). Ou seja, a diferença na nomeação e significação das cores remete à importância dos contextos sócio-históricos no funcionamento da linguagem, pois o como a coloração produz sentidos, depende de onde, quando, e quem mobiliza a linguagem.

CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

A função-autor de um texto implica na mobilização de várias memórias e formações discursivas, fazendo com que uma escrita faça sentido sócio-historicamente (ORLANDI, 2003ORLANDI, E. Colonização, globalização, tradução e autoria científica. In: GUIMARÃES, E. (org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, divulgação. Campinas: PontesEditora, 2003, p. 13-19.). Ao propormos analisar uma estória oral, de uma língua do tronco Tupi, escrita e publicada em português brasileiro, no contexto da ecologia de saberes e da educação em ciências, aumenta-se não só um, mas vários pontos. Tem a questão da valorização destes saberes, não como um saber olhado por meio e/ou submetido ao saber científico, mas como outra visão de mundo, outra forma de saber produzida socialmente. Tem também o aspecto da autoria coletiva e o reconhecimento desses sujeitos atuantes no espaço simbólico e territorial brasileiro, a questão da tradução de um saber oral para a escrita, das diferentes relações entre língua/sujeito/história, e também o contexto de análise deste trabalho (acadêmico) que implica também em “outras memórias” e formas de escrita.

Da mesma maneira, analisar uma estória de Rachel Carson (1907-1964) também implica em vários pontos. A autora foi uma bióloga e escritora estadunidense cujos livros foram publicados e traduzidos para vários idiomas, sendo que o texto aqui escolhido para análise foi traduzido do inglês para o português, mobilizando outras memórias. Outro aspecto é que ela fez parte da produção da ciência moderna e da literatura ocidental, como escritora de jornais e livros, além de ter sido um dos ícones da presença feminina na ciência do século XX, com uma imagem comumente associada ao movimento ecologista e ambiental. Ela e vários outros personagens e acontecimentos foram apropriados para explicar o que aconteceu no momento histórico do final do século XX, pós-guerras e com críticas sociais ao desenvolvimento científico-tecnológico e aos impactos socioambientais decorrentes dos mesmos. Segundo Avellaneda e Linsingen (2014AVELLANEDA, M.; LINSINGEN, I. Um olhar para a educação científica e tecnológica a partir dos estudos sociais da ciência e da tecnologia: abrindo novas janelas para a educação. In: Kreimer, P.; Vessuri, H.; Velho, L.; Arellano, A. (org.). Perspectivas latinoamericanas en el estudio social de la ciencia, la tecnología y la sociedad. 1ª ed. México/Buenos Aires: Siglo XXI editores, 2014, p. 505-518.) academicamente este momento foi denominado como movimento CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) e a educação CTS surgiu no decorrer deste contexto.

Com todos estes fatores apontados acima, destacamos que as leituras discursivas realizadas podem ser colocadas ora do lado de cá e ora do lado de lá das linhas abissais no mundo do conhecimento, como proposto por Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez , 2010, p. 31-83. ), com relação aos saberes que são visibilizados ou invisibilizados nos sistemas de valores contemporâneos. Pois escrevemos em um contexto das ciências institucionalizadas no mundo moderno-contemporâneo ocidental e ao mesmo tempo questionamos pensamentos e maneiras de ler e escrever nas ciências, como as formas não situadas e descorporificadas.

Ao buscarmos relacionar trechos dos textos analisados e da introdução e prefácio dos livros em que foram publicados com discursos religiosos, políticos, científicos, propomos visibilizar e problematizar as maneiras de significar que se sobrepõem ao outro, para possibilitar um primeiro passo no rumo da ecologia de saberes, o de reconhecer a colonialidade para depois exercitar a copresença. Compreendemos que nos textos e trechos analisados foi possível mobilizar memórias discursivas (relações com o já dito) tanto na perspectiva dos discursos teológico clássico e libertário, como na perspectiva dos discursos coloniais e decoloniais, na maneira de apresentar os indígenas e seus saberes. Neste contexto, os estudos críticos que questionam o papel das instituições (como as político-administrativas, religiosas, científicas, etc.) na construção da nossa sociedade, merecem também ser contextualizados, pois o papel regulador é necessário socialmente e a produção de imaginários de unidade tem seu papel também positivo na significação humana. Em síntese, as compreensões produzidas são possibilidades de leitura e questionamentos históricos e atuais, e não significam um juízo de valor sobre a intenção empírica dos sujeitos-autores dos textos ou a negação dos papéis sociais das instituições.

Outro ponto é a visibilidade da ambivalência da linguagem, como no caso literário das estórias e narrativas que explicitam a opacidade da linguagem, questionando o lugar da literalidade e universalidade de sentidos, ou uma verdade única. Isso faz com que os estudos da linguagem também possam auxiliar na problematização das visões epistemológicas nas ciências, ao questionar o lugar hegemônico de distinção universal entre verdadeiro e falso associado às ciências modernas, como apontou Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez , 2010, p. 31-83. ). Se as ciências se produzem a partir da linguagem e ela é opaca (o sentido não é literal, não se esgota), por mais que as ciências busquem a literalidade e objetividade nas descrições dos conhecimentos, isso não é possível, pois ao mobilizar a língua e os discursos, há confronto de sentidos e memórias sócio-historicamente. E este confronto também que possibilita as ciências evoluírem dentro de seus padrões estabilizados e homogeneizados. Assim, não tem como falar das ciências sem abordar outras dimensões que produzem o conhecimento, não só o pretenso factual e literal que une a palavra à coisa, silenciando os trânsitos simbólicos possíveis, a polissemia no funcionamento da linguagem que produz os saberes situados no tempo e no espaço, e a partir das interlocuções.

Neste contexto, ler um texto de ciências e um texto de literatura pode ser polissêmico da mesma maneira. O que muda são os efeitos dos contextos sócio-históricos de leitura, as interações entre interlocutores, as formações discursivas e memórias mobilizadas nos momentos de leitura. Uma sala de aula de ciências pode restringir a polissemia pela coerção de sentidos, pela estabilização das ciências e da educação científico-tecnológica nas instituições de produção e circulação desses conhecimentos. Neste contexto, ler um texto literário pode “permitir” a visibilização da polissemia, onde os estudantes podem sentir-se mais livres para interpretar e não responder à pergunta da maneira que se quer ouvir, a resposta já dada pela coerção e estabilização das formações discursivas das ciências e das instituições escolares. As características culturais também podem ser ressaltadas com maior naturalidade, o que pode ser usado para questionar as questões culturais também envolvidas na produção científico-tecnológica, auxiliando uma educação em ciências mais humanizada. Pois, ao se implicar nas estruturas de poder sociais, é possível abordar as dimensões políticas da produção, circulação, valorização e legitimação de saberes.

Além disso, é possível pensar a leitura a partir de outras materialidades e corporeidades, problematizando também a questão da escrita e das línguas nas escolas e universidades, para abarcar outras memórias e formas de produção e circulação de saber, inclusive no campo das ciências naturais e exatas.

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  • 1
    Entre os trabalhos consultados destacamos o de Andrade e Martins (2006)ANDRADE, I.; MARTINS, I. Discursos de professores de ciências sobre leitura. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 121-151, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/cref/ojs/index.php/ienci/article/view/491/293 >. Acesso em: 18 mar. 2017.
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    http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150...
    .
  • 2
    De acordo com Faraco (2003)FARACO, C. A. Zellig Harris: 50 anos depois. Revista Letras, Curitiba, n. 61, p. 247-252, 2003. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/2889/2371 >. Acesso em: 04 mai. 2018.
    https://revistas.ufpr.br/letras/article/...
    , Zellig Harris foi o primeiro autor a usar a expressão “discourse analysis”, traduzida como análise do discurso ou análise de discurso. Neste trabalho nos fundamentamos principalmente na linha dos trabalhos de Michel Pêcheux e seu grupo e de Eni OrlandiORLANDI, E. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: Pontes , 2001..
  • 3
    O perspectivismo ameríndio descrito por Viveiros de Castro (1996) foi baseado no estudo de diferentes povos ameríndios, principalmente na floresta amazônica. O autor não cita os Kamayurá, mas suas ideias se aproximam dos efeitos de sentido da nossa leitura do texto. Destacamos que essa concepção de alteridade do sujeito dialoga com a noção de sujeito da análise de discurso, que funciona como agente na interlocução, mobilizando a língua, as memórias e discursos que significam o real e fazem sentido sócio-historicamente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2019
  • Aceito
    30 Jul 2019
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