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ESCOLA DE FÍSICA CERN: UMA ANÁLISE DO DISCURSO À LUZ DA EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK FLECK

ESCUELA DE FÍSICA CERN: UN ANÁLISIS DEL DISCURSO DESDE EL PUNTO DE VISTA DE LA EPISTEMOLOGÍA DE LUDWIK FLECK

RESUMO:

Neste trabalho a epistemologia de Ludwik Fleck é empregada para interpretar a socialização do conhecimento entre cientistas e professores participantes de um curso de curta duração denominado “Escola de Física CERN”. Defende-se que esses dois grupos de sujeitos, cientistas do CERN e professores brasileiros de Física, do Ensino Médio, constituem, segundo a análise da sua interação, um único coletivo de pensamento. Os cientistas estariam no círculo esotérico e os professores no círculo exotérico. As interações entre esses dois círculos ocorrem por meio de circulações intracoletivas de ideias, sendo que os conhecimentos socializados são majoritariamente científicos (e, ademais, não pedagógicos), estando inscritos nas formações discursivas das ciências dos periódicos e dos manuais.

Palavras-chave:
Ludwik Fleck; Escola de Física CERN; interação professor-cientista

RESUMEN:

Este trabajo utiliza la epistemología de Ludwik Fleck para interpretar la socialización del conocimiento entre científicos y profesores que han participado de un curso de corta duración llamado “Escuela de Física CERN”. Se sostiene que estos dos grupos de sujetos, científicos del CERN y profesores brasileños de física de Enseñanza Media, constituyen, según el análisis de la interacción, un único colectivo de pensamiento. Los científicos estarían en el círculo esotérico de interacción, ya los profesores estarían en el círculo exotérico. Las interacciones entre estos dos círculos ocurren a través de circulaciones intracolectivas de ideas, y los conocimientos socializados son mayoritariamente científicos (y, además, no pedagógicos), siendo inscritos en las formaciones discursivas de las ciencias de revistas y de los manuales.

Palabras clave:
Ludwik Fleck; Escuela de física CERN; interacción profesor-científico

ABSTRACT:

In this study, Ludwik Fleck’s epistemology is used to interpret the socialization of knowledge between scientists and teachers participating in a short course called “CERN Portuguese Language Teachers Program”. We argue that the two groups of subjects whose interaction is investigated — CERN scientists and high school physics teachers — constitute a single thought collective, with CERN researchers comprising the esoteric circle and the teachers comprising the exoteric circle. The interactions between these two circles occur through intracollective communication, and the socialized knowledge is mostly scientific, not pedagogical, and inscribed in the discursive formations of the sciences of journals and handbooks.

Keywords:
Ludwik Fleck; CERN Portuguese Language Teachers Program; teacher-scientist partnership

INTRODUÇÃO

A Escola de Física CERN (EF-CERN) é um curso de curta duração destinado a professores de Física, da educação básica e que estejam em serviço. Ela está localizada nas instalações da própria Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), onde o curso é ministrado pelos cientistas a ela vinculados. A EF-CERN oferece uma formação intensiva, distribuída e organizada ao longo de uma semana,1 1 Faz referência ao período em que em que as atividades e o intercâmbio eram presenciais, nas instalações do CERN, em Genebra. Após 2019, em função da crise sanitária mundial decorrente da pandemia de Covid-19, houve uma suspensão das atividades presenciais. no segundo semestre de cada ano e com carga horária total de 60 horas/aula. Desde 2009, o curso já foi frequentado por mais de 200 professores brasileiros (Abreu, 2015Abreu, P.T. As escolas de professores no CERN em língua portuguesa(2015). In N. M. D. Garcia (org.). Nós, professores brasileiros de física do Ensino Médio, estivemos no CERN. (pp. 37-58). Editora Livraria da Física.). A programação do EF-CERN é constituída por palestras sobre as pesquisas desenvolvidas no CERN e temas em aberto na Física de partículas, bem como por um minicurso teórico envolvendo tópicos de Física nuclear e de partículas. Também estão previstas visitas técnicas às instalações do CERN, das quais são parte o centro de processamento de dados, detectores e aceleradores, incluindo o Grande Colisor de Hádrons (LHC) (Garcia, 2015Garcia, N. M. D. A Escola de Física CERN e sua contribuição na formação de professores brasileiros de Física do Ensino Médio (2015). In N. M. D. Garcia (org.). Nós, professores brasileiros de física do Ensino Médio, estivemos no CERN. (pp. 59-82). Editora Livraria da Física.). Uma oficina envolvendo a confecção de uma câmara de nuvens utilizando materiais de baixo custo também é oferecida. A edição da EF-CERN da qual os professores brasileiros participam é ministrada em língua portuguesa e tem a presença de professores de outros países luso falantes.

Apesar de já ter sido ofertada em diversas oportunidades, são poucos os trabalhos que investigam os efeitos da EF-CERN no desenvolvimento profissional docente de seus participantes. Como exemplos, destacam-se o trabalho de Londero (2014Londero, L. (2014). Implicações da Escola de Física CERN para a prática pedagógica de professores. Revista Tecné, Episteme y Didaxis, número especial, 588-594. https://doi.org/10.17227/01203916.3361
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), que analisou as características da abordagem da física de partículas em sala de aula por professores participantes da EF-CERN e o trabalho de Denardin et al. (2019Denardin, L., Lima, R. W. M. & Harres, J. B. S. (2019). Evolução do perfil acadêmico-profissional de professores brasileiros participantes da escola de física do CERN em língua portuguesa. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, 12(3), 58-77. https://doi.org/10.3895/rbect.v12n3.7517
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), que mapearam a evolução do perfil acadêmico-profissional de 103 participantes do curso supracitado. Além disso, Costa et al. (2021Costa, T. Q., de Mello Arruda, S., & Dias, M. M. P. (2021). A formação de professores na Escola de Física do CERN: uma análise a partir dos focos da aprendizagem do professor pesquisador. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 38(2), 1230-1250. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e74782
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) analisaram os indícios de aprendizagem de um participante da EF-CERN à luz dos focos da aprendizagem do professor pesquisador.

Nessa esteira, este trabalho tem como objetivo interpretar à luz da epistemologia de Ludwik Fleck, a socialização do conhecimento entre cientistas e professores que participaram da EF-CERN. Para tanto, professores de duas edições distintas da EF-CERN foram entrevistados e seus discursos analisados por meio da Análise do Discurso da linha Francesa (AD). Alguns trabalhos da área da educação em ciências já discutiram a articulação entre a epistemologia de Fleck com a AD (Nascimento, 2005Nascimento, T. G. (2005). Contribuições da análise do discurso e da epistemologia de Fleck para a compreensão da divulgação científica e sua introdução em aulas de ciências. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, 7(2), 1-18. http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172005070206
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) ou com a teoria de Bakhtin (Setlik & Silva, 2021Setlik, J., & da Silva, H. C. (2021). Circulação de Conhecimentos e a Produção de Fatos Científicos: Propondo uma Trajetória Analítica para Textos em Educação em Ciências. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, e24858, 1-33. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2021u97129
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). Aquele fez uso da articulação para compreender a divulgação científica, ao passo que esse propõe uma trajetória analítica para textos que exploram conhecimentos científicos.

A epistemologia de Fleck se justifica como referencial teórico deste trabalho, uma vez que o autor procura elucidar o tráfego de ideias e práticas de uma determinada área do saber entre especialistas, profissionais com formação geral e leigos. O autor entende o conhecimento não apenas como um produto social e histórico, uma vez que um sujeito leva para o campo do saber pressupostos de uma forma coletiva particular de percepção (acoplamentos ativos). Contudo, também existe o que Fleck denomina de acoplamentos passivos que são resultados inevitáveis e independem de aspectos sociais, históricos e do estado do conhecimento, sendo “percebido como realidade objetiva” (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora., p.83). Além disso, Fleck apresenta categorias como coletivo e estilo de pensamentos, círculos eso e exotéricos e circulações intra e intercoletivas de ideias, conceitos pertinentes à compreensão das interações no âmbito da EF-CERN.

A epistemologia fleckiana tem sido utilizada como aporte teórico para pesquisas brasileiras na área da educação em ciências desde a década de 1990 (Lorenzetti et al., 2013Lorenzetti, L., Muenchen, C., & Slongo, I. I. P. (2013). A recepção da epistemologia de fleck pela pesquisa em educação em ciências no Brasil. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 15(3), 181-197. https://doi.org/10.1590/1983-21172011150311
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) e revisões de literatura como a de Lorenzetti et al. (2018)Grotzer, T. A. (n.d). Teaching and Research: Not Such an Easy Marriage. https://bit.ly/2Uv2pcn.
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e Souza & Martins (2021Souza, B., & Martins, A. (2021). Um panorama da epistemologia de Ludwik Fleck em periódicos brasileiros da área de pesquisa em ensino de ciências. Revista Insignare Scientia, 4(6), 84-105. https://doi.org/10.36661/2595-4520.2021v4i6.12368
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) sinalizam a pertinência do seu uso na área. Como exemplos, a teoria fleckiana tem sido empregada para analisar a prática docente e a formação de professores (Gonçalves et al., 2007Gonçalves, F. P., Marques, C. A., & Delizoicov, D. (2007). O desenvolvimento profissional dos formadores de professores de Química: contribuições epistemológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 7(3).); para explorar aspectos associados à comunicação e divulgação científicas (Nascimento, 2005Nascimento, T. G. (2005). Contribuições da análise do discurso e da epistemologia de Fleck para a compreensão da divulgação científica e sua introdução em aulas de ciências. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, 7(2), 1-18. http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172005070206
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; Nobre-Silva & Silva, 2020Nobre-Silva, N. A., & da Silva, R. R. (2020). A circulação de ideias realizada por meio das atividades de divulgação científica em sala de aula: um estudo das publicações em periódicos brasileiros. # Tear: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, 9(2), 1-20.); para analisar a emergência de fatos científicos, como o uso da insulina em pacientes diabéticos (Heidrich & Delizoicov, 2009Heidrich, D. N., & Delizoicov, D. (2009). Fleck e a construção do conhecimento sobre Diabetes Mellitus e insulina: contribuições para o ensino. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 9(2).) ou na tentativa de Joule em substituir o motor a vapor pelo elétrico (Queirós et al., 2014;) e se articula com a era da pós-verdade (Martins, 2020a; Saito, 2020Saito, M. T. (2020). A noção de verdade e a circulação do conhecimento científico em Fleck: elementos para uma reflexão sobre a era da pós-verdade. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1217-1249. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1217
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).

A EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK FLECK

Grande parte da teoria epistemológica de Ludwik Fleck está concentrada em seu livro Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico, publicado em 1935; contudo, o autor discute a filosofia da ciência em outros artigos (Martins, 2020bMartins, A. F. P. (2020b). A obra aberta de Ludwik Fleck. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 20(1), 1197-1226. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u11971226
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).

Para Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), o conhecimento é um produto social por excelência e a ciência se desenvolve de forma coletiva; de maneira que o “portador do saber é um coletivo bem-organizado, que supera de longe a capacidade de um indivíduo” (p. 85). Um dos conceitos fundamentais da sua teoria é o estilo de pensamento (EP), que pode ser entendido como uma:

[...] percepção direcionada em conjunção com o processamento correspondente no plano mental e objetivo. Esse estilo é marcado por características comuns dos problemas que interessam a um coletivo de pensamento; dos julgamentos, que considera como evidentes e dos métodos, que aplica como meios do conhecimento. É acompanhado, eventualmente, por um estilo técnico e literário do sistema do saber (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora., p. 149).

O EP pode ser entendido como o conjunto de práticas e conhecimentos comuns a um determinado coletivo de pensamento (CP). Os CPs dizem respeito a grupos de indivíduos de um determinado campo do saber que desenvolvem um certo tipo de cumplicidade por pensarem de forma similar. O CP é o portador comunitário do EP, no qual técnicas, jargões e termos específicos e consensuais daquele EP são socializados, formando um sistema de códigos específicos e um culto ideal de verdade (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.).

Para Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), os CPs não são homogêneos, mas formados pelos círculos esotérico e exotérico, sendo, cada um deles, constituído por diversas camadas. O círculo esotérico é mais fechado e formado por especialistas. É nele que o conhecimento de uma determinada área é produzido. Ao seu derredor está o círculo exotérico, constituído por leigos, leigos formados, enfim, a opinião pública de maneira geral. Nele, o conhecimento produzido pelos especialistas é estilizado, simplificado e difundido de distintas formas (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.). Os círculos de um CP se relacionam a partir da fidedignidade e confiança nos especialistas, de um lado, e na dependência da opinião pública, de outro (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.). Assim, existe uma relação de interdependência entre os círculos eso e exotérico que fortalece o EP, uma vez que o “saber popular é que forma a opinião pública a respeito do saber especializado, cristalizando, legitimando e propagando uma imagem simplificada deste.” (Saito, 2020Saito, M. T. (2020). A noção de verdade e a circulação do conhecimento científico em Fleck: elementos para uma reflexão sobre a era da pós-verdade. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1217-1249. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1217
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, p.1237). Contudo, o círculo exotérico também mune o círculo dos especialistas por meio de “noções e esquemas (linguísticos, perceptuais e mentais) básicos” (Saito, 2020Saito, M. T. (2020). A noção de verdade e a circulação do conhecimento científico em Fleck: elementos para uma reflexão sobre a era da pós-verdade. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1217-1249. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1217
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, p.1240).

Em geral, um indivíduo faz parte de poucos círculos esotéricos e de muitos exotéricos. Isso ocorre pelo fato de o EP em um determinado círculo esotérico ser restrito aos especialistas da área, o que acaba levando a processos coercitivos; ou seja, para um indivíduo pertencer a esse círculo, ele deve se especializar no conhecimento socializado no respectivo CP (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.). O EP é compartilhado no interior de um determinado CP por meio da circulação intracoletiva de ideias e práticas. Oliveira (2012Oliveira, B. J. Os círculos de Fleck e a questão da popularização da ciência (2012). In M. L. L. Condé(org.) Ludwik Fleck: Estilos de pensamento na ciência. (pp. 121-144). Fino Traço.) denomina de tráfego intraesotérico2 2 As expressões ‘tráfego intraesotérico’ e ‘tráfego intraexotérico’ são denominações utilizadas por Oliveira (2012) e não constam na obra original de Fleck (2010). a instância da circulação intracoletiva de ideias que ocorre no interior de um círculo esotérico e que objetiva reforçar as particularidades do EP que caracterizam o respectivo CP (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), de maneira que os termos, técnicas e métodos estejam bem definidos e consensuais entre seus integrantes. A circulação intracoletiva de ideias do círculo esotérico para o exotérico visa legitimar os processos e conhecimentos produzidos pelos especialistas frente à população em geral. A circulação intracoletiva de ideias que se estabelece no interior do círculo exotérico é chamada de tráfego intraexotérico (Oliveira, 2012Oliveira, B. J. Os círculos de Fleck e a questão da popularização da ciência (2012). In M. L. L. Condé(org.) Ludwik Fleck: Estilos de pensamento na ciência. (pp. 121-144). Fino Traço.) e contribui para a cristalização e propagação do saber popular (Saito, 2020Saito, M. T. (2020). A noção de verdade e a circulação do conhecimento científico em Fleck: elementos para uma reflexão sobre a era da pós-verdade. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1217-1249. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1217
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). Fleck (2010)Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora. preconiza que o conhecimento popular do círculo exotérico advém do conhecimento especializado produzido no círculo esotérico, de maneira que o “saber popular forma a opinião pública específica e a visão de mundo, surtindo, dessa forma, um efeito retroativo no especialista” (p. 166). Independente da dimensão da circulação intracoletiva de ideias, ela sempre fortalece o EP.

Denominam-se de circulação intercoletiva de ideias e práticas as socializações de pensamentos entre distintos CPs. O fato de um indivíduo integrar, ao longo da vida, vários CPs faz com que ele seja um veículo desse tráfego intercoletivo de pensamento. Para Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), a circulação intercoletiva de ideias faz com que conceitos referentes a um EP ingressem em outros CPs, de maneira que “qualquer tráfego intercoletivo de pensamento traz consigo um deslocamento ou uma alteração dos valores do pensamento” (p. 161). Quanto mais próximos forem dois CPs, mais intensa será a circulação intercoletiva de ideias e vice-versa, de maneira que:

O estilo de pensamento alheio tem ares de misticismo, as questões rejeitadas por ele são consideradas exatamente como as mais importantes, as explicações como não comprovadas ou errôneas e os problemas, muitas vezes, como brincadeira sem importância ou sem sentido. (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora., p. 161).

A epistemologia fleckiana também prevê que o EP da Ciência pode se apresentar por meio de quatro formas sociais do saber, sendo elas: a ciência dos periódicos; a ciência dos manuais; a ciência dos livros didáticos e a ciência popular.

A ciência dos periódicos está relacionada ao conhecimento socializado entre os especialistas de um CP e envolve os trabalhos mais recentes. Por essa razão, a ciência dos periódicos é caracterizada pela falta de consenso, uma vez que traz hipóteses não conclusivas de pesquisas em andamento. Esse conhecimento geralmente fica restrito ao círculo esotérico, tendo caráter provisório, incerto, fragmentado, mas, ao mesmo tempo, inovador e se relaciona diretamente com quem o produziu.

A segunda forma de conhecimento é a ciência dos manuais. Ela apresenta o conhecimento sistematizado e consensual de um determinado CP. A ciência dos manuais é impessoal e é tomada como referência para o CP, de maneira que ela exerce mecanismos coercitivos e impositivos, procurando trazer estabilidade ao EP dos iniciados e direcionando a formação dos iniciantes (Fleck, 2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.; Oliveira, 2012Oliveira, B. J. Os círculos de Fleck e a questão da popularização da ciência (2012). In M. L. L. Condé(org.) Ludwik Fleck: Estilos de pensamento na ciência. (pp. 121-144). Fino Traço.).

Segundo Oliveira (2012Oliveira, B. J. Os círculos de Fleck e a questão da popularização da ciência (2012). In M. L. L. Condé(org.) Ludwik Fleck: Estilos de pensamento na ciência. (pp. 121-144). Fino Traço.), o EP é tratado de forma mais abrangente e simplificada nas esferas da ciência popular e da ciência dos livros didáticos. A ciência popular é a forma mais básica e ampla de apresentar o conhecimento relacionado a um determinado CP. É a ciência socializada no círculo exotérico, direcionada para os leigos e que municia a maior parte das áreas do saber. Os conhecimentos socializados na dimensão da ciência popular são dados como verdades, podendo serem aceitos ou negados, mas nunca contestados. Para Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), a ciência popular “se apresenta, graças à simplificação, ao caráter ilustrativo e apodítico, de uma forma segura, mais bem-acabada e sólida” (p. 166).

Segundo Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), não é a ciência popular, mas sim a ciência dos livros didáticos a responsável por fazer a introdução na ciência e o faz por meio de métodos pedagógicos específicos, contudo o teórico não aprofunda essa quarta forma social de pensamento em sua obra.

Com essas quatro maneiras de dimensionar o EP e com as formas de circulação de ideias, Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.) deixa evidente o caráter social da ciência, assumindo que, para a teoria do conhecimento, “é particularmente importante que a posição fixa tenha um caráter mais exotérico do que aquela tida como mais provisória, o que é significativo para a hegemonia da massa sobre a elite no coletivo democrático do pensamento” (p. 178-179).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO DISCURSO

Este artigo decorre de uma pesquisa de natureza qualitativa do tipo estudo de caso (Yin, 2001Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: Planejamento e métodos. Bookman.), pois visa compreender um fenômeno pouco investigado (a EF-CERN), a partir da perspectiva dos sujeitos com ela envolvidos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas por videoconferência e posteriormente transcritas, cujo roteiro é apresentado no Apêndice. Nessas, o pesquisador pode realizar perguntas que não havia elaborado previamente, ou mudar o rumo da entrevista para que os respondentes aprofundem e detalhem suas respostas (Gray, 2012Gray, D. E. (2012). Pesquisa no mundo real. Penso Editora.). As entrevistas tiveram duração entre 2 h40 min e 2h50 min. Assim, o corpus de pesquisa foi constituído por entrevistas de uma amostra intencional de seis professores de física que participaram de duas edições distintas da EF-CERN. O convite para participar da pesquisa foi enviado, por e-mail, a todos os participantes das diversas edições da EF-CERN. Tal convite foi gentilmente encaminhado pelo responsável pela EF-CERN junto à Sociedade Brasileira de Física, após a solicitação dos autores deste trabalho.

Segundo Zimmermann & Silva (2014Zimmermann, N., & Silva, H. C. D. (2014). O mecanismo de antecipação aplicado à análise discursiva de entrevistas: imaginários de leitura de professores na educação científica. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 16(2), 33-51. https://doi.org/10.1590/1983-21172014160202
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), as entrevistas não são concebidas apenas como meio para se obterem informações, bem como preconizam que as condições de produção dos discursos dependem do entrevistador, dos entrevistados e do contexto das entrevistas. No caso deste trabalho, as entrevistas têm como tema a EF-CERN, contudo os discursos produzidos durante esse procedimento podem ser influenciados pela relação assimétrica existente entre entrevistador e entrevistados, uma vez que aquele é pesquisador da área da educação em ciências, vinculado a uma universidade, e estes, professores da educação básica. Segundo Zimmermann & Silva (2014Zimmermann, N., & Silva, H. C. D. (2014). O mecanismo de antecipação aplicado à análise discursiva de entrevistas: imaginários de leitura de professores na educação científica. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 16(2), 33-51. https://doi.org/10.1590/1983-21172014160202
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, p. 40-41) “essa assimetria remonta a uma relação entre universidade-escola historicamente construída e que repercute nas formações imaginárias que podem presidir a troca de palavras entre os interlocutores, quanto às posições ocupadas no momento das entrevistas[...]”.

O Quadro 1 apresenta algumas características dos participantes da pesquisa.3 3 Por questões éticas, os professores serão identificados com os seguintes pseudônimos: Clemer, Marcos Antônio, Paulo César, Iarley, Rafaela e Fernando. A não referência ao ano em que eles participaram do EF-CERN é proposital, para que suas identidades sejam preservadas.

Quadro 1
Perfil dos participantes da pesquisa

O professor Fernando foi entrevistado quatro anos após ter participado da EF-CERN. A sua entrevista foi a primeira a ser realizada e serviu como estudo piloto para as subsequentes. Contudo, a relevância das respostas do professor Fernando para o estudo foi tão significativa que se optou por incluir sua entrevista no corpus de análise. Os demais professores foram entrevistados em duas oportunidades. A primeira ocorreu dias antes da participação da EF-CERN, e a segunda entre treze e dezessete meses após a participação. Por este trabalho ser um recorte de uma pesquisa mais ampla, a análise aqui apresentada utiliza, majoritariamente, transcrições das entrevistas realizadas após a participação dos professores na EF-CERN, motivo que reforça a pertinência de incluir o professor Fernando como participante da pesquisa. Os poucos trechos das entrevistas anteriores ao curso são destacados no texto.

Como dispositivo teórico-analítico foi utilizada a Análise do Discurso (AD) da linha francesa de Michel Pêcheux (Brandão, 2014Pêcheux, M. (2014). Análise de discurso: Textos escolhidos por Eni Orlandi. Pontes Editores.; Pêcheux, 1997, 2006, 2014; Orlandi, 2008Orlandi, E. P. (2008). Discurso e Leitura. Cortez: autores associados., 2015) que mobilizou como referencial teórico principal a epistemologia de Fleck. A AD de linha francesa tem base epistemológica constituída pelo tripé 4 4 Da Linguística, extrai-se a mudança no objeto de análise, deslocando-o do domínio textual para o do discurso; do Materialismo Histórico, destacam-se a visão dialética e o conceito de ideologia; por seu turno, as questões da construção do sujeito a partir do outro e do inconsciente são oriundas da Psicanálise (Orlandi, 2015). É com base na articulação dessas três áreas do conhecimento que a epistemologia da AD de Michel Pêcheux se constitui. Linguística, Materialismo Histórico e Psicanálise. A escolha desse campo de estudo se deve às possibilidades epistemológicas de compreensão do sentido dos discursos dos professores que participaram da pesquisa. A AD implica articulação do dispositivo teórico com o analítico, ou seja, um dos pressupostos da AD é o de que não existe um único sentido no discurso, sendo tarefa do analista compreender as diferentes possibilidades de sentido, a partir da articulação dialética entre os pressupostos teórico-metodológicos. Para melhor compreensão dessa proposta, explicitam-se alguns dos principais conceitos que são mobilizados nesta análise: condições de produção, formação discursiva, forma-sujeito, posição-sujeito, formação imaginária e formação ideológica.

Para entender os sentidos do discurso, um dos primeiros aspectos a serem considerados são as condições de produção em que o discurso ocorre. Isso significa dizer que, além dos elementos linguísticos, é necessário considerar os elementos da materialidade da realidade, o que inclui considerar o contexto sócio-histórico em que os discursos são produzidos (Leandro-Ferreira, 2020Leandro-Ferreira, M. C. (Org.). (2020) Glossário de Termos do Discurso. Pontes Editores.). Nesse sentido, todo discurso está materialmente inserido numa historicidade e o sujeito representa um lugar de onde se fala (Brandão, 2014Brandão, H. H. N. (2014). Introdução à análise do discurso. Editora da UNICAMP.). Assim, os efeitos de sentido dos discursos, entre seus interlocutores, decorrem das condições de produção (Pêcheux, 2006Pêcheux, M. (2006). O discurso. Estrutura ou acontecimento. Pontes Editores.). Portanto, as condições de produção neste estudo envolvem o contexto das entrevistas e estão sendo determinadas pelo detalhamento da situação em que ocorre a EF-CERN, tendo em vista a formação de professores, o que implica considerar as realidades europeia e brasileira, cujos espaço e período histórico são anteriores à pandemia da COVID-19. Essas condições estão inseridas na formação social capitalista, a partir das relações de produção que estabelecem uma sociedade.

Ao se realizar uma comunicação sob determinadas condições de produção, considera-se, também, uma formação imaginária, que diz respeito a dados como: de onde se fala, quem fala, quando fala, de que maneira se fala - a partir de uma antecipação na interlocução com o outro, ou seja, produz-se uma imagem do que o outro deve ouvir e como vai ouvir (Zimmermann & Silva, 2014Zimmermann, N., & Silva, H. C. D. (2014). O mecanismo de antecipação aplicado à análise discursiva de entrevistas: imaginários de leitura de professores na educação científica. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 16(2), 33-51. https://doi.org/10.1590/1983-21172014160202
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). De forma direta ou indireta, aí se estabelecem relações de poder dependendo da posição que o sujeito ocupa e da imagem que deve produzir no seu dizer. Em outras palavras, estas são relações estabelecidas e que decorrem de projeções, antecipações, que caracterizam a formação imaginária (Leandro-Ferreira, 2020Leandro-Ferreira, M. C. (Org.). (2020) Glossário de Termos do Discurso. Pontes Editores.; Orlandi, 2015Orlandi, E. P. (2015). Análise de discurso. Pontes Editores.).

A representação da formação imaginária estará indissociavelmente relacionada à formação ideológica (FI). Esta pode ser considerada quando, a partir da formação social, das condições de produção e do lugar discursivo, os sentidos do discurso apontam na direção em que se evidencia a contradição oriunda da luta de classes, ou seja, implica na defesa de interesses diferentes e que representam projetos societários antagônicos. Em outras palavras, a FI representa a defesa de determinada posição de classe a partir da formação social na qual se insere. Para Pruinelli (2020Pruinelli, A. M. Formação ideológica (2020). In M. C. Leandro-Ferreira(org.). Glossário de Termos do Discurso. Pontes Editores.), a FI pode ser compreendida como “uma série de dizeres, rituais, práticas, representações que, de acordo com a formação social vigente, instaura posições de classe, a partir das relações estabelecidas entre os sujeitos” (p. 121). Para melhor compreensão da FI, é necessário considerar a função dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) nesse esquema. Tais aparelhos, segundo Althusser (1999Althusser. L. (1999). Sobre a reprodução. Vozes.), têm a função de garantir “a reprodução das relações de produção que, ao mesmo tempo, são relações de exploração” (p. 225). O resultado da ação dos AIE é a interpelação ideológica do sujeito, que ocorre inevitavelmente a partir das relações de produção da formação social que se estrutura.

As FI estarão relacionadas a determinadas formações discursivas (FD). Essas se caracterizam pelo dizer hegemônico de um grupo ou de uma classe, de forma que aquele dizer as representa. Nos termos da AD, aquilo que pode e deve ser dito, sob as circunstâncias em que a comunicação ocorre (Brandão, 2014Brandão, H. H. N. (2014). Introdução à análise do discurso. Editora da UNICAMP.; Pêcheux, 1997Pêcheux, M. (1997). Semântica e discurso: Uma crítica a afirmação do óbvio. UNICAMP.), ou seja, o que se diz deve estar alinhado com um tipo de ideologia - crenças, valores, práticas, saberes reconhecidos, que são compartilhados socialmente por aqueles que se identificam com uma dada FD. Logo, o EP fleckiano pode ser entendido, à luz da AD, como uma FD.

A FD contempla uma ou mais posições-sujeito, o que não significa afirmar que todos os dizeres de uma mesma FD sejam consensuais ou uniformes, pelo contrário; existe um espaço para as diferenças, contradições, divergências. Nesse sentido, a FD é marcada pela heterogeneidade, embora disponha da forma-sujeito, essa instância que assegura a identificação e constituição da FD (aquilo que regula o que pode ou deve ser dito e que foi feito referência anteriormente). Esta heterogeneidade resulta na possibilidade de existência de diferentes posições-sujeito numa mesma FD, o que garante o movimento do dizer e os deslizes de sentidos produzidos no e pelo discurso. Esses conceitos básicos serão articulados com os resultados de pesquisa.

ESCOLA DE FÍSICA CERN: ARTICULAÇÕES ENTRE A EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK FLECK E A ANÁLISE DO DISCURSO

Para compreender os efeitos de sentido do discurso é necessário considerar as condições de produção do mesmo, que envolvem duas dimensões: o contexto imediato e o amplo (Orlandi, 2015Orlandi, E. P. (2015). Análise de discurso. Pontes Editores.). Acerca do contexto imediato, faz-se necessário destacar que as entrevistas foram sobre a EF-CERN e os discursos produzidos pelos professores são influenciados por formações imaginárias historicamente construídas que remetem a relações de poder entre universidade e escola. Segundo Zimmermann & Silva (2014Zimmermann, N., & Silva, H. C. D. (2014). O mecanismo de antecipação aplicado à análise discursiva de entrevistas: imaginários de leitura de professores na educação científica. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 16(2), 33-51. https://doi.org/10.1590/1983-21172014160202
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) essas formações imaginárias remetem ao fato de a escola ter seu valor social minimizado, uma vez que apenas reproduz o conhecimento legítimo produzido na universidade. O fato de o entrevistador estar vinculado à universidade e os entrevistados atuarem na educação básica pode condicionar os discursos enunciados e esses aspectos devem ser levados em consideração.

No que diz respeito ao contexto sócio-histórico mais amplo, é necessário considerar que o objeto dos discursos dos participantes desta pesquisa é a vivência no CERN, em Genebra. Com isso, existe uma formação imaginária, decorrente do histórico processo de colonização dos povos, que prediz que a formação europeia, por excelência e por tradição, representa a ciência válida, com maior qualidade e cientificidade na formação. Assim, a Europa seria o locus privilegiado da produção do conhecimento científico. É necessário destacar que o CERN, criado em 1953, é considerado, segundo a FCT (2019FCT. Fundação para a Ciência e Tecnologia. (2019). Sobre o CERN. https://bit.ly/3ircj6J.
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), um dos mais importantes laboratórios de pesquisa de Física de partículas da atualidade, e seu propósito é a “promoção e a colaboração entre Países Europeus na área da investigação fundamental no domínio da Física da Altas Energias (FAE), de modo a permitir à Europa a liderança nesse domínio” (s.p.).

Esta formação imaginária do domínio do saber científico pode ser identificada na percepção de alguns docentes, antes de irem ao CERN, e que demonstram relação do contexto com a memória do dizer (Orlandi, 2015Orlandi, E. P. (2015). Análise de discurso. Pontes Editores.):

[...] é uma pessoa que não sabe o que é a vida fora do CERN, fora dos laboratórios, [...] eles não conhecem o padeiro, o açougueiro (Clemer).

[...] os cabeçudos, os ‘nobels da vida’ lá, phd na décima potência (Rafaela).

Os enunciados acima indicam que a formação imaginária dos cientistas está relacionada a imagens caricaturadas de “cientistas malucos”, que dedicam todo seu tempo para as pesquisas e estudos, são alheios ao mundo extra laboratório. Após a vivência na EF-CERN, apesar de a incidência da formação imaginária sobre a supremacia da ciência se manter, verifica-se que os participantes atenuam as representações dos cientistas em relação ao aspecto interpessoal.

A gente tem a impressão de que eles pensam: - Nossa, não vou falar com alguém que é menos do que eu. Não, lá se mostrou muito humano e muito legal deles responderem todas as perguntas que a gente fazia (Iarley).

[...] pessoas que trabalham com pesquisas, bom, acho que vamos ficar em segundo plano, “para escanteio”, mas não! Eu achei que eles nos atenderam bem [...] (Clemer).

Os recortes discursivos destacados acima indicam a possibilidade de simetria na relação entre cientista e professor. Esse aspecto é importante, pois como preconizam Drayton e Falk (2006Drayton, B., & Falk, J. (2006). Dimensions that shape teacher-scientist collaborations for teacher enhancement. Science Education, 90(4), 734-761. https://doi.org/10.1002/sce.20138
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) e Grotzer (n.d), relações horizontais entre cientistas e professores durante cursos de formação que tenham esta especificidade contribuem para o estabelecimento de vínculos e para o desenvolvimento profissional docente, embora esse aspecto não modifique, no caso desta pesquisa, a formação imaginária da ciência.

Segundo Garcia (2015Garcia, N. M. D. A Escola de Física CERN e sua contribuição na formação de professores brasileiros de Física do Ensino Médio (2015). In N. M. D. Garcia (org.). Nós, professores brasileiros de física do Ensino Médio, estivemos no CERN. (pp. 59-82). Editora Livraria da Física.), um dos objetivos da EF-CERN é transformar os professores em divulgadores das pesquisas realizadas no CERN. Isso é dito explicitamente durante as atividades, de maneira que existe nessa formação uma reprodução ideológica do saber científico e que é percebida pelos professores que participam do curso:

[...] abrir as portas para que a gente conheça o trabalho deles e que a gente seja um divulgador do que é fazer ciência, do que se faz lá. (Rafaela).

[...] fazer divulgação das pesquisas, do CERN e da física de partículas (Fernando).

Assim, o contexto amplo pode fazer com que o professor se sinta ‘privilegiado’ por participar da EF-CERN, o que acaba por reforçar o compromisso com a organização, realizando no retorno ao Brasil, atividades de divulgação relacionadas ao CERN. Costa et al (2021Costa, T. Q., de Mello Arruda, S., & Dias, M. M. P. (2021). A formação de professores na Escola de Física do CERN: uma análise a partir dos focos da aprendizagem do professor pesquisador. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 38(2), 1230-1250. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e74782
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) também identificaram que os professores se percebem envolvidos e responsáveis por multiplicarem a vivência no CERN.

Articulando a epistemologia de Ludwik Fleck com a AD para interpretar os discursos sobre a EF-CERN produzidos pelos participantes da pesquisa durante as entrevistas, preconiza-se que o estilo de pensamento caracterizaria a formação discursiva em física de partículas, na qual tanto professores quanto cientistas estão inscritos. É a formação discursiva que indica se um indivíduo pode pertencer, ou não, ao coletivo de pensamento que, à luz da AD, se configura como uma forma-sujeito. Nesse caso, a forma-sujeito corresponde ao CP ao qual cientistas e professores, no contexto da EF-CERN, pertencem. A FD está subdividida em três posições-sujeito: i) a ciência dos periódicos (relacionada àqueles que produzem o conhecimento relativo à física de partículas); ii) a ciência dos livros didáticos (na qual estão inscritos aqueles que fazem uso de versões mais simplistas das teorias elaboradas, apresentando um EP matizado); iii) a ciência dos manuais (relacionada aos aspectos da física de partículas que já são consensuais e bem estabelecidos).

Os cientistas, por conduzirem as pesquisas e construírem o conhecimento da área, produzem efeitos de sentido condizentes com a posição-sujeito da ciência dos periódicos e, por essa razão, pertencem ao círculo esotérico do referido CP. O fato de os professores não produzirem conhecimentos científicos referentes à física de partículas, mas deles se apropriarem a partir da circulação intracoletiva de ideias, justifica pertencerem ao círculo exotérico e estarem inscritos na posição-sujeito da ciência dos livros didáticos. Martins (2020aMartins, A. F. P. (2020a). Terraplanismo, Ludwik Fleck e o mito de Prometeu. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1193-1216. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1193
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) tem entendimento similar ao exposto, afirmando que “os pesquisadores em física estariam no círculo esotérico e os professores de física da educação básica situar-se-iam no círculo exotérico” (p. 1200). Por fim, por serem as formações iniciais tanto dos cientistas, quanto dos professores semelhantes (graduação em Física), ambos estão inscritos na posição-sujeito da ciência dos manuais.

A Figura 1 visa representar o CP estabelecido na EF-CERN. O círculo esotérico corresponde ao interior do círculo pontilhado, onde o EP está majoritariamente ligado à ciência dos periódicos. As regiões mais escuras seriam ocupadas por cientistas mais experientes, enquanto nas mais próximas da linha pontilhada, estariam pesquisadores iniciantes e de áreas afins. Os professores de física participantes da EF-CERN estariam na região externa ao círculo pontilhado, que representa o círculo exotérico. Nas regiões do círculo exotérico adjacentes ao círculo pontilhado, estariam professores com um conhecimento mais avançado em física de partículas, ao passo que professores com pouco conhecimento nessa área figurariam nas regiões mais claras. As setas buscam ilustrar as circulações intracoletivas de ideias.

Figura 1
Coletivo de pensamento da EF-CERN

O entendimento de que a EF-CERN é constituída por um único CP advém do fato de os conhecimentos socializados explicitamente serem apenas científicos relativos à física de partículas e não pedagógicos, apesar de que, de forma implícita, aspectos da natureza da ciência também sejam compartilhados. Caso o curso oportunizasse a discussão de conhecimentos pedagógicos, possivelmente professores e cientistas, em determinadas situações, pertenceriam a CP distintos, de maneira que a circulação intercoletiva de ideias seria estabelecida. Entretanto, a forma como a EF-CERN está estruturada, com abordagens expositivas e os professores assumindo posturas passivas, não oportuniza que saberes pedagógicos e experienciais sejam socializados e discutidos.

A ausência de uma abordagem pedagógica na EF-CERN é verbalizada por Paulo César:

[...] eu senti que faltou uma assessoria ou equipe forte de pesquisa na área das ciências humanas, em educação propriamente dita. [...] Um embasamento que justifique porque é feito desta forma. [...] É necessário um embasamento dentro da ciência da educação que vá validar as ações ou refletir para as mudanças.

Destaca-se que o professor Paulo César, na oportunidade da entrevista, realizava doutorado em educação e, talvez, seu discurso possa ter sido permeado por essa situação. Ao enfatizar o saber científico, existe um efeito de sentido ao não se ter uma preocupação com as questões pedagógicas na formação, como se pode identificar no enunciado de um dos cientistas, durante o desenvolvimento de uma das atividades do curso:

“Eu não estou aqui para ensinar vocês a ensinarem física de partículas para os alunos de Ensino Médio, porque como ensinar a gente pressupõe que isso já seja normal para vocês. A gente está aqui para abordar física de partículas como se estuda no CERN” (Paulo César).

Por estarem inscritos na posição-sujeito da ciência dos livros didáticos, os professores tinham a expectativa de que aspectos relacionados aos conhecimentos pedagógicos fossem contemplados, o que não ocorreu na prática. Os cientistas abordam a física de partículas na dimensão da ciência dos periódicos:

Ficou bem claro que eles chamam o professor para lá para que se aprenda e que se tome contato com esses conteúdos [da física de partículas] (Iarley).

[...] eles [pesquisadores] faziam referências sempre ao que eles desenvolvem no CERN (Clemer).

Os pesquisadores não tinham a preocupação de levar aquilo para o Ensino Médio. Identifiquei a preocupação de dar uma palestra, mas como se fosse uma palestra formal, sem uma orientação para professores que atuam no Ensino Médio (Fernando).

Então o CERN quis trabalhar isso do desenvolvimento da física de partículas com os professores da forma mais pesada possível, sem se preocupar como o professor iria passar isso para o Ensino Médio. Não teve esta questão didática (Paulo César).

Os excertos acima evidenciam que a EF-CERN prioriza conhecimentos científicos em detrimento dos conhecimentos pedagógicos. Muitos pesquisadores se preocupam mais em apresentar suas pesquisas do que com o fato de a abordagem ocorrer no nível de conhecimento dos professores, e se o conteúdo exposto seria relevante para eles. Assim, fica explícita uma posição-sujeito de total identificação com a formação do CERN que se vincula a uma FI de um conhecimento científico, independente de preocupações pedagógicas ou de aplicabilidade desse conhecimento. Esses aspectos reforçam a FD de que professores e pesquisadores, no contexto da EF-CERN, pertencem a um mesmo CP, sendo a circulação de ideias de ordem intracoletiva, envolvendo majoritariamente conhecimentos científicos da física de partículas.

Os idealizadores da EF-CERN parecem ter o entendimento de que a discussão sobre os conhecimentos científicos acerca da Física de partículas é suficiente para que os professores os abordem em sala de aula. Esses elementos estão presentes no recorte discursivo do professor Paulo César, que reproduz a fala de um dos palestrantes:

Nós vamos ver Física de partículas no mais alto nível que tem, no nível que os pesquisadores do CERN veem, para que vocês façam a atualização mais profunda que tem e se utilizem de todo o seu know-how de professor para fazer a adequação ao nível dos seus alunos. [...] A adequação ao nível eles deixaram sobre nossa responsabilidade.

O efeito de sentido acima evidencia as condições de produção estabelecidas na EF-CERN. Em um processo de antecipação (Orlandi, 2008Orlandi, E. P. (2008). Discurso e Leitura. Cortez: autores associados.), o pesquisador alerta que irá abordar os conteúdos da forma como é discutida entre os cientistas que atuam em um dos maiores laboratórios de física de partículas da atualidade, salientando que os aspectos educacionais não serão discutidos, ficando estes por conta de cada um, pois são professores.

Shulman (1987Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard educational review, 57(1), 1-23.) alerta que quando os professores não dominam um determinado conteúdo, possuem uma maior tendência de fazerem uso de estratégias tradicionais para ensiná-los, ou até mesmo omiti-los. A crença do pesquisador de que é suficiente ter um conhecimento do conteúdo (Shulman, 1987Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard educational review, 57(1), 1-23.) desenvolvido para trabalhá-lo em sala de aula é falha e, o fato de tratar a física de partículas no nível da ciência dos periódicos pode comprometer a sua abordagem no Ensino Médio por parte dos professores.

O tipo de organização e de postura da EF-CERN se aproxima do modelo da racionalidade técnica (Contreras, 2012Contreras, J. (2012) A autonomia dos professores. Cortez editora.). Segundo o autor, esse modelo apresenta uma visão epistemológica positivista, de maneira que o professor é visto como um profissional que retransmite os conhecimentos produzidos pelos especialistas, não havendo reflexão. Dessa forma, Contreras (2012)Contreras, J. (2012) A autonomia dos professores. Cortez editora. afirma que “a prática profissional consiste na solução experimental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica” (p. 101). Nesse sentido, existe uma desarticulação entre os conhecimentos científicos e a realidade da sala de aula vivenciada pelos professores.

A FD tecnicista e positivista é reforçada pelo não-dizer em relação aos aspectos educacionais, pois não estão previstos na EF-CERN momentos para reflexão e discussão das questões pedagógicas que possam estar envolvidas na abordagem da Física de partículas na educação básica.

“Porque a gente teve mais momentos de formação de Física, no núcleo de Física, digamos assim. E como transformar isso? Porque é uma escola para professores que vão ter esse trabalho depois e noções disso não foram muito trabalhadas” (Iarley).

O enunciado do professor Iarley endossa a visão de que a EF-CERN está permeada por um modelo de racionalidade técnica, que perpassa a ideia de que a discussão de conceitos científicos é suficiente para “instrumentalizar” os professores, e fazer com que levem os conteúdos trabalhados no curso para a sala de aula. Wright (2015Wright, S. (2015). Relational agency from a teacher as researcher perspective. Cultural Studies of Science Education, 10(3), 629-636.) já alertava que formações docentes nas quais os conteúdos abordados são deveras específicos e desconectados da realidade da sala de aula, acabam sendo desconsiderados pelos professores. Assim, incorre-se no risco de os conteúdos sobre Física de partículas serem pouco abordados em sala de aula, fazendo com que os professores socializem em suas aulas apenas aspectos mais concretos da experiência no CERN.

Ademais, muitos dos recortes discursivos reproduzidos carregam implicitamente a FI do saber, na qual o cientista, por estar ligado à pesquisa, não se preocupa com a educação. Nesse cenário, é reforçada a premissa de que pesquisadores e professores estão inscritos em posições-sujeito distintas:

[...] porque eles não são professores, porque eles são pesquisadores, né?! (Rafaela).

Eles só não sabiam fazer referências ao Ensino Médio [...] É que eles não sabem o que é Ensino Médio, né? (Clemer).

Os recortes discursivos acima estão impregnados de uma formação imaginária de que os pesquisadores não têm didática. Drayton e Falk (2006Drayton, B., & Falk, J. (2006). Dimensions that shape teacher-scientist collaborations for teacher enhancement. Science Education, 90(4), 734-761. https://doi.org/10.1002/sce.20138
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) alertam que tensões entre professores e cientistas podem surgir quando esses usam de estratégias didáticas tradicionais que vão de encontro ao que aqueles defendem. Todos estes aspectos podem fazer com que os professores não trabalhem, em sala de aula, os conteúdos de Física de partículas abordados na EF-CERN.

AS CIRCULAÇÕES DE IDEIAS

As circulações intracoletivas de ideias entre cientistas (círculo esotérico) e professores (círculo exotérico) no CP da EF-CERN são oportunizadas em atividades como os seminários e minicursos ministrados pelos pesquisadores, as visitas técnicas, os intervalos entre uma atividade e outra, momentos de refeições coletivas etc.

Genericamente, as circulações intracoletivas entre cientistas (no interior do círculo esotérico - o tráfego intraesotérico) envolvem conhecimentos da ciência dos periódicos e são estabelecidas por meio de congressos científicos, publicações de artigos, realização de seminários e reuniões de grupos de pesquisa. No caso particular da EF-CERN, o tráfego intraesotérico5 5 Não era objetivo desta pesquisa investigar o tráfego intraesotérico. Contudo, acredita-se ser um interessante problema de pesquisa para futuras investigações. se manifesta quando cientistas acompanham palestras de outros colegas ou fazem visitas técnicas com os professores em laboratórios que não são aqueles nos quais desenvolvem suas pesquisas.

As circulações intracoletivas que se estabelecem no interior do círculo exotérico (o tráfego intraexotérico), no caso da EF-CERN, se dão pela troca entre professores em diversos momentos nos quais eles estão reunidos.6 6 Esta dimensão da circulação intracoletiva de ideias é detalhada na subseção 4.1.2, cônscios de que Fleck pouco a discute em suas obras (Oliveira, 2012).

Para fins de padronização, as várias dimensões da circulação intracoletiva de ideias e práticas serão grafadas das seguintes formas: circulação eso-exo para designar a socialização entre os círculos eso e exotéricos de um mesmo CP. Tráfegos intraesotérico e intraexotérico serão usados para representar as interações entre os pares de um mesmo círculo, aquele, entre cientistas; este, entre professores.

A circulação eso-exo

A circulação eso-exo de ideias no contexto da EF-CERN ocorre principalmente durante as visitas técnicas e seminários expositivos, tendo os cientistas como protagonistas na condução da formação. Eles são responsáveis por toda a organização do curso, desde a apresentação de seminários, palestras e minicursos, até o acompanhamento e explicações das visitas técnicas. Em contraposição, os professores da educação básica assistem passivamente ao curso, ou seja, a posição-sujeito aponta para uma aceitação do saber que ideologicamente representa o poder de domínio da ciência. Para Olin e Ingerman (2016Olin, A., & Ingerman, Å. (2016). Features of an emerging practice and professional development in a science teacher team collaboration with a researcher team. Journal of Science Teacher Education, 27(6), 607-624. https://doi.org/10.1007/s10972-016-9477-0
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) e Grotzer (n.d.)Grotzer, T. A. (n.d). Teaching and Research: Not Such an Easy Marriage. https://bit.ly/2Uv2pcn.
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, esse tipo de organização estrutural, na qual os professores são considerados receptores passivos em cursos de formação, pode dificultar a construção de novos conhecimentos, bem como limitar o desenvolvimento profissional docente. Em outras palavras, impediria a possibilidade de serem identificadas outras formações discursiva e ideológica que representassem a troca de saberes e a construção coletiva do conhecimento.

Nos primeiros dias da programação da EF-CERN, ocorriam o minicurso e seminários mais gerais, cujos conteúdos se aproximam da ciência dos manuais. Em contrapartida, conteúdos relacionados à ciência dos periódicos, como palestras sobre temas mais específicos das pesquisas desenvolvidas no CERN e problemas ainda não resolvidos na Física de partículas eram apresentados nos últimos dias da EF-CERN.

O minicurso sobre Física de partículas apresenta as “certezas” da área, pois são conhecimentos que já foram sistematizados e representam o pensamento majoritário do círculo esotérico dessa área do conhecimento. Essas idiossincrasias fazem com que o teor do minicurso esteja no nível da ciência dos manuais. Para Fleck (2010Fleck, L. (2010). Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Fabrefactum Editora.), essa forma de pensamento tem traços impositivos e coercitivos que buscam reforçar o EP, direcionando à formação dos professores. Além disso, as atividades com temáticas mais próximas à ciência dos manuais, por apresentarem teorias estruturadas, consolidadas e consensuais do EP, são de mais fácil compreensão por parte dos professores, pois eles tiveram uma formação inicial nessa posição-sujeito. Por outro lado, atividades predominantemente centradas na ciência dos periódicos suscitavam mais dúvidas e dificuldades de assimilação, uma vez que os professores não estão inscritos nessa posição-sujeito. Essas discrepâncias entre as duas posições-sujeito ficam explícitas nos recortes discursivos abaixo e podem desencadear tensões e evidenciar relações de poder entre os envolvidos:

[...] até o quarto dia de curso, eu acho que eles estavam abordando [algo que] eu tinha condições de desenvolver na escola onde eu trabalho. Já no quinto e sexto dias, nas palestras, quando eles começaram a falar sobre as linhas de Feynman, assimetrias, aí eu acho que estava muito além do Ensino Médio (Clemer).

O olhar deles (pesquisadores) e a abordagem deles considera diferentes pressupostos, e esses pressupostos fazem com que [...] um professor ali, pensando no Ensino Médio, acaba não sendo contemplado com o discurso, porque considera que eles sabem certos conceitos, mas na verdade não sabem (Fernando).

Em sala de aula, os professores socializam conhecimentos científicos da posição-sujeito da ciência dos livros didáticos, contudo, como nos cursos de graduação eles tiveram contato com a ciência dos manuais, a ela recorrem em algumas poucas oportunidades. De forma similar, os cientistas também tiveram em suas formações iniciais contato com a ciência dos manuais e seguem fazendo uso dela em diversos momentos. Entretanto, no dia a dia dos cientistas, a forma de pensamento mais praticada é a da ciência dos periódicos. Esta corresponde a métodos matemáticos e computacionais avançados, passando por técnicas experimentais específicas, até o domínio de jargões e termos próprios da área, além do conhecimento dos problemas de pesquisa em aberto. Neste sentido, os conhecimentos científicos socializados na EF-CERN estão majoritariamente nos níveis da posição-sujeito dos cientistas, mas não dos professores, uma vez que as circulações intracoletivas de ideias são desenvolvidas à luz dos pressupostos das ciências dos periódicos e dos manuais. Com isso, os professores têm menor familiaridade com a primeira do que com a segunda, pois aquela envolve elementos específicos do EP. Essa ênfase dada na EF-CERN pode fazer com que os professores não trabalhem com seus alunos vários dos conteúdos ministrados no nível da ciência dos periódicos. Esse aspecto fica explícito no excerto abaixo:

[...] vários palestrantes falaram do que fazem lá e é conteúdo de Física pesado. Tudo que não está dentro do que eu trabalho no Ensino Médio [...]a gente deixa um pouco de lado (Rafaela).

Parte do cronograma de atividades da EF-CERN envolve visitas técnicas, como idas aos centros de processamentos de dados, salas de controle e até mesmo a aceleradores como o LHC. Nessas visitas técnicas, os professores são acompanhados pelos cientistas. Este é um momento importante do curso, pois nas visitas, os professores identificam que nos diversos setores do CERN há um trabalho colaborativo entre pesquisadores mais experientes, alunos de pós-graduação e técnicos. Nas visitas, há toda uma explicação técnica das funções e particularidades do respectivo setor. Para muitos participantes da pesquisa, esses momentos foram emblemáticos durante a EF-CERN, como verbalizam os professores Clemer e Rafaela:

Então, foram as visitas técnicas que eu gostei mais de conhecer, os detectores eu achei a parte mais fantástica. Porque a gente vê no computador e às vezes em uma imagem na TV e por mais que eles comentem da grandiosidade, quando você está lá perto, aí que você percebe (Clemer).

Então, acho que todo mundo vai responder que foi descer à caverna. Foi ver o acelerador, foi realmente bacana porque a gente só via isso pelos vídeos (Rafaela).

Assim como identificado por Costa et al. (2021Costa, T. Q., de Mello Arruda, S., & Dias, M. M. P. (2021). A formação de professores na Escola de Física do CERN: uma análise a partir dos focos da aprendizagem do professor pesquisador. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 38(2), 1230-1250. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e74782
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), os professores participantes desta pesquisa destacam o envolvimento emocional e a experiência sensorial como um elemento marcante das visitas técnicas. Nesse sentido, o aspecto lúdico da visitação pode se sobrepor ao conteúdo científico relacionado aos princípios físicos de funcionamento dos detectores e aceleradores, por exemplo. Isso ocorre possivelmente pelo fato de tais temas estarem inscritos na posição-sujeito da ciência dos periódicos ou por conterem elementos muito técnicos e específicos da ciência dos manuais. De maneira distinta, o professor Fernando salienta a relevância desses momentos para a compreensão das pesquisas realizadas no CERN, bem como a importância de as visitas serem lideradas por profissionais que atuam nesses estabelecimentos:

Particularmente eu gostava muito das visitas porque eram conduzidas por pessoas que vivenciavam aquele ambiente e apresentavam uma série de coisas que eu acho que também contribuíram bastante para a nossa compreensão sobre o tema, sobre as pesquisas em andamento (Fernando).

O tráfego intraexotérico

O tráfego intraexotérico é entendido por Oliveira (2012Oliveira, B. J. Os círculos de Fleck e a questão da popularização da ciência (2012). In M. L. L. Condé(org.) Ludwik Fleck: Estilos de pensamento na ciência. (pp. 121-144). Fino Traço.) como uma dimensão da circulação intracoletiva de ideias que ocorre no interior do círculo exotérico que, para o caso da EF-CERN, é constituído pelos professores que estão inscritos na posição-sujeito da ciência dos livros didáticos. São exemplos do tráfego intraexotérico os momentos de conversas informais entre os professores, seja durante as refeições, no trânsito entre um prédio e outro do CERN, com os colegas que compartilhavam os quartos no hotel etc. Em geral, para as visitas às instalações do CERN, os professores eram organizados em grupos. Para os participantes da pesquisa, esses momentos eram insuficientes:

Eles fazem aqueles grupos separando, colocando a gente com colegas de outros países, mesmo assim o tempo de convivência é muito pequeno. [...] Achei que faltou um pouco de interação com o pessoal de outros países, uma troca de experiência mais viva (Marcos Antônio).

A última atividade diária prevista na programação envolvia a discussão de questões elaboradas pelos organizadores da EF-CERN e distribuídas aos grupos que realizaram as visitas técnicas. Apesar de aquele momento ser destinado à discussão de aspectos da física de partículas abordados nas palestras e nas visitas técnicas, os professores acabavam utilizando o espaço para tratar de aspectos relacionados à sala de aula, se conhecer e trocar ideias sobre como abordar tais assuntos com os alunos. Possivelmente seja a isso que se refere o trecho grifado no excerto anterior do professor Marcos Antônio. Em outras palavras, os professores buscavam debater a Física de partículas também na dimensão da ciência dos livros didáticos, buscando elementos que permitiriam a realização de uma transposição didática (Chevallard, 1991Chevallard, Y. (1991). La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Aique Grupo Editor.):

A gente de vez em quando trocava algumas ideias, em particular naquele momento lá que o pessoal organizou, dos grupos, no final de cada dia, para poder levantar as perguntas [...] Bom, aquele momento acabou sendo um momento de interação, mas no mais, a coisa acabou sendo corrida e não possibilitou isso (Fernando).

Havia alguns momentos em que a gente tinha que fazer um resumo do dia. [...] e aí que algumas coisas foram saindo [sobre a transposição didática] (Iarley).

[...] levar para o Ensino Médio é uma coisa que a gente só faz em outro momento, ou faz em momentos lá de conversa entre nós (Fernando).

A EF-CERN tem como participantes professores luso-falantes de três continentes diferentes, cuja diversidade cultural seria um elemento muito rico a ser explorado. Entretanto, não há momentos formais na programação da EF-CERN para a apresentação dos participantes, ou para discussões sobre o ensino de física e as particularidades da educação em cada país. Esses aspectos acabavam sendo explorados quando os professores se reuniam informalmente:

Você conhecer outras pessoas de outros países que também falam português, né? E o que falávamos mais, por incrível que pareça, não era sobre o CERN, a gente falava mais sobre a sala de aula de cada país (Clemer).

A gente teve noções de como são as aulas de Física na África com os professores africanos. Eu não fazia ideia de que tinham 100 alunos por turma (Iarley).

[...] os professores portugueses têm muito problema na questão do salário e eles estão em crise e tudo. Então eles reclamam também da forma de contratação dos professores [...] de não ter concurso (Marcos Antônio).

Os problemas são os mesmos. Em sala de aula é muita conversa, são poucos que querem estudar (Clemer).

Nos excertos acima, identificam-se aspectos mais gerais e curiosos referentes às especificidades do ensino em cada país e não discussões mais sistemáticas sobre questões pedagógicas. Caso a EF-CERN não contemplasse apenas saberes científicos, mas também pedagógicos, espaços oficiais na programação do curso poderiam aprofundar temas envolvendo o ensino da Física de partículas na educação básica, sugestões de estratégias didáticas e relatos de experiências já realizadas pelos professores. Ademais, poderiam ser instauradas rodas de conversas para que os professores apresentassem a realidade do ensino em seus países de origem. Acredita-se que tais atividades contribuiriam para o desenvolvimento profissional do professor, representando outra FD, outro EP, outro CP, um CP relacionado aos saberes pedagógicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, a epistemologia de Fleck foi utilizada para interpretar a EF-CERN. Apresentaram-se argumentos para compreender este curso de curta duração como um único CP, na qual compartilha-se do EP da Física de partículas, que representa uma mesma FD. Neste CP, os cientistas figuram no círculo esotérico e os professores de Física no exotérico. Os conhecimentos científicos são socializados via circulação intracoletiva de ideias e objetivam principalmente transformar o professor em um divulgador ideológico do CERN. Aspectos pedagógicos são negligenciados na EF-CERN, uma vez que não há relações entre o conteúdo abordado e o ensino médio. Os conhecimentos socializados na EF-CERN estão inscritos nas posições-sujeito das ciências dos periódicos e dos manuais. O entendimento das ciências dos periódicos exige um conhecimento mais atual e específico da Física de partículas, condizente àquele tratado no interior do círculo esotérico, e que, em algumas situações, os professores não possuem, razão pela qual estes muitas vezes tinham dificuldade em acompanhar determinadas palestras.

A estrutura da EF-CERN faz com que os professores assumam posições passivas durante as atividades e não oportuniza que questões relacionadas aos saberes pedagógicos sejam discutidas e incorporadas na formação. O nível da Física de partículas discutida na EF-CERN se distancia da prática docente diária, levando a uma abordagem muitas vezes descontextualizada, incompreensível e irrelevante para os professores, fazendo com que eles muitas vezes as desconsiderem e não as incorporem às suas práticas docentes.

Muitos estudos têm preconizado que a formação docente deve ter como ponto de partida os conhecimentos dos professores, permitindo que tanto o conhecimento do conteúdo quanto o pedagógico sejam desenvolvidos (Marcelo, 2009Marcelo, C. (2009). Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro. Sísifo -Revista de ciências da educação, 8, 7-22.; Loucks-Horsley et al., 2009Loucks-Horsley, S., Stiles, K. E., Mundry, S., Love, N., & Hewson, P. W. (2009). Designing professional development for teachers of science and mathematics. Corwin press.,). Loucks-Horsley et al. (2009)Loucks-Horsley, S., Stiles, K. E., Mundry, S., Love, N., & Hewson, P. W. (2009). Designing professional development for teachers of science and mathematics. Corwin press. e Van Driel et al. (2012Van Driel, J. H., Meirink, J. A., van Veen, K., & Zwart, R. C. (2012). Current trends and missing links in studies on teacher professional development in science education: a review of design features and quality of research. Studies in science education, 48(2), 129-160. https://doi.org/10.1080/03057267.2012.738020.
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) também sugerem que se devam apresentar estratégias didáticas que os professores percebam como relevantes e que possam ser utilizadas com seus alunos em situações reais de sala de aula. Em outras palavras, a formação de professores deve também envolver o saber experiencial docente, estando suas atividades centradas na escola, sendo condizentes com situações concretas de ensino (Marcelo, 2009Marcelo, C. (2009). Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro. Sísifo -Revista de ciências da educação, 8, 7-22.; Carvalho & Martins, 2018Carvalho, L. S., & Martins, A. F. P. (2018). Formação de professores de ciências a partir da perspectiva do desenvolvimento profissional. Revista Pesquisa e Debate em Educação, 8(2), 216-242.). A formação de professores deve permitir que o docente investigue e reflita sobre sua própria prática, focando em uma aprendizagem colaborativa entre pares (Van Driel et al., 2012Van Driel, J. H., Meirink, J. A., van Veen, K., & Zwart, R. C. (2012). Current trends and missing links in studies on teacher professional development in science education: a review of design features and quality of research. Studies in science education, 48(2), 129-160. https://doi.org/10.1080/03057267.2012.738020.
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). Todos esses aspectos parecem não fundamentar a EF-CERN, podendo ser uma explicação de por que os professores, apesar de abordarem superficialmente alguns aspectos da Física de partículas em sala de aula, não modificam suas práticas pedagógicas. Além disso, segundo Van Driel et al. (2012)Van Driel, J. H., Meirink, J. A., van Veen, K., & Zwart, R. C. (2012). Current trends and missing links in studies on teacher professional development in science education: a review of design features and quality of research. Studies in science education, 48(2), 129-160. https://doi.org/10.1080/03057267.2012.738020.
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, formações continuadas de curta duração (como a EF-CERN) tendem a ser menos eficazes que propostas de longa duração.

Assim, amparado em Zeichner (1993Zeichner, K. M. (1993). A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Educa.), Schön (2009Schön, D. A. (2009). Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Penso Editora.) e Carvalho & Martins (2018Carvalho, L. S., & Martins, A. F. P. (2018). Formação de professores de ciências a partir da perspectiva do desenvolvimento profissional. Revista Pesquisa e Debate em Educação, 8(2), 216-242.), concluo que o fato de a EF-CERN possuir uma abordagem instrumental baseada em conhecimentos de conteúdo que valorizam a competência técnica dos professores, distantes essas da realidade da sala de aula e não pautada na reflexão sobre a ação e no professor como pesquisador de sua própria prática, dificultam o desenvolvimento profissional docente.

Entretanto, é inegável que conhecer um dos mais importantes centros de pesquisa em Física do mundo, viajar para a Europa e ter contato com cientistas, outras culturas e costumes é uma experiência única para muitos dos participantes da EF-CERN. Assim, essa vivência pode marcar profundamente as experiências de vida do professor. Como preconiza Marcelo (2009Marcelo, C. (2009). Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro. Sísifo -Revista de ciências da educação, 8, 7-22.), as experiências de vida do professor, suas crenças e valores também influem na sua construção de identidade docente fazendo, neste caso, que ele relate com entusiasmo a experiência no CERN e as pesquisas lá realizadas, tornando-se um divulgador do centro de pesquisas.

Ademais, a vivência no CERN, em especial as visitas técnicas e o convívio com os cientistas, contribui para que os professores desenvolvam uma visão menos caricaturada do fazer científico, construindo concepções mais desejáveis da natureza da ciência.

Por essas razões, verifica-se que as atividades realizadas pelos professores participantes da EF-CERN se resumem a divulgação científica, aspectos concretos da viagem e uma abordagem superficial da física de partículas. Uma discussão profunda de aspectos da Física de partículas e mudanças na sua prática docente não são verificadas.

Como sugestão, a EF-CERN poderia ter uma estrutura que privilegiasse as circulações intercoletivas de ideias, pois são elas que contribuem para alterações no EP. Neste sentido, a EF-CERN poderia ser constituída por um CP da Física (na qual os cientistas estariam no círculo esotérico); um CP dos conhecimentos pedagógicos (tendo formadores e pesquisadores da área da educação em ciências no círculo esotérico) e um CP dos saberes experienciais (tendo os próprios professores da educação básica no círculo esotérico). Atividades que proporcionassem relações horizontais entre esses três coletivos, valorando os diversos tipos de conhecimentos, poderiam contribuir para que os professores avançassem no seu desenvolvimento profissional docente. Talvez parte da formação da EF-CERN pudesse também ocorrer no Brasil, com pesquisadores das diversas áreas do conhecimento envolvidos, aumentando, assim, a duração da formação. Independente da forma, destaca-se a pertinência da constituição de um espaço formativo que, além dos conhecimentos científicos, oportunize a circulação de conhecimentos pedagógicos e saberes experienciais, por meio de ações colaborativas entre pares e com atividades que se relacionem com situações concretas vivenciadas pelo professor na escola, permitindo que ele reflita sobre sua própria prática.

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NOTAS

  • 1
    Faz referência ao período em que em que as atividades e o intercâmbio eram presenciais, nas instalações do CERN, em Genebra. Após 2019, em função da crise sanitária mundial decorrente da pandemia de Covid-19, houve uma suspensão das atividades presenciais.
  • 2
    As expressões ‘tráfego intraesotérico’ e ‘tráfego intraexotérico’ são denominações utilizadas por Oliveira (2012) e não constam na obra original de Fleck (2010).
  • 3
    Por questões éticas, os professores serão identificados com os seguintes pseudônimos: Clemer, Marcos Antônio, Paulo César, Iarley, Rafaela e Fernando. A não referência ao ano em que eles participaram do EF-CERN é proposital, para que suas identidades sejam preservadas.
  • 4
    Da Linguística, extrai-se a mudança no objeto de análise, deslocando-o do domínio textual para o do discurso; do Materialismo Histórico, destacam-se a visão dialética e o conceito de ideologia; por seu turno, as questões da construção do sujeito a partir do outro e do inconsciente são oriundas da Psicanálise (Orlandi, 2015). É com base na articulação dessas três áreas do conhecimento que a epistemologia da AD de Michel Pêcheux se constitui.
  • 5
    Não era objetivo desta pesquisa investigar o tráfego intraesotérico. Contudo, acredita-se ser um interessante problema de pesquisa para futuras investigações.
  • 6
    Esta dimensão da circulação intracoletiva de ideias é detalhada na subseção 4.1.2, cônscios de que Fleck pouco a discute em suas obras (Oliveira, 2012).

NOTAS

  • O CECIMIG agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela verba para editoração deste artigo

APÊNDICE

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS REALIZADAS COM PROFESSORES APÓS A PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA DE FÍSICA CERN

  1. Explorar como foi a experiência no CERN.

  2. O que mais te marcou na Escola de Física CERN? .

  3. Explorar as percepções acerca da programação oferecida pela Escola de Física CERN.

  4. Sobre o nível teórico (e adequação à realidade escolar) dos cursos e palestras, o que achaste?

  5. Quais os pontos positivos e negativos da tua vivência em Genebra?

  6. Terias sugestões para edições futuras? Do que sentiste falta?

  7. Explorar como foi a interação com os demais professores.

  8. Explorar como foi a interação com os cientistas.

  9. Como um cientista trabalha?

  10. Como se faz Ciência?

  11. A imagem que tu tinhas de um cientista era aquela que encontraste no CERN?

  12. Comentar sobre o antes, o durante e o depois da ida ao CERN na tua escola (envolvimento com alunos, colegas, comunidade, etc.).

  13. Como são tuas aulas? O que mudou na volta?

  14. Solicitar exemplos de atividades desenvolvidas relacionadas à Escola de Física CERN.

  15. Quais atividades de divulgação do CERN fizeste ou pretendes fazer?

  16. Te sentes apto para trabalhar física de partículas no Ensino Médio? Explorar

  17. Explorar aspectos relacionados à Física moderna e contemporânea.

  18. Quais teus planos profissionais para o futuro? (Buscar influências do CERN nisso).

Editado por

Editor responsável: Glauco dos Santos Ferreira da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2021
  • Aceito
    08 Abr 2022
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