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UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA CIÊNCIA: A IMPORTÂNCIA DA CONCEPÇÃO DE MUNDO PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

UNA REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA SOBRE ASPECTOS ONTOLÓGICOS Y EPISTEMOLÓGICOS DE LA CIENCIA: LA IMPORTANCIA DE LA VISIÓN DEL MUNDO PARA LA EDUCACIÓN EN CIENCIAS

A BIBLIOGRAPHIC REVIEW ON ONTOLOGICAL AND EPISTEMOLOGICAL ASPECTS OF SCIENCE: THE IMPORTANCE OF WORLDVIEW FOR SCIENCE EDUCATION

RESUMO:

O ensino de ciências não costuma tratar da dimensão filosófica da ciência, que envolve aspectos ontológicos e epistemológicos relacionados a uma concepção de mundo. Apresento uma revisão bibliográfica que é parte de uma pesquisa de mestrado e que tem por objetivo identificar os focos temáticos mobilizados por autores nacionais e estrangeiros da Educação em Ciências sobre aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência. Nos 144 artigos selecionados, é recorrente a discussão sobre a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la, além de uma valorização da abordagem epistemológica. Desse corpus, 11 trabalhos foram analisados com base no materialismo histórico e dialético, apresentando novos olhares da discussão filosófica sobre a realidade para a Educação em Ciências.

Palavras-chave:
Revisão bibliográfica; Realidade; Materialismo histórico e dialético

RESUMEN:

La enseñanza de ciencias no suele abordar la dimensión filosófica de la ciencia, que involucra aspectos ontológicos y epistemológicos relacionados con una visión del mundo. Presento una revisión bibliográfica que forma parte de una investigación de maestría y que tiene el objetivo de identificar los enfoques temáticos movilizados por autores nacionales y extranjeros de la Educación en Ciencias sobre aspectos ontológicos y epistemológicos de la ciencia. En los 144 artículos seleccionados, la discusión sobre la naturaleza de la realidad y la posibilidad de conocerla son recurrentes, además de una valoración del enfoque epistemológico. De este corpus, se analizaron once trabajos considerando el materialismo histórico y dialéctico, presentando nuevas miradas sobre la discusión filosófica respecto a la realidad para la Educación en Ciencias.

Palabras clave:
Revisión bibliográfica; Realidad; Materialismo histórico y dialéctico

ABSTRACT:

Science teaching does not usually approach the philosophical dimension of science, which involves ontological and epistemological aspects related to a worldview. I present a bibliographical review that is part of a master’s research and which aims to identify the thematic approaches mobilized by national and foreign authors of Science Education on ontological and epistemological aspects of science. In the 144 selected articles, there is a recurring discussion about the nature of reality and the possibility of knowing it, in addition to a valuation of the epistemological approach. I analyzed 11 works from this corpus based on historical and dialectical materialism, presenting new perspectives of the philosophical discussion about reality for Science Education.

Keywords:
Bibliographic review; Reality; Historical and dialectical materialism

INTRODUÇÃO

O ensino de ciências frequentemente se atém apenas aos produtos da ciência ao invés de também explorar suas dimensões filosóficas, reflexo da escassez dessas discussões nas pesquisas em Educação em Ciências (EC) e da indiferença de professores à filosofia, o que diz muito sobre sua formação (Duarte et al., 2021Duarte, N., Massi, L., & Teixeira, L. A. (2021). The committed objectivity of science and the importance of scientific knowledge in ethical and political education. Science & Education, 30, 1-21. https://doi.org/10.1007/s11191-021-00302-2
https://doi.org/10.1007/s11191-021-00302...
; Matthews, 2014Matthews, M. R. (2014). Science, worldviews and education. In M. R. Matthews(Ed.), International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching (pp. 1585-1635). Springer.; Schulz, 2014Schulz, R. M. (2014). Philosophy of education and science education: A vital but underdeveloped relationship. In M. R. Matthews(Ed.), International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching (pp. 1259-1316). Springer.). A ontologia e a epistemologia são os campos da filosofia que têm desempenhado historicamente um papel importante na compreensão que o ser humano tem da natureza da realidade e do conhecimento científico, respectivamente, abrangendo o âmbito da educação (Friedrichsen et al., 2011Friedrichsen, P., Van Driel, J. H., & Abell, S. K. (2011). Taking a closer look at science teaching orientations. Science education, 95(2), 358-376. https://doi.org/10.1002/sce.20428
https://doi.org/10.1002/sce.20428...
; Schulz, 2014Schulz, R. M. (2014). Philosophy of education and science education: A vital but underdeveloped relationship. In M. R. Matthews(Ed.), International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching (pp. 1259-1316). Springer.). Para Bunge (2000Bunge, M. (2000). Energy: Between physics and metaphysics. Science and Education, 9, 457-431. https://doi.org/10.1023/A:1008784424048
https://doi.org/10.1023/A:1008784424048...
, p. 461, tradução nossa), “Sem filosofia, a ciência perde em profundidade”. Definir razões para se confiar na ciência e no ensino de ciências só é possível a partir de uma abordagem aprofundada, isto é, uma abordagem ontológica e epistemológica (Duarte et al., 2021Duarte, N., Massi, L., & Teixeira, L. A. (2021). The committed objectivity of science and the importance of scientific knowledge in ethical and political education. Science & Education, 30, 1-21. https://doi.org/10.1007/s11191-021-00302-2
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).

De acordo com o filósofo marxista György Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.), a ciência neopositivista desterrou nominalmente a ontologia para afastar qualquer especulação metafísica/religiosa; dessa ciência passou a interessar a sua utilidade prática e imediata e não o que ela diz sobre o que é o mundo. Assim, a ciência moderna evita questões sobre concepção de mundo e posições éticas e políticas como se isso fosse possível e lhe garantisse objetividade, priorizando a epistemologia e deixando essas lacunas livres para a Igreja (Duarte et al., 2021Duarte, N., Massi, L., & Teixeira, L. A. (2021). The committed objectivity of science and the importance of scientific knowledge in ethical and political education. Science & Education, 30, 1-21. https://doi.org/10.1007/s11191-021-00302-2
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; Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.). Nas concepções pós-positivistas e pós-modernas, a dimensão ontológica é resgatada, porém, relativizada, pois “[...] refutam a possibilidade de dizer algo sobre o mundo e decretam o conhecimento como constructo e a verdade como consenso. [...] as declarações sobre o ser tornam-se declarações sobre o nosso conhecimento sobre o ser” (Della Fonte, 2007Della Fonte, S. S. (2007). Considerações sobre o ceticismo contemporâneo a partir da ontologia e gnosiologia marxista. Educação & Sociedade, 28(101), 1525-1542. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000400013
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, p. 1540). Valero et al. (2022Valero, R., Leonardo Júnior, C. S., Massi, L., & Gomes, L. B. M. (2022). Análise marxista de elementos da concepção de ciência nos principais filósofos abordados na Educação em Ciências: Aspectos ontológicos e epistemológicos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 39(3), 828-858. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2022.e86571
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) identificaram esses e outros idealismos das ciências moderna e pós-moderna na concepção de ciência de alguns filósofos abordados na EC, tais como Karl Popper, Gaston Bachelard e Bruno Latour.

Responder à pergunta “a matéria realmente existe ou é apenas uma construção teórica?” implica uma determinada concepção de mundo, como as concepções realista, mecanicista, atomista, animista e determinista, nas quais se expressam as dimensões ontológica e epistemológica (Matthews, 2009Matthews, M. R. (2009). Teaching the philosophical and worldview components of science. Science & Education, 18, 697-728. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9132-4
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, 2014). Em tempos conturbados promovidos pelo neoliberalismo, com a ascensão de movimentos negacionistas e anticiência, é importante que a educação científica estimule uma concepção de ciência mais ampla e como atitude crítica (Reis, 2021Reis, P. (2021). Desafios à Educação em Ciências em tempos conturbados. Ciência & Educação, 27, Artigo e21000. https://doi.org/10.1590/1516-731320210000
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). É necessário não apenas resgatar a discussão filosófica na pesquisa e na educação, mas também resgatar a prioridade da dimensão ontológica.

Alguns trabalhos da EC estudaram a relação da concepção de mundo com temas pertinentes para a sociedade e a educação, ambas envolvendo aspectos ontológicos e epistemológicos, ainda que não explicitados pelos autores. Silva e Coutinho (2016Silva, F. A. R., & Coutinho, F. A. (2016). Realidades colaterais e a produção da ignorância em livros didáticos de biologia: Um estudo sobre os hormônios e a questão de gênero. Investigações em ensino de ciências, 21(3), 176-194. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2016v21n3p176
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) analisaram como as pesquisas sobre hormônios influenciaram no desenvolvimento de uma concepção de mundo determinista que levou a uma concepção de gênero como natural e quimicamente definido. Lopez et al. (2020) mostram como a visão de ciência e o ensino de ciências foram moldados conforme a visão de mundo da Alemanha nazista pautada na guerra e em ideais discriminatórios. Partindo de uma concepção de mundo materialista, histórica e dialética, Pressato e Campos (2022Pressato, D., & Campos, L. M. L. (2022). As teorias pedagógicas e as concepções de mundo dos licenciandos em ciências e biologia. Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, 24, Artigo e33967. https://doi.org/10.1590/1983-21172021240103
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) discutem sobre a importância da consciência filosófica de licenciandos a respeito da docência e das teorias pedagógicas.

Com base na importância da ontologia e da epistemologia para a EC, meu objetivo foi realizar uma revisão bibliográfica sistemática na área a fim de entender, em um primeiro momento, quais focos temáticos os autores têm mobilizado, para, em seguida, realizar uma análise marxista dos principais aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência que emergem dos trabalhos. A partir das discussões de 11 artigos sobre a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la, foram mobilizadas categorias de análise como ser social, estratificação, objetivação, trabalho, reflexo, práxis, entre outras. Essas categorias são abordadas por diferentes autores marxistas e oferecem novos olhares para essa discussão filosófica na EC.

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

O método científico do materialismo histórico e dialético implica, “[...] para Marx, uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações” (Paulo Netto, 2011Paulo Netto, J. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. Expressão Popular., p. 53, grifo do autor), ou seja, esse método está associado à concepção de mundo da pessoa pesquisadora, alinhada aos fundamentos do marxismo e à lógica dialética. Lefebvre (1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.) resume o método dialético em algumas regras práticas, que devem ser assimiladas de forma dialética: deve-se priorizar a análise objetiva do objeto de estudo, apreender suas conexões internas, contradições e o movimento e a tendência dessas inter-relações, sem negligenciar qualquer uma delas.

No âmbito procedimental, o que distingue uma pesquisa conceitual, de natureza bibliográfica, de uma pesquisa empírica é que essa não define seus objetos de estudo a partir do real sensível, mas define “[...] como objetos abstrações do pensamento já sistematizadas em conceitos e teorias que operam como mediadoras na captação deste real” (Martins & Lavoura, 2018Martins, L. M., & Lavoura, T. N. (2018). Materialismo histórico-dialético: Contributos para a investigação em educação. Educar em Revista, 34(71), 223-239. https://doi.org/10.1590/0104-4060.59428
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, p. 235). Em um momento inicial da pesquisa, as determinações do objeto podem ser alcançadas por meio de um recurso analítico-formal; porém, embora a lógica formal tenha uma função específica e importante, “[...] ela não possibilita captar as relações e as mediações dos múltiplos elementos do real” (Martins & Lavoura, 2018Martins, L. M., & Lavoura, T. N. (2018). Materialismo histórico-dialético: Contributos para a investigação em educação. Educar em Revista, 34(71), 223-239. https://doi.org/10.1590/0104-4060.59428
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, p. 227).

Assim, esta pesquisa é de natureza teórico-conceitual (Martins & Lavoura, 2018Martins, L. M., & Lavoura, T. N. (2018). Materialismo histórico-dialético: Contributos para a investigação em educação. Educar em Revista, 34(71), 223-239. https://doi.org/10.1590/0104-4060.59428
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), em que o materialismo histórico e dialético é método que orienta as análises e é referencial teórico. Tem como objeto de estudo os aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência identificados em artigos da EC - derivados de uma revisão bibliográfica sistemática - e abordados por autores marxistas (abstrações do pensamento já sistematizadas), e tem como recurso analítico-formal inicial a categorização desses trabalhos.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SISTEMÁTICA

Para esta etapa, foram utilizadas as recomendações dos Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA), que auxiliam na execução e apresentação de revisões sistemáticas, melhorando a qualidade dessa metodologia (Moher et al., 2009Moher, D., Liberati, A., Tetzlaff, J., & Altman, D. G. (2009). Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: The PRISMA statement. PLoS Med, 6(7), Article e1000097. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000097
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). As buscas da revisão foram realizadas entre março e abril de 2021 em fontes de informação on-line. Os critérios de elegibilidade foram: encontrar artigos e livros/capítulos escritos em língua inglesa ou portuguesa, no período de anos disponíveis nas bases de dados, que são da EC e que apresentam no título e/ou resumo e/ou palavras-chave os termos: “ontologia” ou variações combinado com “epistemologia” ou “gnosiologia”2 2 O termo “gnosiologia” foi considerado na busca por tratar da teoria do conhecimento, porém, não foram retornados trabalhos que o utilizam. ou variações. Quando permitido pela ferramenta de busca, foram utilizados operadores booleanos para as combinações e o asterisco para as variações.

A Web Of Science (WOS) foi a principal fonte de informação internacional por ser uma base de dados com indexação dos principais periódicos. A Education Resources Information Center (ERIC) foi utilizada como complemento do corpus de trabalhos obtido por meio da WOS. Em âmbito nacional, as buscas foram realizadas nos anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), principal evento da área, e em 12 periódicos de EC mais bem avaliados na área de Ensino com base nas classificações da Plataforma Sucupira do triênio 2013-2016 nos estratos A1 e A2.3 3 Periódicos A1: Ciência & Educação (C&E); Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências; Revista Brasileira de Ensino de Física; Periódicos A2: Alexandria; Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas; Areté: Revista Amazônica de Ensino de Ciências; Caderno Brasileiro de Ensino de Física; Investigações em Ensino de Ciências; Rencima: Revista de Ensino de Ciências e Matemática; Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências; Revista de Educação, Ciências e Matemática. Devido à diferença do escopo e da ferramenta de busca disponível em cada fonte de informação, as estratégias de busca foram ajustadas respeitando-se os critérios de elegibilidade. Nas bases de dados WOS e ERIC, foram utilizadas ferramentas de refinamento a fim de se selecionar trabalhos que são artigos ou livros/capítulos (tipo de documento) e de periódicos voltados para a EC (título da fonte).4 4 African Journal of Research in Mathematics, Science and Technology Education; Canadian Journal of Science, Mathematics and Technology Education; Chemistry Education Research and Practice; Cultural Studies of Science Education; International Journal of Science Education; Journal of Research in Science Teaching; Physical Review Special Topics Physics Education Research; Research in Science Education; Science Education; Science & Education. Os arquivos em formato pdf dos anais5 5 As primeiras edições do ENPEC não contam com arquivos em formato pdf. Nesses casos, os textos foram copiados e transformados em pdf. do ENPEC foram salvos e organizados por edição, possibilitando a busca com a ferramenta de localização do leitor de pdf.

Com a leitura dos resumos e trechos dos trabalhos selecionados, foi possível construir uma caracterização em relação à área das ciências naturais na qual cada artigo se enquadra - ciências da natureza (geral); biologia; educação ambiental; física; química - e em relação ao foco - concepção de mundo e de ciência; currículo; ensino e aprendizagem de conceitos; fundamentação e prática pedagógicas; modelagem, representação e simbolismo; pesquisa e metodologia. É importante salientar que todos os trabalhos discutem, em níveis diferenciados, sobre concepção de mundo e de ciência, uma vez que abordam aspectos ontológicos e epistemológicos relacionados à ciência. Entretanto, nem todos tinham essa questão explicitada e centralizada, o que justifica a existência dos demais focos.

A seguir, apresento um panorama da revisão com o objetivo de entender quais discussões e temas são mobilizados nos estudos que envolvem aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência.

PANORAMA DO CORPUS DE TRABALHOS SELECIONADOS 6 6 Uma versão inicial e parcial desse panorama foi apresentada em um evento acadêmico (Leonardo Júnior & Massi, 2022).

Após a aplicação das ferramentas de refinamento das bases de dados, foram obtidos 115 trabalhos internacionais e 50 nacionais. Excluindo-se os trabalhos de formato diferente (editorial, entrevista, relato de experiência etc.) que passaram pelas ferramentas e os duplicados, o corpus de trabalhos resultou em 114 artigos, sendo 66 internacionais (58%) e 48 nacionais (42%), ambos caracterizados quanto à área e ao foco. Na Figura 1, o gráfico de barras representa a combinação das duas caracterizações.

Do corpus total, 45 artigos (39%) discutem sobre ontologia e epistemologia em relação às ciências da natureza de forma geral ou de forma interdisciplinar. Desses 45 artigos, nenhum trabalha com modelagem ou currículo. Entre as áreas específicas, a física apresentou o maior número - 31 artigos (27%) - enquanto a educação ambiental apresentou o menor número - quatro artigos (4%). Concepção de mundo e de ciências é um foco presente em trabalhos de todas as áreas, principalmente das ciências da natureza - 11 artigos (24,5%). O ensino e aprendizagem de conceitos não é abordado pela educação ambiental; em relação às demais áreas, é menos abordado em ciências (geral) - 10 artigos (22%) -, possivelmente porque os conceitos estão mais relacionados a disciplinas específicas, como biologia - que teve a maior porcentagem (73%) -, química e física. A seguir, apresento alguns artigos de cada foco, do mais frequente ao menos frequente.

Figura 1
Caracterização do corpus em relação à área das ciências naturais e ao foco

Do corpus total, 45 artigos (40%) investigam o ensino e aprendizagem de conceitos, e a maioria deles - 34 artigos - aborda esse processo a partir da proposta de mudança conceitual e do modelo de perfil conceitual, em que os trabalhos de Michelene T. H. Chi (e.g. Chi, 1992Chi, M. T. H. (1992). Conceptual change within and across ontological categories: Examples from learning and discovery in science. In R. Giere, (Ed.), Cognitive models of science: Minnesota studies in the philosophy of science(pp. 129-186). University of Minnesota Press.) e de Eduardo Fleury Mortimer (e.g. Mortimer, 1995Mortimer, E F. (1995). Conceptual change or conceptual profile change? Science & Education, 4(3), 265-287. https://doi.org/10.1007/BF00486624
https://doi.org/10.1007/BF00486624...
) são frequentemente citados. Pereira (2017Pereira, A. P. (2017). Um panorama da pesquisa internacional sobre mudança conceitual. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 17(1), 215-242. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017171215
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) realizou uma revisão internacional buscando por artigos da EC sobre mudança conceitual, e o resultado evidencia como essas pesquisas compreendem uma agenda bastante diversificada, com diversos significados, falta de precisão e controvérsias, não sendo possível situar os estudos e desdobramentos a partir das abordagens clássicas e seminais. “Mudança conceitual” acabou se tornando um termo vago e uma espécie de rótulo (Pereira, 2017Pereira, A. P. (2017). Um panorama da pesquisa internacional sobre mudança conceitual. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 17(1), 215-242. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017171215
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
).

Liu (2004Liu, X. (2004). Using concept mapping for assessing and promoting relational conceptual change in science. Science Education, 88(3), 373-396. http://dx.doi.org/10.1002/sce.10127
https://doi.org/10.1002/sce.10127...
), She (2004She, H.‐C. (2004). Fostering radical conceptual change through dual‐situated learning model. Journal of Research in Science Teaching, 41(2), 142-164. https://doi.org/10.1002/tea.10130
https://doi.org/10.1002/tea.10130...
) e Tyson et al., (1997Tyson, L. M., Venville, G. J., Harrison, A. G., & Treagust, D. F. (1997). A multidimensional framework for interpreting conceptual change events in the classroom. Science education, 81(4), 387-404. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199707)81:4<387:AID-SCE2>3.0.CO;2-8
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) discorrem sobre as diferentes teorias propostas por pesquisadores do campo da psicologia cognitiva. A teoria original foi publicada por Posner et al. (1982Posner, G. J., Strike, K. A., Hewson, P. W., & Gertzog, W. A. (1982). Accommodation of a scientific conception: Toward a theory of conceptual change. Science Education, 66(2), 211-227. https://doi.org/10.1002/sce.3730660207
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); nela, os autores propõem a assimilação e a acomodação como dois tipos de mudança conceitual e, centrados nesta última, descrevem condições para que ela ocorra e características da ecologia conceitual (Tyson et al., 1997Tyson, L. M., Venville, G. J., Harrison, A. G., & Treagust, D. F. (1997). A multidimensional framework for interpreting conceptual change events in the classroom. Science education, 81(4), 387-404. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199707)81:4<387:AID-SCE2>3.0.CO;2-8
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). Nos anos seguintes, a teoria foi revisitada diversas vezes, uma delas devido à abordagem racionalista/cognitivista que ela vinha recebendo, e os autores ampliaram as condições para a mudança conceitual por acomodação e ampliaram as características e a centralidade da ecologia conceitual, além de reconhecerem a importância de fatores afetivos, sociais e motivacionais (Tyson et al., 1997Tyson, L. M., Venville, G. J., Harrison, A. G., & Treagust, D. F. (1997). A multidimensional framework for interpreting conceptual change events in the classroom. Science education, 81(4), 387-404. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199707)81:4<387:AID-SCE2>3.0.CO;2-8
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). A partir desta teoria, estudos foram desenvolvidos, entre eles, o de Chi (1992Chi, M. T. H. (1992). Conceptual change within and across ontological categories: Examples from learning and discovery in science. In R. Giere, (Ed.), Cognitive models of science: Minnesota studies in the philosophy of science(pp. 129-186). University of Minnesota Press.), que propõe três categorias ontológicas principais que podem descrever as características da maior parte dos conceitos científicos: matéria, processos e estados mentais. Tyson et al. (1997)Tyson, L. M., Venville, G. J., Harrison, A. G., & Treagust, D. F. (1997). A multidimensional framework for interpreting conceptual change events in the classroom. Science education, 81(4), 387-404. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199707)81:4<387:AID-SCE2>3.0.CO;2-8
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descrevem uma estrutura multidimensional - ontologia, epistemologia e contexto socioafetivo - para as mudanças conceituais, que integra diferentes perspectivas a partir dos desdobramentos da teoria original.

A noção de perfil conceitual também é um dos desdobramentos da teoria original e tem orientado principalmente a agenda de pesquisa nacional sobre esse tema. Os autores entendem que cada indivíduo possui um perfil sobre um determinado conceito científico e que cada zona do perfil tem uma ontologia própria (forma de interpretação da realidade), distinta das demais; no entanto, esses perfis são semelhantes entre indivíduos de uma mesma cultura, pois estão relacionados a modos de pensar caracterizados/estabilizados por compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos (Mortimer, 1998Mortimer, E. F. (1998). Multivoicedness and univocality in classroom discourse: An example from theory of matter. International Journal of Science Education, 20(1), 67-82. https://doi.org/10.1080/0950069980200105
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; Sepulveda et al., 2013Sepulveda, C., Mortimer, E. F., & El-hani, C. N. (2013). Construção de um perfil conceitual de adaptação: Implicações metodológicas para o programa de pesquisa sobre perfis conceituais e o ensino de evolução. Investigações em Ensino de Ciências, 18(2), 439-479. https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienci/article/view/140
https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienc...
). De modo geral, entende-se que há não apenas obstáculos epistemológicos que podem ocorrer no ensino e aprendizagem de um conceito, mas também obstáculos ontológicos, com base nas três categorias ontológicas de Chi (1992Chi, M. T. H. (1992). Conceptual change within and across ontological categories: Examples from learning and discovery in science. In R. Giere, (Ed.), Cognitive models of science: Minnesota studies in the philosophy of science(pp. 129-186). University of Minnesota Press.). Nessas pesquisas, também há discussões sobre a relação entre conhecimento cotidiano e conhecimento científico e como as questões socioafetivas e culturais compõem o perfil de um conceito e afetam o seu ensino e aprendizagem.

Os conceitos científicos abordados podem evidenciar que eles possuem uma dimensão ontológica mais complexa ou abstrata para o pensamento humano, o que pode levar a obstáculos epistemológicos e ontológicos mais frequentes e desafiadores no contexto do ensino e, consequentemente, acabam sendo objeto de estudo. Alguns dos conceitos trabalhados sob essa perspectiva são: matéria (Mortimer, 1998Mortimer, E. F. (1998). Multivoicedness and univocality in classroom discourse: An example from theory of matter. International Journal of Science Education, 20(1), 67-82. https://doi.org/10.1080/0950069980200105
https://doi.org/10.1080/0950069980200105...
); calor (Amaral & Mortimer, 2001Amaral, E. M. R, & Mortimer, E. F. (2001). Uma proposta de perfil conceitual para o conceito de calor. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(3), 1-14. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4154
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbp...
); força (Radé & Santos, 2005Radé, T. S., & Santos, R. P. (2005). Uma proposta de perfil conceitual para o conceito de força. [Apresentação de Trabalho]. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://abrapec.com/atas_enpec/venpec/conteudo/paineltitulo.htm); morte (Nicolli & Mortimer, 2009Nicolli, A. A., & Mortimer, E. D. (2009). Construção de um perfil para o conceito de morte. [Apresentação de Trabalho]. VIIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://fep.if.usp.br/~profis/arquivos/viienpec/VII%20ENPEC%20-%202009/www.foco.fae.ufmg.br/cd/pdfs/755.pdf
https://fep.if.usp.br/~profis/arquivos/v...
); fotossíntese (Dimov et al., 2014Dimov, L. F., Pechliye, M. M., & Jesus, R. C. (2014). Caracterização ontológica do conceito de fotossíntese e obstáculos epistemológicos e ontológicos relacionados com o ensino deste conceito. Investigações em Ensino de Ciências, 19(1), 7-28. https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienci/article/view/92
https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienc...
); gravidade (Gupta et al., 2014Gupta, A., Elby, A., & Conlin, L. D. (2014). How substance-based ontologies for gravity can be productive: A case study. Physical Review Special Topics - Physics Education Research, 10(1), Article 010113. https://doi.org/10.1103/PhysRevSTPER.10.010113
https://doi.org/10.1103/PhysRevSTPER.10....
); temperatura (Duca et al., 2017Duca, G. R. S., Barlette, V. E., & Nedel, D. L. (2017). Obstáculos epistemológicos na compreensão do conceito de temperatura por estudantes de nível médio. [Apresentação de Trabalho]. XIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/anais/listaresumos.htm).

Com 21 artigos (18%), o foco em concepção de mundo e de ciência é o segundo mais frequente. Esse grupo de trabalhos discute a relação da concepção de mundo e da natureza da ciência de docentes, alunos ou mesmo de cientistas com o processo de ensino e aprendizagem, em como, por exemplo, uma concepção de ciência do docente acaba afetando o ensino de ciências. Nesse foco, o sentido de concepção de mundo em alguns trabalhos diz respeito à compreensão do ser humano acerca da natureza e sua relação com ela ou ainda sobre suas crenças religiosas e sua relação com a ciência.

Bencze e Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
https://doi.org/10.1080/0950069042000205...
) descrevem um estudo de caso de imersão dialética indutiva-dedutiva que teve o intuito de auxiliar docentes a desenvolverem concepções mais realistas da ciência, o que possibilitou construir um continuum ontológico e epistemológico dessas concepções. Westphal e Pinheiro (2004Westphal, M., & Pinheiro, T. C. (2004). A epistemologia de Mario Bunge e sua contribuição para o ensino de ciências. Ciência & Educação, 10(3), 585-596. https://doi.org/10.1590/S1516-73132004000300019
https://doi.org/10.1590/S1516-7313200400...
) trabalham com a epistemologia de Mario Bunge - que defende o realismo ontológico - como forma de se oporem às visões relativistas de Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, mostrando o seu benefício para o ensino de ciências. Skordoulis (2008Skordoulis, C. D. (2008). Science and worldviews in the marxist tradition. Science & Education, 17, 559-571. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-8
https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-...
), partindo da concepção marxista de ontologia materialista, epistemologia realista e de ciência como uma atividade social, discorre sobre a relação entre marxismo, ciência e visões de mundo. Baily e Finkelstein (2009Baily, C., & Finkelstein, N. (2009). Development of quantum perspectives in modern physics. Physical Review Special Topics - Physics Education Research, 5(1), 1-8. https://doi.org/10.1103/PhysRevSTPER.5.010106
https://doi.org/10.1103/PhysRevSTPER.5.0...
) sugerem que uma concepção realista, que não apresenta problemas para um sistema físico clássico, pode ser problemática para o ensino introdutório de física quântica, levando a interpretações inadequadas dos sistemas quânticos.

Kind e Osborne (2017Kind, P., & Osborne, J. (2017). Styles of scientific reasoning: A cultural rationale for science education? Science education, 101(1), p. 8-31. https://doi.org/10.1002/sce.21251
https://doi.org/10.1002/sce.21251...
) defendem uma concepção de raciocínio científico - que consideram ser um dos principais objetivos do ensino de ciências - com base em seis estilos de raciocínio, os quais mobilizam suas próprias entidades ontológicas e procedimentais e valores e construções epistêmicas. Lin e Tsai (2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
https://doi.org/10.1080/09500693.2017.13...
) tratam das relações entre as crenças ontológicas e epistêmicas de alunos taiwaneses sobre a ciência a partir de entrevistas, identificando, por meio da análise de conteúdo, duas dimensões ontológicas e duas dimensões epistemológicas, ambas associadas entre si. Com base no realismo crítico de Roy Bhaskar, Yucel (2018Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-...
) investiga as visões de mundo de cientistas acadêmicos sobre ciência, e concluem que a estrutura desse realismo fornece um meio termo entre o positivismo e o construtivismo social para educadores de ciências, entendendo o conhecimento científico como socialmente construído sem relativizar a realidade.

No trabalho de Mansour (2010Mansour, N. (2010). Science teachers’ interpretations of Islamic culture related to science education versus the Islamic epistemology and ontology of science. Cultural studies of science education, 5(1), 127-140. https://doi.org/10.1007/s11422-009-9214-5
https://doi.org/10.1007/s11422-009-9214-...
), o autor discute sobre as visões que docentes egípcios muçulmanos têm da ciência, da religião e da relação entre elas, mostrando que há uma centralidade da religião no sistema de crenças dos docentes e que esta centralidade norteia seu entendimento sobre a natureza da ciência. Bai (2015Bai, H. (2015). Peace with the Earth: Animism and contemplative ways. Cultural Studies of Science Education, 10(1), 135-147. https://doi.org/10.1007/s11422-013-9501-z
https://doi.org/10.1007/s11422-013-9501-...
) problematiza a ontologia cotidiana e sugere uma ontologia e epistemologia animistas e práticas contemplativas a fim de superar a visão de separação entre o animado e o inanimado (natureza).

Os 16 artigos (14%) com foco em modelagem, representação e simbolismo representam o terceiro foco mais frequente. Esses trabalhos discorrem sobre a modelagem no ensino de ciências, investigando como um modelo ou o simbolismo matemático representam a realidade. Também analisam como entidades, conceitos e leis são representados em livros didáticos. A maioria - 11 artigos - são da física e trabalham principalmente com a física quântica: Brockington e Pietrocola (2005Brockington, G., & Pietrocola, M. (2005). O ensino de física moderna na escola média: Os modelos e o realismo científico na sala de aula. [Apresentação de Trabalho]. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://abrapec.com/atas_enpec/venpec/conteudo/artigos/3/pdf/p749.pdf
https://abrapec.com/atas_enpec/venpec/co...
) abordam a modelagem preocupados com a natureza dos objetos quânticos, que pode ser estranha para os alunos e levá-los a se desinteressar por sua aprendizagem; e Freitas e Sinclair (2018Freitas, E., & Sinclair, N. (2018). The quantum mind: Alternative ways of reasoning with uncertainty. Canadian Journal of Science, Mathematics and Technology Education, 18(3), 271-283. https://doi.org/10.1007/s42330-018-0024-1
https://doi.org/10.1007/s42330-018-0024-...
) propõem um modelo de raciocínio matemático para conceitos da quântica que envolvem a incerteza partindo da teoria da decisão e da probabilidade quântica.

Poblete et al. (2016Poblete, J. C., Rojas, R. O., Merino, C., & Quiroz, W. (2016). An ontological and epistemological analysis of the presentation of the first law of thermodynamics in school and university textbooks. Chemistry Education Research and Practice, 17(4), 1041-1053. https://doi.org/10.1039/C6RP00105J
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) investigam a representação da primeira lei da termodinâmica em livros escolares e universitários. Pietrocola (1999Pietrocola, M. (1999). Construção e realidade: O realismo científico de Mário Bunge e o ensino de ciências através de modelos. Investigações em Ensino de Ciências, 4(3), 213-227. https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienci/article/view/604
https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienc...
) critica o movimento construtivista e apresenta o realismo científico de Bunge no ensino de física, com enfoque no papel dos modelos na ciência. Para Bunge (Bunge, 1973Bunge, M. (1973). Filosofia da Física. Edições 70., 1974; Pietrocola, 1999), a modelagem é essencial para a construção do conhecimento científico, pois a realidade está escondida - inacessível aos sentidos - e pode ser apreendida conceitualmente por meio de modelos, que funcionam como “dublês” da realidade. Os modelos teóricos têm valor ontológico, pois são aproximadamente e provisoriamente a realidade; por ter um status convencional, não faz sentido questionar se um modelo é verdadeiro ou falso (Bunge, 1973Bunge, M. (1973). Filosofia da Física. Edições 70., 1974Bunge, M. (1974). Teoria e realidade. Perspectiva.).

Quanto ao foco em fundamentação e prática pedagógicas, 15 artigos (13%) se enquadram nele. Alguns trabalhos defendem uma determinada teoria pedagógica, como o construtivismo e a pedagogia histórico-crítica, discutindo sobre seus princípios filosóficos - como os ontológicos e epistemológicos - e de que forma eles orientam a prática docente. Outros estão mais centrados em metodologias e práticas específicas de ensino visando a uma aprendizagem mais efetiva e/ou transformadora, com abordagens socioculturais, etnográficas etc. Laburú e Carvalho (2001Laburú, C. E., & Carvalho, M. (2001). Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico no ensino de ciências naturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(1), 1-11. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4184
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbp...
) discorrem sobre as bases ontológicas e epistemológicas do construtivismo radical e as críticas que ele tem recebido e propõem um pluralismo metodológico com base em Feyerabend, enquanto Kelly (1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
) mostra algumas similaridades entre o construtivismo radical - entendido como um programa de pesquisa, nos termos do filósofo Lakatos - e o positivismo em relação à ontologia.

Stetsenko (2008Stetsenko, A. (2008). From relational ontology to transformative activist stance on development and learning: Expanding Vygotsky’s (CHAT) project. Cultural Studies of Science Education, 3(2), 471-491. https://doi.org/10.1007/s11422-008-9111-3
https://doi.org/10.1007/s11422-008-9111-...
) parte das contribuições de Dewey, Piaget e Vigotski - com foco neste último - para discutir abordagens socioculturais do desenvolvimento humano como a ontologia relacional, em que a transformação ativa e colaborativa do mundo - ser e se tornar - está no cerne da natureza humana e na base da aprendizagem, impregnadas de ideologia, ética e valores. A partir de uma combinação teórica de pedagogia crítica, aprendizagem baseada no lugar, educação científica, geografia humana, feminismo e conhecimento indígena, Kress e Lake (2018Kress, T. M., & Lake, R. (2018). The strong poetry of place: A co/auto/ethnographic journey of connoisseurship, criticality and learning. Cultural studies of science education, 13(4), 945-956. https://doi.org/10.1007/s11422-016-9804-y
https://doi.org/10.1007/s11422-016-9804-...
) trabalham com uma abordagem etnográfica envolvendo narrativas pessoais. No trabalho de Kang e Wallace (2005Kang, N.-H., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science education, 89(1), 140-165. https://doi.org/10.1002/sce.20013
https://doi.org/10.1002/sce.20013...
), os autores destacam que a visão que um professor tem da ciência influencia na sua prática e atividades em laboratório. Peneluc et al. (2018Peneluc, M. C., Pinheiro, B. C. S., & Moradillo, E. F. (2018). Possíveis confluências filosóficas e pedagógicas entre a educação ambiental crítica e a pedagogia histórico-crítica. Ciência & Educação, 24(1), 157-173. https://doi.org/10.1590/1516-731320180010011
https://doi.org/10.1590/1516-73132018001...
) discutem, com base nos pressupostos do marxismo e da pedagogia histórico-crítica, aspectos ontológicos, epistemológicos e político-pedagógicos da educação ambiental crítica, que pode desenvolver uma práxis educacional desveladora das questões socioambientais.

A fim de nortear os pesquisadores a partir da defesa de posições ontológicas e epistemológicas, os autores de 13 artigos (11%) tratam da pesquisa e metodologia. Esses trabalhos também discutem a necessidade de compreensão e reflexão por parte dos pesquisadores sobre a sua pesquisa e método e como eles se associam com panoramas contextuais, envolvendo raça, identidade, cultura etc. Santos (2007Radé, T. S., & Santos, R. P. (2005). Uma proposta de perfil conceitual para o conceito de força. [Apresentação de Trabalho]. VEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://abrapec.com/atas_enpec/venpec/conteudo/paineltitulo.htm), com base no materialismo histórico e na ontologia do ser social de Lukács, defende a produção de conhecimento na EC com prioridade ontológica e não epistemológica, problematizando a relação entre ciência e religião. Partindo do fato de que muitos métodos atuais ainda partem dos princípios positivistas, Kincheloe e Tobin (2009Kincheloe, J. L., & Tobin, K. (2009). The much exaggerated death of positivism. Cultural Studies of Science Education, 4(3), 513-528. https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-5
https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-...
) encorajam pesquisadores a identificar as ontologias, epistemologias e axiologias de seus métodos por meio da reflexão. Atweh (2011Atweh, B. (2011). Reflections on social justice, race, ethnicity and identity from an ethical perspective. Cultural Studies of Science Education, 6(1), 33-47. https://doi.org/10.1007/s11422-010-9305-3
https://doi.org/10.1007/s11422-010-9305-...
) trata da postura ética associada a construtos usados na pesquisa educacional, como justiça social e raça, e sugere uma abordagem não ontológica e não epistemológica da ética.

Por fim, apenas quatro trabalhos (4%) têm como foco o currículo de ciências. De modo geral, esses estudos investigam a mobilização da história e filosofia da ciência nos currículos, tratando de aspectos sobre compreensão da natureza da ciência, conflitos com crenças e a relação entre currículo e autonomia escolar. Nascimento Júnior et al. (2011Nascimento Júnior, A. F., Souza, D. C., & Carneiro, M. C. (2011). O conhecimento biológico nos documentos curriculares nacionais do ensino médio: Uma análise histórico-filosófica a partir dos estatutos da biologia. Investigações em Ensino de Ciências, 16(2), 223-243. https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienci/article/view/228
https://ienci.if.ufrgs.br/index.php/ienc...
) analisam aspectos ontológicos, epistemológicos, histórico-sociais e conceituais de biologia nos Documentos Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM). Long (2012Long, D. E. (2012). The politics of teaching evolution, science education standards, and being a creationist. Journal of Research in Science Teaching, 49(1), 122-139. https://doi.org/10.1002/tea.20445
https://doi.org/10.1002/tea.20445...
) discute sobre o conflito entre evolucionismo e criacionismo, a minimização do evolucionismo no currículo por parte dos professores e as implicações para a política dos programas de formação de professores de ciências.

A partir desse panorama, pude identificar que a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la são aspectos ontológicos e epistemológicos comuns a todos os focos, mobilizados por meio de diferentes temáticas e aprofundamentos e que dizem respeito a concepções de mundo e de ciência. Para a análise com base no materialismo histórico e dialético, foram selecionados apenas trabalhos de ciências da natureza (geral), pois não é o meu objetivo aprofundar em temáticas de uma ciência específica. Além disso, os artigos dessas áreas discutem, principalmente, sobre a ontologia e a epistemologia de conceitos científicos no processo de ensino e aprendizagem e sobre a modelagem. Desses trabalhos, um novo recorte foi realizado: foram selecionados apenas os artigos que abordam de forma mais explícita sobre a realidade e a possibilidade de conhecê-la, com discussões mais teóricas e filosóficas no corpo do texto. Assim, 11 artigos compuseram o corpus para a análise, pertencentes a três focos:

  • Concepção de mundo e de ciência: (Bencze & Elshof, 2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
    https://doi.org/10.1080/0950069042000205...
    ; Kind & Osborne, 2017Kind, P., & Osborne, J. (2017). Styles of scientific reasoning: A cultural rationale for science education? Science education, 101(1), p. 8-31. https://doi.org/10.1002/sce.21251
    https://doi.org/10.1002/sce.21251...
    ; Lin & Tsai, 2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
    https://doi.org/10.1080/09500693.2017.13...
    ; Skordoulis, 2008Skordoulis, C. D. (2008). Science and worldviews in the marxist tradition. Science & Education, 17, 559-571. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-8
    https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-...
    ; Westphal & Pinheiro, 2004Westphal, M., & Pinheiro, T. C. (2004). A epistemologia de Mario Bunge e sua contribuição para o ensino de ciências. Ciência & Educação, 10(3), 585-596. https://doi.org/10.1590/S1516-73132004000300019
    https://doi.org/10.1590/S1516-7313200400...
    ; Yucel, 2018Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
    https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-...
    ).

  • Fundamentação e prática pedagógicas: (Laburú & Carvalho, 2001Laburú, C. E., & Carvalho, M. (2001). Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico no ensino de ciências naturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(1), 1-11. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4184
    https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbp...
    ; Kang & Wallace, 2005Kang, N.-H., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science education, 89(1), 140-165. https://doi.org/10.1002/sce.20013
    https://doi.org/10.1002/sce.20013...
    ; Kelly, 1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
    https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
    ).

  • Pesquisa e metodologia: (Kincheloe & Tobin, 2009Kincheloe, J. L., & Tobin, K. (2009). The much exaggerated death of positivism. Cultural Studies of Science Education, 4(3), 513-528. https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-5
    https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-...
    ; Santos, 2017Santos, J. V. A. (2017). Conhecimento em uma abordagem ontológica na pesquisa em ensino de Ciências. [Apresentação de Trabalho]. XIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/anais/listaresumos.htm
    https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/a...
    ).

A seguir, apresento uma análise marxista sobre a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la por meio de categorias de análise que emergiram dos 11 trabalhos selecionados, procurando entender a concepção dos autores da EC e as categorias a partir da concepção marxista, dialogando com as problemáticas e potencialidades identificadas nesse contexto.

ANÁLISE MARXISTA: A NATUREZA DA REALIDADE E A POSSIBILIDADE DE CONHECÊ-LA

No estudo de Lin e Tsai (2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
https://doi.org/10.1080/09500693.2017.13...
), os autores partem de entrevistas feitas a alunos sobre a natureza da ciência e definem duas dimensões: uma sobre o status da natureza e outra sobre a estrutura da natureza. Cada dimensão se divide em duas visões, sendo uma realista e outra idealista. As respostas dos alunos foram enquadradas dentro de uma visão de cada dimensão:

  • Dimensão do status da natureza: a realidade é material e existe independente da experiência e conhecimento humanos e a ciência é capaz de representar a natureza como ela é (realista); não há realidade existente fora da experiência e conhecimento humanos e o que se observa sobre o mundo é construído por meio de discursos e teorizações (idealista) (Lin & Tsai, 2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
    https://doi.org/10.1080/09500693.2017.13...
    );

  • Dimensão da estrutura da realidade: a natureza, em sua essência, tem uma estrutura a priori, isto é, uma estrutura absoluta (realista); a natureza não tem nenhuma suposta estrutura ou ordem (idealista) (Lin & Tsai, 2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
    https://doi.org/10.1080/09500693.2017.13...
    ).

As duas visões que Lin e Tsai (2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
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) definem sobre o status da natureza se assemelham com o esquema proposto e utilizado por Bencze e Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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) para classificar a concepção de professores. O esquema é constituído por dois eixos: um continuum ontológico (eixo vertical) que vai da perspectiva realista à antirrealista, e um continuum epistemológico (eixo horizontal) que vai da racionalista à naturalista, existindo, portanto, quatro possibilidades de cruzamento representadas pelos quatro quadrantes (Bencze & Elshof, 2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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). O que Lin e Tsai (2017)Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
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chamam de visão realista do status da natureza é o que Bencze e Elshof (2004)Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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chamam de perspectiva realista no continuum ontológico. Enquanto Lin e Tsai (2017)Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
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não entendem as visões na forma de um continuum, Bencze e Elshof (2004)Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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entendem que existem diferentes níveis/gradientes das perspectivas. Bencze e Elshof (2004) não discutem sobre a dimensão da estrutura da realidade.

Kang e Wallace (2005Kang, N.-H., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science education, 89(1), 140-165. https://doi.org/10.1002/sce.20013
https://doi.org/10.1002/sce.20013...
) se apoiam na agenda da American Association for the Advancement of Science para justificar seu estudo sobre a relação entre os objetivos instrucionais e crenças dos professores com suas aulas laboratoriais. No artigo, os autores falam de “crenças epistemológicas”, sendo possíveis várias combinações de crenças epistemológicas com aspectos ontológicos, o que lembra os gradientes de Bencze e Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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).

A possibilidade de que diferentes combinações de aspectos ontológicos e relacionais de crenças epistemológicas produzam várias práticas de ensino sustenta o argumento de que as crenças epistemológicas são multidimensionais (Hofer, 2000). Em particular, aspectos ontológicos e relacionais parecem ser dimensões distintas de crenças epistemológicas que explicam diferentes partes das práticas de ensino (Kang & Wallace, 2005Kang, N.-H., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science education, 89(1), 140-165. https://doi.org/10.1002/sce.20013
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, p. 161, tradução nossa).

Esses trabalhos (Bencze & Elshof, 2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
https://doi.org/10.1080/0950069042000205...
; Kang & Wallace, 2005Kang, N.-H., & Wallace, C. S. (2005). Secondary science teachers’ use of laboratory activities: Linking epistemological beliefs, goals, and practices. Science education, 89(1), 140-165. https://doi.org/10.1002/sce.20013
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; Lin & Tsai, 2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
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) mostram tentativas de compreensão da constituição da concepção de alunos e professores, que envolvem crenças ontológicas e epistemológicas, evidenciando os desdobramentos das concepções para o ensino e que essas concepções são heterogêneas e passíveis de mudança, o que foi evidenciado, por exemplo, na proposta desenvolvida por Bencze e Elshof (2004)Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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, em que os professores migraram de uma posição racionalista-realista (moderna) para uma mais naturalista-antirrealista (pós-moderna). Entretanto, essas crenças ontológicas e epistemológicas são trabalhadas a partir da perspectiva do sujeito (abordagem epistemológica), o que secundariza a dimensão ontológica - e, portanto, a realidade -, entendida, por exemplo, como uma dimensão da epistemologia, e a crença ontológica realista é considerada ingênua, tradicional, não sofisticada. Essas concepções remetem tanto ao velamento da ontologia da ciência neopositivista (Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.) como ao relativismo ontológico da pós-modernidade (Della Fonte, 2011Della Fonte, S. S. (2011). Fundamentos teóricos da pedagogia histórico-crítica. In A. C. G. Marsiglia(Org.), Pedagogia histórico-crítica: 30 anos(pp. 23-42). Autores Associados.). Além disso, não existe uma discussão mais ampla e filosófica sobre a natureza da realidade, do ser humano e da ciência, e da relação que estabelecem entre si.

Entender a natureza da realidade e como ela pode ser conhecida exige uma compreensão do que é o ser humano. Para Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.), compreender a estrutura da realidade é essencial para a compreensão da especificidade ontológica do ser social. A perspectiva ontológica geral para o marxismo é realista, isto é, o movimento da realidade é material e existe independente da consciência e conhecimento humanos, diferente de uma concepção ontológica antirrealista, em que a realidade existe a partir da mente humana (Lênin, 1982Lênin, V. I. (1982). Materialismo e empiriocriticismo. Progresso/Avante.). Resgatando os trabalhos de Bencze e Elshof (2004Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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) e de Lin e Tsai (2017Lin, T.-J., & Tsai, C.-C. (2017). Eliciting Taiwanese high school students’ scientific ontological and epistemic beliefs. International Journal of Science Education, 39(17), 2321-2341. https://doi.org/10.1080/09500693.2017.1378831
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), a concepção marxista se enquadra nas classificações realistas propostas por esses autores, mas não assume qualquer possibilidade de relativização e combinação com classificações idealistas.

Para se entender a ontologia do ser social e como o ser humano se distingue dos demais seres, é necessária uma concepção realista estratificada da realidade, em que a caracterização e as categorias de cada estrato dependem da natureza do ser. A partir de Duarte (1998Duarte, N. (1998). Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo. Perspectiva, 16(29), 99-116. https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10579
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), Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.) e Marx (2010Marx, K. (2010). Manuscritos econômico-filosóficos. Boitempo.), pode-se inferir que existem três níveis/esferas - três tipos de ser -, que apresentam uma série de determinações categoriais: o ser inorgânico (inanimado, físico-natural), o ser orgânico (biológico, meio de vida) e o ser social (vida mental). Considerar diferentes níveis de realidade não implica que cada nível seja uma realidade única e independente; ambos pertencem a uma unidade indissolúvel histórica e natural da única realidade material e objetiva. Não implica também que cada tipo de ser não apresente atributos próprios: elementos dos três tipos de ser têm conexão e diferenciação; o ser social emerge da esfera orgânica, que, por sua vez, emerge da inorgânica; logo, o ser humano é social, orgânico e inorgânico, não podendo ser reduzido a nenhuma dessas esferas (Duarte, 1998Duarte, N. (1998). Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo. Perspectiva, 16(29), 99-116. https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10579
https://periodicos.ufsc.br/index.php/per...
; Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.; Marx, 2010Martins, L. M., & Lavoura, T. N. (2018). Materialismo histórico-dialético: Contributos para a investigação em educação. Educar em Revista, 34(71), 223-239. https://doi.org/10.1590/0104-4060.59428
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).

[...] a ontologia geral ou, em termos mais concretos, a ontologia da natureza inorgânica como fundamento de todo existente é geral pela seguinte razão: porque não pode haver qualquer existente que não esteja de algum modo ontologicamente fundado na natureza inorgânica. Na vida aparecem novas categorias, mas estas podem operar com eficácia ontológica somente sobre a base das categorias gerais, em interação com elas. [...] A questão marxiana sobre a essência e a constituição do ser social só pode ser formulada racionalmente com base numa fundamentação assim estratificada (Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo., p. 27).

O ser humano se distingue dos seres orgânico e inorgânico a partir de categorias específicas, sendo as principais o trabalho e a consciência: “[...] o animal apenas usa a natureza exterior e, por sua simples presença, causa modificações nela; o ser humano a põe a serviço de seus fins por meio das modificações que introduz nela; ele a domina” (Engels, 2020Engels, F. (2020). Dialética da natureza. Boitempo., p. 347, grifo do autor). É o trabalho e, portanto, a consciência, que possibilitaram o salto ontológico ou qualitativo do ser orgânico ao ser social (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.).

Logo, não existe separação entre o ser social e a natureza, mas, como discorre Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.) sobre o padrão moderno de cientificidade, o intenso dinamismo da sociedade capitalista e a intervenção ativa do ser humano exigiram uma separação idealizada entre sociedade e natureza, pois esta passou a ser entendida como submissa ao ser humano e aos seus interesses, que precisa explorá-la e conhecer suas qualidades mensuráveis a fim de aumentar a base material. Quanto mais universal o ser humano é em relação ao animal, mais universal é a dominação que ele exerce sobre o ser inorgânico (Marx, 2010Marx, K. (2010). Manuscritos econômico-filosóficos. Boitempo.), mas o ser humano não se liberta da natureza no sentido de se tornar independente e livre das suas leis; ele só se liberta da natureza conforme conhece as suas leis e consegue fazê-las atuarem para determinados fins (Engels, 2020Engels, F. (2020). Dialética da natureza. Boitempo.).

Yucel (2018Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
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) traz em seu artigo as contribuições do filósofo Roy Bhaskar, que defende um realismo crítico. Trata-se de um realismo científico que se distancia do empirismo, reivindicando a prioridade da ontologia na produção de conhecimento científico sem que ela seja relativizada (Wagner & Silveira, 2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Contexto & Educação, 34(109), 234-251. https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019.109.234-251
https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019....
; Yucel, 2018Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
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). Assim, Bhaskar critica o realismo empírico - de herança huminiana -, que reduz o real ao empírico, mas não defende o realismo ingênuo de um materialismo mecanicista, para o qual o movimento mental coincide com o movimento do real (Wagner & Silveira, 2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Contexto & Educação, 34(109), 234-251. https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019.109.234-251
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). Nessa concepção, é como se o reflexo ou espelhamento fosse uma fotocópia do real: os objetos e relações aparecem no espelhamento independentemente de serem singulares, particulares ou universais, os diferentes tipos de ser são absolutizados (Lukács, 1966Lukács, G. (1966). Estetica: La peculiaridad de lo estético(Vol. 1). Grijalbo., 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.).

Também partindo de uma concepção de realidade estratificada, Bhaskar (2013Bhaskar, R. (2013). A realist theory of science. Routledge.) entende a realidade como uma unidade de três estratos ou domínios distintos: o empírico, o atual/factual e o real. O real se manifesta além do que podemos experimentar, e embora o domínio do empírico sempre englobe os outros domínios, não necessariamente percebemos por meio dele todos os entes, mecanismos e propriedades, pois podem estar em um nível estratificado do real ainda não investigado (Bhaskar, 2013Bhaskar, R. (2013). A realist theory of science. Routledge.; Wagner & Silveira, 2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Contexto & Educação, 34(109), 234-251. https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019.109.234-251
https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019....
; Yucel, 2018Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
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). Yucel (2018)Yucel, R. (2018). Scientists’ ontological and epistemological views about science from the perspective of critical realism. Science & Education, 27(5), 407-433. https://doi.org/10.1007/s11191-018-9983-x
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aborda a fotossíntese para exemplificar os três domínios da realidade e afirma que as teorias científicas podem se referir a qualquer um desses domínios:

  • Domínio do real/causal: forças reais que podem ou não ser ativadas, mecanismos geradores: estrutura química das moléculas de água e de dióxido de carbono;

  • Domínio do factual: o que de fato ocorre em decorrência das forças causais e da combinação de tendências: representação da reação química da fotossíntese;

  • Domínio do empírico: dados coletados: quanto menos luz solar, menor a fotossíntese; quanto mais água, maior a fotossíntese.

Uma molécula de água, por exemplo, tem, devido à sua natureza, um determinado devir, isto é, potencialidades de vir a ser qualitativamente outra coisa após um crescimento quantitativo, o qual decorre por meio de interações (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.). A interação da água com outras moléculas e/ou condições/meios faz com que existam reflexos mútuos, os quais refletem sob uma forma específica as particularidades provenientes das interações entre universais (Cheptulin, 1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. Alfa-Omega.). “[...] na natureza inanimada, o reflexo toma a forma de uma reação química ou física em retorno, que coincide com a mudança do estado interno da formação material submetida às ações exteriores [...]” (Cheptulin, 1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. Alfa-Omega., p. 83). Por isso, a aparência e o fenômeno são apenas um momento da essência e não ela própria; diferentemente dos empiristas, deve-se ir além e tentar conhecer o que está por trás dessas particularidades refletidas, quais mecanismos estão envolvidos nesse processo de reflexão entre formações materiais, quais são as características das entidades e o seu devir, sem assumir uma entidade como a mais elementar ou fixa, pois cristaliza-se o movimento da natureza (Cheptulin, 1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. Alfa-Omega.; Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.). Tal movimento, de acordo com Engels (2020Engels, F. (2020). Dialética da natureza. Boitempo., p. 170), surge da incidência mútua entre os corpos/entidades que existem dentro de um contexto: “[...] a matéria é inconcebível sem movimento”.

De acordo com Lefebvre (1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.), o fato de o universo estar em movimento não implica a inexistência de seres relativamente estáveis e de qualidades relativamente constantes. A espécie humana existe, tem qualidades próprias, mas evolui; a água existe, tem qualidades próprias, mas não com a simplicidade e estabilidade requerida pela pura lógica (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.), ou, nos termos de Bhaskar, as moléculas de água não estão em um sistema fechado na natureza (Wagner & Silveira, 2019Wagner, G., & Silveira, E. (2019). Realismo crítico e marxismo: Contribuições à filosofia da Educação Matemática. Contexto & Educação, 34(109), 234-251. https://doi.org/10.21527/2179-1309.2019.109.234-251
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). Logo, existe a verdade, mas ela não é absoluta, pois sempre há mecanismos não identificados sobre a natureza da água e sua interação/reatividade com outras substâncias. A matéria é inerte apenas na aparência, uma vez que é constituída de ritmos e vibrações diferentes dos nossos; ela não é absolutamente estável: os elementos químicos não podem ser definidos pelo peso atômico constante, pois existem os isótopos, e os prótons e nêutrons não podem ser considerados entidades últimas/elementares do átomo, pois a estrutura é complexa e móvel (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.).

Para complementar essa discussão, trago a abordagem de Kind e Osborne (2017Kind, P., & Osborne, J. (2017). Styles of scientific reasoning: A cultural rationale for science education? Science education, 101(1), p. 8-31. https://doi.org/10.1002/sce.21251
https://doi.org/10.1002/sce.21251...
) sobre os diferentes tipos de raciocínio científico e as formas de conhecimento das quais esse raciocínio depende: conhecimento do conteúdo, conhecimento procedimental e conhecimento epistêmico. Em nota de rodapé, os autores explicam:

[...] uma entidade ontológica, por exemplo, uma onda, um gene ou um elemento é distinta de uma entidade procedimental como uma variável, um erro de medição, [...] que, por sua vez, é distinta de uma entidade epistêmica, como uma teoria, uma hipótese ou um argumento indutivo” (Kind & Osborne, 2017Kind, P., & Osborne, J. (2017). Styles of scientific reasoning: A cultural rationale for science education? Science education, 101(1), p. 8-31. https://doi.org/10.1002/sce.21251
https://doi.org/10.1002/sce.21251...
, p. 10, tradução nossa).

Pode-se entender que a entidade procedimental faz parte do domínio do empírico, o qual não revela aspectos diretos do domínio do real (entidade ontológica), mas que apresenta determinado comportamento e resposta a uma análise porque o real tem determinadas características e mecanismos. A entidade epistêmica, por sua vez, diz respeito à consciência humana e aos métodos científicos. Contudo, ao considerarem a entidade ontológica como conhecimento do conteúdo e ao subordinarem essa entidade às várias formas de raciocínio - por exemplo, a dedução matemática -, a discussão dos autores fica polarizada na dimensão epistemológica. Não há uma discussão mais profunda da dimensão ontológica sobre como uma variável se relaciona com os elementos do real e como as formas de raciocínio - dedução matemática, avaliação experimental, modelagem hipotética, categorização e classificação etc. - refletem o movimento do real, da matéria. Os autores afirmam que

Essas formas de raciocínio existem porque foram, e ainda são, bem-sucedidas em responder às questões ontológicas, causais e epistêmicas que são o foco das ciências. Elas são boas não porque detectam a verdade; em vez disso, elas são boas porque são bem-sucedidas” (Kind & Osborne, 2017Kind, P., & Osborne, J. (2017). Styles of scientific reasoning: A cultural rationale for science education? Science education, 101(1), p. 8-31. https://doi.org/10.1002/sce.21251
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, p. 13, tradução nossa).

Tenho identificado em autores marxistas (Cheptulin, 1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. Alfa-Omega.; Engels, 2020Engels, F. (2020). Dialética da natureza. Boitempo.; Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.; Lênin, 1982Lênin, V. I. (1982). Materialismo e empiriocriticismo. Progresso/Avante.) uma convergência sobre a natureza ter aspectos dialéticos; contudo, trata-se de uma questão polêmica que não está resolvida. Martins e Lavoura (2018Martins, L. M., & Lavoura, T. N. (2018). Materialismo histórico-dialético: Contributos para a investigação em educação. Educar em Revista, 34(71), 223-239. https://doi.org/10.1590/0104-4060.59428
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) e Oliveira (2005Oliveira, B. A. (2005). A dialética do singular-particular-universal. In A. A. Abrantes, N. R. Silva, & S. T. F. Martins (Orgs.), Método histórico-social na Psicologia Social (pp. 25-51). Vozes.) entendem que a lógica dialética é capaz de apreender as complexas relações e mediações dos múltiplos elementos da realidade em movimento, diferentemente da lógica formal, que os considera estáticos. O ser humano reflete no pensamento o desenvolvimento processual da realidade em sua dinamicidade e concretude por meio de abstrações e categorias (Oliveria, 2005). “[...] o movimento de nossa reflexão pode e deve reproduzir o movimento através do qual a essência se traduz, se trai, se reencontra em si mesma, mais profunda que o fenômeno e, todavia, ‘expressa’ por ele” (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira., p. 217). O reflexo científico, embora reflita a realidade objetiva, é um processo complexo, não imediato, não mecânico, e, portanto, não permite a apreensão da realidade em sua totalidade imediata, sendo uma aproximação sempre parcial (Lênin, 2011Lênin, V. I. (2011). Cadernos sobre a dialética de Hegel. Editora UFRJ.; Lukács, 1966Lukács, G. (1966). Estetica: La peculiaridad de lo estético(Vol. 1). Grijalbo.). É a própria prática, nos termos de Lênin (1982Lênin, V. I. (1982). Materialismo e empiriocriticismo. Progresso/Avante.), ou o próprio desenvolvimento histórico das ciências naturais, que atinge graus mais elevados de elaboração, nos termos de Engels (2020), que comprovam os aspectos dialéticos da natureza.

Para Engels (2020Engels, F. (2020). Dialética da natureza. Boitempo.), as leis da dialética são deduzidas a partir da história da natureza e da histórica da sociedade humana. Sendo possível captar categorias e movimentos dessas leis no reflexo da realidade, então o movimento do pensamento reflete aspectos do movimento da matéria, contudo, a realidade pode e deve ser mais complexa do que as leis da dialética são capazes de expressar. “[...] por mais atento que seja o pensamento, a realidade é mais complexa que o seu reflexo, desafia previsões e, por isso mesmo, alarga e enriquece a consciência” (Della Fonte, 2011Della Fonte, S. S. (2011). Fundamentos teóricos da pedagogia histórico-crítica. In A. C. G. Marsiglia(Org.), Pedagogia histórico-crítica: 30 anos(pp. 23-42). Autores Associados., p. 29). Logo, entender o papel da lógica dialética e do reflexo na produção de conhecimento, no desvelamento da verdade, ainda que transitória, nos permite ir além da compreensão dos tipos de raciocínio como frutos de um sucesso.

Skordoulis (2008Skordoulis, C. D. (2008). Science and worldviews in the marxist tradition. Science & Education, 17, 559-571. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-8
https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-...
) aborda o realismo científico de Marx, que parte de uma concepção ontológica realista e rejeita, assim como Bhaskar, o empirismo, que se detém em sistematizar o que é diretamente observável ao invés de pesquisar as causas implícitas. Para Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.), o neopositivismo recai no erro do empirismo porque acaba valorizando em demasia e deformando a participação do sujeito no espelhamento do universal no pensamento, não reconhecendo que o espelhamento pode estar refletindo momentos da realidade, pois é ignorada a existência em si do universal, que acaba sendo compreendido sob a manipulação subjetivista. É necessário superar o sensível e imediato para se penetrar no real, o que é negado pelos empiristas; contudo, a abordagem dos racionalistas também é equivocada porque entendem as ideias de forma metafísica, as situam para além do real (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira.). Penetrar no real “[...] é atingir pelo pensamento um conjunto cada vez mais amplo de relações, de detalhes, de particularidades, captadas numa totalidade. Esse conjunto, essa totalidade, por outro lado, jamais podem coincidir com a totalidade do real, com o mundo” (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). Lógica formal, lógica dialética(5a ed.). Civilização Brasileira., p. 112).

Focados nas ciências humanas/sociais, Kincheloe e Tobin (2009Kincheloe, J. L., & Tobin, K. (2009). The much exaggerated death of positivism. Cultural Studies of Science Education, 4(3), 513-528. https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-5
https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-...
) destacam seis pressupostos epistemológicos (com dimensões ontológicas) que são identificados na pesquisa positivista: formal, intratável, descontextualizada, universalista (tende a fazer generalizações/cristalizações), reducionista e unidimensional (define métodos de pesquisa corretos). Essas percepções ontológicas/epistemológicas estão relacionadas com neutralidade, objetividade, absolutismo e inflexibilidade, e “[...] moldam profundamente a forma como percebemos o mundo, a nós mesmos, nossa relação com o mundo, a educação e a produção de conhecimento” (Kincheloe & Tobin, 2009Kincheloe, J. L., & Tobin, K. (2009). The much exaggerated death of positivism. Cultural Studies of Science Education, 4(3), 513-528. https://doi.org/10.1007/s11422-009-9178-5
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, p. 522).

De acordo com Kelly (1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
), o positivismo é uma das filosofias antirrealistas mais fortes porque prioriza a verificabilidade e a demarcação e ignora questões relacionadas à realidade por considerá-las metafísicas. Os construtivistas radicais apresentam semelhança com os positivistas no que diz respeito à viabilidade de teorias: “[...] o conhecimento consiste em construções cognitivas e é viável na medida em que é consistente com a experiência e permite que os humanos façam previsões”, sendo essa viabilidade entendida como ontologicamente neutra (Kelly, 1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
, p. 361). Embora o construtivismo radical seja interpretado como uma forma de realismo, por se articular com uma multiplicidade de posições ontológicas, trata-se de um falso realismo, pois entende que “Existe uma realidade independente de nossos pensamentos e compromissos teóricos, mas essas aparências disponíveis ao conhecimento humano são aprendidas de maneira dependente da teoria [...]”, ou seja, essas aparências são construções humanas (Kelly, 1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
, p. 362, tradução nossa). Laburú e Carvalho (2001Laburú, C. E., & Carvalho, M. (2001). Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico no ensino de ciências naturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(1), 1-11. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4184
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), que discorrem sobre controvérsias construtivistas, apontam que o construtivismo radical parte do pressuposto de que a realidade é constituída por processos e fatores individuais e que, portanto, o conhecimento científico não tem relação com a verdade. Trata-se de uma postura ontológica idealista e epistemológica empirista por entender que “[...] não podemos conhecer qualquer realidade além da experiência. Portanto, a verdade torna-se relativa às estruturas conceituais que cada um de nós constrói, tendo cada pessoa acesso apenas às suas próprias experiências” (Laburú & Carvalho, 2001Laburú, C. E., & Carvalho, M. (2001). Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico no ensino de ciências naturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(1), 1-11. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4184
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, p. 2).

A fim de dialogar com essas concepções construtivistas e positivistas sobre a natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la, trago uma discussão sobre a práxis. Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo., p. 28, grifo do autor) afirma que conhecimento da ontologia do ser social só é possível pela compreensão da práxis no seu sentido objetivo e subjetivo: “[...] objetivamente o ser social é a única esfera da realidade na qual a práxis cumpre o papel de condido sine qua non[7 7 Expressão em latim que significa “sem o/a qual não”, que expressa algo que é indispensável, essencial. ] na conservação e no movimento das objetividades, em sua reprodução e em seu desenvolvimento”. A práxis nasce como resposta a perguntas de cunho ontológico sobre quem é o ser humano e o que é e como é criada a sociedade humano-social (Kosik, 1969Kosik, K. (1969). Dialética do concreto. Paz e Terra.). Nos seus estudos econômicos, Marx prioriza a ontologia na unidade ontoepistemológica ao partir de uma concepção ontológica do ser como ser social (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.). A práxis não deve ser entendida como mera prática (pragmatismo, utilitarismo), ela é a revelação da ontologia do ser social como ser ontocriativo - o que o diferencia da animalidade -, que cria a realidade humano-social e que, portanto, é capaz de compreender a realidade na sua totalidade, seja ela humana ou não-humana; práxis é unidade de teoria e prática, é ativa e histórica (Kosik, 1969Kosik, K. (1969). Dialética do concreto. Paz e Terra.). Ela também remete a uma concepção epistemológica objetivista, ou seja, o ser humano é capaz, por meio da sua práxis e do reflexo científico - desantropomorfizador - de reproduzir mentalmente e conceitualmente a realidade objetiva; a verdade, portanto, não é apenas uma forma organizadora da experiência humana, ela é objetiva (Lênin, 1982Lênin, V. I. (1982). Materialismo e empiriocriticismo. Progresso/Avante.; Lukács, 1966Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.).

O ser humano cria/objetiva, por meio do trabalho, algo que não é natural, que dependeu da sua práxis para existir. Aquilo que foi objetivado existe materialmente e independente de como o humano o nomeia, o entende e o categoriza. Nesse processo histórico, as objetivações geram novas necessidades e novas objetivações, que precisam ser apropriadas pelo ser humano (Duarte, 1998Duarte, N. (1998). Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo. Perspectiva, 16(29), 99-116. https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10579
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). A teleologia (intencionalidades/objetivos conscientes) e a causalidade (leis naturais, séries/princípios causais) são momentos heterogêneos desse processo de objetivação e compõem uma unidade indissolúvel: o trabalho (Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.; Santos, 2017Santos, J. V. A. (2017). Conhecimento em uma abordagem ontológica na pesquisa em ensino de Ciências. [Apresentação de Trabalho]. XIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/anais/listaresumos.htm
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; Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.). A causalidade existe de forma natural e espontânea, mas também existe como produto da ação humana, que gera novas séries causais (Santos, 2017Santos, J. V. A. (2017). Conhecimento em uma abordagem ontológica na pesquisa em ensino de Ciências. [Apresentação de Trabalho]. XIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/anais/listaresumos.htm
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). Os fins surgem das necessidades humanas e precisam ser objetivados pelo sujeito, já que não podem ser obtidos imediatamente na natureza; para se atingir os fins desejados, é necessário conhecer a causalidade, isto é, a realidade que será transformada (Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.; Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.). Essa é a importância da ciência como atividade teórica capaz de aproximar o conhecimento da causalidade à verdade: quanto mais verdadeiro for esse conhecimento, maior será a probabilidade de se atingir os fins (Lukács, 2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.; Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.). Portanto, é do trabalho que se origina a atividade prática objetiva dos seres humanos, da qual se desenvolvem esferas autônomas, como a ciência e a arte, que “[...] não apenas nos colocam questões teóricas epistêmicas cada vez mais elaboradas, mas, efetivamente, nos colocam diante de uma nova verdade ontológica” (Santos, 2017Santos, J. V. A. (2017). Conhecimento em uma abordagem ontológica na pesquisa em ensino de Ciências. [Apresentação de Trabalho]. XIEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. https://www.abrapec.com/enpec/xi-enpec/anais/listaresumos.htm
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, p. 6).

Westphal e Pinheiro (2004Westphal, M., & Pinheiro, T. C. (2004). A epistemologia de Mario Bunge e sua contribuição para o ensino de ciências. Ciência & Educação, 10(3), 585-596. https://doi.org/10.1590/S1516-73132004000300019
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) trabalham com a epistemologia do já citado Mario Bunge. Para explicar o realismo ontológico de Bunge, os autores trazem em nota de rodapé uma citação de Cupani e Pietrocola (2002Cupani, A., & Pietrocola, M. (2002). A relevância da epistemologia de Mario Bunge para o ensino de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 19, 100-125. https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/10057
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fis...
, p. 101): trata-se da “[...] convicção de que o mundo existe independentemente de nós. Para Bunge, todas as operações da ciência [...] implicam essa crença e ficariam privadas de sentido sem ela”. Assim como Skordoulis (2008Skordoulis, C. D. (2008). Science and worldviews in the marxist tradition. Science & Education, 17, 559-571. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9092-8
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), reconheço que, em alguns aspectos, há concordâncias entre a filosofia de Bunge com o marxismo. Porém, Bunge (1974) é a favor de um construtivismo epistemológico, pois ele compreende que as teorias e modelos construídos não retratam a realidade, pois são convencionais - uma vez que a construção do conhecimento científico é influenciada por fatores sociais - e, nesse sentido, são apenas aproximativos (Bunge, 1974; Westphal & Pinheiro, 2004). As concepções de Bunge e do construtivismo radical (Kelly, 1997Kelly, G. J. (1997). Research traditions in comparative context: A philosophical challenge to radical constructivism. Science Education, 81(3), 355-375. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199705)81:3<355::AID-SCE6>3.0.CO;2-D
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
; Laburú & Carvalho, 2001Laburú, C. E., & Carvalho, M. (2001). Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico no ensino de ciências naturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 1(1), 1-11. https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4184
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbp...
) remetem tanto à convenção científica do neopositivismo como ao ceticismo epistemológico da pós-modernidade (Della Fonte, 2007Della Fonte, S. S. (2007). Considerações sobre o ceticismo contemporâneo a partir da ontologia e gnosiologia marxista. Educação & Sociedade, 28(101), 1525-1542. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000400013
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, 2011Della Fonte, S. S. (2011). Fundamentos teóricos da pedagogia histórico-crítica. In A. C. G. Marsiglia(Org.), Pedagogia histórico-crítica: 30 anos(pp. 23-42). Autores Associados.).

O reflexo científico do ser social é capaz de captar o movimento da realidade por meio da mediação de categorias e por meio de conceitos. As categorias existem na realidade, mas não são tocáveis: elas fazem parte dos mecanismos do movimento da essência da realidade, os quais não são necessariamente captados no domínio do empírico; enquanto mediação, as categorias sintetizam esses movimentos e nos auxiliam na compreensão da realidade (Cheptulin, 1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. Alfa-Omega.). Portanto, o conhecimento produzido pela práxis científica tem caráter aproximativo, mas objetivo, não se trata apenas de uma convenção. A ciência é fruto de disputas ideológicas e deve se posicionar criticamente em relação aos interesses que podem limitar a sua objetividade: “A liberdade de buscar a verdade não é aumentada pela adoção de uma crença ilusória no desengajamento social da prática de produzir conhecimento científico” (Duarte et al., 2021Duarte, N., Massi, L., & Teixeira, L. A. (2021). The committed objectivity of science and the importance of scientific knowledge in ethical and political education. Science & Education, 30, 1-21. https://doi.org/10.1007/s11191-021-00302-2
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, p. 5, tradução nossa).

CONCLUSÕES

A revisão bibliográfica apresentada teve como objetivo identificar quais focos temáticos os autores da EC têm mobilizado nos estudos que envolvem aspectos ontológicos e epistemológicos da ciência. Os 114 artigos foram classificados conforme a área das ciências da natureza e o foco - concepção de mundo e de ciência, currículo, ensino e aprendizagem de conceitos, fundamentação e prática pedagógicas, modelagem, representação e simbolismo, pesquisa e metodologia -, com predominância do ensino e aprendizagem de conceitos, que trata principalmente de obstáculos ontológicos e epistemológicos. De modo geral, embora os autores dos 114 trabalhos apresentem uma discussão mais epistemológica, eles investigam aspectos que se relacionam com a concepção de mundo e de ciência e resgatam discussões filosóficas pertinentes que acabam não sendo abordadas no ensino de ciências (Matthews, 2014Matthews, M. R. (2014). Science, worldviews and education. In M. R. Matthews(Ed.), International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching (pp. 1585-1635). Springer.).

Na análise realizada, apresentei a perspectiva marxista acerca da natureza da realidade e a possibilidade de conhecê-la partindo das discussões de 11 trabalhos selecionados em um novo recorte e mobilizando categorias. Esses trabalhos evidenciaram a heterogeneidade da concepção de mundo e de ciência de professores e alunos, bem como a possibilidade de mudança dessas concepções. A maioria dos autores não evidenciam a sua concepção de natureza, de ser humano e de ciência, deixando-a em suspenso ou velada, e discutem sobre a dimensão ontológica a partir de uma perspectiva epistemológica, submetendo a realidade ao sujeito e relativizando-a. Os artigos apresentam concepções tanto do neopositivismo como da pós-modernidade, as quais são criticadas por Della Fonte (2007Della Fonte, S. S. (2007). Considerações sobre o ceticismo contemporâneo a partir da ontologia e gnosiologia marxista. Educação & Sociedade, 28(101), 1525-1542. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000400013
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, 2011Bencze, L., & Elshof, L. (2004). Science teachers as metascientists: An inductive-deductive dialectic immersion in northern alpine field ecology. International Journal of Science Education, 26(12), 1507-1526. https://doi.org/10.1080/0950069042000205431
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), Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo.), Tonet (2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.) e Valero et al. (2022Valero, R., Leonardo Júnior, C. S., Massi, L., & Gomes, L. B. M. (2022). Análise marxista de elementos da concepção de ciência nos principais filósofos abordados na Educação em Ciências: Aspectos ontológicos e epistemológicos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 39(3), 828-858. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2022.e86571
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) porque são idealistas, manipulativas e mascaram a realidade e a dinâmica desumana do capitalismo, que acabam relegadas a abstrações ou ao transcendente. Para Lukács (2018Lukács, G. (2018). Para uma ontologia do ser social I (2a ed.). Boitempo., p. 113), “[...] essa é a perda do senso de realidade da maioria das pessoas que vivem em nossa época em virtude da crescente manipulabilidade de seu cotidiano”. De acordo com o materialismo histórico e dialético, a realidade é prioritária e independe da consciência humana; logo, não há espaço para antirrealismos e relativismos. A realidade não é mecânica, cristalizada e/ou absoluta; ela é estratificada, está em movimento, tem aspectos dialéticos e pode ser captada mentalmente e conceitualmente pelo reflexo científico do ser social, ser ontocriativo. O conhecimento que advém da práxis científica tem objetividade, não é fixo nem imutável, pois reflete a realidade, e não é apenas uma convenção.

Para Matthews (2009Matthews, M. R. (2009). Teaching the philosophical and worldview components of science. Science & Education, 18, 697-728. https://doi.org/10.1007/s11191-007-9132-4
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, 2014Matthews, M. R. (2014). Science, worldviews and education. In M. R. Matthews(Ed.), International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching (pp. 1585-1635). Springer.), a educação científica deveria tratar de elementos filosóficos da ciência e da importância da concepção de mundo. Complemento o autor afirmando que, para ensinar ciências com esse tipo de abordagem, o docente precisa ter consciência desses elementos e conhecer os fundamentos de uma determinada pedagogia, que dizem respeito a uma determinada concepção de ser humano, de realidade e de ciência. Principalmente em um contexto de problemas sociais e ambientais urgentes, negacionismos e tensões políticas (Reis, 2021Reis, P. (2021). Desafios à Educação em Ciências em tempos conturbados. Ciência & Educação, 27, Artigo e21000. https://doi.org/10.1590/1516-731320210000
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), o docente precisa se posicionar e avaliar se tal concepção é coerente com a sua própria concepção de mundo e de ciência e com a sua prática educativa.

REFERÊNCIAS

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  • 2
    O termo “gnosiologia” foi considerado na busca por tratar da teoria do conhecimento, porém, não foram retornados trabalhos que o utilizam.
  • 3
    Periódicos A1: Ciência & Educação (C&E); Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências; Revista Brasileira de Ensino de Física; Periódicos A2: Alexandria; Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas; Areté: Revista Amazônica de Ensino de Ciências; Caderno Brasileiro de Ensino de Física; Investigações em Ensino de Ciências; Rencima: Revista de Ensino de Ciências e Matemática; Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências; Revista de Educação, Ciências e Matemática.
  • 4
    African Journal of Research in Mathematics, Science and Technology Education; Canadian Journal of Science, Mathematics and Technology Education; Chemistry Education Research and Practice; Cultural Studies of Science Education; International Journal of Science Education; Journal of Research in Science Teaching; Physical Review Special Topics Physics Education Research; Research in Science Education; Science Education; Science & Education.
  • 5
    As primeiras edições do ENPEC não contam com arquivos em formato pdf. Nesses casos, os textos foram copiados e transformados em pdf.
  • 6
    Uma versão inicial e parcial desse panorama foi apresentada em um evento acadêmico (Leonardo Júnior & Massi, 2022Leonardo Júnior, C. S., & Massi, L. (2022). A ontologia e a epistemologia da ciência na Educação em Ciências: Uma revisão bibliográfica sistemática. [Apresentação de Trabalho]. XVIIIReunião Técnica do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência. https://www.fc.unesp.br/#!/ensino/pos-graduacao/programas/educacao-para-a-ciencia/reuniao-tecnica/xviii-reuniao-tecnica---2021/
    https://www.fc.unesp.br/#!/ensino/pos-gr...
    ).
  • 7
    Expressão em latim que significa “sem o/a qual não”, que expressa algo que é indispensável, essencial.
  • O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Editado por

Editor responsável: Vanessa Cappelle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2023
  • Aceito
    26 Out 2023
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