Acessibilidade / Reportar erro

A percepção do autoconceito e sua influência no desempenho motor em crianças e adolescentes

The self-concept perception and its influence on motor performances of childrens and adolescents

Resumos

O objetivo do estudo foi analisar a percepção do autoconceito e sua relação com o desempenho motor de adolescentes analisados por gênero e faixa etária. Foram avaliados 144 adolescentes entre 10 e 14 anos (65 meninos). A mensuração do autoconceito foi realizada por meio de um inventário (PIERS; HARRIS; HERZBERG, 2002) e os testes motores utilizados para a avaliação do desempenho motor seguiram as padronizações da American Alliance for Health, Physical Education and Recreation and Dance (1988) - agilidade e impulsão vertical, a dinamometria (SOARES; SESSA, 2001) e o teste de resistência aeróbia (LÉGER et al., 1988). Para a equivalência dos resultados produzidos pelos testes motores foi utilizado o escore Z. Para a distribuição da amostra em grupos etários e por gênero foi utilizada a estatística descritiva. A comparação intragrupos do desempenho motor (baixo DB, médio DM, alto DA) e do autoconceito foi realizada por procedimentos não paramétricos Wilcoxon e Kruskal-Wallis Anova (p<0,05). Os achados finais mostraram que a idade influenciou negativamente a percepção do autoconceito e que os alunos com melhor desempenho motor apresentaram também valores superiores na percepção do autoconceito em relação aos seus pares.

Autoestima; desempenho motor; adolescentes


The objective was to investigate the relationship between the self-concept perception and the motor performance in adolescents analyzed by gender and age. We evaluated 144 adolescents between 10 and 14 years (65 boys). The measurement of self-concept was performed by an inventory (PIERS; HARRIS; HERZBERG, 2002); the motor tests used for the assessment of motor performance were the agility and vertical jump (AMERICAN ALLIANCE FOR HEALTH, PHYSICAL EDUCATION AND RECREATION AND DANCE, 1988), the dynamometer strength (SOARES; SESSA, 2001) and the aerobic endurance test (LÉGER et al., 1988). For the equivalence of results produced by the motor tests Z score was used. Descriptive statistics were performed for stratify the sample by age and gender. The intragroup comparison of motor performance (DB low, DM medium, DA high) and the self-concept was performed by procedures non-parametric Wilcoxon and Kruskal-Wallis ANOVA (p <0.05). The final results showed that age negatively influences the self-concept perception, and students with better motor performance also had higher values in the perception of self-concept in relation to their peers.

Self-esteem; motor performance; adolescents


ARTIGOS ORIGINAIS/ORIGINAL ARTICLES

A percepção do autoconceito e sua influência no desempenho motor em crianças e adolescentes

The self-concept perception and its influence on motor performances of childrens and adolescents

Helio Serassuelo JuniorI; Diego Silva BacarinII; Enio Ricardo Vaz RonqueIII; Sérgio Ricardo de Souza OliveiraIV; Antonio Carlos SimõesV

IDoutor. Professor no Departamento de Ciências do Esport, Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil.

IIGraduado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP, Brasil.

IIIDoutor. Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil.

IVDoutor. Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil.

VDoutor. Professor Titular da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, São Paulo–SP, Brasil.

Correspondência para Helio Serassuelo Junior Universidade Estadual de Londrina Departamento de Ciências do Esporte Rodovia Celso Garcia Cid – Pr 445, km 380 Campus Univeritário, Caixa Postal 6001 CEP 86051-980, Londrina-PR, Brasil E-mail: helio@onda.com.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar a percepção do autoconceito e sua relação com o desempenho motor de adolescentes analisados por gênero e faixa etária. Foram avaliados 144 adolescentes entre 10 e 14 anos (65 meninos). A mensuração do autoconceito foi realizada por meio de um inventário (PIERS; HARRIS; HERZBERG, 2002) e os testes motores utilizados para a avaliação do desempenho motor seguiram as padronizações da American Alliance for Health, Physical Education and Recreation and Dance (1988) – agilidade e impulsão vertical, a dinamometria (SOARES; SESSA, 2001) e o teste de resistência aeróbia (LÉGER et al., 1988). Para a equivalência dos resultados produzidos pelos testes motores foi utilizado o escore Z. Para a distribuição da amostra em grupos etários e por gênero foi utilizada a estatística descritiva. A comparação intragrupos do desempenho motor (baixo DB, médio DM, alto DA) e do autoconceito foi realizada por procedimentos não paramétricos Wilcoxon e Kruskal-Wallis Anova (p<0,05). Os achados finais mostraram que a idade influenciou negativamente a percepção do autoconceito e que os alunos com melhor desempenho motor apresentaram também valores superiores na percepção do autoconceito em relação aos seus pares.

Palavras-chave: Autoestima, desempenho motor, adolescentes

ABSTRACT

The objective was to investigate the relationship between the self-concept perception and the motor performance in adolescents analyzed by gender and age. We evaluated 144 adolescents between 10 and 14 years (65 boys). The measurement of self-concept was performed by an inventory (PIERS; HARRIS; HERZBERG, 2002); the motor tests used for the assessment of motor performance were the agility and vertical jump (AMERICAN ALLIANCE FOR HEALTH, PHYSICAL EDUCATION AND RECREATION AND DANCE, 1988), the dynamometer strength (SOARES; SESSA, 2001) and the aerobic endurance test (LÉGER et al., 1988). For the equivalence of results produced by the motor tests Z score was used. Descriptive statistics were performed for stratify the sample by age and gender. The intragroup comparison of motor performance (DB low, DM medium, DA high) and the self-concept was performed by procedures non-parametric Wilcoxon and Kruskal-Wallis ANOVA (p <0.05). The final results showed that age negatively influences the self-concept perception, and students with better motor performance also had higher values in the perception of self-concept in relation to their peers.

Keywords: Self-esteem, motor performance, adolescents

INTRODUÇÃO

A educação física atual tem passado por ajustes dentro do âmbito escolar, buscando uma identidade própria e a reafirmação do seu valor para a formação integral do aluno. Neste sentido, novas pesquisas têm surgido com o intuito de comprovar os benefícios da educação física, do esporte e do exercício físico nas dimensões motora, psicológica e social.

Santana (2003) observa que na educação física ou no esporte a dimensão psicológica vem sendo discutida e relacionada de forma ampla ao autoconceito. A boa relação e a preocupação com o autoconceito implicam em uma simultaneidade psíquica que nem sempre é levada em conta por praticantes ou profissionais envolvidos nesse tipo de intervenção. Um jovem com o autoconceito negativo encontrará dificuldades nas suas relações com os companheiros de equipe e na capacidade de interagir e vivenciar as experiências que a prática da atividade física pode proporcionar.

O autoconceito aqui discutido diz respeito à percepção de como um indivíduo se vê nas esferas física, social e espiritual (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002). Para Tamayo et al. (2001) o autoconceito seria uma característica dinâmica que o ser humano adquire e desenvolve à medida que amplia sua percepção e compreensão de seus valores pessoais e sociais. Para Serassuelo Junior (2007), o autoconceito se desenvolve a partir da resposta social "feedback" e da capacidade de interpretar as ideias e o próprio sucesso pessoal.

A literatura há muito tempo apresenta registros significativos sobre a eficiência da educação física e do esporte na melhoria de diversos fatores da emocionalidade do ser humano, e para isso tem sido usado o termo psicoterapia através do movimento (RÜMMELE, 1990). A literatura sugere três componentes no autoconceito: o avaliativo, o cognitivo e o comportamental. O primeiro é o mais difundido na literatura e diz respeito à avaliação que a pessoa faz do seu próprio valor, normalmente relacionada a sua aceitação, seu sentimento de valor e de autoconfiança/autoestima (SALMIVALLI et al. 1999).

A influência da Educação Física e/ou do esporte sobre o autoconceito depende não só da ação benéfica da atividade no funcionamento biológico do organismo, mas também da dimensão social presente nessa variável. Tamayo et al. (2001) reforçam esta tese destacando que o impacto da atividade física sobre o autoconceito deve ser observado em situações diversas, de continuidade, regularidade, e não somente em períodos curtos, por exemplo, nas férias, quando o sujeito realiza atividades da forma que desejar.

O exercício regular tem sido apontado, já há algum tempo, como uma medida psicoprofilática. Numa ótica inversa, alguns investigadores concluíram que a falta de exercício é um fator importante para o surgimento de sintomas que podem desencadear processos ligados à depressão. A atividade física é promotora de melhorias de ordem psicológica e de aumento do autoconceito, e paralelamente pode trazer benefícios nos sintomas de hipertensão, osteoporose, crises de diabete, além de vários transtornos psiquiátricos (BECKER JÚNIOR, 1998; KRUGER, 1999).

Chapman (1988), Silverman e Zigmond (1993) observaram que a aparência física e o controle motor têm apresentado grande importância na determinação do autoconceito, autoestima e imagem corporal nestas populações. Destacam ainda nesse estudo que as crianças com as maiores dificuldades motoras foram também aquelas que apresentaram menor percepção do seu valor.

Em estudo similar, King et al. (1998) analisaram adolescentes com dificuldade motora e observaram que as meninas apresentaram baixos valores de aceitação social e os meninos mostraram baixos valores no que diz respeito à competência escolar e atlética. Dunton et al. (2006), investigando meninas adolescentes, constataram uma relação positiva entre nível de atividade física e o autoconceito, e verificaram que o aumento da potência aeróbia apresentava uma relação positiva com o autoconceito. Por outro lado, uma relação negativa foi percebida quando existia o aumento do percentual de gordura e a percepção do autoconceito.

Desta forma, fica evidente a necessidade de informações sobre a influência da percepção do autoconceito no desempenho motor de crianças e adolescentes.

Neste contexto, o objetivo do presente estudo é analisar as possíveis variações na percepção do autoconceito e sua relação com o desempenho motor de adolescentes quanto observadas por gênero e faixa etária.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Seleção e descrição da amostra

Para atingir os objetivos propostos no presente estudo foi utilizado o método de pesquisa descritivo-exploratório. As informações apresentadas neste estudo fazem parte da coleta de dados de um projeto de pesquisa mais amplo, intitulado "Comportamento de autoconceito de crianças em idade escolar: um estudo da influência de variáveis antropométricas e psicossociais", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFEUSP), mediante o processo n.o 053 / 06072004.

Participaram deste estudo 144 crianças da faixa etária entre 10 e 14 anos, de ambos os gêneros, representadas por 65 meninos e 79 meninas, divididos em grupos etários, a saber; 20 da idade de 10 anos, 30 da idade 11 anos, 28 da idade 12 anos, 42 da idade 13 anos e 24 da idade de 14 anos. Todas as crianças participaram do estudo de forma voluntária e, por serem menores de dezoito anos, seus pais e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Somente participaram do estudo os escolares que cumpriram as normas estabelecidas.

Para composição da amostra foi entregue um resumo do projeto aos órgãos competentes do município, com o objetivo, a justificativa e os procedimentos metodológicos a serem utilizados pelo pesquisador, com o intuito de informar a proposta de investigação e as condições nas quais haveria a intervenção dos pesquisadores junto aos sujeitos da amostra. Em seguida foram selecionadas as escolas, sendo uma escola representante de cada região do município, e por fim foi sorteada uma única escola, a qual seria a participante do estudo.

Instrumentos de pesquisa

Desempenho motor

A avaliação do desempenho motor foi realizada por uma bateria de testes motores, constituída de agilidade, impulsão vertical (AMERICAN ALLIANCE FOR HEALTH, PHYSICAL EDUCATION AND RECREATION AND DANCE, 1988), dinamometria (SOARES; SESSA, 2001) e o teste de resistência aeróbia (LÉGER et al., 1988). Para a obtenção dos dados referentes ao desempenho motor foram seguidos todos os procedimentos pertinentes a cada teste.

A fim de permitir uma melhor compreensão dos padrões de desempenho motor dos jovens avaliados, optou-se por apresentar os resultados em valores brutos (escore Z) para cada teste, os quais foram somados (escore Z total) a fim de se criar uma classificação, como se vê no Quadro 1, abaixo.


Avaliação do autoconceito

O inventário Piers-Harris 2 (PIERS; HARRIS; HERZBERG, 2002), adaptado e validado para a língua portuguesa por Serassuelo Junior (2007) foi utilizado para o conhecimento da percepção do autoconceito nos adolescentes. Sua aplicação foi realizada individualmente, na sala de aula, sem interferência de pais ou professores. Seguiram-se os procedimentos descritos pelo manual de instruções do próprio inventário. Destaca-se que este instrumento pode ser utilizado com amostras da faixa etária entre sete e dezoito anos, além de ser facilmente respondido dentro de um espaço de tempo não superior a 15 minutos.

O instrumento consiste em um inventário de 60 questões, com respostas alternativas (sim ou não), que fornece, além do autoconceito total (TOT), seis escalas de domínio, a saber; ajustes de comportamento (BEH), "status" intelectual e escolar (INT), aparência física e atributos pessoais (PHY), livre de ansiedade (FRE), popularidade (POP), felicidade e satisfação (HAP). Neste estudo só foram considerados os resultados do TOT. Para interpretação dos resultados utiliza-se a padronização do próprio inventário (Quadro 2).


Ressalta-se que o instrumento utilizado possibilita a visualização dos resultados finais em valores absolutos ou relativos (percentil), e que sua forma de avaliação está envolvida com uma escala de valores atribuídos para cada uma das dimensões relacionadas com o comportamento dos indivíduos. O resultado padrão é uma medida comum numérica que permite comparações tanto entre os resultados brutos quanto com uma amostra de referência.

Coleta de dados

A coleta foi realizada durante as aulas de Educação Física na própria escola selecionada. Inicialmente foi utilizado um inventário de identificação pessoal, que caracterizava os alunos individualmente, com informações como o nome, data de nascimento, série escolar, faixa etária, gênero, aspectos socioeconômicos e outros. Após esse primeiro contato, as crianças foram submetidas a duas avaliações: o inventário para a percepção do autoconceito e a bateria de testes motores.

O inventário Piers-Harris 2 foi aplicado de forma individual, em uma sala de aula, e os testes motores foram aplicados posteriormente e seguiram os procedimentos propostos pela American Alliance for Health, Physical Education and Recreation and Dance (1988), de agilidade e impulsão horizontal, além dos testes suttle-run e preensão manual (dinamometria), propostos respectivamente por Léger et al. (1988), Soares e Sessa (2001).

Procedimento estatístico

A estatística descritiva foi utilizada para a distribuição da amostra em grupos etários e por gênero. Para a comparação intragrupos da variável desempenho motor (baixo, médio, alto) e o gênero com a variável comportamental (autoconceito total), foram utilizados os procedimentos não paramétricos de Wilcoxon e Kruskal-Wallis Anova. Destaca-se que a utilização de procedimentos estatísticos não paramétricos foi necessária porque a distribuição dos valores assumidos pelas variáveis comportamentais encontrava-se fora do padrão de normalidade. Todas as análises estatísticas do estudo foram realizadas com grau de significância de p<0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1 são apresentados os valores médios encontrados para o autoconceito dos jovens dos gêneros masculino e feminino, além daqueles que englobam ambos. Na análise dos resultados pode-se observar que os valores são semelhantes em ambos os gêneros e faixas etárias, o que indica que para esta amostra estas variáveis parecem não influenciar a percepção do autoconceito total.

Na apresentação dos resultados da Tabela 1 observa-se que o menor valor encontrado na percepção do autoconceito foi o apresentado pelos meninos do grupo etário de 14 anos (autoconceito abaixo da média – ver quadro 2), a mesma situação observada com as garotas de mesma faixa etária. Nas demais faixas etárias, com exceção do grupo de meninas de 13 anos, que também foi considerado abaixo da média na classificação do autoconceito total, todos os outros valores apresentados na Tabela 1 estão dentro do intervalo considerado pelo instrumento como adequado para a saúde mental (Quadro 2).

Na Tabela 2 são apresentados os valores médios obtidos com a aplicação da bateria de testes motores. Nesta tabela pode-se observar que à medida que ocorre o avanço etário também aumentam os valores obtidos na realização dos testes. Entre os gêneros e faixas etárias optou-se por não realizar nenhum procedimento estatístico para a observação de possíveis diferenças entre os grupos, pois o próprio momento maturacional em que se encontra amostra já constitui um fator de mudança nos resultados.

Na Tabela 3 são apresentados os valores referentes ao escore Z da soma dos resultados obtidos nos testes motores em função da idade e do gênero. Os dados obtidos foram então distribuídos em três grupos motores, assim denominados: desempenho motor baixo (DB) score Z ≤ 0,79; percentil ≤ 50, desempenho motor médio (DM) score Z 0,80 a 1,18; percentil 50-75, desempenho motor alto (DA) escore Z ≥ 1,19, percentil ≥ 75.

Na análise da Tabela 3 observa-se que os meninos apresentaram valores da soma dos resultados dos testes de desempenho motor sempre superiores aos das meninas, independentemente do grupo etário. Esta tendência pode ser explicada pelas próprias mudanças estruturais que acontecem com o desenvolvimento maturacional, mas também pode ser reflexo de questões motivacionais inerentes às diferenças entre gênero.

Para permitir a análise da relação entre o desempenho motor e o autoconceito, a amostra foi subdividida por desempenho (alto, médio e baixo) e por gênero. Na Figura 1 estão expostos os valores médios atribuídos ao autoconceito com a amostra subdividida em grupos de desempenho motor, conforme destacado anteriormente – escore Z.


Na análise da Figura 1 pode-se verificar que os maiores valores na percepção do autoconceito estão no grupo DM nas meninas e que os valores mais baixos estão no grupo DB masculino. As meninas do grupo DM apresentaram valores superiores aos dos grupos femininos DA e DB. Quanto observados os valores médios atribuídos ao autoconceito total (TOT) na Figura 1, para o gênero masculino, observa-se que os valores apresentam elevação conforme aumenta o desempenho motor. Este mesmo efeito é visto quando considerados ambos os gêneros. Toda a amostra, classificada como de desempenho baixo, médio ou alto, apresenta-se dentro da classificação considerada normal pelo instrumento utilizado na medida do autoconceito, ou seja, dentro do padrão desejado e preconizado para a uma saúde normal.

Como foi visto na Figura 1, o resultado apresentado pelo grupo DA foi superior ao dos grupos DB e DM, com exceção dos grupos femininos DA e DM. De forma geral, os resultados demonstram aumento na percepção do autoconceito dos alunos com alto desempenho motor quando comparados aos seus pares de baixo desempenho motor, porém estes resultados não se mostraram estatisticamente significativos entre os grupos de desempenho (p>0,05).

DISCUSSÃO

O autoconceito é um constructo entendido por meio da percepção do indivíduo sobre seu valor em relação ao meio ambiente e construído pela influência de fatores biopsicossociais. Acredita-se que a atividade física e o próprio desenvolvimento motor poderiam ser ferramentas importantes neste processo de autoafirmação e entendimento. O esporte e/ou a Educação Física poderiam, sem dúvida, proporcionar ao jovem uma vivência capaz de estimular o processo de construção do autoconceito e de suas dimensões de forma saudável e equilibrada.

Neste estudo procurou-se entender a influência do desempenho motor sobre a percepção do autoconceito de jovens de faixas etárias e gêneros diferentes. Em um primeiro momento não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na percepção do autoconceito quando a amostra era subdividida por idade, porém foi observada uma queda nos valores obtidos para este constructo à medida que ocorria o avanço etário.

Uma plausível explicação para estes achados é que as transformações anotomofisiológicas da adolescência se acentuam nesta faixa de idade (13 a 14 anos), gerando crise e desequilíbrio psicológicos (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Brown et al. (1998) realizaram um estudo com amostras de crianças de nove a 14 anos e observaram que a percepção do autoconceito diminuía conforme aumentava a idade das crianças, algo semelhante ao encontrado no presente estudo. Como conclusão, os autores observaram que as crianças com maior faixa etária percebiam diferentemente a relação do autoconceito com as imposições culturais e sociais impostas pela sociedade, o que poderia ser o motivo da queda nos valores atribuídos para este constructo.

A preocupação com possíveis mudanças na percepção do autoconceito em sujeitos de diferentes faixas etárias levou Heinonen, Raikkonen e Keltikangas-Jarvinen (2005) a pesquisarem as opiniões de aproximadamente 3.500 sujeitos (crianças e adolescentes) por meio de dois instrumentos de autoconceito. Os resultados demonstraram que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os valores atribuídos pelos jovens dos gêneros masculino e feminino, exatamente como foi constatado no presente estudo. Por outro lado, as meninas, conforme avançavam na idade, apresentavam sempre menores valores ao autoconceito, quando comparadas a seus pares masculinos.

No presente estudo, além de avaliar o autoconceito, houve a preocupação em relacionar as variáveis comportamentais do autoconceito com o desempenho motor dos jovens avaliados. Para isso a amostra foi submetida a uma bateria de testes motores, constituída de testes de fácil aplicação e administração e baixo custo, visto que não requer equipamentos sofisticados. Este fato é importante, pois possibilita ao avaliador obter um maior controle de variáveis culturais, motivacionais e ambientais.

Para a construção dos resultados dos testes motores optou-se por utilizar uma equivalência nos resultados produzidos pelos diferentes testes motores por meio de um procedimento matemático conhecido como escore Z. Desta forma, os resultados produzidos na aplicação dos testes motores foram analisados de forma integra,l e não separadamente, teste a teste.

Na análise da Tabela 2 observa-se que os meninos apresentaram valores para os testes de desempenho motor sempre superiores aos das meninas, independentemente da idade. Esta tendência pode ser explicada pelas próprias mudanças estruturais que acontecem com a maturação; porém, como foi salientado anteriormente pode ser reflexo de questões motivacionais inerentes às diferenças entre gênero.

Ainda que exista o fator biológico em relação às diferenças sexuais nas tarefas motoras, não se pode desconsiderar a influência de fatores ambientais, socioeconômicos e, principalmente, a possível interação entre genótipo e fenótipo sobre o desempenho motor (OKANO et al., 2001). Com relação aos achados expostos na Tabela 2, Beunen e Thomis (2000), Malina, Bouchard e Bar-Or (2004) observam que garotos tendem a apresentar melhores valores nas medidas de força, velocidade e resistência durante a adolescência, enquanto as meninas mostram melhores valores nas medidas de flexibilidade.

A relação entre autoconceito, gênero e desempenho motor (competência física) foi investigada por Kimm et al., (1997), e os resultados demonstram que a competência física, independentemente do gênero, apresenta uma relação direta e positiva com a percepção do autoconceito. Estes resultados também são observados no estudo de Serassuelo Junior (2007), que relaciona, por meio de procedimentos de regressão múltipla, a relação positiva do aumento da percepção do autoconceito com a percepção da competência física e aparência física.

Huang et al., (2007) realizaram um estudo com uma amostra de 657 adolescentes, os quais, após serem submetidos a acompanhamento nutricional e a programas de atividade física sistematizada, tiveram um aumento significativo na satisfação com a imagem corporal e com o autoconceito. Este resultado foi visto em ambos os gêneros, mas é preciso observar que este estudo foi realizado dentro de uma metodologia longitudinal, com um acompanhamento de aproximadamente dois anos.

Para Tamayo et al. (2001) Santana (2003) a relação entre o nível de habilidade e a experiência motora deve ser objeto de estudo no vínculo entre a aceitação positiva e a habilidade nos jogos em equipes, especialmente em meninos. A habilidade atlética é reforçada pela coordenação motora e frequentemente controlada por fatores externos à própria criança. Não só a Educação Física pode intervir de forma positiva no autoconceito da criança, com jogos, mas também o autoconceito pode atuar de forma positiva ou negativa dentro do esporte.

Gehrman et al., (2006) também avaliaram o efeito da prática da atividade física sistematizada em pré-adolescentes, grupo controle e grupo atividade, e observaram mudanças na percepção da imagem corporal e do autoconceito, porém estas mudanças não foram consideradas significativas. Estes mesmos achados foram obtidos no estudo de Burgess, Grogan e Burwitz (2006) que para tanto submeteram 50 escolares (13 a 14 anos) a um programa de ginástica aeróbia durante seis semanas. Ao final da intervenção houve um aumento na percepção do autoconceito e na satisfação com a imagem corporal. Destaca-se mais uma vez que estas mudanças positivas foram consideradas importantes, mas sem diferenças estatisticamente significativas.

Braden (2000) destaca que a boa relação entre a prática da atividade física, o esporte e educação física começa pelo conhecimento dos aspectos ligados ao autoconceito, por meio de experiências positivas do professor e/ou técnico com a criança. A percepção do desempenho motor, a competência física e a qualidade de vida, assim como o autoconceito, podem ser expressas de formas diferentes conforme a cultura ou o ambiente social do indivíduo.

Stenzel (2003) destaca que na atualidade a cultura exporta seus modelos de vida e de valores, e que o desempenho físico e esportivo pode ser um alicerce para o bem-estar do indivíduo, o qual é influenciado pela sociedade; e, de certa forma, influencia a imagem corporal e seu autoconceito. O autoconceito pode ser construído pela prática de atividades lúdicas e de jogos, e a autoconfiança e o autorrespeito podem ser reforçados pelo profissional na prática destas atividades, pois todas estas informações positivas geram um estímulo positivo para promover uma melhor percepção desse constructo em criança e adolescentes.

CONCLUSÃO

Os resultados apresentados neste estudo demonstraram que a percepção do autoconceito é vista da mesma forma (quantitativamente) por garotos e garotas, e não são observadas diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros. Por outro lado, os valores atribuídos ao autoconceito pelo sexo masculino, apesar de não significativos, são sempre superiores aos de seus pares femininos.

Em contrapartida, apesar de as diferenças não se traduzirem em valores significativos, constata-se que o avanço etário é um fator de influência negativa na percepção do autoconceito realizada tanto para os meninos quanto para as meninas.

Em relação aos valores preconizados para a saúde descritos pelo instrumento de avaliação do autoconceito, observa-se que a amostra apresenta-se dentro da média esperada para praticamente todas as faixas etárias, com exceção somente observada para as meninas com idade média de 13 e 14 anos.

No que diz respeito aos possíveis efeitos do autoconceito sobre o desempenho motor, independentemente do gênero, os resultados obtidos revelaram que os alunos com alto desempenho motor tendem a perceber melhor o constructo do autoconceito, embora estes valores não tenham se mostrado estatisticamente significativos em relação aos grupos de desempenho motor médio e baixo.

Endereço para correspondência:

Recebido em 06/09/2010

Revisado em 07/08/2011

Aceito em 24/11/2011

  • ALBUQUERQUE, C. M. S.; OLIVEIRA, C. P. F. A importância do auto-conceito. Revista do instituto politécnico de viteu-viteu, Portugal, v. 7, n. 26, p. 106-120, 2002.
  • AMERICAN ALLIANCE FOR HEALTH, PHYSICAL EDUCATION AND RECREATION AND DANCE. Physical Best Virginia: Reston, 1988.
  • BECKER JÚNIOR, B. Impacto do esporte e do exercício sobre a área emocional. Revista de educacíon física y deportes, Buenos Aires, v. 2, n. 12, p. 176-184, 1998.
  • BEUNEN, G. E; THOMIS, M. Muscle strength development in childhood and adolescence. Pediatric exercise science, Champaign, v. 12, no. 2, p. 174-197, 2000.
  • BRADEN, N. Auto-estima: como aprender a gostar de si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2000.
  • BROWN, M. K. et al. Changes in self-esteem in black and white girls between the ages of 9 and 14 years. Journal of adolescent health, New York, v. 23, p. 7-19, 1998.
  • BURGESS, G.; GROGAN, S.; BURWITZ, L. Effects of a 6-week aerobic dance intervention on body image and physical self-perceptions in adolescent girls. Body Image, New York, v. 3, no. 1, p. 57-66, 2006.
  • CHAPMAN, J. W. Learning disabled children's self-concepts. Review of educational research, Washington, v. 58, no. 3, p. 347-371, 1988.
  • DUNTON, G. F. et al. Physical activity, fitness, and physical self-concept in adolescent females. Pediatric exercise science, Champaign, v. 18, p. 240-251. 2006.
  • GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C. Compreendendo o desenvolvimento motor bebes, crianças, adolescentes e adultos 3. ed. São Paulo: Phorte, 2005.
  • GEHRMAN, C. A. et al. The effects of a physical activity and nutrition intervention on body dissatisfaction drive for thinness, and weight concerns in pre-adolescents. Body Image, New York, v. 3, no. 4, p. 345-351, 2006.
  • HEINONEN, K.; RAIKKONEN, K.; KELTIKANGAS-JARVINEN, L. Self-esteem in early and late adolescence predicts dispositional optimism-pessimism in adulthood: a 21-year longitudinal study. Personality and Individual Differences, Oxford, v. 39, no. 3, p. 511-521, 2005.
  • HUANG, J. S. et al. Body image and self-esteem among adolescents undergoing an intervention targeting dietary and physical activity behaviors. Journal of adolescent health, New York, v. 40, no. 3, p. 245-251, 2007.
  • KIMM, S. Y. S. et al. Self-esteem and adiposity in black and white girls: the NHLBI growth and health study. Annals epidemiological, New York, v. 7, no. 8, p. 550-560, 1997.
  • KING, G. A. et al. Self-evaluation and self-concept of adolescents with physical disabilities. American journal of occupational therapy, New York, v. 47, no. 2, p. 132-140, 1998.
  • KRUGER, A. G. Ser idoso no mundo: o indivíduo idoso e a vivência de atividades físicas como meio de afirmação e identidade social. 1999. 214 f. Tese (Doutorado em Psicologia)Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
  • LÉGER, L. A. et al. The multistage 20 meter shuttle run test for aerobic fitness. Journal of sports sciences, London, v. 6, no. 2, p. 93-101, 1988.
  • MALINA, R. M.; BOUCHARD, C.; BAR-OR, O. Growth, maturation, and physical activity 2. ed. Champaign: Human Kinetics Books, 2004.
  • OKANO, A. H. et al. Comparação entre o desempenho motor de crianças de diferentes gêneros e grupos étnicos. Revista brasileira de Ciência e movimento, Brasília, DF, v. 9, n. 3, p. 39-44, 2001.
  • PIERS, E. V.; HARRIS, D. B.; HERZBERG, D. S. Piers-Harris children's self-concept scale: piers-harris. 2nd ed. Los Angeles: Western Psychological Services, 2002.
  • RÜMMELE, E. Spektrum der bewegungspsychotherapie Frankfurt: Harri Deutsch, 1990.
  • SALMIVALLI, C. et al. Self-evaluated self-esteem, peer-evaluated self-esteem, and defensive egotism as predictors of adolescents participation in bullying situation. Personality and social psychology bulletin, Beverly Hills, v. 25, p. 1268-1278, 1999.
  • SANTANA, V. H. Avaliação do autoconceito e a atividade física 2003. 126 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2003.
  • SERASSUELO JUNIOR, H. Comportamento de autoconceito de crianças em idade escolar: um estudo de influências de variáveis antropométricas e psicossocioculturais 2007. 248 f. Tese (Doutorado em Educação Física)Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • SILVERMAN, R.; ZIGMOND, N. Self-concept in learning disabled adolescents. Journal of learning disabilities, Austin, v. 16, no. 8, p. 478-482, 1993.
  • SOARES, J.; SESSA, M. Medidas de força muscular. In: MATSUDO, V. K. R. Testes em ciências do esporte São Caetano do Sul: CELAFISCS, 1987.  p. 57-68.
  • STENZEL, L. M. Obesidade: o peso da exclusão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
  • TAMAYO, A. et al. A influência da atividade física regular sobre o autoconceito. Estudos de psicologia, Natal, v. 6, n. 2, p. 157-165, 2001.
  • Helio Serassuelo Junior
    Universidade Estadual de Londrina
    Departamento de Ciências do Esporte
    Rodovia Celso Garcia Cid – Pr 445, km 380
    Campus Univeritário, Caixa Postal 6001
    CEP 86051-980, Londrina-PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2010
    • Aceito
      24 Nov 2011
    • Revisado
      07 Ago 2011
    Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, 87020-900 Maringá - PR, Tel.: (55 44) 3011 4470 - Maringá - PR - Brazil
    E-mail: revdef@uem.br