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Expressão das proteínas de choque térmico (HSPs) no músculo cardíaco em resposta ao treinamento físico: uma revisão sistemática

Expression of heat shock proteins (HSPs) in heart in response to exercise training: a systematic review

Resumos

O aumento da expressão das proteínas de choque térmico (HSPs) em resposta ao treinamento físico vem sendo considerado um dos mecanismos envolvidos na proteção ao miocárdio. O objetivo do presente estudo consiste em realizar uma revisão sistemática sobre a relação do treinamento físico na expressão das HSPs no músculo cardíaco. Para tanto, realizou-se revisão sistemática de artigos publicados entre 2000 e 2013. Os descritores utilizados foram: heat shock protein, HSP, exercise, training, cardiac e heart, no idioma inglês na base de dados Pubmed e Scielo. Foram encontrados 203 artigos, sendo 26 incluídos para análise. O treinamento físico aumentou a expressão das HSPs 20, 27, 60, 70, 72, 73 e não alterou a expressão da HSP 25. A HSP 90 foi alterada apenas pelo treinamento realizado em ambiente frio (4ºC). Conclui-se que o treinamento físico é capaz de aumentar a expressão das HSPs no músculo cardíaco, promovendo proteção celular e aumentando a proteção ao miocárdio como um todo.

Proteínas de choque térmico (HSP); Coração; Treinamento físico


Increased expression of heat shock proteins (HSPs) in response to physical training has been considered one of the mechanisms involved in myocardial protection. Objective: To perform a systematic review on the relationship of physical training on the expression of HSPs in cardiac muscle. Data Sources: We conducted a systematic review of articles published between 2000 and 2013. The descriptors used were: heat shock protein, HSP, exercise, training, cardiac and heart, in english and in the Pubmed database. Results: We found 203 articles, 26 were included for analysis. Data Synthesis: Exercise training increased the expression of HSPs 20, 27, 60, 70, 72, 73 and did not alter the expression of HSP 25. The HSP 90 was changed only by training performed in a cold environment (4 ° C). Conclusion: Physical training is able to increase expression of HSPs in cardiac muscle, promoting cellular protection, increasing protection to the myocardium as a whole.

Heat shock proteins (HSP); Heart; Physical training


ARTIGO ORIGINAL

doi: 10.4025/reveducfis.v24.4.19880

Expressão das proteínas de choque térmico (HSPs) no músculo cardíaco em resposta ao treinamento físico: uma revisão sistemática

Expression of heat shock proteins (HSPs) in heart in response to exercise training: a systematic review

Lucas Rios DrummondI; Luis Henrique Lobo Silame GomesI; Miguel Araújo Carneiro-JúniorII; Thales Nicolau Prímola-GomesIII; Antônio José NataliIII

IMestrando no Programa de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa - MG, Brasil

IIDoutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Fisiológicas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, Brasil

IIIDoutor. Professor de Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucas Rios Drumond DES. UFV. Laboratório de Biologia do Exercício Avenida P.H.Rolfs - S/N Campus Universitário CEP 36570-000. Viçosa MG

RESUMO

O aumento da expressão das proteínas de choque térmico (HSPs) em resposta ao treinamento físico vem sendo considerado um dos mecanismos envolvidos na proteção ao miocárdio. O objetivo do presente estudo consiste em realizar uma revisão sistemática sobre a relação do treinamento físico na expressão das HSPs no músculo cardíaco. Para tanto, realizou-se revisão sistemática de artigos publicados entre 2000 e 2013. Os descritores utilizados foram: heat shock protein, HSP, exercise, training, cardiac e heart, no idioma inglês na base de dados Pubmed e Scielo. Foram encontrados 203 artigos, sendo 26 incluídos para análise. O treinamento físico aumentou a expressão das HSPs 20, 27, 60, 70, 72, 73 e não alterou a expressão da HSP 25. A HSP 90 foi alterada apenas pelo treinamento realizado em ambiente frio (4ºC). Conclui-se que o treinamento físico é capaz de aumentar a expressão das HSPs no músculo cardíaco, promovendo proteção celular e aumentando a proteção ao miocárdio como um todo.

Palavras-chave: Proteínas de choque térmico (HSP). Coração. Treinamento físico.

ABSTRACT

Increased expression of heat shock proteins (HSPs) in response to physical training has been considered one of the mechanisms involved in myocardial protection. Objective: To perform a systematic review on the relationship of physical training on the expression of HSPs in cardiac muscle. Data Sources: We conducted a systematic review of articles published between 2000 and 2013. The descriptors used were: heat shock protein, HSP, exercise, training, cardiac and heart, in english and in the Pubmed database. Results: We found 203 articles, 26 were included for analysis. Data Synthesis: Exercise training increased the expression of HSPs 20, 27, 60, 70, 72, 73 and did not alter the expression of HSP 25. The HSP 90 was changed only by training performed in a cold environment (4 ° C). Conclusion: Physical training is able to increase expression of HSPs in cardiac muscle, promoting cellular protection, increasing protection to the myocardium as a whole.

Keywords: Heat shock proteins (HSP). Heart. Physical training.

INTRODUÇÃO

A prática de exercício físico está relacionada com a diminuição do desenvolvimento de doenças cardiovasculares (TANASESCU et al., 2002). Porém, os mecanismos envolvidos na proteção do miocárdio induzida pelo treinamento físico ainda não estão totalmente claros. Nesse contexto, o aumento da expressão das proteínas de choque térmico (HSPs) no miocárdio de roedores em resposta ao treinamento físico surge como uma das possíveis explicações (PLUMIER et al., 1995; DEMIREL et al., 2001).

Em 1962, em estudo pioneiro, Ritossa (RITOSSA, 1962) observou o aumento dos níveis das HSPs após submeter células de Drosophila busckii aos estresses térmico e químico. Após inúmeros estudos que avaliaram a expressão dessas proteínas, sabe-se que a exposição de células a diferentes situações estressantes induz a expressão das HSPs (WELCH, 1992; KIANG; TSOKOS, 1998).

Tem sido reportado que as HSPs promovem a proteção do músculo cardíaco contra eventos estressores, especialmente durante a isquemia-reperfusão (PLUMIER et al., 1995; RADFORD et al., 1996) e cardiotoxidade (CHICCO et al., 2006). Essas proteínas agem, interagindo com proteínas danificadas por agentes estressores, resultando na degradação ou no reparo das últimas. Dessa forma, as HSPs possuem papel importante na prevenção da agregação das proteínas que sofrem estresse. Além disso, elas participam no processo de importação das proteínas danificadas para organelas específicas (LUNZ; NATALI, 2005).

O controle da expressão das HSPs atua dentro de um complexo HSP-HSF, regulado através de feedback negativo. A HSF (fator de transcrição de choque térmico) é uma proteína capaz de se ligar ao DNA, regulando a expressão das HSP 70. Esse complexo mantém-se inativado na ausência de agentes estressores. A liberação da HSP 70 do complexo HSP-HSF ocorre quando agentes estressores são percebidos pela célula. A HSP 70 liberada interage com proteínas danificadas, rompendo o equilíbrio do complexo HSP-HSF. Finalmente, a HSF fica livre para ser fosforilada no citosol (LUNZ; NATALI, 2005).

As HSPs 70 podem ser representadas por duas isoformas: HSP 72 e HSP 73. A primeira é induzida rapidamente durante o estresse e tem funções citoprotetora e anti-inflamatória. A HSP 73 é encontrada no citoplasma em condições basais, com função constitutiva (LUNZ; NATALI, 2005; HECK; SCHOLER; BITTENCOURT, 2011).

Estudos têm demonstrado o aumento da expressão de HSPs no músculo cardíaco após algumas situações de estresse, como o exercício físico e o estresse térmico (LI et al., 1991; HARRIS; STARNES, 2001; MELO et al., 2009; STAIB; TUMER; POWERS, 2009). Portanto, o treinamento físico, ou até mesmo sessões agudas de exercício físico, podem induzir a expressão de HSPs no músculo cardíaco (KIM, K.; KIM, M.; LEE, 2004; HUANG et al., 2009; MELO et al., 2009). Todavia, alguns fatores podem interferir na expressão das HSPs em reposta ao treinamento físico, como sexo (PAROO et al., 2002; THORP et al., 2007), intensidade do treinamento físico (MILNE; NOBLE, 2002; MELO et al., 2009), idade (DEMIREL et al., 2003; RINALDI et al., 2006; LAWLER et al., 2009) e condições ambientais (HARRIS; STARNES, 2001; KIM, K.; KIM, M.; LEE, 2004). Apesar da grande quantidade de trabalhos que estudam o efeito do treinamento físico sobre a expressão das HSPs no músculo cardíaco, ainda não existe na literatura uma revisão sistemática que apresente uma compilação dos dados e discuta esse tema.

O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sistemática sobre a relação entre o treinamento físico e a indução da expressão das HSPs no músculo cardíaco. Pretende-se também discutir a influência do sexo, a intensidade do treinamento físico, a idade e as condições ambientais na expressão das HSPs em resposta ao treinamento físico, além do envolvimento das HSPs na proteção ao miocárdio.

MÉTODOS

Para a revisão de literatura e direcionamento do objeto de estudo, foram utilizados critérios convencionados pelo sistema Prisma (Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses), elaborado para guiar estudos de revisão sistemática e revisão por meta-análise (LIBERATI et al., 2009; MOHER et al., 2009).

Foram analisados artigos publicados no período de janeiro de 2000 a setembro de 2013 nos idiomas inglês, português e espanhol, nas bases de dados PubMed e SciELO (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed e www.scielo.org). A pesquisa foi realizada com a utilização dos seguintes descritores indexados na base de dados National Library of Medicine (NLM), usados isoladamente ou em combinação: heat shock protein, HSP, exercise training, cardiac muscle e heart.

Foram selecionados para esta revisão apenas artigos originais que analisaram a expressão da HSP no músculo cardíaco após um período de treinamento físico. Foram excluídos: (a) artigos de revisão; (b) artigos com protocolo de intervenção, consistindo em apenas uma ou nenhuma sessão de exercício físico; (c) associações com patologias, castração, gravidez e obesidade; (d) emprego de agentes farmacológicos; e (e) medida das HSPs realizada em outros tecidos, que não o cardíaco.

RESULTADOS

Ao realizar a busca nas bases de dados PubMed e Scielo, foi encontrado um total de 203 estudos relacionados ao tema, sendo excluídos 177 após serem submetidos aos critérios de exclusão. Portanto, foram selecionados 26 artigos originais para serem analisados nessa revisão (Figura 1).


Os pontos específicos dos 26 estudos selecionados, tais como: autor (ano), família da HSP estudada, amostra, gênero, idade, protocolo de treinamento físico, condições ambientais e os principais achados estão resumidos na Tabela 1. Os resultados foram agrupados na ordem do mais novo para o mais antigo.

A justificativa de não haver trabalhos realizados com seres humanos deve-se aos procedimentos invasivos que compõem o processo metodológico que investigam a resposta da expressão das HSPs no músculo cardíaco. O Quadro 1 apresenta um resumo das funções das principais HSPs estudadas.


DISCUSSÃO

A partir da análise dos 22 estudos selecionados na revisão sistemática, percebe-se que a maioria investigou, principalmente, as HSPs 70, 72 e 73 (SAMELMAN, 2000; HARRIS; STARNES, 2001; CAMPISI et al., 2003; DEMIREL et al., 2003; TAYLOR; CICCOLO; STARNES, 2003; LENNON et al., 2004; MORAN et al., 2004; SIU et al., 2004; ASCENSAO et al., 2005; STARNES et al., 2005; RINALDI et al., 2006; ASCENSAO; FERREIRA; MAGALHAES, 2007; MARINI et al., 2007; MELLING et al., 2007; MURLASITS; LEE; POWERS, 2007; HUEY; MEADOR, 2008; HUANG et al., 2009; KAVAZIS et al., 2009; LAWLER et al., 2009; MELO et al., 2009; STAIB; TUMER; POWERS, 2009), enquanto outros analisaram as HSPs 20 (BOLUYT et al., 2006), 25 (HUEY; MEADOR, 2008), 27 (RINALDI et al., 2006), 60 (SAMELMAN, 2000; ASCENSAO et al., 2005; ASCENSAO; FERREIRA; MAGALHAES, 2007) e 90 (HARRIS; STARNES, 2001). De forma geral, o treinamento físico aumentou a expressão das HSPs 20, 27, 60, 70, 72, 73 e não alterou a expressão da HSP 25. A HSP 90 foi alterada apenas pelo treinamento físico realizado em ambiente frio (4ºC).

As HSPs são identificadas e agrupadas em famílias, de acordo com seu peso molecular e sua localização celular. Elas possuem funções de chaperonas, portanto são proteínas envolvidas no processo de reparo ou degradação de proteínas que, por algum motivo, estejam prejudicadas/danificadas. Elas também facilitam o processo de dobragem e montagem de novas proteínas e previnem a agregação de outras, conferindo proteção celular sob condições de estresse (BENJAMIN; MCMILLAN, 1998).

Vários fatores podem ativar a expressão das HSPs no miocárdio em resposta ao exercício físico, como a temperatura muscular, as espécies reativas de oxigênio, a depleção de ATP, hipóxia, aumento das concentrações de cálcio e redução do pH (CHANG et al., 2001; NOBLE, 2002; WHITHAM; FORTES, 2008). Outras variáveis como o sexo (PAROO et al., 2002; THORP et al., 2007), a idade (DEMIREL et al., 2003; LAWLER et al., 2009), a intensidade do treinamento físico (MILNE; NOBLE, 2002; MELO et al., 2009) e as condições ambientais (HARRIS; STARNES, 2001; KIM, K.; KIM, M.; LEE, 2004) também interferem nas respostas das HSPs ao treinamento físico.

Dentre as HSPs estudadas, as HSP 70s foram destacadas, principalmente, nos protocolos de exercício com corrida forçada. Nos exercícios com 60 minutos de duração, os estudos mostraram aumento na expressão das HSP 70s no músculo cardíaco após a intervenção. No entanto, quando o exercício foi realizado em ambiente frio (HARRIS; STARNES, 2001; STAIB; TUMER; POWERS, 2009) ou a natação foi escolhida como modelo de exercício (ASCENSAO ET AL., 2005), não foram encontradas mudanças na expressão da HSP 70s no músculo cardíaco. Dentre os trabalhos que utilizaram corrida voluntária, apenas o estudo de Campisi et al. (2003) não encontraram alterações na expressão da HSP 72 no músculo cardíaco.

Com relação ao sexo dos animais, apenas dois estudos (BOLUYT et al., 2006; MELO et al., 2009) foram realizados com fêmeas, sendo que o treinamento físico aumentou a expressão de HSP 20 (BOLUYT et al., 2006) e HSP 72 (MELO et al., 2009) no miocárdio das ratas. Todavia, nenhum dos estudos analisados comparou animais machos e fêmeas com o mesmo protocolo de treinamento. O aumento da expressão das HSPs no miocárdio em resposta ao exercício físico parece ser mediado por hormônios sexuais (PAROO et al., 2002; ;MILNE et al., 2006; MILNE; NOBLE, 2008). O estrogênio inibe o aumento da expressão das HSPs no miocárdio em resposta a uma única sessão de exercício (PAROO et al., 2002), o que não acontece em relação à testosterona (MILNE et al., 2006). Essas respostas sexo-específicas parecem ser mais pronunciadas no exercício agudo, quando comparado ao crônico. Em resposta ao treinamento físico, exercício crônico, a expressão das HSPs no miocárdio aumentou tanto em ratos machos (ASCENSAO; FERREIRA; MAGALHAES, 2007; HUANG et al., 2009) quanto em fêmeas (BOLUYT et al., 2006; MELO et al., 2009).

Todavia, os mecanismos envolvidos nas diferenças sexuais em relação à expressão das HSPs no miocárdio ainda não são bem claros. As fêmeas parecem se beneficiar de outros mecanismos protetores, além das HSPs, contra os estresses celulares. De fato, já foi demonstrado que o estrogênio age como antioxidante e na estabilização de membranas (WISEMAN, 1994; PERSKY et al., 2000), e pode estimular também a liberação de óxido nítrico (CAULIN-GLASER et al., 1997).

Com relação à idade dos animais, 4 estudos (DEMIREL et al., 2003; STARNES et al., 2005; RINALDI et al., 2006; LAWLER et al., 2009) mostraram a interferência desse parâmetro na expressão das HSPs no miocárdio, em resposta ao treinamento físico. Nesses estudos, o treinamento físico aumentou a expressão de HSP 27 (RINALDI et al., 2006), de HSP 70 (STARNES et al., 2005; RINALDI et al., 2006; LAWLER et al., 2009) e HSP 72 (DEMIREL et al., 2003) no miocárdio de ratos jovens e adultos, sendo que essa resposta foi atenuada e/ou anulada nos grupos de ratos idosos. O envelhecimento é um processo multifatorial, que resulta em danos moleculares, celulares e teciduais. Eventualmente, esses danos excedem a capacidade do organismo em se adaptar e/ou reparar esses prejuízos (MARTIN; DANNER; HOLBROOK, 1993). Dessa forma, o organismo pode apresentar redução da expressão de HSPs no miocárdio de ratos idosos, após serem submetidos a situações de estresse.

Alguns mecanismos têm sido sugeridos para explicar a atenuação da expressão da HSP 72 no miocárdio em resposta ao treinamento físico em ratos idosos. Uma possível resposta seria um menor nível de expressão do HSF-1 (fator de transcrição de choque térmico) no miocárdio dos ratos idosos, embora a expressão desse fator tenha se mostrado inalterada quando comparada a de ratos jovens (DEMIREL et al., 2003). Portanto, outros mecanismos podem estar envolvidos nessa resposta atenuada da expressão das HSPs no miocárdio. Com o processo de envelhecimento, ocorre a diminuição da estabilidade do RNAm das HSPs, resultando na diminuição da síntese proteica de HSP 72 no miocárdio de ratos idosos (DEMIREL et al., 2003). Todavia, esses mecanismos ainda precisam ser mais bem esclarecidos.

Uma variável de controle muito importante nos estudos que avaliam a expressão de HSPs no miocárdio após o treinamento físico é a temperatura ambiente. Três estudos analisaram a expressão de algumas HSPs em diferentes condições ambientais. Previamente, Harris e Starnes (2001) testaram a expressão da HSP 70 e HSP 90 no miocárdio de ratos, em três distintos volumes de treino (3, 6 e 9 semanas) em ambiente termoneutro e frio. As respostas na expressão das HSPs apresentaram-se bem distintas, já que a HSP 70 aumentou apenas no ambiente termoneutro, enquanto a HSP 90 aumentou apenas no ambiente frio. Esse estudo evidencia que a temperatura central é o principal fator que determina a magnitude de expressão da HSP 70 após o exercício físico, haja vista os valores elevados dessa variável no exercício físico no ambiente termoneutro quando comparado ao ambiente frio. Diferentemente da indução da expressão HSP 70, a HSP 90 aumentou no ambiente frio, mas não foi alterada no ambiente termoneutro. Essa resposta foi atribuída ao seu papel de sinalizador do crescimento muscular, considerando a maior hipertrofia cardíaca promovida pelo treinamento nessa condição (HARRIS; STARNES, 2001).

Posteriormente, Ascenção et al. (ASCENSAO; FERREIRA; MAGALHAES, 2007) analisaram a expressão da HSP 60 e HSP 70 no miocárdio de ratos, após o treinamento de natação em água aquecida (31-35˚C), com duração de 14 semanas. Houve aumento na expressão da HSP 60, o que não foi verificado na HSP 70. Dessa forma, o tipo de exercício físico também parece influenciar na expressão diferenciada das HSPs no miocárdio.

Recentemente, Staib et al. (STAIB; TUMER; POWERS, 2009) verificaram aumento na expressão da HSP 72 no miocárdio de ratos submetidos ao treinamento físico com corrida em ambiente termoneutro (22 ºC). No entanto, o treinamento físico realizado a 4˚C não foi capaz de alterar a expressão dessa proteína, quando as mesmas condições de volume e intensidade foram mantidas. Assim, considera-se que a maior elevação da temperatura corporal durante a realização do exercício físico em ambiente termoneutro possa explicar as diferenças nos resultados.

A temperatura é uma das variáveis mais importantes que afeta a expressão da HSPs no músculo cardíaco. Negligentemente, quase metade dos trabalhos analisados não relatou as condições ambientais em que o treinamento físico foi realizado.

A intensidade do exercício físico foi pouco explorada nos estudos que avaliaram a expressão das HSPs no miocárdio. Os protocolos experimentais dos trabalhos apresentaram intensidades variadas. No estudo de Melo et al. (2009), compararam-se os efeitos de treinamentos físicos distintos que consistiam em corrida voluntária e corrida forçada sobre a expressão da HSP 72 no miocárdio de ratas Wistar. Após 8 semanas de treinamento físico, houve elevação na expressão da HSP 72 no miocárdio das ratas, embora esse aumento tenha sido mais pronunciado no protocolo com corrida forçada. Assim, o maior aumento na expressão de HSP 72 no miocárdio das ratas pode ser explicado pelo maior estresse causado pelo protocolo de corrida forçada.

Milne e Noble (2002) demonstraram que a indução da expressão de HSP72 no músculo cardíaco é dependente da intensidade do exercício físico, sendo que as velocidades de corrida acima de 24 m/min, foram as mais eficientes na indução da expressão de HSP 72 no miocárdio de ratos, após sessões agudas de corrida em esteira. No trabalho de Melo et al. (2009), a velocidade de corrida na esteira foi de 18 m/min durante o período de treinamento físico. Sabendo que, na corrida voluntária, os animais podem correr em velocidades superiores a 40 m/min, outros fatores, além da intensidade do exercício físico, podem ter induzido maior expressão de HSP 72 no miocárdio dos animais submetidos ao programa de corrida forçada.

Contrariamente, Campisi et al. (2003), utilizando ratos Fisher-344, não encontraram alteração na expressão da HSP 72 no miocárdio, após um protocolo de treinamento com corrida voluntária. Assim, a relação entre intensidade e a expressão das HSPs no miocárdio necessita de maiores investigações.

Por fim, muito se discute sobre a cardioproteção oferecida pelas HSPs. Alguns estudos demonstraram que o aumento na expressão das HSP 72 oferece proteção ao miocárdio contra eventos de estresse, como na isquemia-reperfusão (DEMIREL et al., 2001; PAROO et al., 2002; THORP et al., 2007), mantendo a função vascular e preservando a função coronária (THORP et al., 2007), diminuindo a acidose celular causada pela isquemia e recuperando a função contrátil (RADFORD et al., 1996) e na cardiotoxidade, preservando a função proteica durante o estado de estresse celular (CHICCO et al., 2006). Dessa forma, acredita-se que o aumento na expressão das HSPs no miocárdio, promovido pelo exercício físico, possa explicar, ao menos em parte, a proteção do coração associada ao treinamento físico.

CONCLUSÃO

O treinamento físico aumenta a expressão das HSPs no músculo cardíaco, oferecendo proteção e melhora na sua função. Porém, os mecanismos subjacentes envolvidos nessa proteção não estão totalmente elucidados. Fatores como sexo, idade, intensidade do esforço e condições climáticas podem influenciar a magnitude da sua expressão.

Recebido em: 24/03/2013

Revisado em: 25/09/2013

Aceito em: 30/09/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Lucas Rios Drumond
    DES. UFV. Laboratório de Biologia do Exercício
    Avenida P.H.Rolfs - S/N Campus Universitário
    CEP 36570-000. Viçosa MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Mar 2013
    • Aceito
      30 Set 2013
    • Revisado
      25 Set 2013
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