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Autoeficácia esportiva: uma revisão integrativa dos instrumentos de medida

Sports self-efficacy: an integrative review of measure instruments

Resumos

O papel da autoeficácia no desempenho é foco de estudo no âmbito esportivo. O objetivo desta revisão integrativa foi verificar os instrumentos empregados para mensurar a autoeficácia relacionada ao desempenho esportivo e identificar suas propriedades psicométricas. Buscaram-se artigos nas bases de dados Eric, Scopus e APA (Psycnet), Scielo ScienceDirect e Pubmed com os descritores self-efficacy, sports, performance. Dos 13 estudos selecionados para análise, constatou-se que a maioria propôs instrumentos específicos para a pesquisa, seguindo recomendações do guia de construção de medidas de autoeficácia; apenas um artigo apresentou o processo de validação; a consistência interna foi a propriedade psicométrica mais reportada; não houve referência à reprodutibilidade dos instrumentos e tampouco divulgação dos instrumentos utilizados nas pesquisas. Conclui-se que a reprodutibilidade dos instrumentos permitiria maior confiabilidade na análise dos resultados e controle de variáveis cognitivas que afetam o rendimento esportivo e que um padrão ouro de avaliação da autoeficácia em contexto esportivo específico se faz necessário.

Autoeficácia; Esportes; Desempenho


The role of self-efficacy on performance is the focus of study in sports. The aim of this integrative review was to assess the instruments used to measure self-efficacy related to sports performance and identify its psychometric properties. We searched for articles in databases Eric, Scopus and APA (Psycnet), Scielo ScienceDirect and Pubmed with descriptors self-efficacy, sports, performance. Of the 13 studies selected for analysis, it was found that most proposed specific instruments for research, following recommendations of the guide construction of measures of self-efficacy; just one article presented the validation process, the internal consistency was reported more psychometric property; there was no reference to the reproducibility of the instruments nor disclosure of the instruments used in research. It is concluded that the reproducibility of the instruments allow greater reliability in the results analysis and control of cognitive variables that affect sport performance and that a gold standard for assessing self-efficacy in specific sporting context is necessary.

Self-efficacy; Sports; Performance


INTRODUÇÃO

A autoeficácia tem sido considerada um importante determinante do rendimento atlético, auxiliando os atletas na realização de tarefas esportivas (BANDURA, 1986BANDURA, A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1986.). Tal papel tem sido fundamental para adesão e manutenção de atividades físicas e exercícios, bem como para a persistência frente a dificuldades, motivação, grau de esforço a ser empregado para alcançar objetivos e superar obstáculos (RABELO; NERI, 2005RABELO, D. F.; NERI, A. L. Recursos psicológicos e ajustamento pessoal frente à incapacidade funcional na velhice. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 3, p. 403-412, 2005.).

Desta forma, a autoeficácia e a execução de tarefas esportivas têm sido foco de pesquisas desde 1980, com diversos esportes (BALAGUER; AMPARO; VILLAMARÍN, 1995BALAGUER, I.; AMPARO, E.; VILLAMARÍN, F. Autoeficacia en el deporte y en la actividad fisica: estado actual de la investigacion. Revista de Psicologia Geral y Aplicada, Madrid, v. 48, n. 1, p. 139-159, 1995.), que contemplam desde atletas novatos a atletas experientes, que competem em níveis nacional e internacional (NICHOLLS; POLMAN; LEVY., 2010NICHOLLS, A. R.; POLMAN, R.; LEVY, A. R. Coping self-efficacy, pre-competitive anxiety, and subjective performance among athletes. European Journal of Sport Science, v. 10, n. 2, p. 97-102, 2010. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17461390903271592>. Acesso em: 9 jan. 2013.
http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.10...
), em diferentes modalidades esportivas (FERREIRA, 2008FERREIRA, M. A. A influência da auto-eficácia e da ansiedade em jogadores de futebol. 104f. 2008. Dissertação (Mestrado em Comportamento Motor . Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2008.; HAYSLIP JR. et al., 2010HAYSLIP JR., B.; RAAB, C.; BACZEWSKI, P. C.; PETRIE. The development and validation of the golf self-efficacy scale. Journal of Sport Behavior, Alabama, v. 33, n. 4, p. 427-441, 2010.; DAROGLOU, 2011DAROGLOU, G. Coping skills and self-efficacy as predictors of gymnastic performance. The Sport Journal, Alabama, v. 14 n. 1, 2011.). Quando positiva, a autoeficácia é importante, por ser considerado um acionador chave para o bom desempenho dos atletas. Por outro lado, quando negativa pode gerar dúvidas, especialmente se as crenças positivas ainda não estiverem estabelecidas (BANDURA, 1994BANDURA, A. Self-efficacy. Self-efficacy. In: RAMACHAUDRAN, V. S. (Ed.). Encyclopedia of human behaviour. 4th ed. New York: Academic Press, 1994. p. 71-81.). Estudos têm relacionado a autoeficácia com indicadores de performance individual e com a classificação final na competição, o que tem demonstrado que a autoeficácia influencia os padrões de pensamentos dos atletas e os resultados por eles obtidos (MARCOS et al., 2010MARCOS, F. M. L.; CALVO, T. G.; GONZÁLEZ, I. P.; MIGUEL, P. A. S.; OLIVA, D. S. Interacción de la cohesión en la eficacia percibida , las expectativas de éxito y el rendimiento en equipos de baloncesto. Revista de Psicología del Deporte, Barcelona, v. 19, n. 1, p. 1-14, 2010.; ORTEGA et al., 2009ORTEGA, E.; OLMEDILLAA, A.; BARANDA, P. S.; GÓMEZ, M. Á. Relationship between the level of self-efficacy, performance indicators, and participation in youth basketball. Revista de Psicologia del Deporte, Barcelona, v. 18, n. 3, p. 337-342, 2009.).

Apesar destas evidências, alguns estudos, por vezes, não avaliam a autoeficácia de maneira adequada, tratando-a como sinônimo da autoconfiança (FELTZ; LIRGG, 2001FELTZ, D. L.; LIRGG, C. D. Self-efficacy beliefs of athletes, teams, and coaches. In: SINGER, R. N.; HAUSENBLAS, H. A. (Ed.). Handbook of sport psychology. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons, 2001. p. 340-361). Embora estes construtos estejam relacionados, a autoeficácia diz respeito à crença em realizar determinada atividade, enquanto a autoconfiança se refere ao grau de firmeza e convicção em determinada crença, mas sem especificar a situação (BANDURA, 1990BANDURA, A. Perceived self-efficacy in the exercise of personal agency. Journal of Applied Sport Psychology, London, v. 2, n. 2, p. 128-163, 1990.).

Além disso, é necessário considerar os tipos de autoeficácia, uma vez que as crenças ou expectativas de autoeficácia denotam as capacidades de executar cursos de ações, enquanto as expectativas de resultado ou percepção de controle quanto aos resultados priorizam o fruto dessas ações (BZUNECK, 2009BZUNECK, J. A. As crenças de autoeficácia e o seu papel na motivação do aluno. In: E. BORUCHOVTICH; J. A. BZUNECK (Org.). A Motivação do Aluno: contribuições da psigologia contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 116-133.). Em adição, também importante para as avaliações propostas é atentar para as dimensões que compõem este construto: nível, força e generalização da autoeficácia. Se por um lado, o nível de autoeficácia refere-se ao desempenho que o atleta espera alcançar ou o número de tarefas que ele espera concretizar, a força da autoeficácia pode refletir o grau de certeza de que o atleta é capaz de executar com maestria tarefas com distintos níveis de dificuldade. Já a generalização das expectativas de autoeficácia remete ao número de domínios, situações especfícicas ou especialidades em que o atleta se considera eficaz (BANDURA, 2006BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337.).

Assim, a elaboração, validação e adaptações de instrumentos são preponderantes para que a mensuração da autoeficácia ocorra de maneira fidedigna, utilizando-se o devido rigor psicométrico para este processo, o que diminui as chances de erros e vieses na pesquisa (BARROSO, 2007BARROSO, M. L. C. Validação do participation motivation questionnaire adaptado para determinar motivos de prática esportiva de adultos jovens brasileiros, 2007. 129f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano)-Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2007.; PASQUALI, 2010PASQUALI, L. Instrumentação psicológica: fundamentos e prática. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Porém, não se sabe ao certo quais instrumentos vem sendo utilizados para esta finalidade e de que forma este construto tem sido avaliado.

Neste sentido, o propósito da presente revisão integrativa foi verificar os instrumentos utilizados para mensurar a autoeficácia relacionada ao desempenho esportivo e identificar quais propriedades psicométricas esses instrumentos apresentavam.

MÉTODOS

Para a presente revisão integrativa (WHITTEMORE; KNAFL, 2005WHITTEMORE, R.; KNAFL, K. The integrative review: updated methodology. Journal of Advances Nursing, Hoboken, v. 52, n. 5, p. 546-53, 2005.) pretendeu-se determinar quais paradigmas de avaliação nortearam os instrumentos utilizados para mensurar a autoeficácia no contexto esportivo. Em adição, procurou-se verificar como foi avaliado o rigor psicométrico dos instrumentos utilizados para a mensuração da autoeficácia em atletas, bem como quais instrumentos de avaliação foram utilizados para mensurar a autoeficácia, quais permitiram avaliar efetivamente o construto pretendido, diferenciar o nível, a força e a generalização da autoeficácia e determinar a relação da autoeficácia com o desempenho.

Inicialmente, consultou-se os termos self-efficacy (autoeficácia), sports (esportes) e performance (desempenho) nos descritores da saúde (DECS), para depois realizar as buscas nas bases de dados eletrônicas Eric, Scopus, APA (Psycnet). Scielo, ScienceDirect e Pubmed. Os autores seguiram uma rigorosa busca pelos artigos nas bases de dados, de forma independente, sendo que dúvidas surgidas foram analisadas em reunião de consenso entre os próprios pesquisadores.

Como não se encontrou nenhum artigo com os descritores em português, decorreram-se as buscas com os descritores em inglês. Além disso, destaca-se que nas bases de dados Scielo, ScienceDirect e Pubmed não foram encontrados nenhum artigo que contemplasse os critérios de inclusão propostos para a presente revisão. Como critérios de inclusão, estabeleceu-se que: (1) os artigos deveriam ter sido publicados de 1998 a 2012, tendo em vista a existência de uma revisão sistemática, com o mesmo propósito, que contemplou estudos anteriores a este período; (2) os artigos publicados deveriam avaliar a autoeficácia no contexto esportivo e a relacionar com o desempenho real dos atletas por meio de medidas objetivas de performance; (3) os artigos deveriam ter reportado ao menos alguma propriedade psicométrica do instrumento utilizado para avaliação da autoeficácia. Consideram-se como critérios de exclusão artigos não originais, artigos de revisão, livros, dissertações, teses, notas, resumos, cartas ao leitor, artigos que não utilizaram instrumentos para mensurar a autoeficácia em domínio específico do esporte e estudos que não foram realizados com atletas. Os artigos deveriam ser publicados em periódicos indexados em base de dados utilizadas em inglês/espanhol/português.

Dos 398 artigos encontrados, 13 artigos atenderam aos critérios de inclusão, considerando-se os objetivos do estudo, instrumentos de medidas de autoeficácia esportiva e os instrumentos de medida de desempenho, bem como as modalidades esportivas avaliadas, a média de idade dos atletas e as propriedades psicométricas dos instrumentos.

A Figura 1 apresenta o passo a passo seguido para a seleção dos artigos analisados no presente estudo.

Figura 1.
Etapas do processo da revisão integrativa adotadas no presente estudo. Fonte: Autores.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os 13 artigos contemplados na presente revisão integrativa, bem como as informações mais relevantes acerca dos estudos analisados, como o título do artigo, primeiro autor, ano de publicação, qualis ou fator de impacto da revista, modalidades esportivas, médias de idade dos atletas, objetivos do estudo, os instrumentos de medida da autoeficácia esportiva, suas propriedades psicométricas e os instrumentos de medida de desempenho esportivo.

Tabela 1.
Estudos que avaliaram a autoeficácia e desempenho esportivo

Os instrumentos de avaliação da autoeficácia diferiram em todos os estudos revisados. Nenhum dos 13 artigos apresentou, na íntegra, o instrumento utilizado para a avaliação da autoeficácia, sendo que alguns estudos fizeram, apenas, menção de itens pertencentes ao instrumento.

Observou-se que 92,3% dos estudos tiveram como foco principal a avaliação das crenças de autoeficácia dos atletas relacionadas ao seu desempenho. Apenas 7,7% (um estudo) referiu o processo de criação e validação de uma escala que mensura autoeficácia em contexto esportivo, a qual é específica para golfistas.

Constatou-se também que foram utilizadas escalas oriundas de outros estudos (46,2%), além de recomendações sugeridas no guia de construção de medidas de autoeficácia (38,7%) propostas por Bandura (2006)BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337.. Apenas 15,4% não reportaram os parâmetros adotados. Ao analisar as propriedades psicométricas dos instrumentos, identificou-se que foram descritas as etapas do processo de validação em apenas 7,7% dos estudos revisados, sendo apresentados os valores de consistência interna (α=0.87 e α=0.85), validade de construto (62.33% da variância total) e validade de critério - concorrente (0.60 p<0.01) e preditiva (0.64 p<0.01). Nos demais estudos, 84,6% apresentaram apenas os valores do Alpha de Cronbach, que variaram de α= 0.70 a α= 0.96; um estudo (7,7%) reportou os valores de consistência interna do instrumento em aplicações de estudos anteriores (α= 0.89 e α= 0.95), mas sem apresentar o valor do Alpha de Cronbach encontrado com os dados coletados na própria investigação. Destaca-se que 7,7% dos estudos apresentou apenas a validade de critério (ICC=0.75).

Os estudos foram realizados com voleibol (15,4%), basquete (15,4%), golfe (15,4%), futebol (15,4%), críquete (7,79%), escalada (7,7%), corrida (7,7%), equitação (7,7%) e tênis (7,7%). Assim, as modalidades coletivas representaram 53,8% dos estudos, sendo que destes, 42,9% foram realizados apenas com atletas do sexo masculino, 28,6% somente com atletas do sexo feminino, 14,3% com ambos os sexos e em 14,3% não foi reportado o sexo dos participantes. Por outro lado, as modalidades individuais representaram 46,2% dos estudos, sendo que destes, 50% foram realizados apenas com homens e 50% com ambos os sexos. Nos 13 estudos analisados, a idade mínima dos atletas foi de 11,3 anos e máxima de 62 anos.

No que diz respeito ao momento de coleta, 38,5% avaliou a autoeficácia em período competitivo, 30,8% fora do período competitivo, 7,7% um dia antes da competição, 7,7% antes e após a competição, 7,7% antes e após a temporada competitiva e 7,7% realizou coletas durante 3 anos antes das competições.

Nota-se que 46,15% dos estudos reportaram explicitamente a dimensão de autoeficácia avaliada (nível, força ou generalização), e 53,84% não apontaram claramente tal aspecto. É importante salientar que todos os 13 estudos basearam-se nas recomendações sugeridas por Bandura (2006)BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337. no guia para construção de medidas de autoeficácia.

Em todos os estudos, nota-se que há relação entre os níveis de autoeficácia e desempenho, sendo que aqueles atletas que se autoavaliaram positivamente em relação as suas crenças de eficácia, apresentaram desempenho melhor do que os atletas que exibiram baixos níveis de autoeficácia.

DISCUSSÃO

O fato de os estudos analisados na presente revisão integrativa não terem apresentado na íntegra os instrumentos utilizados para mensuração da autoeficácia, restringe o acesso de outros pesquisadores e dificulta a avaliação do construto sob a mesma ótica e, portanto, a confrontação dos resultados.

Todos os estudos contemplados na presente revisão integrativa baseiam-se no paradigma a respeito da autoeficácia conceituada por Albert Bandura, conforme preza a Teoria Social Cognitiva. No estudo de revisão sistemática realizada por Feltz e Lirgg (2001)FELTZ, D. L.; LIRGG, C. D. Self-efficacy beliefs of athletes, teams, and coaches. In: SINGER, R. N.; HAUSENBLAS, H. A. (Ed.). Handbook of sport psychology. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons, 2001. p. 340-361 encontraram-se 60 artigos relacionados à autoeficácia, mas a maioria destes avaliou a autoeficácia de maneira inadequada, utilizando-se de instrumentos de autoconfiança e ansiedade. Já nos estudos contemplados na presente revisão, percebeu-se a preocupação dos pesquisadores em avaliar apropriadamente o construto autoeficácia, seja por meio de escalas elaboradas para o próprio estudo, baseadas no Guia de Bandura (2006)BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337. ou por instrumentos adaptados de outros contextos.

As pesquisas que utilizaram instrumentos elaborados especificamente para o estudo para a mensuração da autoeficácia não atentaram para a necessidade destes questionários e/ou escalas passarem por um processo rigoroso de validação, o que garantiria confiabilidade para os dados coletados e a precisão na avaliação do construto pretendido. A avaliação da autoeficácia, quando realizada por meio de instrumentos em que o processo de validação não foi referido ou em que as escalas foram reportadas de outros estudos, tomando por base os valores obtidos apenas para a consistência interna compromete a confiabilidade dos resultados encontrados. Muitas vezes o processo de validação não é levado em consideração na elaboração de um instrumento de medida, sendo realizada a aplicação de apenas um método ou um único teste estatístico, não caracterizando um processo adequado de validação de um instrumento (PASQUALI, 2010PASQUALI, L. Instrumentação psicológica: fundamentos e prática. Porto Alegre: Artmed, 2010.).

A utilização do Guia de Bandura (2006)BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337., como base para a elaboração da medida para mensuração da autoeficácia em alguns dos estudos analisados, aponta indicadores importantes para a elaboração de instrumentos que pretendem avaliar este construto, uma vez que remete para: a necessidade de a escala ser adaptada de maneira a medir o domínio particular de funcionamento do comportamento de interesse considerar os níveis de demanda de tarefas que representam gradações de desafios ou impedimentos para o desempenho bem sucedido; avaliar a eficácia de autorregulação frente a dificuldades e impedimentos por meio de questionarios e entrevistas abertas - pilotos; mensurar gradações suficientes de dificuldades para os itens de eficácia a fim de evitar efeitos teto; e adaptar ao tipo de público em questão entre outras recomendações (BANDURA, 2006BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337.).

Observa-se certo rigor psicométrico dos instrumentos utilizados para a mensuração da autoeficácia nos estudos presentes nesta revisão integrativa, explicitado, principalmente, pelo valor da consistência interna (Alpha de Cronbach). Esta foi a propriedade psicométrica mais encontrada nos estudos revisados que, por si só, não representa que o instrumento tenha sido validado, mas apenas denota o cuidado dos pesquisadores em avaliar o nível de consistência dos itens, o quão estão relacionados na escala, o que minimiza a imprecisão dos achados. Utilizar está técnica isoladamente remete a quebra de etapas de um processo de validação de um instrumento, do qual antes de se chegar a esta fase, necessita-se passar por etapas essenciais, como, por exemplo, validação de conteúdo e validade de construto da variável em questão. Por outro lado, os valores encontrados nos estudos revisados correspondem ao que se tem encontrado na literatura científica, que estabelece como precisos e confiáveis valores acima de 0.70, podendo considerar valores mais baixos, justamente por se tratar de uma variável subjetiva (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003NETEMEYER, R.; BEARDEN, W.; SHARMA, S. Scaling procedures: issues and applications. Thousand Oaks: Sage, 2003.).

A validade de critério (validade concorrente e preditiva), encontrada apenas em um dos estudos revisados, permite avaliar o grau de eficácia que um teste tem em predizer um determinado desempenho de uma ação futura, confirmando se um teste tem associação empírica com critérios externos, relacionados à medida de outros instrumentos, já validados para o mesmo construto (PASQUALI, 2001PASQUALI, L. Instrumentação psicológica: fundamentos e prática. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Feltz, Short e Sullivan (2008)FELTZ, D. L.; SHORT, S. E.; SULLIVAN, P. J. Self-efficacy in sport: reserch and strategies for working with athletes, teams, and coaches. International Journal of Sports Science and Coaching, v.3, n.2, p.293-295, 2008.sugerem que os pesquisadores considerem atenção para que a medida seja consistente e seja construída para domínios específicos, a fim de evitar questões descontextualizadas.

Percebe-se que grande parte dos artigos não reportou a dimensão de autoeficácia avaliada. Isso dificulta o entendimento por parte de outros pesquisadores no momento da reprodutibilidade dos instrumentos, visto que não se sabe ao certo a dimensão da autoeficácia (nível, força ou generalização) que tal instrumento mensura. Essas especificações são essenciais para delimitar os objetivos de um estudo e delinear uma metodologia de pesquisa adequada e consistente.

Quanto à população estudada, percebe-se que, em modalidades coletivas, a maioria das investigações foi realizada predominantemente com atletas do sexo masculino, enquanto, em modalidades individuais, houve maior equilíbrio, encontrando-se o mesmo percentual de estudos conduzidos com atletas de ambos os sexos. Uma possível explicação se deve a participação da mulher no esporte ser recente, somente nos últimos anos, passou-se a dar atenção ao sexo feminino em pesquisas no contexto esportivo (DEVIDE et al., 2011DEVIDE, F. P.; OSBORNE, R.; SILVA, E. R.; FERREIRA, R. C.; CLAIR, E. S.; NERY, L. C. Estudos de gênero na Educação Física Brasileira. Motriz. Revista da Educação Física, Rio Claro, v. 7, n. 1, p. 93-103, 2011.)

Em relação aos momentos de coletas, a maioria dos estudos foi realizada em período competitivo, seguida de período não competitivo, o que para Feltz, Short e Sullivan (2008)FELTZ, D. L.; SHORT, S. E.; SULLIVAN, P. J. Self-efficacy in sport: reserch and strategies for working with athletes, teams, and coaches. International Journal of Sports Science and Coaching, v.3, n.2, p.293-295, 2008. deve-se à necessidade de se avaliar a estabilidade da autoeficácia até 24 horas após a competição. Poucos estudos relataram coletas em um dia antes da competição, bem como antes e após a competição, antes e após temporada esportiva e durante um longo período de avaliação. A importância de se avaliar este construto em momentos distintos sustenta-se na perspectiva de este construto ser uma propriedade dinâmica, e não um traço estável da personalidade, que pode variar de situação para situação e ser específico a certo tempo e ambiente (BANDURA, 2006BANDURA, A. Guide for constructing self-efficacy scales. In: PAJARES, F.; URDAN, T. (Ed.). Self-efficacy beliefs of adolescents. 5th ed. Greenwich: CT Information Age Publishing, 2006. p. 307-337.).

Percebe-se que todos os estudos contemplados na presente revisão foram publicados em periódicos com extrato de qualidade, na área da Educação Física, acima de B1 ou que obtivessem fator de impacto. O Qualis CAPES estima a qualidade dos artigos e demais produções científicas por meio da avaliação da qualidade dos periódicos, em que são divulgadas os estudos científicos (CAPES, 2014CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Qualis. Mestrados e Doutorados. Programas de Pós-Graduação. Disponível em: <http://www.cpgss.ucg.br/home/secao.asp?id_secao=2588>. Acesso em: 25 mar. 2014.
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).

CONCLUSÃO

O principal objetivo deste estudo foi verificar os instrumentos de medida utilizados nos últimos anos para mensurar a autoeficácia dos atletas relacionada ao seu desempenho esportivo, bem como as propriedades psicométricas destes instrumentos.

Foi possível constatar que diferentes instrumentos foram utilizados em estudos com os mesmos objetivos, a mensuração da autoeficácia, e, por vezes, com as mesmas modalidades esportivas. Pôde-se também perceber que a preocupação dos pesquisadores em validar instrumentos utilizando critérios psicométricos se deu a partir da última década, a fim de garantir maior confiabilidade dos resultados. Porém, não se encontrou o processo de validação dos instrumentos de avaliação da autoeficácia esportiva na maioria dos estudos revisados. Além disso, os pesquisadores não divulgam os instrumentos utilizados nas pesquisas, sendo esta uma das lacunas encontradas para a confrontação dos resultados, o que possibilitaria melhor compreensão do construto em questão. A ausência de um padrão ouro de avaliação da autoeficácia em contexto esportivo específico reforça tal necessidade.

A reprodutibilidade dos instrumentos não foi mencionada nos estudos revisados, tampouco a continuidade destes estudos foi vista. A relevância da reprodutibilidade dos instrumentos permitiria maior confiabilidade na análise dos resultados destes estudos, a fim de auxiliar outros pesquisadores no controle de variáveis cognitivas que afetam o rendimento esportivo.

O presente estudo preocupou-se em verificar e analisar as pesquisas que relacionaram a medida de autoeficácia a alguma medida de desempenho dos atletas, mensurada objetivamente (por exemplo, escalte técnico da modalidade), em vez de, simplesmente, adotar um método subjetivo de análise (autorrelato, por exemplo). Uma possível limitação do presente estudo foi a não contemplação dos instrumentos de avaliação da autoeficácia de técnicos. Esses exercem papel fundamental na prática esportiva, sendo sugestível para pesquisas futuras, bem como a percepção de eficácia coletiva das equipes esportivas e o aprofundamento nos estudos das propriedades psicométricas que estes instrumentos requerem para a sua adequada utilização.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2013
  • Revisado
    13 Fev 2014
  • Aceito
    12 Mar 2014
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