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DIFUSÃO DAS PRATICAS CORPORAIS NAS PRAÇAS PÚBLICAS DA CIDADE DE PORTO ALEGRE (1920-1940)

THE DIFFUSION OF CORPORAL PRACTICES IN THE PUBLIC SQUARES OF CITY OF PORTO ALEGRE (1920 - 1940)

RESUMO

As praças públicas de Porto Alegre, na segunda metade da década de 1920, receberam melhorias na sua infraestrutura visando oportunizar a prática esportiva. Como ocorreu a difusão das práticas esportivas nas praças de Porto Alegre no período compreendido entre as décadas de 1920 a 1940 é a questão central deste estudo. A análise documental de fontes impressas revelou que a implantação do Serviço de Recreação Pública (SRP) em 1926, foi fundamental para a ocupação das praças, enquanto espaços destinados às práticas esportivas. Para além da prática foram potencializadas competições esportivas nas praças, resultando na formação dos clubs, nas décadas de 1930 e 1940.

Palavras-chave
História do Esporte; Praças públicas; Atividades de Lazer

ABSTRACT

The Public squares of Porto Alegre, in the second half of the 1920s, received improvements in infrastructure to create opportunities for practice sports. How did the spread of sports activities in the squares of Porto Alegre in the period between the decades from 1920 to 1940 is the central question of this study. The documentary analysis of printed sources revealed that the implementation of the Public Service Recreation (SRP) in 1926, was essential in the occupation of squares as spaces intended for sports practices. In addition to the practice were potentiated sports competitions in the squares, resulting in the formation of clubs in the decades 1930 and 1940.

Keywords
History of Physical Education; Sport; Leisure Activities

INTRODUÇÃO

O surgimento das primeiras praças públicas em Porto Alegre é datado do final do século XIX, contudo era rara a circulação de pessoas nestes espaços. As formas de ocupação das praças foram sendo alteradas em decorrência das mudanças políticas, econômicas e sociais desencadeadas no final do século XIX. As praças começaram a serem ocupadas pelos porto-alegrenses para a sociabilidade e lazer no início do século XX. Nas décadas seguintes, houve o incremento da circulação de pessoas nos espaços públicos, bem como a transformação da praça, que passou a incorporar outras atividades.

Com a criação do Serviço de Recreação Pública (SRP), em 1926, algumas práticas esportivas foram oferecidas nas praças. Com o incremento da prática nestes espaços públicos desencadeou-se o processo de criação de clubs. Em razão disso, as praças que sediavam clubs atribui-se a denominação de Praça de Desportos, e aquelas que passaram a ser utilizadas pelas escolas próximas, na década de 1940, designou-se de Praças de Educação Física (CUNHA; MAZO, 2010CUNHA, M.; MAZO, J. A criação dos clubs nas praças públicas da cidade de Porto Alegre (1920-1940). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, SP, v. 32, n. 2/4, p. 123-139, 2010. ). Faz-se a ressalva que além das referidas denominações, as praças eram numeradas, como, por exemplo, Praça nº 1, usando-se como critério de período de instalação.

A experiência da utilização dos espaços das praças públicas para a prática esportiva e, em alguns casos para aulas de Educação Física, é uma das ações precursoras no Brasil. Estudos (AMARAL, 1998AMARAL, S. Espaços e vivências públicas de lazer em Porto Alegre: da consolidação da ordem burguesa à busca da modernidade urbana. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Goiânia, v. 23, n. 1, p. 109-121, set. 2001.; AMARAL, 2001AMARAL, S. Lazer/recreação: estudos de memória na cidade de Porto Alegre: uma proposta em andamento. 2. ed. Belo Horizonte: Centro de Estudos de Lazer e Recreação - CELAR, 1998. v.1.; FEIX, 2003FEIX, E. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.; MAZO, 2004MAZO, J. Catálogo do Esporte e da Educação Física na Revista do Globo (1929-1967). Porto Alegre: Ed. da PUCRS, 2004. 1 CD-ROM.; STIGGER, 1993STIGGER, M. Administração de parques públicos e democracia: um estudo de caso na área de políticas publicas para o lazer na perspectiva democrática., Revista Brasileira de Ciências do Esporte São Paulo, v. 15, n. 1, p. 66, set. 1993. ; WERNECK, 2002WERNECK, C. Lazer e estilo de vida. In: BURGOS, M.; PINTO, L. (Org.). Recreação, lazer e estilo de vida no Rio Grande do Sul: refletindo sobre algumas ações desenvolvidas na capital gaúcha no período 1926-1978. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. p. 95-138.), evidenciam o pioneirismo no âmbito da recreação pública em Porto Alegre. Todavia, na sua maioria, as pesquisas enfocam o período da segunda metade dos anos 1920, quando, por meio da criação da SRP, desencadearam-se as práticas esportivas e atividades recreativas nas praças públicas de Porto Alegre. Para além desta fase inicial, faz-se necessário avançar no tempo histórico para analisar as implicações da apropriação do espaço público com ênfase nas práticas esportivas.

Elias (1989)ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Diefel, 1992. refere que tempo e espaço devem ser estudados conjuntamente porque estão imbricados. Então é necessário compreender o tempo no contexto onde esse é produzido, devendo-se considerar o espaço como relevante na configuração das relações sociais. Nessa direção, as praças públicas de Porto Alegre configuraram-se enquanto espaços de práticas esportivas e recreativas destinados, principalmente, para crianças e jovens. Esta iniciativa surge como função inerente à municipalidade na segunda metade da década de 1920, sendo incrementada nas décadas de 1930 e 1940 com a organização de clubs e competições esportivas entre as praças.

Sendo assim, a questão central deste estudo é como ocorreu a difusão das práticas esportivas nas praças de Porto Alegre no período compreendido entre as décadas de 1920 e 1940. Na busca da compreensão desse processo histórico foram analisadas as seguintes fontes impressas: a) Catálogo Esporte e Educação Física na Revista do Globo (MAZO, 2004MAZO, J. Catálogo do Esporte e da Educação Física na Revista do Globo (1929-1967). Porto Alegre: Ed. da PUCRS, 2004. 1 CD-ROM.); b) Almanaque Esportivo do Rio Grande do Sul, organizado por José Ferreira Amaro Júnior no período de 1942 a 1959; e c) Álbum de recortes de artigos sobre recreação pública no acervo do Centro de Memória do Esporte (CEME) da ESEF/UFRGS. Além das fontes históricas mencionadas, subsidiaram a pesquisa bibliográfica dissertações, monografias, teses e livros.

Na sequência apresentamos o resultado da análise da documentação e da revisão bibliográfica.

Um panorama das praças públicas de Porto Alegre

A fisionomia da cidade de Porto Alegre, alterada em função das intervenções urbanas, transformou-se com a destinação de espaços públicos às atividades de lazer para a população porto-alegrense. Por meio do planejamento urbano, obras de saneamento, alargamento de ruas, embelezamento da cidade, construção de prédios públicos, praças e parques, constatamos a preocupação, por parte das autoridades da Intendência, então governo municipal, de melhorar a cidade. Além disso, a construção de praças ou a adequação das já existentes para fins de práticas esportivas sugerem a busca por melhores condições de vida dos porto-alegrenses.

Em tempo que o interesse de investimento institucional em educação, esporte e recreação eram prementes influenciados pelo movimento de educação física mundial, as praças ganhavam status de lugar adequado para este fim. A necessidade desses espaços emergia pela conquista de maior tempo livre pelos trabalhadores, bem como devido a preocupação com as crianças que careciam de lugar público para brincar. Assim, os espaços deveriam ser dotados de equipamentos apropriados e recursos humanos que organizassem as práticas que ali seriam desenvolvidas.

Na esteira desse processo foi criado o SRP pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre em 1926, idealizado pelo professor Frederico Guilherme Gaelzer, então, primeiro inspetor de Educação Física da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado do Rio Grande do Sul (FEIX, 2003FEIX, E. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.; MAZO, 2004MAZO, J. Catálogo do Esporte e da Educação Física na Revista do Globo (1929-1967). Porto Alegre: Ed. da PUCRS, 2004. 1 CD-ROM.). O professor Gaelzer é considerado o pioneiro na institucionalização da recreação pública na cidade de Porto Alegre, pois delineou e implantou os Jardins de Recreio, também chamados de Praças de Recreio, em algumas praças públicas da cidade (FEIX, 2003FEIX, E. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.; CUNHA, 2009CUNHA, M. As práticas corporais e esportivas nas praças e parques públicos da cidade de Porto Alegre (1920 - 1940). 2009. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.). Muitas de suas realizações foram por ele registradas em textos, diários e publicações de jornais, possibilitando que hoje pudéssemos interpretar o passado e conhecer, em sua versão, como sucedeu a institucionalização destes lugares de lazer.

No primeiro ano de funcionamento do SRP, em 1926, foi instalada a estrutura do primeiro Jardim de Recreio na Praça nº 1 - Praça de Desportos General Osório. Neste local, também conhecido como Praça do Alto da Bronze, visava-se a prática de atividades recreativas dirigidas, ou seja, definidas pela coordenadoria do SRP (WERNECK, 2002WERNECK, C. Lazer e estilo de vida. In: BURGOS, M.; PINTO, L. (Org.). Recreação, lazer e estilo de vida no Rio Grande do Sul: refletindo sobre algumas ações desenvolvidas na capital gaúcha no período 1926-1978. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. p. 95-138.; FEIX, 2003FEIX, E. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.). Nesta praça foram instaladas aparelhagens rudimentares resultantes de objetos improvisados como forma de viabilizar a recreação para crianças (FEIX, 2003FEIX, E. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.). Um dos relatórios da época encontrado no acervo do CEME/ESEF/UFRGS ilustra que os primeiros artefatos produzidos com pneus usados, foram fixados nas árvores. Aos poucos foram substituídos, por outros mais modernos e eficientes, o que veio contribuir para um acréscimo considerável de circulação de crianças no espaço (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ).

O segundo Jardim de Recreio foi instalado na Praça nº 2 - Pinheiro Machado, situada no arraial (atualmente bairro) São João, em fevereiro de 1927, conforme Decreto-Lei Municipal nº 88 de 19/02/1927. Este era o local mais frequentado pelos porto-alegrenses, provavelmente em razão da sua localização privilegiada. Anos depois, com a realização de alguns melhoramentos nos equipamentos e com a finalidade de controle da frequência dos usuários pelos zeladores que fiscalizavam a área, foi colocada uma cerca demarcando a única entrada na praça, conforme já havia ocorrido no Jardim de Recreio nº 1. Na sequência foram instalados os Jardins de Recreio na Praça nº 3 - Bartolomeu de Gusmão (conhecida como Praça Florida) e na Praça nº 4 - Dr. Montaury como resultado da qualidade atingida em pouco tempo de implantação do serviço.

A organização das atividades nas praças foi descrita em relatório elaborado pelo professor Gaelzer, o qual foi encaminhado ao Intendente em exercício prevendo, atendimento as pessoas de todas as idades. A programação planejada consistia em: pela manhã, das 6h às 7h30min, exercícios físicos para pessoas idosas; das 8h às 11h sob a orientação de uma professora, o funcionamento do Jardim de Infância, recanto infantil aparelhado com tanque de patinar, balanços, gangorras, trapézios e argolas com jogos para as crianças que não tinham a idade exigida para frequentar as escolas; á tarde, das 15h às 18h, os estudantes liberados das atividades escolares participavam de jogos, organizados por um instrutor, nos gramados e nas quadras de voleibol; a partir das 18h, com o encerramento do trabalho no comércio, a praça voltava suas atividades aos trabalhadores que aproveitavam as últimas horas do dia participando ou assistindo competições entre as equipes da mesma praça, ou oriundas das demais (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ).

No cenário de Porto Alegre, os significados da recreação pública foram construídos em estreita relação com a educação física e o esporte, em consonância com a política social e urbana da época. Neste percurso, consta em relatório elaborado pelo professor Gaelzer (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ), que o SRP preocupou-se, sobretudo, com a massificação das práticas nos Jardins de Recreio, os quais eram considerados logradouros públicos destinados a promover a formação física, social e moral da população. Além disso, a recreação, tendo como matriz de pensamento principalmente a educação física, foi entendida como sinônimo de práticas esportivas e culturais diversas.

As atividades promovidas nas praças integravam, na visão das lideranças políticas, um programa completo de educação física. Neste trajeto, a recreação também foi vista como uma metodologia de trabalho diferenciada para que a educação física fosse desenvolvida no âmbito do ensino formal ou da educação extraescolar (GOMES, 2003GOMES, C. Significados da recreação e lazer no Brasil: reflexões a partir da análise de experiências institucionais (1926-1964). 2003. Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. ).

A perspectiva de promover a integração dos espaços de ensino é revelada pela planta baixa do primeiro Jardim de Recreio na Praça General Osório (conhecida como Praça do Alto da Bronze). No registro da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), no qual consta a descrição da vegetação local, a localização das quadras de voleibol e basquetebol, brinquedos, área de descanso e prédio para o Jardim da Infância, destaca-se a proximidade entre as praças e as escolas. É o caso do Jardim de Recreio nº 1 situado na Praça General Osório que ficava em frente ao Colégio Fernando Gomes, distante somente quatro quadras da Escola Normal do Gymnasio Anchieta, do Colégio Nossa Senhora do Rosário e do Colégio Elementar. Esta disposição espacial de proximidade as escolas foi evidenciada nos quatro jardins de recreios, pois a escola era considerada elemento indispensável (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ).

A importância da recreação pública gratuita como parte integrante na vida dos povos civilizados foi ressaltada em reportagem da Revista do Globo (1937 apud MAZO, 2004MAZO, J. Catálogo do Esporte e da Educação Física na Revista do Globo (1929-1967). Porto Alegre: Ed. da PUCRS, 2004. 1 CD-ROM.). O texto registra que a Praça de Educação Física, funcionando ao lado da escola, convinha nas horas em que esta não funcionava, de centro de recreação pública da juventude e ponto de reunião social de adultos do bairro. Ainda referia que, sucedendo o intervalo das aulas numa praça, as crianças e os jovens teriam tempo de fazer exercícios físicos, proporcionando um recreio ordenado e produtivo.

Nesta direção, os Jardins de recreio, passaram a ser vistos em função da valorização da Educação Física, como complemento da escola, a qual estava fortemente unida, pois foi transformada em Praça de Educação Física. O programa de Educação Física da escola e o da praça obedecia à mesma orientação e, tendo o mesmo fim, foram fundidos num único. O controle acerca do número de frequentadores das praças e das respectivas atividades oferecidas diariamente denota a estreita relação construída entre a praça e a escola.

Os gráficos e tabelas apresentados na palestra proferida pelo professor Gaelzer (1975)GAELZER, L. Recreação pública em Porto Alegre: evolução histórica. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1975. , registram que os Jardins de Recreio eram frequentados, diariamente, por mais de mil pessoas, e que a média de frequência mensal era de 25.000 crianças e jovens, distribuídos em turmas. Nos relatórios oficiais do SRP ressaltava-se o controle de frequência e o registro dos participantes assíduos nos dois primeiros Jardins de Recreio inaugurados em Porto Alegre. As crianças e jovens eram classificadas em categorias, a saber: seção feminina dividida em meninas e moças e a seção masculina em meninos (de 12 a 14 anos), rapazes (15 a 17 anos) e moços (18 a 25 anos) (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ).

Verifica-se por meio dos registros encontrados no acervo do CEME/ESEFUFRGS, que os jardins de Recreio tiveram a preocupação de inserir as mulheres nas práticas, mas em atividades diferenciadas das dos homens. Justamente a estas construções das relações cotidianas influenciadas pelas práticas habituais, das rotinas, que chamamos atenção. Em geral, nas ilustrações e nos registros, a prática do voleibol é associada às moças, enquanto, os moços estão nas equipes de basquetebol e também voleibol. Faz- se a ressalva, que no período histórico do final dos anos de 1920 e 1930, o voleibol era identificado como prática esportiva para mulheres. A afluência citada nos relatórios, ainda nos leva a notar um nível de integração social que se dava nos espaços da praça, sustentados por sua estrutura, disposição e procedimentos.

Com as transformações ocorridas no processo de modernização da cidade de Porto Alegre observam-se, também, mudanças no estilo de vida e nas configurações sociais relacionadas diretamente com o controle social eficaz das massas. Este cenário favorecia o advento de práticas de entretenimento e lazer distinguidas como civilizadas. As atividades de lazer, também, exerciam uma função controladora nas praças, as quais se tornaram símbolo de organização e controle, pois as práticas consolidavam estes mecanismos.

No primeiro ano do SRP, quatro praças já possuíam aparelhamento completo, proporcionando, não só às crianças como aos jovens momentos de recreação e, ao mesmo tempo, de prática esportiva. No ano do segundo aniversário da instalação da Praça de Desportos General Osório foi realizada uma solenidade no dia 16 de Agosto de 1929 em comemoração ao sucesso do projeto pioneiro, conforme consta em um convite encontrado no acervo do CEME/ESEF/UFRGS. Em situações como essa, a organização de eventos sociais servia para aproximar e fortalecer os vínculos existentes entre os frequentadores da praça. Os organizadores comemoravam os aniversários de um projeto de sucesso e a experiência dos Jardins de Recreio em Porto Alegre ganhava defensores nos jornais da cidade. Os jornais abordavam a importância dos espaços públicos de lazer e apresentavam as praças como uma medida para evitar o desvio de conduta e a delinquência juvenil na similaridade da experiência realizada nas grandes cidades do país (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ).

As Praças de Desportos eram vistas como espaços de controle social eficaz através da mudança de estilo de vida impulsionada pela modernidade propagando o desenvolvimento de normas de conduta social, conformando hábitos culturais civilizados e padrões de relacionamento que eram internalizados pelos indivíduos logo depois de reproduzidos. A sociedade moderna reservou para o lazer a satisfação da necessidade que os indivíduos têm de experimentar em público a explosão de fortes emoções, sem com isso perturbar ou colocar em risco a organização da vida social. As rotinas das práticas corporais e esportivas nas praças garantiam este nível elevado de segurança aos indivíduos e as instituições possibilitando a integração e formando uma rede de ligações.

Foram localizados mapas da cidade de Porto Alegre datados de 1932 no acervo do Museu Moysés Velhinho, nos quais se observou as áreas demarcadas especificamente para a recreação e práticas esportivas, no período. Estas áreas aparecem divididas em Praças de Educação Física, campos de futebol, estádios, clubes de remo, praias para banho, áreas de recreação e jardins públicos. Evidencia-se que diversos espaços da cidade estavam voltados para o lazer e a recreação, muitos dos quais sendo administrado e gerenciado pelo SRP, dando continuidade ao processo de inserção da cultura do lazer na cidade de forma organizada.

O fato de que o núcleo do projeto de modernização urbana estivesse centrado sobre a criação de praças, possibilita que as práticas instituídas nestes espaços se afirmem. Constatamos a caminhada progressiva para instaurar a prática recreativa na cidade de Porto Alegre quando vemos que em um dos mapas analisados, datado de 1932, dez praças já estavam em funcionamento, uma em construção e duas em projeto. Observamos que, pela ordem, as praças foram criadas, ocupadas e por serem organizadamente utilizadas pelo SRP, incitaram a criação de novas praças.

Todavia a manutenção destes espaços com o passar dos anos parece que deixou de ser prioridade municipal, o que pode ser observado em uma carta publicada no jornal Diário de Notícias, encontrada no álbum de artigos do acervo do CEME/ESEF/UFRGS (GAELZER, [199-]GAELZER, F. Álbum de recortes de artigos. Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, [199-]. ). A carta relata o abandono das praças, que sofreram com ações de depredação, o desaparecimento do gradil de algumas praças, falta de cuidado, entre outros problemas que contrastam com a finalidade de sua instalação dotando a capital de um melhoramento de lazer. Sugere o autor da carta que, ao permanecerem os jardins em abandono, sem fiscalização direta da seção de obras do município, era preferível transformá-los em jardins públicos de passeio ou então, entregá-los à fiscalização direta dos subintendentes dos distritos, que por estarem mais perto poderiam melhor reparar por esses logradouros públicos. O texto ainda revela que o fluxo de pessoas diminuíra, os torneios eram escassos, e que o horário noturno não mais existia como consequência da administração do local por um diretor.

Sendo a municipalidade representada pelo diretor das praças e Jardins de Recreio, também responsável pela organização e desenvolvimentos das atividades locais, entendemos que esta reclamação estava voltada ao professor Gaelzer, ratificada pela frase "senhor com cara e modos de estrangeiro". As características físicas da etnia alemã foram citadas para identificá-lo, como imigrante alemão ou descendente (teuto-brasileiro) justamente no período que precedia a "onda nacionalista" no Brasil (GERTZ, 1991GERTZ, R. O perigo alemão., Porto Alegre: Ed. da UFRGS 1991.). Nesta época intensificavam-se os discursos questionadores das diferenças culturais, que eram marcantes nos teuto-brasileiros, em todo o território nacional e neste caso apesar de o citado ser cidadão brasileiro, nascido em Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul.

Apesar desta condição de teuto-brasileiro, reconhece o autor da carta o bom trabalho levado a efeito nas Praças de Desportos sem discordância as regras em vigor neste período, ressaltando os momentos de alegria em que moças e rapazes passavam nas praças disputando torneios de basquetebol e voleibol realizados à noite, até ás 21h ou mesmo até 22h, duas ou três vezes por semana, encantando aos que assistiam. Torneios estes que aconteciam, conforme registro em um dos convites para a Festa da Primavera, que destacava as competições entre o team da praça e o colégio Paula Soares e nos programas impressos que eram elaborados relatando as atividades daquele dia voltadas aos meninos e meninas: corrida em 75 metros, capitão soldado ladrão, corrida em pneus, jogo das batatas, circulo, salto em distancia e cabo de guerra. A categoria de rapazes com atividades já voltadas aos moldes esportivos como corrida em 100 metros, salto em distância, lançamento de bola, entre outras. E a categoria de senhoritas com corridas de agulhas e de velas, descrição condizente a preservação de sua feminilidade, apesar da prova (CEME/ESEF/UFRGS. Pasta-arquivo intitulada Recreação Pública).

A carta traz ainda a informação de que o Diretor "embirrava com a petizada" privilegiando alguns frequentadores quanto à utilização dos espaços esportivos da praça. Salientamos isto, pois constatamos que existia uma intenção do Professor Gaelzer em estimular a formação de equipes para competição, pois desde o primeiro ano de exercício as praças já eram representadas por suas equipes em competições interpraças. O que se pode ver até aqui é que, de um espaço destinado para o lazer e recreação de todos - concepção original dos Jardins de Recreio/Praças de Desportos começava a forjarem-se espaços para a formação de atletas que sediados em suas praças, nelas treinavam e a elas representavam. Um indício que nos fez buscar respostas para a possibilidade de a praça de todos, ser apropriada e se tornar a praça de alguns.

Club's das praças: a competição esportiva no espaço público

A proposta de organização de clubs nas praças estava latente desde a criação das primeiras Praças de Desportos na cidade. Estimulados pela idéia de educação corporal e moral da juventude para além da escola, os clubs nas praças tinham um papel a desempenhar. Nesse lugar, alguns jovens de classe social menos abastada economicamente, que não encontravam espaço nos clubes sociais e esportivos da cidade, eram aceitos e passavam a ter o seu club, sua bandeira e flâmula, representando a praça. Em imagens encontradas dos clubs formados nas praças os integrantes perfilados seguravam as flâmulas que as representavam. Percebe-se que esta identificação deixava saber quem eles representavam, quem eram, e de onde vinham. Nesse sentido, os clubs das praças e suas práticas, enquanto atividades sociais produtoras de significados e sentidos, revelavam-se independentes e providos de uma lógica inerente ao contexto social em que eram produzidas (WAGNER, 1998WAGNER, W. Sócio-gênese e características das representações sociais. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. (Org.). Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 1998. p. 3-26.).

A cidade de Porto Alegre já ostentava, em seus clubes esportivos, equipes que, restritos a uma elite social, não permitiam o acesso das classes menos favorecidas economicamente. Já os clubs das praças surgiram fora desse ambiente e logo conquistaram expressão no campo esportivo. A participação dos clubs das praças na Liga Atlética Rio Grandense era uma forma de dar lugar a esses espaços públicos e ao trabalho de preparação das equipes lá executado pelo professor Gaelzer.

A organização das Praças de Desportos era facilitada pelo controle e fiscalização utilizada nos registros e classificação em categorias. A partir da categorização, o professor Gaelzer estimulava a composição de clubs esportivos em cada praça, com a intenção de que estes participassem dos campeonatos organizados pelo SRP. Cada praça, geralmente, tinha cinco clubs vinculados (CUNHA, 2009CUNHA, M. As práticas corporais e esportivas nas praças e parques públicos da cidade de Porto Alegre (1920 - 1940). 2009. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., p. 72), sendo que cada um deles era formalmente organizado por jogadores e registrados no SRP. Depois de instituídos os clubs, eram escolhidos os membros da diretoria e definida a forma de funcionamento. Os documentos de fundação eram divulgados pelos jornais locais, assim como seus atos, comunicados de assembléias, nova diretoria e datas das competições esportivas. A publicação de notícias sobre os clubs em jornais permitiu identificar informações sobre esta forma de associação esportiva. Em Cunha (2009, p. 75)CUNHA, M. As práticas corporais e esportivas nas praças e parques públicos da cidade de Porto Alegre (1920 - 1940). 2009. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. consta o presidente, vice-presidente, período de gestão, secretário, tesoureiro, capitão geral e capitão do team, percebendo-se certa semelhança com a diretoria dos tradicionais clubes esportivos da cidade.

Foram organizados vários campeonatos entre praças chamando a atenção para o Campeonato Municipal de Voleibol disputado em duas categorias, rapazes e moças, aceitando a inscrição de somente uma equipe por praça; assim foram realizadas eliminatórias entre os clubs, a fim de ser apurado o campeão de cada praça, o qual disputaria a etapa final no campeonato municipal. Aquilatamos a relevância desse evento quando encontramos, em publicação de jornal da época, a menção sobre a entrega da premiação aos vencedores, com a presença do próprio Intendente Municipal, Dr. Octavio Rocha.

Além do campeonato de voleibol, muitos outros eventos esportivos foram realizados nas praças, dentre os quais destacamos: Campeonato Popular de Basquete (1938); Torneio Universitário de Foot ball (1938); Torneio de Basquete e Vôlei da Praça Dr. Montaury (1938); Grande Corrida Rústica da "Semana da Pátria" (1939); Programa de Recreação na Praça Pinheiro Machado em homenagem aos garotos vendedores de jornais (1938/1939); e Torneio de Vôlei Feminino (1940) (PIMENTEL, 1945PIMENTEL, F. Aspectos gerais de Porto Alegre. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1945.; MAZO, 2007MAZO, J.; SILVA, L. Os clubes esportivos e sua participação na 'Semana da Pátria' em Porto Alegre: desfiles e competições cívico-educativas (1930/1940). Arquivos em Movimento, Rio de Janeiro, v. 3, p. 67-83, 2007. ). Essas diversas competições remetem-nos ao entendimento, de acordo com Elias e Dunning (1992)ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Diefel, 1992., de que as práticas esportivas, constituídas como modernas atividades de lazer, cumpriam seu papel liberando as tensões do estresse cotidiano, permitindo as manifestações de sentimentos, e resguardando a integridade física e moral das pessoas dentro da ordem imperante.

Entretanto, a manifestação das idéias da população por meio de publicações em jornais continuava afirmando-se como uma forma de participação nas mudanças da cidade. Nos jornais, os leitores mostravam seus pontos de vista e exigiam o apoio de seus governantes. A propósito da participação dos clubs nos campeonatos esportivos das praças, encontramos, no acervo do CEME/ESEF/UFRGS, outra carta reclamatória dirigida ao então vice-intendente municipal em exercício, Alberto Bins, publicada no jornal Diário de Notícias do dia 19 de abril de 1928. Numa espécie de abaixo-assinado os moradores das adjacências da Praça de Desportos Florida reclamavam do fato do professor Gaelzer, ter inscrito clubs de três praças na Liga Atlética Rio Grandense, para participarem do campeonato oficial de basquetebol da cidade. A crítica ao diretor amparava-se na alegação de que ele atentava contra os fins altruísticos que nortearam a criação das referidas praças. Ainda, relatava que, ao filiar as três praças à Liga, foi realizada a inscrição de apenas 10 rapazes por club. Todavia, o professor Gaelzer foi acusado de recusar a inscrição pelo club da praça, de um grande número de rapazes que, além de praticarem nas praças também defendiam clubes esportivos da cidade; inclusive, por este motivo foram proibidos de treinar. A partir desse momento, as praças passaram a ser vistas como "clubes praças", e seus espaços ficaram restritos aos seus exclusivos praticantes. O que se pode depreender dessa reclamatória é que se instaurava, em 1928, no segundo ano de funcionamento das Praças de Desportos em Porto Alegre, um desejo de que as praças obtivessem representatividade esportiva por meio de seus próprios clubs.

A carta cita, ainda, nove solicitações relacionadas a obras, aparelhagem e material, horários de funcionamento e atenção mais eficaz do Diretor. Desses, cinco pontos chamaram-nos a atenção por se tratar da solicitação de proibição de filiação das praças a entidades oficiais de atletismo, pois que isto deveria interessar somente a clubes esportivos e não a jardins de recreio; a instituição de campeonatos anuais entre as praças em diversas modalidades; possibilidade de todos os clubs frequentarem as praças livres das proibições do diretor; e a criação de um regulamento para a praça, dando direitos e deveres iguais a todos (Álbum Recreação Pública do acervo do CEME/ESEF/UFRGS).

Com essas solicitações, os reclamantes apontam para uma situação que se desenhava nas competições entre os clubes esportivos e os clubs das praças. Entendemos que havia instaurado nas praças, naquele momento, um procedimento semelhante ao dos clubes esportivos, quando da seleção das equipes e da proibição de participação dos atletas pertencentes a outros clubes. Na visão dos reclamantes, o ideal seria a realização de campeonatos entre praças, sagrando-se campeãs das competições equipes que nelas fossem formadas; e, principalmente, que os "clubisinhos" tivessem liberdade para frequentar e utilizar os equipamentos da praça.

O que podemos constatar é que, mesmo após essa reclamação formal veiculada no jornal da cidade, as competições nas praças multiplicavam-se. Encontramos várias notas de jornais registrando o excelente desempenho dos rapazes de determinada praça ou das senhoritas de outra praça nas competições. Ao final da década de 1940, o SRP já contabilizava a promoção de diversas competições esportivas, entre elas as de basquetebol (categorias infantil e juvenil masculino), lance livre (categorias infantil e juvenil masculino), voleibol (categorias infantil, juvenil, masculino e feminino), criquet (categoria juvenil feminino) e regata de veleiros em miniatura, nas praças da cidade.

Algumas praças demonstravam um desempenho acima da média e, por isso, sagravam-se vencedoras e recebiam atenção especial nas reportagens dos jornais da cidade. As praças Florida, Pinheiro Machado e General Osório conquistaram lugar de destaque no cenário esportivo da cidade, embora, com estrutura precária se comparada aos clubes esportivos da época, segundo depoimento de Paulo Dreyssig, jogador e treinador das equipes da Praça Florida: "éramos um clubezinho, que não tinha nem sede, a sede era na própria praça" (DREYSSIG, 2003DREYSSIG, P. Depoimento de Paulo Dreyssig. 2003. 15f. (Projeto Garimpando Memórias). Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000728739&loc=2010&l=76bbe4089f56e463>. Acesso em: 28 jul. 2012.
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). A Praça Florida teve uma movimentação esportiva intensa e representatividade expressiva em competições interpraças. Tal condição permitiu que, em 1948, o club dessa praça fosse filiado à Federação Atlética do Rio Grande do Sul e, assim, pudesse disputar o campeonato citadino nas suas diversas categorias, com o nome de Florida Atlético Clube.

O desempenho de algumas equipes das praças nas competições fez com que observadores de clubes esportivos como o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o Sport Club Internacional circulassem pelas praças em busca de novos atletas para suas equipes. Tal fato permite constatarmos que os clubs das praças realizavam a iniciação dos jogadores e o prosseguimento da carreira de alguns destaques ocorria em clubes de renome na cidade. Desta forma, as praças desempenharam um papel significativo não apenas na promoção da recreação pública, mas também na perspectiva do esporte competitivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de remodelação urbana por qual passou Porto Alegre no período de 1920 a 1940 instaurou uma nova ordem com novas avenidas, crescimento comercial e industrial, campanha moralizadora, novos costumes e também a difusão das práticas esportivas nas praças. Numa verdadeira época do "novo", a modernidade ditou as normas de conduta, instaurando um tempo de ameaça e sedução. Nesse quadro de mudança civilizadora do comportamento, que atravessava o país entre as décadas de 1920 e 1930, as práticas esportivas surgem no cenário sul-rio-grandense, como um dispositivo disciplinar e de controle; como um espaço educativo privilegiado para a legitimação desse novo processo.

As práticas esportivas foram introduzidas nas praças, inicialmente, com a instalação dos Jardins de Recreio compostos de praças com brinquedos infantis e quadras esportivas. Houve uma potencialização destes espaços com a organização de suas atividades resultando no aumento da circulação de crianças, jovens e adultos. Tal organização, por meio da SRP, teve no professor Frederico Guilherme Gaelzer um precursor e defensor.

Junto aos Jardins de Recreio ficavam as Praças de Desporto, onde as competições de voleibol, basquetebol, corridas e atividades de recreação, entre outras, tomavam as praças na modernização dos hábitos e costumes dos porto-alegrenses. Os discursos proferidos para que ocorresse a instituição dos clubs das praças, ao dizerem mais do que aquilo que enunciavam, carregavam sentidos ocultos que, construídos social e historicamente, se internalizavam no inconsciente coletivo como naturais. A proximidade das praças com as escolas foi um fator facilitador.

A formação dos clubs como equipes que representavam e defendiam as suas praças lembravam a organização dos tradicionais clubes porto-alegrenses. Havia similaridade na estrutura dos clubs das praças com as vigentes nos clubes esportivos. Constituídos por diretoria registrada nos jornais da cidade e por equipes inscritas nas Ligas, além da participação em competições municipais, tornavam-se ou desejavam ser semelhantes àquelas. São estratégias simbólicas como essas que determinam posições e relações, e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ser-percebido constitutivo de sua identidade.

Os clubs das praças possuíam a representatividade de uma parcela da sociedade que, não tendo acesso aos clubes esportivos, eram por estes representados nas competições. Afirmava-se, por meio dessa prática, a identidade social de um grupo, traduzindo suas posições e seus interesses, e descrevendo uma sociedade tal como pensavam que ela era ou como gostariam que ela fosse. O esporte como fenômeno das sociedades modernas era representativo do imaginário social e assim restituiu suas marcas mais específicas, tais como a livre iniciativa, o investimento técnico e a competitividade institucionalizada em espaços públicos das praças de Porto Alegre.

As práticas esportivas nos deixam ver e reconhecer a representação de uma identidade, pois permite compreender uma maneira própria de ser no mundo, e significar simbolicamente um estatuto e uma posição marcando de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da sociedade. Os porto-alegrenses se habituaram a assistir nas praças o espírito esportivo exaltado e uma disciplina necessária para um futuro promissor de crianças, de jovens, enfim da pátria de todos. As práticas se atrelaram a ideia da importância do fortalecimento físico, mental e moral dos seus praticantes para o crescimento do Brasil. Esses princípios possibilitam entendê-las como um mecanismo de identidade neste contexto histórico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2013
  • Revisado
    12 Maio 2014
  • Aceito
    17 Nov 2014
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