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O ESTADO DE FLOW NO BASQUETEBOL EM CATEGORIAS DE BASE: UMA ANÁLISE DA INTERFERÊNCIA DA IDADE E DO TEMPO DE PRÁTICA

THE FLOW STATE IN YOUTH BASKETBALL PLAYERS: A ANALYSES OF THE INFLUENCE OF AGE AND PRACTICE TIME

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi analisar os níveis de flow e a interferência da idade e do tempo de prática em atletas de basquetebol de categorias de base. A amostra do estudo foi constituída de 59 atletas de 5 diferentes equipes da região sudeste, sendo duas dessas equipes consideradas de alto nível. Utilizou-se uma entrevista semiestruturada e um questionário para coletar dados gerais sobre os atletas. Para avaliar as entrevistas utilizou-se o método de análise de conteúdo. Para comparar a idade e o tempo de prática utilizou-se o teste de dependência de variáveis Pearson qui-quadrado e o teste exato de Fischer. Os resultados apontam que a idade pode influenciar as dimensões menos citadas (fusão entre ação e atenção, feedback claro e imediato, perda da autoconsciência, perda da noção do tempo) e o flow total. O tempo de prática pode influenciar a dimensão mais citada, controle absoluto das ações.

Palavras-chave
Basquetebol; Psicologia; Desempenho Atlético

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze the levels of flow and the interference of age and practice time in young basketball athletes. The study sample consisted of 59 athletes from 5 different teams from the Southeast. Being two of the teams considered elite teams. It was used a semi-structured interview and a questionnaire to collect general data about the athletes. To evaluate the interview was used the method of content analysis. To compare the age and practice time used the test dependence variables Pearson chi-square and the Fisher exact test. The results show that age can influence the dimensions less quoted (action-awareness merging, unambiguous feedback, loss of self-consciousness, transformation of time) and the total flow. Practice time can influence the dimension most cited, sense of control.

Keywords
Basketball; Psychology; Athletic Performance

INTRODUÇÃO

A Psicologia do Esporte (PE) tem buscado investigar quais são os fatores ambientais e pessoais que impulsionam a participação e rendimento dos atletas nos esportes mesmo diante de um contexto tão exigente. (Deci; Ryan, 1985DECI, E.; RYAN, R. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. Nova York: Plenum, 1985.). Mihalyi Csikszentmihalyi a partir da década de 1970, começou a estudar um estado de consciência na qual o praticante encontra-se com esforço produtivo e motivado, com total imersão na atividade (BAKKER et al., 2011BAKKER, A. B. et al. Flow and performance: a study among talented Dutch soccer players. Psychology of Sport and Exercise, Philadelphia, v. 1, p. 1-9, 2011.). A esse fenômeno deu-se o nome de flow-feeling, também conhecido como fluir, fluidez, experiência máxima, ou simplesmente flow. Então, foi desenvolvida uma teoria para auxiliar no entendimento do motivo pelos quais algumas pessoas realizam certas atividades com máximo desempenho e alto grau de motivação (GOMES et al., 2012GOMES, S. S. Quando o jogo flui: uma investigação sobre a Teoria do Fluxo no voleibol. 2010. Dissertação (Mestrado em Movimento Humano)-Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.; MIRANDA; BARA FILHO, 2008MIRANDA, R.; BARA FILHO, M. G. Construindo um atleta vencedor: uma abordagem psicofísica do esporte. Porto Alegre: Artmed, 2008.; MIRANDA JUNIOR et al., 2012MIRANDA JUNIOR, M. V. et al. Análise do flow-feeling no tênis., Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 23, n. 4, p. 600-615, 2012.,).

Jackson e Csikszentmihalyi (1999JACKSON, S. A. Toward a conceptual understanding of the flow experience in elite athletes. Research Quarterly for Exercise & Sport, Reston, v. 67, n. 1, p. 76-90, 1996., p. 5) definiu tal sentimento como "um estado psicológico ótimo, em que os atletas e praticantes de atividade física conseguem abstrair-se completamente do seu rendimento, até um ponto em que suas sensações, percepções e ações são experimentadas de forma extremamente positiva, e aparentemente chegam a efetuar um bom rendimento de forma quase automática".

A teoria do flow é composta por nove dimensões/características: 1) Equilíbrio desafio-habilidade refere-se à harmonia entre o desafio no qual o atleta está envolvido e sua capacidade de responder a ele de forma adequada. 2) Concentração Intensa na tarefa o foco da atenção está todo voltado na tarefa e no presente. 3) Objetivos claros no estado flow, o atleta tem total clareza sobre o objetivo a ser atingido e do que é necessário para fazer a atividade com sucesso. 4) Feedback claro e imediato caracteriza-se por indicadores efetivos, nos quais os atletas percebem claramente como está seu desempenho na tarefa. 5) Fusão entre ação e atenção diz respeito ao envolvimento intenso na atividade e torna ações dos atletas totalmente espontâneas e automáticas. 6) Controle absoluto das ações existe uma percepção de estar no controle da situação, ou mais precisamente uma falta de preocupação sobre perder o controle, típica em muitas situações da vida. 7) Perda da autoconsciência é a inexistência de preocupações externas, estéticas, consequência social. A pessoa fica totalmente absorvida pela atividade. 8) Perda da noção do tempo pode ser descrita como certa desorientação temporal, alguns atletas relatam que o tempo passou muito rápido outros que se passou muito mais tempo do que de fato ocorreu. 9) Experiência autotélica consiste em uma experiência recompensadora por si só, envolvendo um sentido de apreciação profunda na atividade (JACKSON; CSIKSZENTMIHALYI, 1999JACKSON, S. A.; CSIKSZENTMIHALYI, M., Flow in Sports: the keys to optimal experiences and performances. Champaing: Human Kinetics, 1999.).

Desta forma, observa-se que o fluir pode ocorrer em diversas atividades. Embora a natureza seja diferente, a qualidade da experiência interna em cada caso é descrita de forma similar (CSIKSZENTMIHALYI, 1993CSIKSZENTMIHALYI, M. The envolving self: a psychology for the third millennium. New York: Happer Perennial, 1993.). Segundo Miranda e Bara Filho (2008)MIRANDA, R.; BARA FILHO, M. G. Construindo um atleta vencedor: uma abordagem psicofísica do esporte. Porto Alegre: Artmed, 2008. o fluir é uma experiência espontânea, favorecida quando a atividade a ser realizada é estruturada e a habilidade da pessoa é compatível para a realização da tarefa.

Os esportes coletivos assumem tais características facilitadoras do fluir. O Basquetebol, um desporto coletivo, cujas interações estabelecidas entre companheiros da mesma equipe e de outros elementos do ambiente (adversários, meta, torcida, entre outros) geram um conjunto de comunicações simultâneas entre jogadores da mesma equipe e adversários, constituindo um ambiente de aleatoriedade e imprevisibilidade constantes (BALBINOTTI; SALDANHA; BALBINOTTI, 2009BALBINOTTI, M. A. A.; SALDANHA, R. P.; BALBINOTTI, C. A. A. Dimensões motivacionais de basquetebolistas infanto-juvenis: um estudo segundo sexo. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 2, p. 318-329, 2009.; RAMOS; GRAÇA; NASCIMENTO, 2006RAMOS, V.; GRAÇA, A. B. S.; NASCIMENTO, J. V. A representação do ensino do basquetebol em contexto escolar: estudos de casos na formação inicial em educação física. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 37-49, 2006.). Tais características do basquete geram uma estrutura organizada e desafiante que, por conseguinte favorece o estado de fluidez.

Não foram encontrados estudos nas principais bases de dados que descreveram a interferência da idade e do tempo de prática de um atleta influenciando no estado de fluidez e suas dimensões. Foram encontradas apenas pesquisas que demonstraram relação positiva entre idade e motivação (EGLI et al., 2011EGLI, T. et al. Influence of age, sex, and race on college students exercise motivation of physical activity. Journal of American College Health, Hanover, v. 59, no. 5, p. 399-406, 2011.; MULLAN; MARKLAND, 1997MULLAN, E.; MARKLAND, D. Variantions in Self-Determination across the stages of change exercise in adults. Motivation and Emotion, New York, v. 21, no. 4, p. 349-362, 1997.; PERO et al., 2009PERO, R. et al. Motivation for Sport participation in older italian athletes: the role of age, gender and competition level. Sport Science for Health, Milan, v. 5, p. 61-69, 2009.). Sabe-se ainda que, o flow tem em seu escopo teórico algo muito em comum com os conceitos da motivação. Por exemplo, alcançar metas pessoais, satisfação e impulsionar a pessoa são algumas das expressões que relacionam o flow à motivação (MIRANDA; BARA FILHO, 2008MIRANDA, R.; BARA FILHO, M. G. Construindo um atleta vencedor: uma abordagem psicofísica do esporte. Porto Alegre: Artmed, 2008.). Com isso, o objetivo do presente estudo foi analisar os níveis de flow e a interferência da idade e do tempo de prática em atletas de basquetebol em categorias de base.

MÉtodoS

Amostra

A amostra do presente estudo consistiu em 59 atletas do gênero masculino, basquetebolistas de 5 diferentes equipes que representam clubes da região sudeste. Duas dessas equipes são consideradas de ponta, pois participam do maior campeonato adulto realizado atualmente no Brasil e, além disso, disputam o título em seus estados nas categorias de base pesquisada. A idade média dos atletas foi de 18, 24 anos (DP±2,13 anos). A amostra foi composta por jogadores de todas as posições. O tempo médio de prática dos atletas na modalidade foi de 5,13 anos (DP±2,48 anos). Dos atletas pesquisados, 2 competiram em nível regional, 37 em nível estadual, 16 em nível nacional e 4 atletas competiram em nível internacional.

Critérios de exclusão

Foram excluídos da amostra os atletas com menos de 2 anos de prática na modalidade por acreditar-se que a exigência geral, em destaque a técnica e a tática do jogo de basquetebol, implica que para se ter o controle das ações (fundamentos do jogo), bom nível de concentração para o desenvolvimento da tática de jogo (tomada de decisão) e atendimento de outras demandas, exige um tempo de prática maior. Também foram excluídos atletas que não estavam treinando regularmente a modalidade, pois se acredita que o atleta que não estivesse envolvido na prática poderia não ter em sua memória as experiências concretas de fácil identificação do flow.

Instrumentos

Questionário Geral - Cada atleta respondeu um questionário geral com questões sobre idade, tempo de prática, nível de escolaridade, número de treino por semana, posição no basquetebol, e competição mais importante que disputou. Em seguida cada atleta foi chamado individualmente para uma sala reservada onde responderam uma entrevista semiestruturada, e elaborada com base em Massarela, Winterstein (2009)MASSARELA, F. L.; WINTERSTEIN, P. J. A motivação intrínseca em e o estado mental flow em corredores de rua. Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 45-68, 2009. e Sena Junior (2012)SENA JUNIOR, A. W. Motivação e flow-feeling na corrida de rua. 2012. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Juiz de Fora, 2012.. Optou-se pela entrevista semiestruturada, pois esta técnica permite, a partir de questionamentos básicos, gerar vários questionamentos que surgem espontaneamente em função das respostas dos entrevistados, de acordo com seus pensamentos e experiências (TRIVIÑOS, 1987TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.).

Esta entrevista seguiu um roteiro de 9 perguntas básicas, ligadas as dimensões do flow. Os entrevistados manifestaram suas opiniões de forma oral. As entrevistas foram gravadas em um gravador digital marca GPx (modelo MX-425). As perguntas que serviram de base foram: 1) Por que você joga basquete atualmente? 2) Em termos gerais quais são seus sentimentos durante uma partida de basquete (o que você sente)? 3) O que você pensa quando está jogando basquete? 4) Como você se comporta quando o jogo está muito fácil ou difícil? 5) Durante as partidas você só pensa na vitória ou focaliza cada ação/movimento na partida? 6) Durante os jogos ou treinos como que você lida com situações extraquadra? (Por exemplo: barulho da torcida) 7) Gostaria que você falasse sobre um jogo que foi marcante para você, que você considera o que você se saiu melhor em toda sua vida? 8) Nessas partidas memoráveis qual o grau de confiança em que você jogava? As jogadas saiam mais facilmente? 9) Alguns jogadores relatam que um grande jogo passa muito rápido, nem parece que ficou quase duas horas em quadra. Isso já aconteceu com você?

Procedimentos

O projeto de pesquisa em questão foi previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sendo aprovado sob o parecer número 303/2011 de 15 de Dezembro de 2011.

Inicialmente solicitou-se autorização do técnico ou diretor responsável do clube no qual o atleta representava. Quando aceito, agendou-se um dia e um horário em que houvesse facilidade para a equipe de forma que não atrapalhasse a rotina de treino e/ou jogos. A coleta de dados foi feita em um ambiente privado dos clubes ou alojamentos dos atletas.

Reunidos em grupos, os atletas tiveram uma explanação oral sobre alguns detalhes da pesquisa. O pesquisador reforçou também informações sobre riscos, voluntariedade na participação e sigilo com relação aos dados.

Em seguida os atletas que aceitaram participar da pesquisa, leram, preencheram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou Termo de Assentimento para atletas menores de 18 anos de idade. Feito isso, responderam o questionário geral e em seguida um a um, os atletas foram para uma sala exclusiva, onde se encontravam apenas o pesquisador e o atleta a ser entrevistado.

O tempo total de gravação das entrevistas foi de 05 horas e 46 minutos e 46 segundos. Sendo posteriormente transcrito e exaustivamente estudada para familiaridade e análise dos dados.

Análise dos dados

Os dados coletados com o questionário foram tabelados em uma planilha eletrônica onde se realizou uma estatística descritiva com cálculos das medidas de tendência central (média, mediana e moda), do desvio padrão, e os valores máximos e mínimos. Para as entrevistas, utilizou-se o método de análise de conteúdo que, segundo Bardin (2011BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., p. 37) por definição:

[...] é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações.

Bardin (2011)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. organiza cronologicamente a análise de conteúdo em três fases diferentes: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A pré-análise é a fase de organização propriamente dita. Esta fase tem por objetivo a organização do material trabalhado. Assim, se realizou o que Bardin (2011)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. chama de leitura flutuante ou a primeira leitura, feita de maneira intuitiva, muito aberta a todas as ideias, reflexões e hipóteses. Nesta fase, observa-se também todos os dados integralmente com intuito de conhecê-los e refletir acerca do material obtido. (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.; GOMES, 2010GOMES, S. S. Quando o jogo flui: uma investigação sobre a Teoria do Fluxo no voleibol. 2010. Dissertação (Mestrado em Movimento Humano)-Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.).

A exploração do material consiste no período mais duradouro. Nesta etapa são feitos recortes das entrevistas transcritas transformando o texto em unidades de registro. No presente estudo, as unidades foram posteriormente categorizadas de acordo com cada dimensão do flow (BARDIN,2011BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.).

Os resultados deste estudo passaram também pela fase de inferência e interpretação, de forma a permitir que os conteúdos recolhidos se constituam em dados quantitativos e/ou análises reflexivas, em observações individuais e gerais das entrevistas. Assim, pode-se concluir que as frases ditas pelos entrevistados revelaram as representações que os sujeitos têm construídas acerca das suas experiências e sentimentos a respeitos do estado de flow (GOMES, 2010GOMES, S. S. Quando o jogo flui: uma investigação sobre a Teoria do Fluxo no voleibol. 2010. Dissertação (Mestrado em Movimento Humano)-Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.).

Para relacionar as variáveis do questionário com as variáveis da entrevista, foram realizados os testes de dependências de variáveis Pearson qui-quadrado com o valor de p baseado em 1000 replicações e o teste exato de Fischer. O nível de significância estabelecido para todos os testes foi de α =.05, para todas as análises (p<.05).

Resultados

Inicialmente são apresentados os resultados, da estatística descritiva, para as dimensões do flow através da Tabela 1. Os valores mostram o total de unidades de registros (URs), a média (M), o Desvio Padrão (DP) e a moda. Nota-se que a dimensão com mais unidades de registros e, em consequência, maior média por atleta é o Controle Absoluto das ações (COTR); e a menos citada é a Perda da autoconsciência (PAUT).

Tabela 1
Total de Unidades de Registros (URs), média (M), desvio padrão (DP) e moda para as dimensões do Flow.

Na Tabela 2 são apresentados os valores de P do teste Qui-quadrado que mediu a influência das variáveis idade e tempo de prática (T.prática) para cada dimensão do flow e para o somatório das dimensões que foi chamado de flow total.

Observa-se que a idade teve diferenças estatisticamente significativas nas médias das dimensões fusão entre ação e atenção, feedback claro e imediato, perda da autoconsciência, perda da noção do tempo e flow total. A variável tempo de prática, alterou as médias da variável controle absoluto das ações, com diferenças estatisticamente significativas.

Tabela 2
Valor de P para o teste qui -quadrado em relação a idade e tempo de prática.

Discussão

A identificação e quantificação das dimensões do flow mostram algumas particularidades da modalidade e dos atletas pesquisados. No presente estudo foi encontrado o controle absoluto das ações como a dimensão mais citada entre os atletas. Através desse achado pode-se supor que, devido às altas exigências técnicas do basquete nas categorias de base, sentir-se capaz de realizar as tarefas do jogo, de alguma forma pode causar uma interferência diferente dos outros esportes no estado de flow. Diversos estudos também encontraram a dimensão Controle absoluto das ações entre as mais citadas, juntamente com Equilíbrio entre desafio-habilidade, Experiência autotélica e Concentração intensa na tarefa (ALONSO et al., 2011ALONSO, D. A. et al. Interacción de la teoría de la Autodeterminación en la fluidez disposicional en practicantes de danza. Cuadernos de Psicología del Deporte, Murcia, v.11, p. 7-17, 2011.; GOMES, 2010GOMES, S. S. Quando o jogo flui: uma investigação sobre a Teoria do Fluxo no voleibol. 2010. Dissertação (Mestrado em Movimento Humano)-Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.; LÓPEZ-TORRES; TORREGROSA; ROCA, 2007LÓPEZ-TORRES, M.; TORREGROSA, M.; ROCA, J. Caracteristicas del flow, ansiedad y estado emocinal, en la relacion com el rendimento de deportistas de elite. Cuardernos de Psicologia del Deporte, Murcia, v.7, n.1, p. 25-44, 2007.; MASSARELA; WINTERSTEIN, 2009MASSARELA, F. L.; WINTERSTEIN, P. J. A motivação intrínseca em e o estado mental flow em corredores de rua. Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 45-68, 2009.).

Pesquisas demonstraram que cada uma destas dimensões é parte da definição de fluxo (JACKSON; CSIKSZENTMIHALYI, 1999JACKSON, S. A.; CSIKSZENTMIHALYI, M., Flow in Sports: the keys to optimal experiences and performances. Champaing: Human Kinetics, 1999.; JACKSON; EKLUND, 2004JACKSON, S. A.; EKLUND, R. C. The flow scales manual. Morgantown: Fitness Information Technology, 2004.; JACKSON et al., 1998JACKSON, S. et al. Psychological correlates of flow in sport. Journal of Sport and Exercise Psychology, Champaign, v. 20, p. 358-378, 1998.; JACKSON et al., 2001JACKSON, S. A. et al. Relationships between flow, self-concept, psychological skills, and performance. Journal of Applied Sport Psychology, Washington, D.C., v. 13, p.129-153, 2001.). No entanto, Jackson e Eklund (2004)JACKSON, S. A.; EKLUND, R. C. The flow scales manual. Morgantown: Fitness Information Technology, 2004. afirmaram que algumas destas dimensões do fluxo podem ser mais relevantes do que outras dependendo da atividade.

Os baixos valores encontrados para as dimensões perda da autoconsciência e perda da noção do tempo são comuns tanto em estudos quantitativos (JACKSON; MARSH, 1996; LÓPEZ-TORRES; TORREGROSA; ROCA, 2007; VLACHOPOULOS; KARAGEORGHIS; TERRY, 2000VLACHOPOULOS, S. P.; KARAGEORGHIS, C. I.; TERRY, P. C. Hierarchical confirmatory factor analysis of the Flow State Scale in an exercise setting. Journal of Sports Science, Rosemead, v.18, p. 815-823, 2000.) quanto em estudos qualitativos (JACKSON, 1996JACKSON, S. A.; MARSH, H. W. Development and validation of a scale to meansure optimal experience: the flow state scale. Journal of Sport and Exercise Psychology, Champaign, v.18, no.1, p.17-35, 1996.; SUGIYAMA; INOMATA, 2005SUGIYAMA, T.; INOMATA, K. Qualitative examination of flow experience among top Japanese athletes. Perceptual and Motor Skills, Missoula, v.100, p. 962-982, 2005.; GOMES, 2009GOMES, S. S. Quando o jogo flui: uma investigação sobre a Teoria do Fluxo no voleibol. 2010. Dissertação (Mestrado em Movimento Humano)-Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010., MIRANDA JUNIOR et al., 2012MIRANDA JUNIOR, M. V. et al. Análise do flow-feeling no tênis., Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 23, n. 4, p. 600-615, 2012.; SENA JUNIOR, 2012SENA JUNIOR, A. W. Motivação e flow-feeling na corrida de rua. 2012. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Juiz de Fora, 2012.).

Também foi possível mensurar a interferência da idade e do tempo de prática nas dimensões do flow-feeling. Nota-se que a idade gerou diferenças estatisticamente significativas nas médias das dimensões Fusão entre ação e atenção, Perda da autoconsciência, Perda da noção do tempo e com o Flow total. Essas dimensões foram a menos citadas, o que pode estar diretamente relacionada a duas causas: A primeira sugere que pessoas mais novas podem não sentir tais dimensões. A segunda supõe-se que pessoas mais novas não conseguem expressar as dimensões mais profundas através do discurso.

Esse conjunto de interferências nas dimensões pode ser entendido como o causador da diferença estatisticamente significativa no Flow total. Com isso faz necessária uma reflexão sobre o sentimento de fluidez na prática desportiva. Caso os atletas apenas não consigam expressar tais dimensões essa interferência na prática não tem qualquer importância. Porém caso os atletas não consigam sentir tais dimensões e o Flow de uma maneira geral, o treinador de basquetebol terá dificuldades de levar atletas mais jovens ao canal do fluir mais profundo.

Com relação ao Tempo de prática o valor de p teve valor estatisticamente significativo apenas na dimensão Controle absoluto das ações. Essa dimensão foi a mais citada pelos atletas, ou seja, eles se sentem capazes de realizar as ações exigidas pelo basquetebol.

Apesar de não ter sido encontrada uma interferência no Flow total, tal achado repercute na importância do domínio das técnicas individuais (fundamentos) do jogo de basquete nas categorias de base como influenciador de um estado mental ótimo.

No único estudo encontrado que avaliou diretamente a relação do flow com o tempo de prática, Vieira et al. (2011)VIEIRA, L. F. et al. Estado de fluxo em praticantes de escalada e skate downhill., Motriz Rio Claro, v. 17, n. 4, p. 591-599, 2011. em estudo desenvolvido com praticantes de escalada e skate downhill, afirmaram que o tempo de prática contribui para o sentimento de flow.

No intuito de buscar entender a influência da idade no estado de flow encontrou-se alguns estudos que apresentaram uma relação indireta entre essas variáveis. Algumas pesquisas apontaram que a motivação intrínseca está relacionada positivamente com o sentimento de fluidez (ELIAS et al., 2010ELIAS, H. et al. M. Examining potential relationships between flow and motivational forces in Malaysian secondary school students. Procedia Social and Behavioral Sciences, [S.l.], v. 9, p. 2042-2046, 2010.; FULLAGAR; MILLS, 2008FULLAGAR C. J.; MILLS, M. J. Motivation and Flow: Toward an Understanding of the Dynamics of the Relation in architecture Students. The Journal of Psychology: Interdisciplinary and Applied, Philadelphia, v.142, no. 5, p. 533-553, 2008.; GONZALES-CUTRE et al., 2009GONZALES- CUTRE, D. et al. Dispositional flow in physical education: relationships with motivational climate, social goals, and perceived competence. Journal of Teaching in Physical Education, Champaign, v. 28, p. 422-440, 2009.; KOWAL; FORTIER, 2000KOWAL, J.; FORTIER, M. S. Testing relationships from the hierarchical model of intrinsic and extrinsic motivation using flow as a motivational consequence. Research Quarterly for Exercise and Sport, Reston, v. 71, p. 171-181, 2000.; SEIFERT; HEDDERSON, 2010SEIFERT, T.; HEDDERSON, Intrinsic motivation and flow in skateboarding: An ethnographic study. Journal of Happiness Studies, Dordrecht, v. 11, p. 277-292, 2010.). Ao mesmo tempo em que outros estudos indicaram uma relação positiva entre idade e motivação intrínseca (EGLI et al., 2011EGLI, T. et al. Influence of age, sex, and race on college students exercise motivation of physical activity. Journal of American College Health, Hanover, v. 59, no. 5, p. 399-406, 2011.; MULLAN; MARKLAND, 1997MULLAN, E.; MARKLAND, D. Variantions in Self-Determination across the stages of change exercise in adults. Motivation and Emotion, New York, v. 21, no. 4, p. 349-362, 1997.; PERO et al., 2009PERO, R. et al. Motivation for Sport participation in older italian athletes: the role of age, gender and competition level. Sport Science for Health, Milan, v. 5, p. 61-69, 2009.).

Faz-se relevante destacar que o presente estudo apresentou algumas limitações, que não possibilitam a generalização dos resultados; dentre essas, o fato de ser um estudo transversal, que avalia um único momento da vida esportiva dos atletas. Vale ressaltar também, da necessidade de novos estudos que analisem o sentimento de flow com diferentes metodologias, bem como em outras modalidades e contextos esportivos. Dessa maneira será possível identificar e aprofundar o conhecimento com relação a outras variáveis intervenientes nesse sentimento.

Conclusão

O Objetivo deste estudo foi investigar a relação entre as dimensões do estado mental flow com a idade e o tempo de prática em jovens atletas basquetebolistas. Observou-se a interferência da idade nas dimensões Fusão entre ação atenção, Feedback claro e imediato, Perda da autoconsciência e Perda da noção do tempo, tais dimensões foram as menos recorrentes no discurso dos atletas. A tal fato foram atribuídas duas possíveis causas: a primeira é de que atletas de basquetebol com menor idade podem não sentir tais dimensões. A segunda é de que simplesmente, pessoas mais novas não consigam expressar a dimensões "mais profundas" através do discurso.

Além disso, o flow total também teve interferência estatisticamente significativa quando relacionado com a idade. Atletas de basquetebol de maior idade possivelmente encontram maiores níveis um estado psicológico ótimo, porém tal relação não pôde ser estabelecida com tempo de prática.

Através dos resultados, demonstrou-se também, que o tempo de prática influenciou a dimensão mais citada pelos atletas, Controle absoluto das ações. Essa dimensão é a que mais se relaciona com a técnica e execução dos fundamentos do jogo, e tal resultado pode ser considerado como esperado.

Finalmente, este estudo poderá contribuir para melhor compreensão dos aspectos psicológicos de jovens atletas. Tal associação do sentimento de flow e algumas de suas dimensões com a idade podem também servir de subsídios para novos estudos que busquem aprofundar na causa de tal associação.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2014
  • Revisado
    19 Nov 2014
  • Aceito
    02 Fev 2015
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