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SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA E SEUS EFEITOS SOBRE O DESEMPENHO EM EXERCÍCIOS CONTÍNUOS E INTERMITENTES DE ALTA INTENSIDADE

CREATINE SUPPLEMENTATION AND ITS EFFECTS ON PERFORMANCE IN CONTINOUS AND INTERMITTENT HIGH INTENSITY EXERCISE

RESUMO

A presente revisão teve como objetivo verificar os efeitos da suplementação de Creatina (Cr) sobre o desempenho em exercícios contínuos e intermitentes de curta duração e alta intensidade, relatando resultados de estudos publicados desde 1993. Na maioria dos estudos, os resultados demonstram a eficácia da suplementação de Cr em aumentar a capacidade e desempenho em exercícios de predominância anaeróbia. Resultados controversos podem ser atribuídos a questões como o ganho de massa corporal, protocolo de suplementação insuficiente para promover aumento significativo das reservas intramusculares de Cr e possível presença de indivíduos não respondentes. A extrapolação desses resultados para o "mundo real" dos esportes ainda precisa ser melhor analisada através de pesquisas, visando esclarecer a real vantagem do uso deste suplemento por atletas e praticantes de diversas modalidades esportivas.

Palavras-chave
Adenosina Trifosfato; Limiar Anaeróbio; Fosforilcreatina

ABSTRACT

This review aimed to verify the effects of creatine supplementation on performance during short-term, high-intensity continuous and intermittent exercises, considering studies results published since 1993. In the majority of these studies, improvements on anaerobic capacity and performance in predominantly anaerobic exercise were evident. Controversial results may be attributed to some issues, such as body mass gain, no significant increase on muscle Cr content due to inadequate supplementation protocol, and influence of non-responders participants. Extrapolation of these results to the sports "real world" should be further analyzed to clarify the real advantages of Cr using as a supplement for athletes and Sports Enthusiast.

Keywords
Adenosine Triphosphate; Anaerobic threshold; Fhosphorylcreatine

INTRODUÇÃO

A busca pelo melhor desempenho esportivo tem levado atletas de alto nível a recorrerem, além das rotinas de treinamento, a combinações dietéticas que auxiliem na obtenção desse objetivo, tornando a suplementação uma prática comum nas últimas décadas. Neste sentido, a Creatina (Cr) tem sido um dos recursos ergogênicos mais utilizados nos últimos vinte anos, tendo o seu poder de ação testado em diversos experimentos (GRINDSTAFFET al., 1997HARRIS, R. C.; SÖDERLUND. K.; HULTMAN, E. Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clinical Science, London, v. 83, no. 3, 1992.; SNOW et al., 1998SNOW, R. J. et al. Effect of creatine supplementation on sprint exercise performance and muscle metabolism., Journal of Applied Physiology Bethesda, v. 84, no. 51, p. 667-1673, 1998.; MUJICA et al., 1999OCA, R. M. et al. Effect of creatine supplementation in taekwondo practitioners. Nutrición Hospitalaria, Madrid, v. 28, no. 2, p. 391-399, 2013.; PREEN et al., 2000PREEN, D. et al. Effect of creatine loading on long-term sprint exercise performance and metabolism., Medicine and Science in Sports and Exercise Hagerstown, v. 5, p. 814-821, 2000.; GLAISTER et al., 2006GLAISTER, M. et al. supplementation and multiple sprint running performance., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 20, no. 2, p. 273-277, 2006.; HERDA et al., 2009HERDA, T. J. et al. Effects of creatine monohydrate and polyethylene glycosylated creatine supplementation on muscular strength, endurance, and power output., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 23, no. 3, p. 818-826, 2009.; FUKUDA et al., 2010FUKUDA, D. H. et al. The effects of creatine loading and gender on anaerobic running capacity., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 24, no. 7, p. 1826-1833, 2010.).

A esse respeito, os efeitos da suplementação de Cr passaram a ser testados principalmente em exercícios de força, velocidade e esforços intensos repetidos (MUJICA et al., 1999OCA, R. M. et al. Effect of creatine supplementation in taekwondo practitioners. Nutrición Hospitalaria, Madrid, v. 28, no. 2, p. 391-399, 2013.; SYROTULK et al., 2001SYROTULK, D. G.; GAME, A. B.; GILLIES, E. M.; BELL, G. J. Effects of creatine monohydrate supplementation during combined strength and high intensity rowing training on performance. Canadian Journal Applied Physiology, Champaign, v. 26, no. 6, p. 527-542, 2001.; VOLEK et al., 2004VOLEK, J. S. et al. The effects of creatine supplementation on muscular performance and body composition responses to short-term resistance training overreaching. European Joural of Applied Physiology, Berlin, v. 91, no. 5/6, p. 628-637, 2004.; GRINDSTAFF et al., 1997GRINDSTAFF, P. D. et al. Effect of creatine supplementation on repetitive sprint performance and body composition in competitive swimmers. International Journal of Sport Nutrition, Champaign, v. 7, no. 4, p. 330-346, 1997.). Grande parte dessas pesquisas relatou um aumento da massa corporal da maior parte dos indivíduos participantes, provavelmente devido a maior retenção hídrica provocada pelo aumento nas concentrações intramusculares de fosforilcreatina (PCr) (HESPEL et al., 2001HESPEL, P. et al. Creatine supplementation: exploring the role of the creatine kinase/phosphocreatine system in human muscle. Canadian Journal of Applied Physiology, Champaign, v. 26, S79-S102, 2001. ; AHMUN et al., 2005AHMUN, R. P. et al. The effects of acute creatine supplementation on multiple sprint cycling and running performance in rugby players. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 19, no. 1, p. 92-97, 2005.; HERDA et al., 2009HESPEL, P. et al. Creatine supplementation: exploring the role of the creatine kinase/phosphocreatine system in human muscle. Canadian Journal of Applied Physiology, Champaign, v. 26, S79-S102, 2001. ). Durante exercícios intensos e de curta duração, elevadas concentrações de PCr muscular podem acelerar o processo de refosforilação das moléculas de adenosina difisfato (ADP) em adenosina trisfosfato (ATP), por meio de reação catalisada pela enzima creatinaquinase (HESPEL et al., 2001HULTMAN, E. et al. Muscle creatine loading in men. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 81, no. 1, p. 232-237, 1996.; PREEN et al., 2000ROMER, L. M. et al. Effects of oral creatine supplementation on high intensity, intermittent exercise performance in competitive squash players. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 22, no. 8, p. 546-552, 2001.). No entanto, existem dificuldades quanto à verificação desses mecanismos de ação da Cr durante um experimento, uma vez que técnicas padrão-ouro, como a biópsia muscular e a espectroscopia por ressonância magnética são, respectivamente, procedimentos invasivos e inviáveis (durante o exercício), podendo interferir diretamente no desempenho dos atletas.

Quanto à dosagem, a maioria dos estudos envolvendo exercícios de alta intensidade segue um período de três a cinco dias, geralmente com doses de 20 g diárias, ingeridas em frações de 5 g após cada refeição (4 x 5 g/dia) ou 0,35 g por kg de massa corporal (JACOBS; BLEUE; GOODMAN, 1997JACOBS, I.; BLEUE, S.; GOODMAN, J. Creatine ingestion increases anaerobic capacity and maximum accumulated oxygen deficit., Canadian Journal of Applied Physiology Champaign, v. 22, no. 3, p. 231-243, 1997.; SMITH et al., 1998SMITH, C. J. et al. Effect of oral creatine ingestion on parameters of the work rate-time relationship and time to exhaustion in high-intensity cycling. European, Journal of Applied Physiology Berlin, v. 77, no. 4, p. 360-365, 1998.; ZIGENFUSS et al., 2002ZIGENFUSS, T. N. et al. Effect of creatine loading on anaerobic performance and skeletal muscle volume in ncaa division in athletes. Nutrition, London, v. 18, no. 5, p. 397-402, 2002.; ECKERSON et al., 2005ECKERSON, J. M. et al. Effect of two and five days of creatine loading on anaerobic working capacity in women., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 18, no. 1, p. 168-163, 2004.; FUKUDA et al., 2010GLAISTER, M. et al. supplementation and multiple sprint running performance., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 20, no. 2, p. 273-277, 2006.) A literatura mostra que esta quantidade tem sido suficiente para promover o aumento das concentrações de PCr muscular, além de prolongar este ganho por um período de tempo ainda incerto, mas possivelmente por cerca de quatro semanas (SNOW et al., 1998SYROTUIK, D. G.; BELL, G. J. Acute creatine monohydrate supplementation: a descriptive physiological profile of responders vs. non responders., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 18, no. 3, p. 610-617, 2004.; ROMER et al., 2001ROMER, L. M. et al. Effects of oral creatine supplementation on high intensity, intermittent exercise performance in competitive squash players. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 22, no. 8, p. 546-552, 2001.). Desta forma, a presente revisão tem como objetivo abordar os possíveis efeitos da suplementação de Cr sobre o desempenho em exercícios contínuos e intermitentes de curta duração e alta intensidade, relatando resultados de estudos publicados desde 1993 e indexados a base de dados do Pubmed e Scielo.

MÉTODOS

Inicialmente foram pesquisados, nas bases de dados Pubmed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) e Scielo (http://scielo.com.br/), artigos de língua inglesa e portuguesa que apresentassem relação entre suplementação de Cr e exercício. Foram utilizadas as palavras-chave "suplementação de creatina" (creatine supplementation), "creatina monohidratada" (creatine monohydrate), "creatina" (creatine) e "exercício" (exercise). Na etapa seguinte, foram escolhidos apenas artigos que tratassem de desempenho em modalidades cíclicas, tais como ciclismo, corrida e remo ou modalidades intermitentes, tais como futebol, hugby e squash. Nessa primeira triagem 431 artigos relacionados ao assunto foram encontrados. Em seguida, os artigos passaram por outra análise, na qual foram separados em dois grupos: (a) artigos que tratavam da análise do desempenho em exercícios contínuos de carga constante ou tempo até a exaustão em alta intensidade e (b) artigos que abordavam desempenho em exercícios intermitentes de alta intensidade. Desta maneira, a revisão foi dividida em dois tópicos: 1) efeito da suplementação de Cr sobre o desempenho em exercícios contínuos de alta intensidade; 2) efeito da suplementação de creatina sobre o desempenho em exercícios intermitentes de alta intensidade. Ao todo, 108 artigos foram classificados para possível inclusão na revisão. Destes, foram selecionados apenas estudos que seguiam os seguintes critérios: 1) amostra composta por seres humanos; 2) desenho duplo cego, randomizado e controlado por placebo; 3) grupos paralelos ou cruzados; 4) protocolos de exercícios relacionados a esportes de característica cíclica, tal como: corrida, ciclismo, remo e natação; ou esportes que envolvam atividades intermitentes, tal como: rugby, tênis, squash, futebol, handebol etc. Destes 108, 27 artigos foram identificados e incluídos na presente revisão.

Efeito da suplementação de creatina sobre o desempenho em exercícios contínuos de alta intensidade

Graças aos trabalhos do Professor Roger Harris et al. (HARRIS; SÖDERLUND; HULTMAN, 1992HARRIS, R. C.; SÖDERLUND. K.; HULTMAN, E. Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clinical Science, London, v. 83, no. 3, 1992.) foi verificado que a ingestão de Cr promovia aumento das reservas intramusculares desse substrato, juntamente com aumento da massa corporal. Isto deu início a uma série de outros estudos desenvolvidos para testar os efeitos da suplementação de Cr em diferentes protocolos de exercício (BALSON et al., 1993BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994.; BIRCH; NOBLE; GREENHAFF, 1994BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994.). Assim, para discutir a viabilidade do uso da Cr por praticantes de modalidades fechadas (atletismo, natação, remo e ciclismo, por exemplo) este tópico incluirá estudos que analisaram o efeito da suplementação em protocolos de exercícios de série única e característica contínua.

O primeiro trabalho a avaliar o efeito da suplementação de Cr nesse tipo de exercício foi elaborado por Balson e colaboradores (1993)BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994.. Os pesquisadores avaliaram o desempenho de 18 homens, dentre fisicamente ativos e atletas, antes e após seis dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia) ou PL. Os testes envolviam uma simulação de corrida de 6 km e o tempo até a exaustão (TAE) em esteira rolante (velocidade correspondente a 120% do VO2máximo). Como resultado, além de não exibirem melhora no TAE, os participantes suplementados apresentaram significativa piora no desempenho durante a simulação de corrida de 6 km. Neste caso, uma vez que os resultados do grupo PL permaneceram inalterados, é possível que o ganho de massa corporal decorrente da suplementação de Cr, anteriormente reportado por Harris, Söderlund e Hultman (1992)HERDA, T. J. et al. Effects of creatine monohydrate and polyethylene glycosylated creatine supplementation on muscular strength, endurance, and power output., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 23, no. 3, p. 818-826, 2009. e confirmado também por Balson et al., (1993), pode significar uma "carga extra" durante a corrida, interferindo negativamente sobre o desempenho.

Já na natação, Thompson et al. (1996)THOMPSON, C. H. et al. Effect of creatine on aerobic and anaerobic metabolism in skeletal muscle in swimmers. British Journal of Sports Medicine, Loughborough, v. 30, no. 3, p. 222 - 225, 1996. avaliaram se seis semanas de suplementação de Cr (2 g/dia) poderia melhorar o desempenho de nadadores em simulação de prova de 100 m e 400 m livre. Também nesse estudo, tanto o grupo suplementado com Cr quanto o PL, não apresentaram mudanças significativas nos tempos para completar os percursos de 100 m e 400 m após o consumo do suplemento. Os autores, entretanto, também não relataram mudanças na massa corporal e no conteúdo intramuscular de Cr e PCr pós suplementação (PÓS-SUP), o que sugere ineficácia do protocolo de suplementação aplicado. É possível que 2 g por dia, mesmo durante seis semanas, não tenham sido suficientes para promover aumento significativo do conteúdo intramuscular de Cr.

Jacobs, Bleue e Goodman (1997) utilizaram um protocolo semelhante ao adotado anteriormente por Balson et al (1993) para verificar o efeito da suplementação de Cr (4 x 5 g/dia) sobre o TAE em cicloergômetro (125% do VO2máximo). Além disso, os autores calcularam o máximo déficit acumulado de oxigênio (MAOD) para estimar a contribuição anaeróbia durante a realização das séries pré suplementação (PRÉ-SUP) e PÓS-SUP. É importante considerar que o cicloergômetro estacionário, diferentemente da corrida em esteira, anula a influência do peso corporal durante a realização do exercício, uma vez que o participante necessita vencer apenas a resistência estabelecida no próprio equipamento. De fato, mesmo com o ganho de massa corporal (~ 0,7 kg), o grupo suplementado apresentou uma melhora de 9 % no TAE PÓS-SUP além de um significativo aumento da contribuição anaeróbia (10 %) estimada pelo MAOD. Smith et al. (1998)SNOW, R. J. et al. Effect of creatine supplementation on sprint exercise performance and muscle metabolism., Journal of Applied Physiology Bethesda, v. 84, no. 51, p. 667-1673, 1998., posteriormente, corroboraram estes resultados quando verificaram que indivíduos fisicamente ativos, seguindo exatamente o mesmo protocolo de suplementação, apresentaram um aumento 16,7% da potência crítica, variável que corresponde ao limite de intensidade no qual o avaliado consegue se manter em exercício sem alcançar o estado de fadiga. Estes resultados indicam um possível aumento da contribuição alática nos processos de produção energética, já que as concentrações de lactato (marcador do metabolismo glicolítico) permaneceram inalteradas na comparação PRÉ-SUP e PÓS-SUP destes estudos. Este aumento da capacidade anaeróbia também fora reportado mais tarde por Molina, Rocco e Fontana (2009)MOLINA, G. E.; ROCCO, G. F.; FONTANA, E. K. Desempenho da potência anaeróbia em atletas de elite do mountain bike submetidos à suplementação aguda com creatina. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 15, n. 5, p. 374-377, 2009., quando submeteram ciclistas treinados a um teste de Wingate, específico para medir capacidade anaeróbia. Na ocasião, os atletas suplementados durante seis dias seguidos (0,3 g/kg de massa corporal por dia), apresentaram uma melhora de 3,8% no índice de fadiga e de 7,6% na potência de pico.

Snow et al. (1998), por outro lado, não reportaram benefícios sobre desempenho em um sprint de 20 segundos em cicloergômetro. Contando com a participação de oito voluntários, os pesquisadores aplicaram um delineamento cruzado, no qual todos os participantes compõem um único grupo que realiza os testes nas duas condições: suplementados com PL e Cr. De maneira contrabalançada, metade dos participantes recebeu PL e a outra metade recebeu Cr (30 g/dia durante 5 dias) no primeiro teste. Após quatro semanas, as condições se inverteram e os mesmos indivíduos repetiram o teste numa condição de suplementação diferente da anterior. Os resultados mostraram que a quantidade total de Cr muscular armazenada, aumentou cerca de 2% após a suplementação, o que pode não ter sido significativo, visto que, normalmente esse aumento chega a ser de aproximadamente 10% a 20% (HULTMAN et al., 1996). Consequentemente, o desempenho no exercício proposto não demonstrou melhora em relação à situação PL. Um ponto desfavorável nesse estudo deve-se ao número reduzido de participantes (n = 8), uma vez que algumas pessoas são propensas a serem "não respondentes" à suplementação de Cr (SYROTUIK; BELL, 2004SYROTUIK, D. G.; BELL, G. J. Acute creatine monohydrate supplementation: a descriptive physiological profile of responders vs. non responders., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 18, no. 3, p. 610-617, 2004.). Sabendo que a Cr é naturalmente encontrada em diversos tipos de carnes (bovina, peixes, aves etc.) (HARRIS; SÖDERLUND; HULTMAN, 1992HERDA, T. J. et al. Effects of creatine monohydrate and polyethylene glycosylated creatine supplementation on muscular strength, endurance, and power output., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 23, no. 3, p. 818-826, 2009.), um maior consumo desses alimentos, por si, já seria suficiente para manter os níveis de Cr e PCr próximos da capacidade total de armazenamento da célula muscular (GRENHALFF, 1995GRINDSTAFF, P. D. et al. Effect of creatine supplementation on repetitive sprint performance and body composition in competitive swimmers. International Journal of Sport Nutrition, Champaign, v. 7, no. 4, p. 330-346, 1997.). Nestas condições, a suplementação de Cr não promove alterações significativas sobre o seu conteúdo intramuscular e, consequentemente, o desempenho pode seguir inalterado na situação PÓS-SUP. Outra limitação se deve ao período de quatro semanas entre os testes PRÉ-SUP e PÓS-SUP, considerando a escassez de evidências quanto ao intervalo exato de washout da Cr, ou seja, o tempo no qual as concentrações intramusculares do substrato permanecem elevadas até retornarem aos níveis basais. Outro estudo elaborado por Oca et al. (2013)OCA, R. M. et al. Effect of creatine supplementation in taekwondo practitioners. Nutrición Hospitalaria, Madrid, v. 28, no. 2, p. 391-399, 2013., também conduzido em delineamento cruzado, reportou resultados similares ao de Snow et al. (1998).SYROTUIK, D. G.; BELL, G. J. Acute creatine monohydrate supplementation: a descriptive physiological profile of responders vs. non responders., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 18, no. 3, p. 610-617, 2004. Neste caso, entretanto, 20 lutadores de taekwondo, número bastante expressivo em relação aos oito do estudo anterior, foram submetidos a dois testes de Wingate (PRÉ-SUP e PÓS-SUP). Além disso, as doses diárias do suplemento (0,5 g/kg de massa corporal), se assemelham aquelas utilizadas no experimento de Harris et al. (1992)HERDA, T. J. et al. Effects of creatine monohydrate and polyethylene glycosylated creatine supplementation on muscular strength, endurance, and power output., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 23, no. 3, p. 818-826, 2009.. Assim, é possível que o período insuficiente de washout, somados a possível presença de não respondentes, tenham influenciado a ausência de resultados positivos PÓS-SUP nesses dois estudos.

No primeiro experimento envolvendo suplementação de Cr e desempenho de remadores (ROSSITER; CANNEL; JAKEMAN, 1996ROSSITER, H. B.; CANNELL, E. R.; JAKEMAN, P. M. The effect of oral creatine supplementation on the 1000-m performance of competitive rowers. Journal of Sports Sciences, Berlin, v. 14, no. 2, p. 175 - 179, 1996.), os autores analisaram o efeito de cinco dias de suplementação (0,25 g/kg de massa corporal) sobre o desempenho em uma simulação de prova de 1 km, realizada em ergômetro específico. Dos 19 remadores alocados no grupo suplementado, 16 exibiram significativa melhora no tempo para completar o percurso (211,0 ± 21,5 segundos PRÉ-SUP vs. 208,7 ± 21,8 segundos PÓS-SUP). Os três atletas que não apresentaram melhora sobre o tempo final poderiam ser, provavelmente, não responsivos à suplementação. Os dados do estudo, entretanto, não exibem valores individuais dos participantes, impedindo uma interpretação precisa a esse respeito. Chwalbiñska-Moneta (2003), mais tarde, também verificou que remadores treinados, após 5 dias de suplementação (4 x 5 g/dia), melhoraram o TAE (+12,1 ± 4,5 segundos) realizado em ergômetro de caiaque. Um ponto comum nesses dois estudos foi a utilização de ergômetro especifico para a realização do exercício. Entretanto, assim como no caso do cicloergômetro, é importante ressaltar que o aparelho anula a influência do aumento da massa corporal associado à suplementação de Cr. Deste modo, é necessário cautela ao extrapolar estes resultados para uma situação real de competição, onde o praticante deve lidar, dentre outros fatores, com a influência da própria massa corporal sobre o exercício.

Contrariando a influência do aumento da massa corporal sobre o desempenho em corrida, Fukuda et al. (2010)GLAISTER, M. et al. supplementation and multiple sprint running performance., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 20, no. 2, p. 273-277, 2006. relataram que homens fisicamente ativos exibiram um aumento de 23% no TAE (100% do VO2máixmo) realizado em esteira rolante. Em contrapartida, outra amostra composta por mulheres não exibiu melhora significativa em resposta à suplementação. Algumas limitações no estudo, no entanto, reduzem a confiabilidade desses resultados. Não é possível estimar o quanto esses valores PÓS-SUP possam ter sido influenciados pelo efeito da aprendizagem em relação ao protocolo aplicado. Também não foi relatado o controle do consumo alimentar nas sessões PRÉ-SUP e PÓS-SUP, dado que a massa corporal do grupo suplementado não diferiu significativamente em relação à situação PRÉ-SUP. A questão da influência do gênero sobre a resposta à suplementação ainda não está bem esclarecida, dado que estudos prévios, ao contrário do que fora visto por Fukuda et al. (2010)GLAISTER, M. et al. supplementation and multiple sprint running performance., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 20, no. 2, p. 273-277, 2006., relataram melhora sobre o TAE de mulheres submetidas à suplementação de Cr (ECKERSON et al., 2004FUKUDA, D. H. et al. The effects of creatine loading and gender on anaerobic running capacity., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 24, no. 7, p. 1826-1833, 2010.; ECKERSON et al., 2005FUKUDA, D. H. et al. The effects of creatine loading and gender on anaerobic running capacity., Journal of Strength and Conditioning Research Champaign, v. 24, no. 7, p. 1826-1833, 2010.). Nesses experimentos, entretanto, foram utilizados cicloergômetros para membros inferiores.

As evidências encontradas a partir dos estudos apresentados demonstram que a suplementação de Cr, precisamente em doses que variam de 20 g ou 0,25 - 0,35 g/kg de massa corporal por dia durante 5 a 6 dias, são suficientes para promover aumento significativo da massa corporal, associado ao aumento das reservas musculares de Cr e PCr. Consequentemente, a capacidade anaeróbia medida através de testes específicos como TAE e Wingate, sofre melhoras significativas. Naqueles experimentos envolvendo corrida, entretanto, os resultados tendem a ser mais divergentes, provavelmente pela influência negativa do aumento da massa corporal. Naqueles onde foram utilizados ergômetros específicos, como no caso do cicloergômetro e ergômetro de caiaque, os resultados, apesar de positivos, precisam ser interpretados com cautela, uma vez que em situações reais o praticante precisa lidar com a influência do próprio peso corporal. Portanto, ainda se faz necessário esclarecer a real vantagem da suplementação de Cr neste balanço entre o ganho de massa corporal e o concomitante aumento da capacidade anaeróbia em atletas e/ou praticantes recreativos de esportes de característica contínua.

Efeito sobre o desempenho em exercícios intermitentes de alta intensidade

Durante esforços repetidos de alta intensidade, a perda de desempenho pode chegar a cerca de 70% nas séries subsequentes (McCARTNEY et al., 1986McCARTNEY, N. et al. Muscle power and metabolism in maximal intermittent exercise., Journal of Applied Physiology Bethesda, v. 60, no. 4, 1164 - 1169, 1986. ). Esta queda era atribuída principalmente à depleção das reservas de PCr, molécula responsável por liberar, através de reação enzimática, grande quantidade de energia, suficiente para permitir a execução de esforços de alta intensidade (McCARTNEY et al., 1986). Neste sentido, pesquisadores analisaram a hipótese de que um aumento nos estoques musculares de Cr, por vias da suplementação de Cr, poderia melhorar a taxa de ressíntese de PCr e, consequentemente, atenuar a perda de desempenho entre séries repetidas de exercício intenso (PREEN et al., 2000ROMER, L. M. et al. Effects of oral creatine supplementation on high intensity, intermittent exercise performance in competitive squash players. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 22, no. 8, p. 546-552, 2001.; ROMMER et al., 2001ROSSITER, H. B.; CANNELL, E. R.; JAKEMAN, P. M. The effect of oral creatine supplementation on the 1000-m performance of competitive rowers. Journal of Sports Sciences, Berlin, v. 14, no. 2, p. 175 - 179, 1996.; COX et al., 2002). Assim, no intuito de verificar a viabilidade do uso da Cr por praticantes de esportes de característica intermitente, este tópico reúne e discute uma série de experimentos envolvendo suplementação de Cr e desempenho em protocolos de exercícios intermitentes de alta intensidade.

Balson et al. (1993)BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994. e Birch et al. (1994)CHWALBIÑSKA-MONETA, J. Effect of creatine supplementation on anaerobic performance and anaerobic capacity in elite rowers in the course of endurance training. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v.13, no. p. 173-183, 2003. desenvolveram os primeiros experimentos envolvendo desempenho de indivíduos fisicamente ativos em séries repetidas de exercício realizado em cicloergômetro. Primeiramente Balson et al. (1993)BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994. verificaram que homens submetidos a um protocolo de 10 repetições máximas de seis segundos foram capazes de minimizar a queda de desempenho entre as séries após cinco dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia). Birch et al. (1994)CHWALBIÑSKA-MONETA, J. Effect of creatine supplementation on anaerobic performance and anaerobic capacity in elite rowers in the course of endurance training. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v.13, no. p. 173-183, 2003., posteriormente, reportaram que oito homens submetidos ao mesmo protocolo de suplementação, foram capazes de produzir mais trabalho nas duas primeiras séries de Wingate de um total de três (251,9 vs 267,0 J/kg de massa corporal na primeira série e 227,0 vs 239,6 J/kg de massa corporal na segunda série). Uma importante informação no estudo de Balson et al. (1993)BIRCH, R.; NOBLE, D.; GREENHAFF, P. L.; The influence of dietary creatine supplementation on performance during repeated bouts of maximal isokinetic cycling in man, European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, Berlin, v. 69, no. 3, p. 268 - 273, 1994., mas pouco explorada pelos autores, diz respeito à redução do consumo de oxigênio nos testes PÓS-SUP (2,84 vs 2,78 L/min) acompanhado também por redução no acúmulo de hypoxantina sérica (21,1 vs 16,6 µmol/L), um marcador de degradação de adenosina nucleotídeo. Esses dados, indiretamente, indicam que apesar de reduzirem a queda de desempenho e, consequentemente, produzirem maior trabalho nos testes PÓS-SUP, os indivíduos suplementados consumiram menos oxigênio e menos ATP em relação à situação PRÉ-SUP. Apenas recentemente, entretanto, pesquisadores passaram a atentar a estas evidências, as quais parecem estar relacionadas a um aumento da eficiência e/ou capacitância metabólica das fibras musculares do tipo II em decorrência da suplementação de Cr (JONES et al., 2002JONES, A. M. et al. Effect of creatine supplementation on oxygen uptake kinetics during submaximal cycle exercise., Journal of Applied Physiology Bethesda, v. 92, no. 6, p. 2571 -2577, 2002.).

Grindstaff et al. (1997)HARRIS, R. C.; SÖDERLUND. K.; HULTMAN, E. Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clinical Science, London, v. 83, no. 3, 1992. avaliaram o desempenho de 11 nadadores e sete nadadoras treinados, antes e após nove dias de suplementação de Cr (21 g/dia), em dois testes: 1-) três tiros de 100 m em piscina olímpica e 2-) três tiros máximos de 20 segundos em ergômetro de braço. Nos testes PÓS-SUP, os nadadores do grupo Cr melhoraram os tempos nas três repetições de 100 m (- 0,27 ± 0,3 segundos na primeira repetição, - 0,93 ± 0,4 segundos na segunda e - 0,36 ± 0,3 segundos na terceira), bem como produziram mais trabalho, somados os três tiros de 20 segundos em cicloergometro (de 266 ± 76 W para 286 ± 70 W). Peyrebrune et al. (1998)PEYREBRUNE, M. C. et al. The effects of oral creatine supplementation on performance in single and repeated sprint swimming. Journal Sports Sciences, London, v. 16, no. 3, p. 271 - 279, 1998., por sua vez, submeteram nadadores também treinados, a 5 dias de suplementação de Cr (9 g/dia) e avaliou o desempenho em 8 tiros de 45,72 m realizados antes e após a suplementação. Os atletas suplementados apresentaram ligeira redução (- 5,7 %) na perda de desempenho entre o primeiro e o último tiro de 45,72 m. É possível que o protocolo de suplementação utilizado por Peyrebrune et al. (1998), de apenas 9 g/dia, não tenha promovido aumento suficiente das reservas de musculares de Cr, o que pode justificar tímida melhora nos resultados. Grindstaff et al. (1997)HARRIS, R. C.; SÖDERLUND. K.; HULTMAN, E. Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clinical Science, London, v. 83, no. 3, 1992. utilizaram doses de 21 g durante nove dias, o que elevam as chances dos resultados mais expressivos estarem, de fato, relacionados a um aumento efetivo do conteúdo de Cr. Em ambos os estudos, entretanto, não é possível saber a época na qual a intervenção foi relizada, se no início, meio ou fim da temporada de competições. Neste caso, supondo-se que os atletas tenham sido suplementados durante o período de preparação, é possível que a melhora seja resultado do treinamento e, não necessariamente, resultante do efeito ergogênico da suplementação.

Mujika et al. (1999)OCA, R. M. et al. Effect of creatine supplementation in taekwondo practitioners. Nutrición Hospitalaria, Madrid, v. 28, no. 2, p. 391-399, 2013. analisaram os efeitos da suplementação de Cr sobre o desempenho de futebolistas treinados. Cada um dos 17 voluntários realizou uma bateria de testes antes e após cinco dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia) ou PL. A bateria de testes consistia em: 1) três saltos verticais máximos, com 30 segundos de intervalo entre cada salto; 2) seis sprints de 15 metros, com 30 segundos de intervalo entre os mesmos; 3) 40 sprints de 15 segundos, intercalados com intervalos de recuperação ativa de 10 segundos; 4) três saltos verticais máximos, sendo o primeiro logo após o último sprint de 15 segundos. Os resultados demonstraram que apenas no teste dois, o grupo suplementado apresentou pequena melhora em relação a situação PRÉ-SUP. A média de tempo nos seis sprints foram de 2,32 ± 0,08 segundos PRÉ-SUP vs 2.29 ± 0,8 segundos PÓS-SUP. Outros experimentos semelhantes, realizados posteriormente por Cox et al. (2002) e Romer et al. (2001), também corroboram esses achados ao verificarem que jogadoras de futebol e atletas de squash, melhoraram ligeiramente o desempenho em sprints máximos. Por fim, com um número expressivo de 46 participantes, Glaister et al. (2006) também não relataram melhora em 15 repetições máximas de 30 metros realizadas por homens fisicamente ativos, antes e após cinco dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia) ou PL. Na tentativa de aproximar os testes de situações reais de competição, os pesquisadores acabam por ter que lidar com a perda de validade interna, ou seja, a melhora no desempenho pode ser resultado de outros fatores não controlados, como a influência do treinamento, motivação, temperatura, efeito placebo ou efeito da aprendizagem do protocolo de exercício aplicado. Deste modo, essas evidências não fornecem respostas efetivas quanto a eficácia ou não do efeito ergogênico da suplementação de Cr durante um partida.

Uma importante evidência do efeito placebo ou efeito da aprendizagem após a suplementação de Cr ou PL foi relatada por McKenna et al. (1999)MOLINA, G. E.; ROCCO, G. F.; FONTANA, E. K. Desempenho da potência anaeróbia em atletas de elite do mountain bike submetidos à suplementação aguda com creatina. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 15, n. 5, p. 374-377, 2009.. Por meio de biopsia muscular, os pesquisadores verificaram que após 5 dias de suplementação de Cr (4 x 7,5 g/dia), a concentração intramuscular de Cr em homens fisicamente ativos aumentou (18 ± 2,1 %). O desempenho em cinco repetições máximas de 10 segundos realizadas em cicloergômetro, entretanto, foi melhor em ambos os grupos, Cr e PL, o que indica claramente um possível efeito da aprendizagem do protocolo de teste, ou efeito placebo. Outro estudo, por outro lado, reportou que indivíduos fisicamente ativos, ao realizarem 50 - 60 repetições máximas de seis segundos em cicloergômetro, produziram 6% mais trabalho após cinco dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia). A melhora ocorreu apenas para aqueles indivíduos suplementados com Cr, os quais também apresentaram aumento de 12 % do conteúdo intramuscular de Cr medido através de biopsia muscular. A pequena melhora, entretanto, precisa ser observada com cautela, dado que neste protocolo de teste, com um número expressivo de repetiçoes (50 - 60), a variação entre as sessões tende a ser maior, elevando a probabilidade dessa melhora ter ocorrido em detrimento dessa variação natural.

Seguindo a tendência de resultados inexpressivos, Kinugasa et al. (2004)McCARTNEY, N. et al. Muscle power and metabolism in maximal intermittent exercise., Journal of Applied Physiology Bethesda, v. 60, no. 4, 1164 - 1169, 1986. e Ahmunet al. (2005), também não relataram vantagem da suplementação no sentido de melhorar o desempenho de homens fisicamente ativos e jogadores de rugby em repetições máximas realizadas em cicloergômetro. Em ambos os estudos, os participantes foram suplementados durante cinco dias em doses diárias de 20 g, comprovadamente eficazes em elevar o conteúdo muscular de Cr. Anteriormente, Ziegenfuss et al. (2002)ZIGENFUSS, T. N. et al. Effect of creatine loading on anaerobic performance and skeletal muscle volume in ncaa division in athletes. Nutrition, London, v. 18, no. 5, p. 397-402, 2002. já haviam relatado que após três dias de suplementação de Cr (0,35 g/kg de massa corporal), futebolistas treinados foram capazes de atenuar a queda de desempenho durante seis repetições máximas realizadas em cicloergômetro. Também houve aumento de 6,6% do diâmetro muscular do compartimento medial da coxa e um aumento de 9,5% do conteúdo muscular de Cr. Os trabalhos de Kinugasa et al. (2004) e Ahmunet al. (2005) mediram o conteúdo de Cr após suplementação, mas a divergência de resultados em relação aos achados de Ziegenfuss et al. (2002), podem sugerir a influência de indivíduos não respondentes. Este fato é apenas especulativo, visto que nenhum dos autores incluíram análise do consumo alimentar para uma possível identificação de potenciais participantes não responsivos.

Em se tratando de experimentos com atletas de alto nível, a fase de treinamento ou o período da temporada de competições no qual a intervenção acontece, pode interferir bastante nos resultados da pesquisa. Uma evidência disso foi reportada por Dabidi-Roshan et al. (2013)DABIDI-ROSHAN, V. et al. The effect of creatine supplementation on muscle fatigue and physiological indices following intermittent swimming bouts. Journal of Sports Medicine and Physiological Fitness, Torino, v. 53, no. 3, p. 232 - 239, 2013. . Esses pesquisadores submeteram 16 nadadores a séries de seis sprints máximos de 50 m, com dois minutos de intervalo entre cada um, sendo um antes e outro após um protocolo seis dias de suplementação de Cr (4 x 5 g/dia). Comparando as situações PRE-SUP e POS-SUP, tanto do grupo Cr quanto o grupo PL apresentaram uma queda no desempenho, porém com maior magnitude no grupo PL. Nesse caso, é provável que sessões de treinamento extenuantes realizadas entre os testes PRÉ-SUP e PÓS-SUP, tenham interferido negativamente nos resultados, dado que ambos os grupos apresentaram piora no desempenho. Os autores, entretanto, não apresentaram dados acerca do programa de treinamento desses atletas durante o período entre as sessões, o que impede uma atribuição precisa desses resultados a um reflexo do desgaste.

Enquanto alguns experimentos demonstram claramente que a suplementação de Cr parece ajudar a atenuar a natural perda de desempenho entre séries repetidas de exercício de alta intensidade, outros demonstram divergência em relação a esses achados. É fato, no entanto, que a suplementação de Cr causa um aumento dos estoques musculares de Cr, como demonstram os experimentos que incluíram análises de biopsia muscular. O efeito desse aumento em esportes de característica intermitente, entretanto, precisa ainda ser visto com cautela, dada a incoerência dos efeitos, sobretudo naqueles experimentos que buscaram uma aproximação maior com o "mundo real". Ademais, a suplementação de Cr expressa um potencial meio de maximização do desempenho, mas outros estudos bem controlados e com metodologia adequada ao esporte do qual se quer testar a vantagem, ainda precisam ser elaborados para esclarecer questões como a influência do aumento da massa corporal, dieta, treinamento e o tipo de atividade exercida.

Aplicações práticas, limitações e futuras pesquisas

Boa parte das evidências aqui apresentadas resultam de experimentos laboratoriais controlados no intuito de atenuar a influência de fatores externos. Em suma, esse conjunto de resultados sugerem a eficácia da suplementação de Cr em:

  • - Elevar o conteúdo intramuscular de Cr;

  • - Aumentar a capacidade e resistência em exercício de predominância anaeróbia;

  • - Atenuar a perda de desempenho entre séries de exercício intermitente de alta intensidade.

No entanto, considerando os experimentos que buscaram aproximar os protocolos de exercício ao "mundo real" dos esportes, não é possível obter conclusões claras acerca da real vantagem da suplementação de Cr em melhorar o desempenho. Algumas questões ainda precisam ser esclarecidas, como a influência do aumento da massa corporal sobre o desempenho e do consumo alimentar sobre a resposta à suplementação. A testagem de desempenho em aparelhos estacionários como o cicloergômetro e ergômetro de remo, anula a influência da resistência do peso corporal. Portanto, apesar da melhora significativa PÓS-SUP, apontada em alguns estudos, esse balanço precisa ser testado em situações reais, na qual o atleta ou praticante da modalidade necessita lidar com esse fator.

Uma outra questão que ainda precisa ser explorada com maior atenção refere-se ao washout da suplementação de Cr. Há evidências, mas não muito precisas, de que esse período pode durar cerca de quatro semanas (SNOW et al., 1998; ROMER et al., 2001). Entretanto, ainda não foi estabelecida uma média de tempo exata de modo a sanar a limitação de estudos com delineamento cruzado.

Para estudos futuros, será importante verificar questões como:

  • - a influência do ganho de massa corporal sobre o balanço entre a melhora da capacidade anaeróbia e o seu reflexo no desempenho em simulações de prova;

  • - verificar o real perído de washout da suplementação Cr, facilitando a elaboração de metodologias adequadas para as pesquisas seguintes.

CONCLUSÃO

Três a seis dias de suplementação de Cr, em doses diárias que variam de 20g a 30g ou 0,25g a 0,35g por kg de massa corporal, são suficientes para promover aumento da capacidade anaeróbia e melhorar o desempenho em exercícios de alta intensidade de característica contínua ou intermitente. A extrapolação desses resultados para o "mundo real" dos esportes, entretanto, precisa ser vista com cautela. O aumento da massa corporal, comumente relatado em experimentos com suplementação de Cr, precisa ser verificado de modo esclarecer o reflexo deste sobre o desempenho de atletas e esportistas amadores. Assim, são necessários mais experimentos desenvolvidos de modo a aproximar a metodologia a situações reais de competição.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2014
  • Revisado
    15 Dez 2015
  • Aceito
    20 Jan 2015
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