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FORMAÇÃO PROFISSIONAL E PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIAS DE ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA DISCIPLINA DE ESPORTES DE AVENTURA E NA NATUREZA

TRAINING AND PERCEPTION OF SKILLS STUDENTES OF PHYSICAL EDUCATION: A REFLECTION FROM THE DISCIPLINE OF ADVENTURE SPORTS

Resumos

Um dos desafios que se coloca às instituições de ensino superior é o de ser capaz de formar profissionais de Educação Física competentes, aptos a desenvolver o exercício da futura profissão e comprometidos com a melhoria das práticas profissionais nos contextos de atuação. Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo, a partir do modelo de competência profissional proposto por Cheetham e Chivers (1996, 1998), verificar as competências observadas por 46 formandos do curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública de Santa Catarina, ao longo do desenvolvimento de uma disciplina centrada na abordagem de esportes de aventura e na natureza. Realizou-se uma investigação descritiva exploratória, com abordagem qualitativa. Aplicou-se a técnica de análise de conteúdo. Os principais resultados indicam que a disciplina contribuiu para a percepção de competências em diferentes níveis, bem como oportunizou a visualização do atual mercado de trabalho em Educação Física, pelos formandos do curso.

Competência profissional; Educação Física; Esportes


One of the challenges of institutions of higher learning is to prepare competent physical education professionals who are aptly qualified for their future career and dedicated to improving professional practice in their field of expertise. Therefore, the present study, based on the professional competence model proposed by Cheetham & Chivers (1996, 1998), aims to verify the competencies observed by 46 graduates of the Bachelor of Physical Education course at a public university of Santa Catarina, Brazil, over the course of the subject pertaining to outdoor adventure sports. An exploratory descriptive investigation with qualitative approach was conducted, and the content analysis technique was used. The main results indicate that the subject contributed to the graduates' perception of competencies at different levels and to an understanding of the current job market.

Professional competence; Physical Education; Sports


INTRODUÇÃO

Um dos desafios que se coloca às instituições de ensino superior é o de ser capaz de formar profissionais competentes, com um sentido positivo do exercício da futura profissão, comprometidos com a melhoria das práticas profissionais nos contextos reais de atuação (BATISTA; PEREIRA; GRAÇA, 2012BATISTA, P. M. F. Discurso sobre a competência: contributo para a (re)construção de um conceito de competência aplicável ao profissional do desporto. 2008. 591f. Dissertação (Doutorado em Ciências do Desporto)-Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Porto, 2008.). Nessa direção, Marinho e Santos (2012)MARINHO, A. Atividades na natureza, lazer e educação ambiental: refletindo sobre algumas possibilidades. Motrivivência, Florianópolis, ano 16, n. 22, p. 47-70, jun. 2004. destacam a necessidade de que os currículos dos cursos estejam sintonizados à realidade para a qual se prepara o futuro profissional. Nesta perspectiva, pode-se concordar com Nascimento (2002)NASCIMENTO, J. V. A formação universitária em educação física e desportos: uma abordagem sobre o ambiente percebido e a auto-percepção de competência profissional de formandos brasileiros e portugueses. 1998. 380f. Tese (Doutorado em Ciências do Desporto)-Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Porto, 1998. que a formação inicial em Educação Física compreende o período em que os indivíduos têm a possibilidade de ter contato com a base de competências que a sua profissão exigirá.

Segundo Batista (2008), as questões que envolvem a formação profissional são precedidas do entendimento de competência, especialmente quando se considera o cenário atual de discussão acerca dos modelos de formação profissional em Educação Física. Na realidade brasileira, as diretrizes curriculares que norteiam os cursos de graduação nesta área instituem que as competências de natureza político-social, ético-moral, técnico-profissional e científica devem constituir a concepção nuclear do projeto pedagógico do curso, além de apresentar a necessidade de concepção, planejamento, operacionalização e avaliação da formação em Educação Física, por meio da aquisição e do desenvolvimento de competências (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena.Brasília, DF, 2004.).

No âmbito conceitual, observa-se que a literatura sugere diferentes significados para a competência, o que, em parte, resulta da sua utilização em diferentes áreas do conhecimento. Apesar disso, alguns autores compreendem a competência por meio de um conceito de natureza relacional, no qual estão incluídas a complexidade, a imprevisibilidade, a ligação à ação e à situação. Além disso, consideram que a competência não pode ser diretamente observada, mas pode ser inferida em resultados de múltiplos desempenhos, estando diretamente relacionada ao sucesso em uma determinada atividade da profissão (BATISTA; GRAÇA; MATOS, 2007; BATISTA; PEREIRA; GRAÇA, 2012).

A partir desta concepção, Batista (2008) ressalta a necessidade de realização de estudos que abordem a problemática da competência de forma integrada e contextual, principalmente nos diferentes campos de intervenção da Educação Física. A autora enfatiza que a maioria das investigações tem direcionado a atenção apenas para o cenário escolar, sendo importante que novos olhares sejam lançados sobre o desenvolvimento de competências nas distintas possibilidades de atuação profissional em Educação Física.

Um modelo de competência que vem sendo comumente utilizado para investigar professores de Educação Física no Brasil foi desenvolvido por Nascimento (1998, 1999). No entanto, aponta-se a existência de outro modelo, elaborado por Cheetham e Chivers (1996, 1998)CHEETHAM, G.; CHIVERS, G. Towards a holistic model of professional competence. Journal of European Industrial Training, Bradford, v. 20, no. 5, p. 20-30, 1996., o qual, por ser transversal a todas as áreas do conhecimento, tem sido adotado em investigações que envolvem diferentes grupos de profissões (BRANDÃO, 2009; GODOY et al., 2006GODOY, A. S. et al. Um estudo de modelagem de equações estruturais para a avaliação das competências de alunos do curso de administração. In: ENCONTRO DA ANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais... Salvador: ANPAD, 2006. p. 1-16.; ROQUETE, 2009ROQUETE, R. F. Competências profissionais de professores-arquitetos: um estudo em três universidades da cidade de Belo Horizonte. 2009. 140f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Administração)-Faculdade Novos Horizontes, Belo Horizonte, 2009.), incluindo a Educação Física, apesar de em menor frequência e voltadas principalmente a professores que atuam em escolas (FARIAS, 2010FARIAS, G. O. Carreira docente em educação física: uma abordagem na construção da trajetória profissional do professor. 2010. 303f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Centro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.; FARIAS et al., 2012).

Este modelo apresenta quatro grupos de competências nucleares, subdivididos em dimensões, e alguns fatores relacionados à competência. As competências nucleares e suas dimensões são: 1) conhecimento/competência cognitiva, contemplando as dimensões do conhecimento técnico e teórico especializado, do conhecimento tácito, do conhecimento processual, do conhecimento contextual e da aplicação do conhecimento; 2) competência funcional, subdividida em quatro dimensões - competência específica do ofício, organização e gestão, competência motora e competência básica; 3) competência pessoal e social, sistematizada na dimensão intraprofissional e na dimensão social e vocacional; e 4) valores/competência ética, a qual contempla a ética profissional e a ética pessoal. Por sua vez, os aspectos relacionados à competência são: hetero e autopercepção de competência; metacompetências/transcompetências (por exemplo: criatividade, comunicação, versatilidade, resolução de problemas); contexto de trabalho e envolvimento do trabalho; personalidade; motivação; e reflexão (CHEETHAM; CHIVERS, 1996, 1998). Batista (2008) considera tal modelo como de grande completude, pois além de incorporar simultaneamente diferentes perspectivas de competência, acrescidas de aspectos de natureza reflexiva e ética, pode ser aplicado em distintas áreas profissionais.

Assim, lançando mão de instrumentos genéricos para investigar as competências na área da Educação Física, o presente estudo tem como objetivo, a partir do modelo proposto por Cheetham e Chivers (1996, 1998), verificar as competências observadas por formandos do curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública do Estado de Santa Catarina, ao longo do desenvolvimento de uma disciplina centrada na abordagem de esportes de aventura e na natureza. A realização deste estudo se torna relevante, uma vez que é percebida estreita relação entre competência e atuação profissional e, considerando que os indivíduos investigados estão prestes a ingressar no mercado de trabalho, esta pesquisa pode oferecer subsídios para a compreensão da percepção de competências que logo poderão ser exigidas aos estudantes de Educação Física, no contexto da efetiva intervenção profissional.

É pertinente destacar que poderão ser observados ao longo deste artigo dois termos para a designação do fenômeno aventura: ora "esporte" (quando se referir à disciplina investigada, cujo nome e ementa foram previamente determinados pelo projeto político pedagógico do curso de origem), ora "atividades". No entender dos autores deste estudo, a opção "atividades de aventura" parece melhor retratar as modalidades vivenciadas pelos indivíduos investigados na pesquisa, uma vez que seus objetivos, características e dinâmicas transcendem aqueles vivenciados em outros esportes tradicionais.

Parte-se do pressuposto de que as atividades de aventura, especialmente quando vivenciadas na natureza, podem se configurar como uma via eficaz de desenvolvimento de habilidades e competências, tendo importante valor formativo, pois elas contêm o risco controlado como motivador das habilidades necessárias, as quais podem favorecer o desenvolvimento humano (DANIEL et al., 2014DANIEL, B. et al. Experiences in outdoor andadventureeducation. Journal of Experiential Education, Boulder, v. 37, n. 1, p. 4-17, mar. 2014.; GASSNER; RUSSELL, 2008GASSNER, M. E.; RUSSELL, K.C. Relative impact of course components at Outward Bound Singapore: a retrospective study of long-term outcomes. Journal of Adventure Education and Outdoor Learning, Carlisle, v. 8, no. 2, p. 133-156, dec. 2008.; OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, C.L. Educação pela aventura para o desenvolvimento humano. In: PEREIRA, D. W. (Org.). Atividades de aventura: em busca do conhecimento. Jundiaí: Fontoura, 2013. p. 39-54.). Nesse sentido, é pertinente ressaltar que a disciplina do curso de Educação Física que originou esta investigação tem como objetivos, além de difundir elementos para o conhecimento teórico-prático sobre os esportes de aventura e na natureza, contribuir para a formação da competência geral do profissional de Educação Física e para a visualização do atual mercado de trabalho dessa área. É a partir deste contexto que foi investigada a percepção de competências de formandos de Educação Física.

METODOLOGIA

Este estudo, de corte transversal, foi realizado por meio de investigação descritiva exploratória, com abordagem qualitativa. A pesquisa descritiva, segundo Gil (2008)GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008., tem como finalidade a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou ainda o estabelecimento de relações entre variáveis. A pesquisa exploratória (frequentemente combinada à descritiva), por sua vez, de acordo com o mesmo autor, é desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral acerca de determinado contexto, desenvolvendo, esclarecendo ou modificando conceitos e ideias sobre ele. A abordagem qualitativa, por sua vez, segundo Minayo (2012)MINAYO, M.C.S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M.C.S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 9-30., permite trabalhar com o universo de significados, motivos, valores, crenças e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.

Participaram desta pesquisa 46 estudantes do curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública de Santa Catarina, sendo 23 do sexo feminino e 23 do sexo masculino, regularmente matriculados em uma disciplina oferecida na última fase deste curso, a qual aborda os esportes de aventura e na natureza. Foram investigadas duas turmas de estudantes em dois semestres distintos de oferecimento da disciplina.

Para a coleta de dados foi utilizado um questionário composto por 15 perguntas abertas, desenvolvido especificamente para este estudo, a partir de uma matriz analítica que contemplou as seguintes dimensões: percepções acerca da disciplina; autoavaliação da participação na disciplina; percepção de competências profissionais; e contribuições da disciplina para a formação profissional. Em virtude da limitação de espaço, este artigo aborda, especificamente, os resultados encontrados por meio destas duas últimas dimensões.

Faz-se necessário destacar que esse questionário passou por um processo de validação de conteúdo e avaliação de clareza de linguagem, seguindo as orientações de Santos e Gheller (2012), cientes dos limites dessa técnica, mas com rigor científico necessário para tal. Desta forma, o instrumento foi encaminhado a três professores doutores, especialistas na área temática da pesquisa em questão, para que, após 30 dias, atribuíssem notas de zero a dez a cada questão, a fim de validar seu conteúdo e avaliar a clareza da linguagem empregada. Notas de zero a quatro classificariam uma questão como sem validade ou confusa e, portanto, deveriam ser substituídas e submetidas novamente ao processo de avaliação; notas de cinco a sete significariam que uma questão é pouco válida ou pouco clara e, assim, deveriam ser ajustadas; e notas de oito a dez caracterizariam uma questão como válida e clara, sendo mantida no instrumento. Todas as questões receberam notas de oito a dez e, portanto, foram consideradas válidas e claras.

Após a aprovação deste estudo, o qual faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo, pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (número de parecer 460.441), os estudantes foram convidados a participar voluntariamente do mesmo. Quando concordaram, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. As informações coletadas foram organizadas com a utilização do programa computacional NVivo versão 9.2, o qual vem sendo empregado em estudos de natureza qualitativa, especialmente na área da Educação Física (BATISTA, 2008; FARIAS, 2010; FARIAS et al., 2012; RAMOS et al., 2011RAMOS, V. et al. A aprendizagem profissional - as representações de treinadores desportivos de jovens: quatro estudos de caso. Motriz, Rio Claro, v. 17, n. 2, p. 280-291, abr./jun. 2011.).

Conforme orientações descritas por Bardin (2009)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009., os dados foram tratados por meio da técnica de análise de conteúdo, sendo estabelecidas categorias de análise a priori com base no modelo de competência profissional proposto por Cheetham e Chivers (1996, 1998), ou seja, por meio dos quatros grupos de competências nucleares e suas dimensões, e dos fatores relacionados à competência. Por sua vez, a partir da leitura e análise das respostas dos participantes do estudo, algumas categorias foram criadas a posteriori , tais como: fatores influenciadores da não percepção de competência (atividade profissional paralela à formação universitária; falta de organização pessoal; problemas de saúde; e personalidade); e contribuições da disciplina para a formação profissional (aquisição de novos conhecimentos; percepção de novas possibilidades de atuação; despertar de sensibilidades com o ambiente natural; motivação profissional e formação pessoal).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os quatro grupos de competências nucleares propostos por Cheetham e Chivers (1996, 1998) foram evidenciados nos dados do presente estudo. No primeiro grupo, denominado conhecimento/competência cognitiva, destacaram-se três dimensões, entre as cinco que o compõe: conhecimento técnico e teórico especializado; conhecimento tácito; e aplicação do conhecimento. Na primeira foram referenciados seis resultados relacionados à base de conhecimento formal da profissão, como "[...] estive envolvido na leitura do material disponibilizado, na confecção do trabalho teórico respeitando a data fixada" (ALUNO 25, 2012ALUNO 2. Percepção de competências profissionais e contribuições da disciplina para a formação profissional. 2012. Respostas a um questionário concedido à Alcyane Marinho.); e "pude observar o interesse nos assuntos discutidos em sala, pois por muitas vezes fui atrás de material científico para somar os conteúdos ministrados" (ALUNO 2, 2012).

Na dimensão do conhecimento tácito, relacionada à prática e à experiência, destaca-se a seguinte resposta: "Descobri que não sou tão medrosa e isso me inspirou bastante a buscar novas práticas" (ALUNO 22, 2012). Por sua vez, sobre a aplicação do conhecimento, a qual pretende prescrever a prática, sublinha-se a capacidade de: "[...] unir o aprendizado das oito fases da faculdade com a modalidade que estava sendo trabalhada" (ALUNO 24, 2012).

As duas outras dimensões deste grupo nuclear de competências, relativas ao conhecimento processual (rotinas básicas inseridas na atividade profissional, relacionadas principalmente à didática) e ao conhecimento contextual (referente a uma organização, setor, área geográfica, clientela), não foram mencionadas pelos participantes do estudo. Acredita-se que isso esteja relacionado ao fato de os investigados estarem concluindo sua formação inicial e, em muitas vezes, ainda não estarem inseridos concretamente no mercado de trabalho, no qual as competências cognitivas relacionadas ao conhecimento do contexto e do processo podem ser mais exigidas e, portanto, estarem mais evidentes à percepção.

Farias et al. (2012), ao investigarem professores de Educação Física da rede escolar de Porto Alegre (RS), constataram que, apesar de todas as dimensões da competência cognitiva terem sido representativas, a dimensão da aplicação do conhecimento foi observada apenas entre os professores que estavam no início da carreira, corroborando com os resultados do presente estudo quando se considera que os participantes do mesmo estão justamente ingressando nesta fase de desenvolvimento profissional. De acordo com Huberman (1995)HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto, 1995. p. 31-62., este momento da carreira é marcado pela busca constante de conhecimentos que auxiliem a intervenção, indo ao encontro da necessidade de manifestação da competência cognitiva, aqui destacada por meio das respostas dos participantes.

O domínio do conhecimento teórico está descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de formação inicial em Educação Física como uma competência a ser desenvolvida pelos estudantes (BRASIL, 2004). Bernardes e Marinho (2013)BERNARDES, L. A.; MARINHO, A. Esportes de aventura: da prática à especialização. In: PEREIRA, D. W. (Org.). Atividades de aventura: em busca do conhecimento. Jundiaí: Fontoura, 2013. p. 19-27. salientam que a competência relacionada aos conhecimentos da profissão deveria ser desenvolvida de modo a incluir também os aspectos relacionados às atividades de aventura na natureza, haja vista que essas práticas se configuram como uma tendência e demanda para os profissionais da Educação Física. No entanto, observa-se que muitos cursos sequer oferecem uma disciplina relacionada às atividades de aventura, sendo a falta de profissionais qualificados para ministrá-la um dos prováveis motivos para essa situação.

Acredita-se que a partir da formação de profissionais de Educação Física competentes para atuar também no contexto das atividades de aventura e na natureza, será aberta a possibilidade de haver, em breve, um grupo estimulado a buscar qualificação profissional para se tornar apto a ministrar disciplinas que abordem essa temática em cursos de formação inicial dessa área. Além disso, a aproximação dos discentes aos conteúdos da aventura pode levá-los a oferecer futuramente, em sua realidade de atuação profissional, novas possibilidades de vivências práticas para seus alunos, multiplicando, assim, a adaptação de professores e alunos a uma diferente realidade da Educação Física (BERNARDES; MARINHO, 2013).

No que concerne à competência funcional, a qual inclui quatro dimensões (competência específica do ofício, organização e gestão, competência motora e competência básica), foi evidenciada neste estudo apenas a dimensão da competência motora, a qual é relativa a habilidades como a destreza e a coordenação manual. Apesar de uma aluna destacar uma habilidade manual relacionada à utilização de uma máquina fotográfica, dois alunos descreveram outras competências motoras mais amplas, como equilíbrio e orientação temporal e espacial.

No entender de Betrán, J. e Betrán, A. (2006), as atividades físicas de aventura na natureza (termo utilizado pelos autores), como práticas constituintes da Educação Física, subsidiam novos padrões motores desenvolvidos em contato com a natureza, especialmente pela diversidade de contextos ambientais, nos quais essas atividades podem ser realizadas. Marinho (2004) enfatiza que a Educação Física pode, valendo-se das experiências de práticas na natureza (distante das quadras, dos ginásios, das piscinas, etc.), potencializar estratégias de ação para que os alunos desenvolvam habilidades motoras, capacidades físicas e, até mesmo, fundamentos esportivos específicos. Desta forma, o desenvolvimento da competência motora pode estar incluído entre os diferentes objetivos educacionais de uma proposta de disciplina centrada nas atividades de aventura na natureza.

Por outro lado, o fato de os investigados não perceberem competências relacionadas à dimensão específica do ofício, à organização e gestão e à competência básica pode, novamente, ser justificado por estarem concluindo sua formação inicial e ingressando na carreira, ou seja, por ainda não terem contato direto com a profissão (ofício). Essas dimensões referem-se, respectivamente: à capacidade de realizar com eficiência e eficácia o leque de funções e tarefas específicas da profissão; à capacidade de planejar, monitorar, implementar e avaliar a gestão pessoal do tempo; e às habilidades de processamento das diferentes tecnologias da informação (CHEETHAM; CHIVERS, 1998). A partir dessas definições, observa-se a necessidade de amadurecimento profissional para a percepção das competências discutidas neste parágrafo, conforme foi evidenciado no estudo de Farias et al. (2012), no qual, dentre os professores de Educação Física investigados, aqueles que tinham mais de 21 anos de docência foram os que mais as perceberam.

Em outra direção, no presente estudo, o grupo de competências pessoal e social foi o mais expressivo em termos de unidades de registro. Foram referenciadas respostas nas duas dimensões que o constituem: competências intraprofissionais (6) e competências sociais e vocacionais (13). As competências intraprofissionais se referem à capacidade de interação com outros profissionais, incluindo aspectos relacionados à colegialidade e ao respeito às normas profissionais: "[...] sempre interagi com o grupo, tentei ajudar sempre que pude os meus amigos" (ALUNO 7, 2012); "[...] cooperação para ajudar os amigos na realização de alguma tarefa" (ALUNO 12, 2012). Para as competências sociais e vocacionais, por sua vez, foram consideradas respostas relativas a aspectos pessoais como a autoconfiança, a persistência, a capacidade de pensar por si e o controle emocional (medo, estresse), da mesma forma que habilidades interpessoais, como a empatia: "[...] interesse, persistência, determinação, paciência, coragem, força de vontade, disposição foram as competências que mais se destacaram em mim" (ALUNO 11, 2012); "[...] vontade de encarar e vencer desafios, perder medos" (ALUNO 14, 2012).

A fase de transição entre a formação inicial e o desenvolvimento profissional contínuo, denominada como período de entrada na carreira, é descrita por alguns autores como um momento de exploração ampla do ambiente de trabalho, dos seus pares e dos alunos, podendo ocorrer serena e tranquilamente (descoberta) e/ou podendo ser marcada por inquietações, angústias e pelo "choque com a realidade" (sobrevivência). Nesse contexto, os profissionais ingressantes na carreira apoiam-se no conhecimento teórico adquirido por meio da formação inicial e buscam, por meio da observação e do relacionamento com seus colegas profissionais, a integração e o auxílio no desempenho das tarefas (FARIAS; SHIGUNOV; NASCIMENTO, 2012SHIGUNOV, V.; FARIAS, G. O.; NASCIMENTO, J.V. O percurso profissional dos professores de educação física nas escolas. In: SHIGUNOV. V.; SHIGUNOV NETO, A. (Org.) Educação física: conhecimento teórico x prática pedagógica. Porto Alegre: Mediação, 2002. p. 19-53.; HUBERMAN, 1995; NASCIMENTO; GRAÇA, 1998; SHIGUNOV; FARIAS; NASCIMENTO, 2002). Contudo, é importante salientar que, como o desenvolvimento profissional pode iniciar antes mesmo do ingresso do indivíduo na formação inicial e no mercado de trabalho, ou seja, por meio de experiências prévias, influências familiares e de outros profissionais, podem existir outras situações prévias de socialização (NASCIMENTO, 2002).

Nesta perspectiva, de acordo com Carnicelli Filho (2005)CARNICELLI FILHO, S. Rafting: emoções e sensações no meio natural. 2005. 50f.Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação Física)-Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2005., as atividades de aventura na natureza, a exemplo do rafting , exigem a capacidade de cooperação e de trabalho em equipe, configurando-se como experiências oportunas para o desenvolvimento das competências intraprofissionais. Em uma vivência relatada no estudo de Silva e Chao (2011)SILVA, P. P. C.; CHAO, C.H.N. Práticas corporais na natureza: por uma educação ambiental. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 22, n. 1, p. 89-97, jan./mar. 2011., os pesquisadores levaram um grupo de alunos do curso de Licenciatura Plena em Educação Física a experimentarem a prática do rapel, acompanhada de um programa de atividades lúdicas. A partir desta experiência, foram evidenciados aspectos positivos no que condiz à sensibilização e à relação interpessoal, despertando sentimentos de cuidado com o próximo e com a natureza, solidariedade, respeito, bem como novos conhecimentos. Diante do exposto, os autores reforçam a importância em dar continuidade a essas vivências no âmbito educacional, tanto no ensino superior quanto na educação básica, favorecendo o despertar de uma relação consciente do ser humano com a natureza e a possibilidade de exploração de diversas sensações e emoções, consolidando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

Nessa direção, os estímulos para o exercício de determinadas capacidades e para o experimentar de diferentes sensações e emoções, proporcionados por essas atividades (CARNICELLI FILHO, 2005; LAVOURA; SCHWARTZ; MACHADO, 2008LAVOURA, T. N.; SCHWARTZ, G. M.; MACHADO, A.A. Aspectos emocionais da prática de atividades de aventura na natureza: a (re)educação dos sentidos. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 119-127, abr./jun. 2008. ; MOREIRA, 2007MOREIRA, J. C. C. Caminho da fé: pedestrianismo, estados emocionais e reflexões sobre a ambiência. 2007. 246f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade)-Departamento de Educação Física, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007.; SILVA; CHAO, 2011), mostram-se importantes para o desenvolvimento das competências sociais e vocacionais, uma vez que as características particulares das atividades de aventura na natureza parecem poder contribuir eficazmente para o desenvolvimento das duas dimensões do grupo de competência pessoal e social, especialmente entre indivíduos ingressantes na carreira.

De fato, a prática de atividades de aventura na natureza sugere a busca de sentimentos de auto-realização e auto-expressão dos alunos, favorecendo atitudes de companheirismo, zelo pelo colega, compartilhamento de sensações, resolução de tarefas em conjunto, além de superar a tendência tradicional de prática corporal com ênfase na competição e no rendimento. Ao contrário dos espaços formais para prática de atividades físicas e esportivas, os quais se caracterizam por serem mais estáveis, o ambiente natural parece sugerir significados e valores para a prática, a partir do estabelecimento de uma relação de convivência harmoniosa entre o praticante e a natureza, surgindo assim certa "ética ecológica de convivência" do indivíduo em relação à conservação e à preservação do seu ambiente de prática (COSTA, 1997COSTA, L.P. Desporto e natureza: tendências globais e novos significados. In: COSTA, L.P. Meio ambiente e desporto: uma perspectiva internacional. Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto,1997. p. 61-75.).

No que tange aos aspectos da competência relacionada aos valores/competência ética também pôde ser observado um número expressivo de registros. Foram incluídas três respostas na dimensão ética pessoal e 13 na ética profissional. Para a ética pessoal, foi considerado o respeito pelos outros e pela sociedade, assim como pelos códigos morais: "[...] preocupo-me com os outros tanto como se fosse comigo. Fui educado e soube respeitar as regras impostas" (ALUNO 43, 2012). Para a ética profissional foram considerados a adoção de condutas adequadas, o cumprimento de códigos de conduta profissional, a autorregulação, a sensibilidade para o envolvimento, o julgamento ético, a consciência dos limites da sua compreensão, o dever de se manter atualizado, e o dever de ajudar a trazer novos aportes para a profissão: "[...] iniciativa, responsabilidade, seriedade e compromisso" (ALUNO 8, 2012); "[...] pontualidade, assiduidade, prestativa" (ALUNO 17, 2012).

Tendo em vista a imprevisibilidade do meio no qual as atividades de aventura na natureza são praticadas, acredita-se que os alunos tiveram a oportunidade de experimentar certo compromisso, comprometimento e engajamento nas atividades. A necessidade de estarem cientes das características do ambiente, de identificarem os riscos aos quais estavam se expondo, bem como a urgência de estarem atentos ao dinamismo do ambiente de prática, parece ter despertado um tipo de engajamento com todo o processo proposto na disciplina. Deve-se destacar, conforme Kunreuther e Ferraz (2012)KUNREUTHER, F. T.; FERRAZ, O.L. Educação ao ar livre pela aventura: o aprendizado de valores morais em expedições à natureza. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 437-452, abr./jun. 2012., a possibilidade de que estas condutas éticas sejam refletidas (quiçá, manifestadas) para além do ambiente de ensino proporcionado, inclusive, para o contexto de intervenção profissional.

Apesar de a ética ser um tema transversal no desenvolvimento profissional de professores e estar incluída nas diretrizes curriculares como uma competência a ser desenvolvida e como um dos princípios da formação inicial em Educação Física (BRASIL, 2004), alguns estudos não constataram esse comprometimento ético de modo expressivo entre professores de Educação Física em momentos distintos da carreira (FARIAS, 2010; FARIAS et al., 2012). Isto indica que, embora haja determinações legais acerca de atitudes éticas para o exercício da profissão Educação Física, isso não as garantem na futura atuação profissional.

Ao mesmo tempo em que essas constatações podem ser preocupantes para a área da Educação Física, os resultados do presente estudo podem possibilitar o vislumbrar de uma tendência para tal área, no sentido da valorização e do comprometimento com uma postura ética, tanto pelo outro, quanto pela profissão, os quais, se desenvolvidos desde a formação inicial, talvez poderão ser mantidos nas demais etapas de desenvolvimento profissional.

Os resultados aqui evidenciados talvez também possam ser explicados pela metodologia adotada na disciplina que originou este estudo. Ao delinear estratégias de ensino-aprendizagem centradas na participação, ação e reflexão, possibilitada especialmente por meio de vivências práticas de esportes de aventura na natureza, os indivíduos podem ter interagido com seus pares de modo mais contundente, além de ter percebido a importância de cumprir as regras impostas, culminando, assim, na expressiva presença tanto do grupo de competências pessoal e social como do grupo de competências éticas. Alguns autores que estudam as atividades de aventura advogam sobre a necessidade do desenvolvimento dessas competências para a atuação profissional no âmbito das atividades de aventura na natureza, tendo em vista que muitos condutores exercem a profissão apenas pautados em sua experiência prática anterior, ou nos conhecimentos disseminados por meio de cursos oferecidos pela empresa em que trabalham (PAIXÃO; COSTA; GABRIEL, 2009; SCHWARTZ; CARNICELLI FILHO, 2006).

Dentre os fatores relacionados à competência, destacou-se, neste estudo, a motivação e a criatividade. Huberman (1995) discorre que o período de entrada na carreira pode ocorrer de forma mais tranquila, quando o entusiasmo, a exaltação e a motivação estão mais evidentes. No que concerne à criatividade, pode-se considerá-la uma metacompetência, ou seja, a capacidade de analisar ou desenvolver outras competências que transcendem aquelas adquiridas anteriormente. Apesar de o desenvolvimento de metacompetências ser esperado com o avançar dos ciclos profissionais (FARIAS et al., 2012), a percepção de algumas delas no período de transição da formação inicial para a entrada na carreira pode ser positiva no sentido de estimular o desenvolvimento de outras, como a versatilidade, o senso crítico e a liderança.

Outros fatores de ordem pessoal e externos à disciplina também foram descritos pelos indivíduos aqui investigados, os quais influenciaram especialmente o não desenvolvimento de algumas competências. Esses fatores foram relacionados à atividade profissional paralela à formação universitária; à falta de organização pessoal; aos problemas de saúde; e à personalidade; os quais resultaram na pouca observação, entre alguns participantes, da competência motora (3): "competências menos observadas - competências físicas em relação às práticas, como equilíbrio, coordenação, estabilização do corpo"; das competências intraprofissionais e das sociais e vocacionais (6): "[...] menos observei: espírito de equipe" (ALUNO 7, 2012), "[...] não tive a oportunidade de aumentar o nível de amizade além da sala. Fiz poucas amizades, as que eu fiz não são os de alunos da oitava fase propriamente dita" (ALUNO 35, 2012); da competência ética profissional (5): "[...] fui pouco presente e, às vezes, disperso" (ALUNO 4, 2012), "[...] menos observei a assiduidade" (ALUNO 5, 2012); e de metacompetências (5), como liderança, criatividade e criticidade.

A apresentação desses resultados torna-se importante no sentido de que seja direcionada atenção não apenas para as competências que a maioria dos alunos percebeu, mas também para aquelas que ficaram menos evidentes na opinião de alguns deles. Considerando que um dos pressupostos da formação inicial em Educação Física está no desenvolvimento de competências, acredita-se ser necessária a elaboração de estratégias para que todos os alunos tenham condições e possibilidades de perceber competências a partir das diferentes disciplinas do curso.

Embora a disciplina de esportes de aventura na natureza tenha originado este estudo e se mostrado significativa para a percepção de competências de formandos de Educação Física, seria ingênuo acreditar que ela, por si só, daria conta de suprir todas as demandas e carências dos futuros profissionais. Por isso, a partir do exposto, é importante ressaltar uma visão mais ampla de formação inicial, que a perceba como o período no qual todas as disciplinas, de forma integrada, possibilitem ao aluno o contato com as competências nucleares da profissão em questão, conforme discorre Nascimento (2002).

A partir da observação de competências, os participantes deste estudo também puderam apresentar sua percepção acerca das contribuições da disciplina para sua formação profissional. Destacaram-se a aquisição de novos conhecimentos e a ampliação do olhar para novas possibilidades de atuação em Educação Física, conforme descreveram alguns alunos:

"O aprendizado de conteúdos diferentes, para o mercado atual, é de grande valia, pois, devido a grande concorrência de profissionais, quem irá se destacar será aquele que tiver o 'algo a mais', por isso os conteúdos contribuíram para minha formação profissional" (ALUNO 36, 2012);

"De forma geral, fico com uma formação mais rica e ampla, podendo me aventurar (sem trocadilhos) em novos mercados, além de mesmo não fugindo dos esportes mais tradicionais como profissional atuante, posso e devo transferir conhecimentos entre estas áreas de atuação" (ALUNO 4, 2012);

"Acho que a disciplina serviria para quebrarmos algumas barreiras. Nós do bacharelado precisamos cada vez mais de novos campos de atuação, e precisamos assumi-los com profissionalismo. As experiências vivenciadas mostram que isso é possível e que ainda existe muito 'território' inexplorado" (ALUNO 14, 2012).

Nessa perspectiva, observam-se as importantes contribuições do estudo das atividades de aventura na natureza nos cursos de Educação Física, não apenas como uma forma de oportunizar uma mudança de lócus , com fins de entretenimento (o que também é válido), mas como uma forma de valorizar uma temática em emergência para os profissionais da área, demarcando novas possibilidades no mercado de trabalho. O indivíduo que venha a trabalhar com essas atividades deve conhecer as diferentes possibilidades de atuação que elas oferecem desde sua formação inicial (MARINHO, 2004).

Além disso, alguns participantes também destacaram como contribuições da disciplina o despertar de sensibilidades e preocupações com o ambiente natural (7), com a motivação profissional (2) e, inclusive, com a formação pessoal (2). De acordo com esses alunos:

[...] a disciplina contribuiu muito com a valorização que vai estar ao meu redor, aprendi muito que não adianta eu só focar no meu trabalho e esquecer de saber lidar com as coisas que estão ao meu redor, por exemplo: aplicar uma aula com grandes atividades e deixar meus alunos jogarem lixo no chão, desperdiçar água, tenho que discipliná-los para eles terem essa consciência (ALUNO 9, 2012).

"[...] contribuiu para minha formação profissional e principalmente para minha formação pessoal, pois aprendi valores ligados à natureza e a ter um olhar mais crítico a respeito dos praticantes desses esportes de aventura" (ALUNO 34, 2012); "[...] contribuiu como motivação para a contínua superação dos desafios" (ALUNO 20, 2012).

No que se refere às sensibilidades e preocupações ambientais, podem ser compartilhadas as ideias de Marinho (2004) no sentido de entender as atividades de aventura na natureza como valiosas oportunidades para mudanças de comportamentos, atitudes e valores. De acordo com a autora, os corpos na natureza são levados a fazer coisas incomuns, tal como passar por situações inimagináveis, esforçando-se em caminhos excepcionais, submetendo-se a experiências extremas, trabalhando com sensações e sentidos não muito utilizados normalmente. Nessa direção, Pereira e Armbrust (2010) apontam que é esta influência sobre os sentidos humanos, proporcionada pelas atividades na natureza, que permite a efetivação de mudanças de ordem social e pessoal, pois tais mudanças só ocorrem quando experiências significativas estimulam as sensações e as percepções dos participantes.

Ainda que em um contexto diferenciado das abordagens supracitadas, alguns estudos desenvolvidos a partir de programas de educação ao ar livre (DANIEL et al., 2014; GASSNER; RUSSELL, 2008) corroboram essas discussões, apontando que tais experiências podem contribuir para o crescimento pessoal e coletivo. Embora existam críticas importantes na literatura acerca de possíveis transferências de competências, condutas e conhecimentos, vividos por meio de atividades de aventura na natureza, para outros contextos diferenciados (tais como o trabalho ou o estudo), o presente estudo baseia-se em um modelo teórico pontual que legitima seu interesse e suas possíveis ressonâncias, as quais devem ser refletidas social, econômica, política e geograficamente contextualizadas.

Betrán, J. e Betrán, A. (2006) enfatizam que as atividades em questão podem favorecer a conscientização e a sensibilização do aluno para com o meio natural e seus problemas, promovendo uma educação ambiental baseada no conhecimento das características dos ecossistemas utilizados, no contexto sociocultural a que pertencem, na utilização responsável dos recursos materiais e tecnológicos que promovem o deslizamento controlado pelo ar, água e terra. Mais ainda, tratadas pedagógica e didaticamente, podem ajudar na tarefa de educar alunos por meio de um processo interdisciplinar. Marinho e Inácio (2007) registram, nessa perspectiva, a necessidade de não apenas incluir as atividades de aventura nos cursos de formação inicial em Educação Física, mas de que haja um projeto interdisciplinar, com a indispensável inclusão tanto dos saberes acadêmicos tradicionais (equipamentos, técnicas, didática, etc.), como de outro saber, partilhado, solidário e transformador. Para os autores, talvez o que vem sendo chamado de educação ambiental caminhe nessa direção. Ademais, é relevante destacar que uma experiência educacional com ênfase na "aventura" não necessariamente deve ocorrer na natureza, ou seja, o fato de ser desenvolvida em ambiente natural não garante a presença do elemento "aventura" (KUNREUTHER; FERRAZ, 2012). Parece ser na combinação destes elementos, natureza e aventura, que surgem possibilidades efetivas para uma aprendizagem profissional significativa e transformadora.

Na visão de Oliveira (2013), o que distingue a educação ambiental pela aventura de outras propostas que unem o esporte e a educação é o tratamento pedagógico dado às práticas corporais e que potencializa o valor educativo intrínseco que elas têm por meio da ação seguida da reflexão sobre o que foi vivido. Assim, o autor acredita no fenômeno aventura como uma via eficaz de desenvolvimento de habilidades e competências, pois suas modalidades contêm o risco controlado como ativador das habilidades necessárias para estimular o desenvolvimento pessoal e profissional. Percebe-se, portanto, que as atividades de aventura na natureza podem ser utilizadas para atingir uma variedade de objetivos educacionais, oportunizando distintos níveis de desenvolvimento individual e coletivo, que repercutem na percepção de competências profissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao estabelecer conexões entre as competências percebidas pelos participantes deste estudo e os objetivos traçados pela ementa da disciplina de esportes de aventura e na natureza, a qual o originou, evidenciam-se relações de reciprocidade entre os resultados esperados com os resultados alcançados. No entanto, pode-se observar que, além de atingir seus objetivos, a disciplina contribuiu efetivamente para o desenvolvimento e para a percepção de competências profissionais em diferentes níveis.

Apesar de ser reconhecida a limitação deste estudo, no sentido de projetar uma reflexão ampla sobre formação e competências profissionais a partir de uma disciplina pontual do curso de formação inicial em Educação Física, acredita-se que, por se tratarem de formandos, os participantes desta investigação tenham percebido a manifestação de competências que também podem ter sido desenvolvidas por meio de outras disciplinas. Desta forma, salienta-se a importância da formação profissional como um todo, a qual, a partir de diferentes disciplinas, com objetivos e estratégias metodológicas específicas, contribui para o desenvolvimento de competências que serão exigidas no contexto real de atuação profissional.

É pertinente destacar que o grupo de competências pessoal e social foi o mais expressivo neste estudo. Ao transcender a abordagem teórica e a percepção das competências nucleares propostas por Cheetham e Chivers (1996, 1998), os alunos ainda observaram o desenvolvimento de sensibilidades e emoções como a autoconfiança, a persistência, a capacidade de relacionamento interpessoal, o controle emocional (medo, estresse), a necessidade de atenção e o cuidado com o ambiente natural, entre outros fatores que podem ser relacionados à formação da competência geral do profissional de Educação Física. Mais que isso, os alunos também associaram as contribuições da disciplina à sua formação pessoal, como indivíduos. Essas constatações permitem a reafirmação da aproximação junto à natureza como elemento potencializador do desenvolvimento integral dos seres humanos.

Diante do exposto, este estudo permitiu destacar a importância da reflexão por parte do aluno em todos os momentos do processo ensino-aprendizagem. Neste caso, a reflexão acerca das competências profissionais observadas com maior ou menor frequência pode contribuir com o amadurecimento profissional e pessoal, a fim de se buscar maior refinamento, maximizando as questões positivas e vislumbrando estratégias e possibilidades de aperfeiçoamento e desenvolvimento daquelas consideradas negativas. Destaca-se, portanto, uma oportunidade fértil para a formação profissional em Educação Física e para a realização de novos estudos, por meio da constante reflexão, a qual deveria ser possibilitada em todas as disciplinas e em diferentes contextos.

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  • NOTA

    1Os demais alunos participantes do estudo e mencionados no artigo seguem a mesma padronização de referência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2013
  • Revisado
    13 Abr 2015
  • Aceito
    29 Abr 2015
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