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Relações solo-paisagem em topossequência de origem basáltica

Soil-landscape relationships in a toposequence developed from basaltic parent material

Resumos

Variações nos atributos do solo dependem da posição do solo na paisagem e processos de drenagem, erosão e deposição. Este estudo objetivou avaliar os atributos físicos e químicos do solo, em uma topossequência de origem basáltica, na região de Batatais (SP). A área possui relevo aplanado e altitude oscilando entre 740 m e 610 m, em região dominada por basaltos. Foi estabelecido caminhamento de 3.000 m, a partir do espigão da vertente, no seu declive mais suave. As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas conforme critérios topográficos e estratigráficos, com base em intensas investigações detalhadas de campo. Foram coletadas amostras laterais aos perfis modais representativos das diversas superfícies geomórficas (S.G.) da topossequência (S.G. I = topo; S.G. II = meia encosta e sopé de transporte; S.G. III = ombro e sopé de deposição), totalizando 142 amostras. Além disto, foram abertas trincheiras, nos segmentos de vertente inseridos nas superfícies geomórficas mapeadas. As amostras coletadas foram analisadas quanto à densidade do solo, textura, bases trocáveis (Ca2+, K+ e Mg2+), soma de bases, capacidade de troca catiônica, saturação por bases, pH (água e KCl), SiO2, Al2O3, Fe2O3 (ataque por H2SO4), óxidos de Fe livres extraídos com ditionito-citrato-bicarbonato e Fe mal cristalizado extraído com oxalato de amônio. Os resultados revelaram que os solos oriundos de basalto apresentaram atributos físicos e químicos com comportamento dependente das formas do relevo. Com o uso de técnicas estatísticas multivariadas, foi possível distinguir três diferentes ambientes, que equivalem às três superfícies geomórficas.

Superfícies geomórficas; análise multivariada; atributos do solo


Variations in soil attributes depend on the soil position in the landscape and drainage, erosion, and deposition processes. This study aimed to evaluate the soil physical and chemical properties, in a toposequence developed from basaltic parent material, in Batatais, São Paulo State, Brazil. The area presents a flatter topography and altitude ranging from 740 m to 610 m, in a basalt-dominated region. The experiment was carried out along a transect of 3,000 m from the top downwards. The geomorphic surfaces were identified and delimited according to topographic and stratigraphic criteria, based on detailed field investigations. Samples were collected along the representative side of profiles, for each geomorphic surface (GS) of the toposequence (GS I = top; GS II = hillside and transport foothill; GS III = shoulder and deposition foothill), totaling 142 samples. In addition, trenches were opened in the slope segments of the mapped geomorphic surfaces. The samples were analyzed for bulk density, texture, exchange bases (Ca2+, K+, and Mg2+), sum of bases, cation exchange capacity, base saturation, pH (water and KCl), SiO2, Al2O3, Fe2O3 (H2SO4 attack), free Fe oxides extracted with dithionite-citrate-bicarbonate, and poorly crystallized Fe extracted with ammonium oxalate. The results showed that soils developed from basaltic parent material presented physical and chemical attributes tied to the relief shapes. The use of multivariate statistical techniques made possible to identify three different environments, which are equivalent to the three geomorphic surfaces.

Geomorphic surfaces; multivariate analysis; soil attributes


CIÊNCIA DO SOLO

Humberto Teixeira MeirelesI; José Marques JúniorI; Milton César Costa CamposII; Gener Tadeu PereiraI

IUniversidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mails:hmeireles@hotmail.com, marques@fcav.unesp.br, genertp@fcav.unesp.br

IIUniversidade Federal do Amazonas, Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, Colegiado de Agronomia, Humaitá, AM, Brasil. E-mail:agromccc@yahoo.com.br

RESUMO

Variações nos atributos do solo dependem da posição do solo na paisagem e processos de drenagem, erosão e deposição. Este estudo objetivou avaliar os atributos físicos e químicos do solo, em uma topossequência de origem basáltica, na região de Batatais (SP). A área possui relevo aplanado e altitude oscilando entre 740 m e 610 m, em região dominada por basaltos. Foi estabelecido caminhamento de 3.000 m, a partir do espigão da vertente, no seu declive mais suave. As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas conforme critérios topográficos e estratigráficos, com base em intensas investigações detalhadas de campo. Foram coletadas amostras laterais aos perfis modais representativos das diversas superfícies geomórficas (S.G.) da topossequência (S.G. I = topo; S.G. II = meia encosta e sopé de transporte; S.G. III = ombro e sopé de deposição), totalizando 142 amostras. Além disto, foram abertas trincheiras, nos segmentos de vertente inseridos nas superfícies geomórficas mapeadas. As amostras coletadas foram analisadas quanto à densidade do solo, textura, bases trocáveis (Ca2+, K+ e Mg2+), soma de bases, capacidade de troca catiônica, saturação por bases, pH (água e KCl), SiO2, Al2O3, Fe2O3 (ataque por H2SO4), óxidos de Fe livres extraídos com ditionito-citrato-bicarbonato e Fe mal cristalizado extraído com oxalato de amônio. Os resultados revelaram que os solos oriundos de basalto apresentaram atributos físicos e químicos com comportamento dependente das formas do relevo. Com o uso de técnicas estatísticas multivariadas, foi possível distinguir três diferentes ambientes, que equivalem às três superfícies geomórficas.

Palavras-chave: Superfícies geomórficas; análise multivariada; atributos do solo.

ABSTRACT

Variations in soil attributes depend on the soil position in the landscape and drainage, erosion, and deposition processes. This study aimed to evaluate the soil physical and chemical properties, in a toposequence developed from basaltic parent material, in Batatais, São Paulo State, Brazil. The area presents a flatter topography and altitude ranging from 740 m to 610 m, in a basalt-dominated region. The experiment was carried out along a transect of 3,000 m from the top downwards. The geomorphic surfaces were identified and delimited according to topographic and stratigraphic criteria, based on detailed field investigations. Samples were collected along the representative side of profiles, for each geomorphic surface (GS) of the toposequence (GS I = top; GS II = hillside and transport foothill; GS III = shoulder and deposition foothill), totaling 142 samples. In addition, trenches were opened in the slope segments of the mapped geomorphic surfaces. The samples were analyzed for bulk density, texture, exchange bases (Ca2+, K+, and Mg2+), sum of bases, cation exchange capacity, base saturation, pH (water and KCl), SiO2, Al2O3, Fe2O3 (H2SO4 attack), free Fe oxides extracted with dithionite-citrate-bicarbonate, and poorly crystallized Fe extracted with ammonium oxalate. The results showed that soils developed from basaltic parent material presented physical and chemical attributes tied to the relief shapes. The use of multivariate statistical techniques made possible to identify three different environments, which are equivalent to the three geomorphic surfaces.

Keywords: Geomorphic surfaces; multivariate analysis; soil attributes.

INTRODUÇÃO

As diferentes feições do relevo, intensidade e duração dos processos pedológicos e as características do material de origem determinam o tipo e a distribuição do solo nas paisagens (Wysocki et al. 2005), segundo uma lógica relacionada aos processos geomorfogenéticos e pedogenéticos.

A paisagem é um condicionador do ambiente e a sua configuração tem relação íntima com o relevo, para formação de condições específicas, em diferentes regiões (Phillips et al. 2001).

As variações nos atributos do solo são devidas a vários fatores, dentre eles a posição do solo na paisagem, drenagem do terreno, processos de erosão e deposição e desenvolvimento da vegetação (Cantón et al. 2003). Por outro lado, uma das maneiras de se entender as variações dos atributos do solo é utilizar os conceitos de superfícies geomórficas, conforme preconizado por Ruhe (1969), como sendo uma porção de terra definida no tempo e no espaço, podendo uma mesma superfície ter caráter deposicional ou erosional. Daniels et al. (1971), por sua vez, acrescentam que solos com características diferenciadas são dependentes, fundamentalmente, de sua posição espacial e temporal. Desta forma, o uso do conceito de superfícies geomórficas é importante para a predição de sua variabilidade e percepção dos limites entre as classes de solos, constituindo ferramentas auxiliares para os levantamentos de solos (Campos et al. 2007).

Vidal-Torrado & Lepsch (1999) afirmam que há relação cronológica entre os solos e as superfícies geomórficas, pois superfícies geomorficamente mais estáveis apresentam condições para maior desenvolvimento e estabilidade dos solos, enquanto superfícies menos estáveis possuem, normalmente, solos menos desenvolvidos e mais variados. Cunha et al. (2005) destacam que a variação dos tipos de solos, assim como a estabilidade geomórfica das superfícies, está estreitamente ligada ao tempo e ao relevo.

Trabalhos como o de Lepsch et al. (1977) têm destacado a importância dos estudos de solo-paisagem, para o entendimento das relações entre as superfícies geomórficas e a idade dos solos. Marques Júnior & Lepsch (2000) relacionaram as variações dos atributos do solo com as superfícies geomórficas, em função do material de origem (arenito). Posteriormente, Campos et al. (2007), empregando metodologia similar, para ambientes de substrato de arenito limítrofe para basalto, concluíram que os limites das superfícies geomórficas são exatamente idênticos aos de corpos (naturais) de solos.

Considerando-se o exposto, este trabalho objetivou estudar os atributos físicos e químicos do solo, em uma topossequência de origem basáltica, na região de Batatais (SP).

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado no primeiro semestre de 2005, no município de Batatais, norte do Estado de São Paulo, sob as coordenadas geográficas 20°54'03'S e 47°42'37''W. O clima foi classificado como Cwa, segundo classificação de Köppen, denominado mesotérmico de inverno, com temperaturas variando entre 22°C e 18°C, com precipitação média anual de, aproximadamente, 1.675 mm. O relevo foi considerado plano a suave ondulado, com declive variando de 3% a 5% e altitude oscilando entre 740 m e 610 m. A litologia da área é representada por rochas magmáticas da Formação Serra Geral, integrante do grupo São Bento, caracterizado por derrames basálticos de coloração cinza a negra (IPTSP 1981a), estando inserida na Província Geomorfológica das Cuestas Basálticas (IPTSP 1981b), no Estado de São Paulo. A vegetação original era caracterizada como Savana Arbórea e Densa e Floresta Tropical Subcaducifolia, das quais restam fragmentos de matas nativas preservadas, alternadas com áreas de cultivo anuais (milho e cana-de-açúcar), semiperene (café) e pastagens.

Foi estabelecido um caminhamento, seguindo-se o eixo central da vertente, no sentido do seu caimento mais suave, partindo-se do topo até a área de sopé, com extensão de 3.000 m (Figura 1). Ao longo do eixo, foram realizadas mensurações das altitudes, para confecção do perfil altimétrico. Com base no modelo de Dalrymple et al. (1968), foram reconhecidos os segmentos da vertente, baseados, principalmente, na declividade do terreno, ao longo da transeção. As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas no campo, conforme critérios preconizados por Ruhe (1969) e Daniels et al. (1971), utilizando-se equipamento de sistema de posicionamento global, para quantificar as áreas correspondentes de cada superfície geomórfica. As unidades de vertente (Figura 1) foram classificadas de acordo com o modelo de Dalrymple et al. (1968).


Para caracterização dos solos das superfícies geomórficas, foram abertas seis trincheiras, ao longo da topografia da vertente. A identificação dos horizontes e a descrição morfológica, seguidas de coleta de amostras dos horizontes dos solos, foram realizadas conforme Santos et al. (2005). Os solos foram classificados segundo critérios estabelecidos pela Embrapa (2006).

Foram coletadas amostras laterais aos perfis modais representativos das diversas superfícies geomórficas (S.G.) da topossequência: S.G. I = topo (0,0-20 m e 0,90-1,15 m); S.G. II = meia encosta (0,0-0,21 m e 0,98-1,25 m) e sopé de transporte (0,0-0,18 m e 1,00-1,23 m); S.G. III = ombro (0,0-0,14 m e 0,87-1,05 m) e sopé de deposição (0,0-19 m e 0,90-1,20 m), sendo 71 em cada profundidade, totalizando 142 amostras. O critério de escolha das profundidades foi determinado pela espessura dos horizontes diagnósticos superficiais e subsuperficiais. O número de amostras coletadas foi distribuído por superfícies: 21 amostras de solo na S.G. I, 32 amostras na S.G. II e 18 amostras na S.G. III.

A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta, empregando-se solução de NaOH 0,1 N, como dispersante químico, e agitação mecânica em aparato de baixa rotação, por 16 horas, seguindo-se método proposto pela Embrapa (1997). A fração argila foi separada por sedimentação gravitacional, a areia grossa e fina por tamisação e o silte calculado por diferença para 100%.

Foram coletados anéis volumétricos, para determinação da porosidade total do solo, utilizando-se mesa de tensão. As amostras foram usadas para avaliar a densidade do solo, pelo método do volume conhecido (Embrapa 1997).

Cálcio, magnésio e potássio trocáveis foram extraídos utilizando-se o método da resina trocadora de íons (Raij et al. 1987), e a matéria orgânica segundo Embrapa (1999). Com base nos resultados das análises químicas, foram calculadas as somas de bases (SB), a capacidade de troca catiônica (CTC) e a saturação de bases (V%). O pH foi determinado potenciometricamente, utilizando-se relação 1:2,5 de solo:CaCl2 (Embrapa 1999).

Os óxidos do ataque sulfúrico (SiO2, Al2O3 e Fe2O3) foram determinados segundo o método proposto pela Embrapa (1997). Os óxidos de ferro livres (Fed) foram extraídos com ditionito-citrato-bicarbonato (Mehra & Jackson 1960), enquanto o ferro mal cristalizado foi extraído com oxalato ácido de amônio, segundo Camargo et al. (1986).

Com os resultados das amostras coletadas nas superfícies geomórficas estudadas, foram realizadas análises de variância univariada e os resultados comparados pelo teste Tukey, a 5%, sendo utilizado o programa estatístico Statitica 7.0 (Statistica 2005).

A análise de componentes principais (ACP) permite condensar a maior quantidade da informação original contida em p variáveis (p = 16, neste estudo), em duas variáveis latentes ortogonais denominadas componentes principais, que são combinações lineares das variáveis originais criadas com os dois maiores autovalores da matriz de covariância dos dados (Hair et al. 2005). Desta forma, o conjunto inicial de dezesseis variáveis passou a ser caracterizado por duas novas variáveis latentes, o que possibilitou sua localização em figuras bidimensionais (ordenação dos acessos por componentes principais). A adequação desta análise é verificada pela quantidade de informação total das variáveis originais retida pelos componentes principais que mostram autovalores superiores à unidade (Kaiser 1958). Autovalores inferiores à unidade não dispõem de informação relevante. Assim, os atributos do solo analisados com a ACP são agrupados de acordo com suas semelhanças, nas superfícies geomórficas estudadas, que, por sua vez, são separadas por critérios de dissimilaridade, o que levará à formação de grupos, podendo ser validada ou não a utilização da ACP para atributos do solo, em superfícies geomórficas. Para estas análises, utilizou-se o programa estatístico Statistica 7.0 (Statistica 2005).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram localizadas e mapeadas três superfícies geomórficas (S.G. I, S.G. II e S.G. III), as quais são consideradas porções de terra definidas no tempo e no espaço, assumindo, portanto, caráter tempo-dependente, conforme destacam Daniels et al. (1971). Assim sendo, as superfícies geomórficas I e III são consideradas a mais velha e mais nova, respectivamente, e a II a intermediária. A S.G. III é a de maior abrangência (quase 60% da área total), cobrindo área total de 416 ha. A S.G. II ocupa 275,47 ha (cerca de 40% da área total) e a menor área foi a da S.G. I, com 2,31 ha, correspondendo a 0,3% da área total.

A compartimentação das superfícies geomórficas, em segmentos de vertente (Figura 1), possibilitou melhor entendimento do modelo da paisagem e da distribuição dos solos. Assim, verificou-se que, na superfície geomórfica I, apenas o segmento de topo foi mapeado, ao passo que, na superfície geomórfica II, constatou-se presença dos segmentos de meia encosta e sopé de transporte e, na superfície geomórfica III, os segmentos de ombro e sopé de deposição, seguindo-se o modelo de Dalrymple et al. (1968).

A S.G. I caracterizou-se por apresentar topografia levemente inclinada, constituída pelo topo (área mais elevada e plana na paisagem, a 740 m de altitude), com presença de Latossolo Vermelho distroférrico típico, textura argilosa e relevo plano. Parte desta é ocupada com reserva florestal e a outra parte com o cultivo de cana-de-açúcar. A exemplo dos estudos de Marques Júnior & Lepsch (2000) e Cunha et al. (2005), a S.G. I é cronologicamente mais velha, mais estável e mais homogênea.

A S.G. II encontra-se entre as superfícies I e III (730-720 m) e é mais nova que a S.G. I, porém, mais velha que a S.G. III. Salienta-se que as diferenças visuais entre as duas primeiras superfícies são pouco perceptíveis no campo, entretanto, a diferença de declive auxiliou na diferenciação de ambas. Esta superfície geomórfica é subdividida nos segmentos de meia encosta e sopé de transporte, com ocorrência, em ambos, de Latossolo Vermelho distroférrico típico e textura argilosa.

A S.G. III possui cotas de altitude variando entre 705 m e 614 m e uma escarpa que liga as duas superfícies anteriores de relevo plano ao sopé da paisagem. Sua declividade passa de 50%, em alguns pontos, é a mais jovem das três e se caracteriza por estar em constante rejuvenescimento, conforme observações feitas por Coelho et al. (1994), Vidal-Torrado & Lepsch (1999) e Marques Júnior & Lepsch (2000), e corresponde à área mais acidentada da paisagem.

Nesta superfície, foram identificados dois segmentos de vertentes distintos: ombro e sopé de deposição. O ombro, de forma convexa, é uma área com ocorrência de Nitossolo Vermelho eutroférrico típico e o sopé caracteriza-se pela presença de Nitossolos Vermelhos eutroférricos latossólicos, que transicionam para as áreas aluviais do córrego São Pedro, região dominada por rochas máficas, notadamente basalto, que influencia na coloração vermelho escura destes solos, na reserva de bases e micronutrientes, no teor de argila e na granulometria fina.

Os resultados referentes aos atributos físicos e químicos estudados nos perfis descritos são apresentados na Tabela 1. Observa-se que os teores da fração argila, nos horizontes diagnósticos da transecção, diminuíram da S.G. I para a S.G. III. Por outro lado, quando se compararam os solos das três superfícies geomórficas, verificou-se que os teores das frações granulométricas (areia, silte e argila) exibiam diferenças significativas entre si, para ambas as profundidades estudadas (horizontes superficiais e subsuperficiais) (Tabela 2).

O comportamento da relação silte/argila aumentou da superfície geomórfica I para a III, reforçando, assim, a premissa tempo-dependente das superfícies geomórficas e concordando com Campos et al. (2007), que estudaram solos de uma topossequência de transição arenito-basalto, em Pereira Barreto (SP).

Entre os segmentos de vertente, os maiores valores da relação silte/argila foram encontrados nos solos do sopé de transporte, ombro e sopé de deposição, influenciados, grandemente, pelo declive mais acentuado, o que dificulta a ação do intemperismo. Segundo Anjos et al. (1998), as superfícies geomórficas definem as taxas de intemperismo, o grau de desenvolvimento do solo e o comportamento dos fluxos de água, que, por sua vez, coordenam os processos de iluviação e acúmulo de cátions.

Em relação aos atributos químicos, observou-se que a soma de bases (SB), capacidade de troca catiônica (CTC) e saturação por bases (V%) apresentaram tendência crescente, no sentido das superfícies geomórficas mais rejuvenescidas, na transeção, refletindo a influência das formas do relevo (Campos et al. 2010), já que os mesmos estão sob o mesmo material de origem. Comparando-se os valores da SB, CTC e V, das superfícies geomórficas I, II e III, notou-se que, em ambas as profundidades (horizontes superficiais e subsuperficiais), a superfície geomórfica III apresentou-se superior aos demais ambientes, diferindo, estatisticamente, das demais (Tabelas 1 e 2), corroborando os resultados encontrados por Cunha et al. (2005), que estudaram solos de ambientes de transição arenito-basalto, na região de Jaboticabal (SP).

Entre os segmentos de vertente (Tabela 1), observou-se que o sopé de transporte da superfície geomórfica I e ombro e sopé de deposição, ambos na superfície geomórfica III, apresentaram os valores mais elevados de SB, CTC e V, quando comparados aos demais segmentos, e o topo da paisagem foi o local que apresentou os menores valores, para estes atributos. Este comportamento pode ser explicado pelas maiores taxas de intemperismo (lixiviação), relativas aos solos da superfície geomórfica I, concordando, assim, com resultados encontrados por Marques Júnior & Lepsch (2000).

Os valores de pH foram semelhantes em todas as superfícies estudadas, não apresentando diferenças estatísticas significativas. Os teores de M.O. foram mais elevados na superfície geomórfica III, diferindo, estatisticamente, da I e II.

O balanço de cargas líquidas negativas, expresso pelo ΔpH, nos horizontes diagnósticos superficiais e subsuperficiais, apresentou seus maiores valores nos solos da S.G. III, o que está de acordo com os maiores valores Ki deste segmento, corroborando a tendência de que, na superfície mais rejuvenescida ou jovem, ocorrem solos com menor grau de evolução (Tabelas 1 e 3 ).

Os teores de Fe total (FeS) são semelhantes em todas as superfícies geomórficas estudadas, com pequena tendência de aumento dos solos da superfície geomórfica I para a III (Tabela 3 ), o que está de acordo com a idade decrescente das superfícies, considerando-se o mesmo material de origem, conforme observado por Coelho et al. (1994), estudando áreas de transição arenito-basalto.

Os teores de Fe livre (Fed) predominaram sobre as formas de Fe de baixa cristalinidade (Feo). Em relação aos quantitativos de Fed, verificou-se que estes foram mais elevados nas superfícies geomórficas mais estáveis (I e II), enquanto os teores de Feo foram encontrados em maiores quantidades na superfície geomórfica III (Tabela 3 ). Este fato deve-se, possivelmente, aos maiores teores de matéria orgânica e regime de drenagem da superfície geomórfica III, em relação às demais superfícies geomórficas.

A relação Feo/Fed apresentou os maiores valores nos horizontes superficiais, para todos os perfis estudados (Tabela 3 ), evidenciando presença de maiores teores de Feo, fato que está ligado, principalmente, ao conteúdo de matéria orgânica, que favorece a inibição da cristalização do Fe pedogênico (Silva et al. 2001). Entre os segmentos de vertente, verificou-se que os maiores valores encontram-se nos solos do ombro e sopé de deposição da paisagem (S.G. III), evidenciando, assim, solos com menor grau de cristalinidade dos compostos de Fe, sendo, portanto, menos evoluído o solo, conforme destaca Kämpf et al. (1995).

A relação Fed/FeS apresentou valores decrescentes dos solos da S.G. I para a III (Tabela 3 ), confirmando o maior grau de evolução dos solos desta superfície, considerada a mais velha. Estes resultados estão em consonância com aqueles encontrados por Montanari et al. (2010) e Cunha et al. (2005), reforçando a ideia de que os solos têm a idade da superfície geomórfica em que eles ocorrem (Teramoto et al. 2001), embora seja possível a ocorrência de solos jovens nas superfícies mais antigas e solos mais velhos em superfícies mais jovens.

Na Figura 2, é apresentada a análise de componentes principais, onde foram considerados os dois primeiros componentes (Fator 1 e Fator 2), pois estes conseguem reter, cumulativamente, a quantidade suficiente da informação total contida no conjunto das variáveis originais, para cada superfície geomórfica, que foi definido por 16 variáveis, possibilitando, assim, sua localização com um ponto, em um gráfico bidimensional (Hair et al. 2005).


Constatou-se que o Fator 1 e Fator 2 armazenaram 73,17% da variância original dos atributos do solo, para os horizontes diagnósticos superficiais. Para os horizontes diagnósticos subsuperficiais, observou-se variância acumulada de 75,07% (Figura 2). De acordo com Sena et al. (2002), para estudos de solos, valores acima de 70% da variância original acumulada são considerados aceitáveis, validando, assim, as informações do trabalho em questão.

As análises de distribuição espacial que consideram os diferentes solos nas paisagens, com o uso da estatística multivariada, podem contribuir para melhor entendimento do ambiente (Boruvka & Kozak 2001). Segundo Freddi et al. (2008), as técnicas de estatística multivariada levam em consideração a totalidade das variáveis, pois uma depende da outra, e as informações são fornecidas pelo conjunto e não individualmente, sendo, assim, mais eficientes.

CONCLUSÕES

1. A relação Fe livre/Fe total apresentou tendência de decrescimento, partindo da superfície geomórfica I para a III, indicando maior grau de desenvolvimento da superfície I, em relação às demais.

2. A análise multivariada (componentes principais) favoreceu a distribuição dos atributos do solo, nas superfícies geomórficas I, II e III.

Trabalho recebido em set./2011 e aceito para publicação em abr./2012 (n° registro: PAT 15579).

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    Soil-landscape relationships in a toposequence developed from basaltic parent material
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      Set 2011
    • Aceito
      Abr 2012
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