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Uso de trigo orgânico na alimentação de juvenis de tilápia do Nilo

Use of organic wheat in the diet of Nile tilapia juveniles

Resumos

Embora a produção de peixes em sistema orgânico seja crescente no mundo, no Brasil, ainda há poucos estudos sobre esta prática. Este trabalho objetivou avaliar a utilização de trigo orgânico, em substituição ao milho orgânico, na dieta de juvenis de tilápia do Nilo. Foram utilizados 200 juvenis (5,24 ± 0,13 g; 6,91 ± 0,40 cm), distribuídos em 20 hapas experimentais (0,15 m³ de volume útil), em tanque de concreto com capacidade para 25,0 m³ de água, com sistema de aeração constante, em delineamento experimental inteiramente casualizado. Foram elaboradas cinco dietas contendo farelo de trigo orgânico (0,0 g kg-1; 50,0 g kg-1; 100,0 g kg-1; 150,0 g kg-1; e 200,0 g kg-1) e o arraçoamento foi realizado quatro vezes ao dia (08:00h, 11:00h, 14:00h e 17:00h). Foram avaliados a massa final, comprimento total, taxa de sobrevivência, ganho de peso diário, fator de condição de Fulton, gordura visceral, índice hepatossomático, índice viscerossomático e a composição centesimal da carcaça dos peixes (teores de umidade, proteína, lipídio e cinza). Os níveis de inclusão de farelo de trigo orgânico não afetaram as variáveis analisadas. O trigo orgânico pode ser incluído na dieta de juvenis de tilápia do Nilo até o limite de 200,0 g kg-1, sem causar qualquer problema produtivo.

Oreochromis niloticus L.; aquicultura; nutrição de peixes


Although the organic fish production is a growing practice in the world, in Brazil, there are just a few studies about it. This study aimed at evaluating the use of organic wheat, in replacement of organic maize, in the diet of Nile tilapia juveniles. A total of 200 juveniles (5.24 ± 0.13 g; 6.91 ± 0.40 cm) were distributed in 20 experimental hapas (0.15 m³ of useful volume), in a concrete water tank with capacity for 25.0 m³ and constant aeration system, in a completely randomized design. Five diets containing organic wheat middlings (0.0 g kg-1, 50.0 g kg-1, 100.0 g kg-1, 150.0 g kg-1 and 200,0 g kg-1) were elaborated and feeding took place four times a day (08:00 a.m., 11:00 a.m., 02:00 p.m. and 05:00 p.m.). Final weight, total length, survival rate, daily weight gain, Fulton's condition factor, visceral fat, hepatosomatic index, viscerosomatic index and the centesimal composition of fish carcass (moisture, protein, lipid and ash contents) were evaluated. The inclusion levels of organic wheat middlings did not affect the variables analyzed. The organic wheat can be added to the diet of Nile tilapia juveniles up to the limit of 200.0 g kg-1, without causing any productive problem.

Oreochromis niloticus L.; aquaculture; fish nutrition


ZOOTECNIA

Uso de trigo orgânico na alimentação de juvenis de tilápia do Nilo

Use of organic wheat in the diet of Nile tilapia juveniles

Tatiane Andressa LuiI; Dacley Hertes NeuII; Wilson Rogério BoscoloI; Fábio BittencourtI; Jakeline Marcela Azambuja de FreitasIII; Aldi FeidenI

IUniversidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Centro de Engenharias e Ciências Exatas, Toledo, PR, Brasil. E-mails: taty_lui@hotmail.com, wilsonboscolo@hotmail.com, bitanca@hotmail.com, aldifeiden@gmail.com

IIUniversidade Estadual de Maringá (UEM), Departamento de Zootecnia, Maringá, PR, Brasil. E-mail: dacley_pesca@hotmail.com

IIIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Botucatu, SP, Brasil. E-mail: jakelinemarcela@hotmail.com

RESUMO

Embora a produção de peixes em sistema orgânico seja crescente no mundo, no Brasil, ainda há poucos estudos sobre esta prática. Este trabalho objetivou avaliar a utilização de trigo orgânico, em substituição ao milho orgânico, na dieta de juvenis de tilápia do Nilo. Foram utilizados 200 juvenis (5,24 ± 0,13 g; 6,91 ± 0,40 cm), distribuídos em 20 hapas experimentais (0,15 m3 de volume útil), em tanque de concreto com capacidade para 25,0 m3 de água, com sistema de aeração constante, em delineamento experimental inteiramente casualizado. Foram elaboradas cinco dietas contendo farelo de trigo orgânico (0,0 g kg-1; 50,0 g kg-1; 100,0 g kg-1; 150,0 g kg-1; e 200,0 g kg-1) e o arraçoamento foi realizado quatro vezes ao dia (08:00h, 11:00h, 14:00h e 17:00h). Foram avaliados a massa final, comprimento total, taxa de sobrevivência, ganho de peso diário, fator de condição de Fulton, gordura visceral, índice hepatossomático, índice viscerossomático e a composição centesimal da carcaça dos peixes (teores de umidade, proteína, lipídio e cinza). Os níveis de inclusão de farelo de trigo orgânico não afetaram as variáveis analisadas. O trigo orgânico pode ser incluído na dieta de juvenis de tilápia do Nilo até o limite de 200,0 g kg-1, sem causar qualquer problema produtivo.

Palavras-chave:Oreochromis niloticus L.; aquicultura; nutrição de peixes.

ABSTRACT

Although the organic fish production is a growing practice in the world, in Brazil, there are just a few studies about it. This study aimed at evaluating the use of organic wheat, in replacement of organic maize, in the diet of Nile tilapia juveniles. A total of 200 juveniles (5.24 ± 0.13 g; 6.91 ± 0.40 cm) were distributed in 20 experimental hapas (0.15 m3 of useful volume), in a concrete water tank with capacity for 25.0 m3 and constant aeration system, in a completely randomized design. Five diets containing organic wheat middlings (0.0 g kg-1, 50.0 g kg-1, 100.0 g kg-1, 150.0 g kg-1 and 200,0 g kg-1) were elaborated and feeding took place four times a day (08:00 a.m., 11:00 a.m., 02:00 p.m. and 05:00 p.m.). Final weight, total length, survival rate, daily weight gain, Fulton's condition factor, visceral fat, hepatosomatic index, viscerosomatic index and the centesimal composition of fish carcass (moisture, protein, lipid and ash contents) were evaluated. The inclusion levels of organic wheat middlings did not affect the variables analyzed. The organic wheat can be added to the diet of Nile tilapia juveniles up to the limit of 200.0 g kg-1, without causing any productive problem.

Key-words:Oreochromis niloticus L.; aquaculture; fish nutrition.

INTRODUÇÃO

A criação de tilápias tem alcançado os mais altos índices de crescimento em águas continentais brasileiras e, embora existam diversas outras espécies com potencial para aquicultura (Godinho 2007), o grupo das tilápias chegou a alcançar mais de 155 mil toneladas, o que representa valores acima de 39% da produção brasileira (Brasil 2012).

Tal fato é decorrente da capacidade que a espécie possui para se adaptar aos mais diversos locais de cultivo e ao pacote tecnológico previamente estabelecido e da grande quantidade de ingredientes alimentares que esse peixe consegue utilizar em sua dieta, aproveitando muito bem alimentos de origem vegetal e animal. Por isto, diversos ingredientes alternativos são utilizados na ração (Boscolo et al. 2002, Neu et al. 2012), com a finalidade de reduzir custos e determinar um crescimento satisfatório, similar ao obtido com alimentos convencionais.

Os alimentos orgânicos se distinguem dos demais por possuírem apelo agroecológico, pois são isentos de contaminantes. Quando o alimento possui certificação orgânica, pode proporcionar renda extra ao produtor, já que os consumidores se dispõem a pagar cerca de 30% a mais, em relação ao produto convencional (Castro & Cerveira 1999). Para a obtenção da certificação orgânica na piscicultura, é necessário não apenas a inclusão de uma fonte alimentar, mas que todo o ciclo seja rastreado, a água isenta de contaminantes e a ração estritamente "orgânica", em conformidade com as determinações da Instrução Normativa Interministerial MAPA/MPA nº 28, de 08 de junho de 2011 (Brasil 2011).

Os alimentos de origem vegetal mais comumente empregados nas dietas de tilápias são o milho e o farelo de soja e de trigo. De acordo com Rostagno et al. (2011), a maioria dos moinhos produz apenas um subproduto na industrialização do trigo, que consiste em uma mistura de farelo e farelinho, com elevado valor energético. Para tilápias do Nilo, a digestibilidade da proteína e da energia, para este ingrediente, é de 91% e 68%, respectivamente (Boscolo et al. 2002).

A produção de alimentos orgânicos cresce, aproximadamente, 30% ao ano (Ventura 2010) e, no setor aquícola, de acordo com Mente et al. (2011), em 2008, a produção de pescado orgânico somou cerca de 16.000 toneladas de salmão, 7.200 toneladas de carpas, 2.000 toneladas de trutas e 1.000 toneladas de seabram/seabass, sendo estimada, para o ano de 2030, a quantidade de 1.200.000 toneladas, equivalente a 0,6% da produção mundial (Tacon & Brister 2002).

Embora registros sobre a produção de animais em sistema orgânico ainda sejam incipientes, algumas alternativas foram desenvolvidas (Signor et al. 2011) e ganharam destaque pela forma de produção, aceitação pelo mercado consumidor e qualidade. Assim, este trabalho objetivou avaliar a utilização de trigo orgânico em dieta para juvenis de tilápia do Nilo.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado na estufa experimental do Grupo de Estudos de Manejo na Aquicultura (GEMAq) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus de Toledo (PR), de 16 de março a 01 de maio de 2010. Foram utilizados 200 juvenis (5,24 ± 0,13 g; 6,91 ± 0,40 cm), distribuídos em 20 hapas experimentais (0,15 m3 de volume útil) e dispostos em um tanque de concreto com capacidade para 25,0 m3 de água, com sistema de aeração constante. Utilizou-se delineamento inteiramente casualizado, com cinco tratamentos e quatro repetições.

Foram elaboradas cinco dietas, contendo níveis crescentes de farelo de trigo orgânico (0,0 g kg-1; 50,0 g kg-1; 100,0 g kg-1; 150,0 g kg-1; e 200,0 g kg-1), sendo elas isocalcíticas, isoenergéticas, isofosfóricas e isoproteicas (Tabela 1). Os ingredientes foram triturados em moinho tipo martelo (peneira de 0,5 mm de diâmetro), pesados, homogeneizados, umedecidos para posterior processamento em extrusora Ex-Micro® e submetidos à secagem em estufa com ventilação forçada a 55ºC, por 24 horas.

As dietas foram elaboradas para apresentarem-se isoproteicas e isoenergéticas, portanto, com o aumento do teor de trigo, houve redução no conteúdo de milho, proporcionando o balanceamento dietético fornecido a todos os animais.

O arraçoamento foi realizado diariamente, em quatro porções (08:00h, 11:00h, 14:00h e 17:00h), e ofertado até a saciedade aparente, durante 45 dias.

Os parâmetros de qualidade da água, como pH, oxigênio dissolvido (mg L-1) e condutividade elétrica (µS cm-1), foram aferidos semanalmente, por meio de potenciômetros digitais portáteis, e a temperatura da água (ºC) mensurada duas vezes ao dia (pela manhã e à tarde), com o auxílio de termômetro.

Ao final do período experimental, os animais foram mantidos em jejum por 24 horas, para o esvaziamento do trato gastrintestinal. Em seguida, foram efetuadas as medidas individuais de massa e comprimento. Cinco peixes de cada repetição foram abertos na região ventral e eviscerados, sendo o fígado e a gordura visceral separados, para posterior pesagem.

Os parâmetros avaliados foram o peso final (g), comprimento total (cm), sobrevivência (%) [(número de peixes ao final do experimento/número de peixes no início do experimento) x 100], ganho diário de massa (g dia-1) (massa final - massa inicial/dias de cultivo), fator de condição de Fulton (massa/comprimento total-3 x 100), gordura visceral (%) [(massa gordura visceral/massa total) x 100], índice hepatossomático (%) [(massa fígado/massa total) x 100] e índice viscerossomático (%) [(massa vísceras/ massa total) x 100].

As amostras das carcaças foram separadas e armazenadas sob refrigeração, para análise de umidade, proteína bruta, lipídios e cinzas (AOAC 2005) e os resultados foram submetidos à análise de regressão, a 5%, com o auxílio do programa computacional Statistic 7.1 (Statsoft 2005).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os parâmetros de qualidade da água, como pH (8,60 ± 0,13), condutividade elétrica (0,04 ± 0,01 mS cm-1) e oxigênio dissolvido (7,71 ± 0,47 mg L-1), atenderam às condições propícias para o cultivo da espécie (Proença & Bittencourt 1994). A temperatura apresentou média de 21,7 ± 1,78ºC, valor abaixo do ideal para a criação de tilápias do Nilo, que, segundo Lim (1988), é de 25-32ºC, porém, esta não se configurou em problemas, visto que os animais ganharam massa e tiveram baixa taxa de mortalidade (Tabela 2).

Não houve diferença significativa nos parâmetros de desempenho produtivo dos juvenis de tilápia do Nilo alimentados com níveis crescentes de farelo de trigo orgânico (Tabela 2).

Feiden et al. (2010), avaliando o desempenho de jundiás criados em pequenos tanques-rede, no sistema orgânico, observaram ganho de peso diário de, aproximadamente, 0,5 g ao dia. Por outro lado, Boscolo et al. (2010) verificaram valores superiores a 2,0 g ao dia, quando os peixes foram criados em viveiros escavados. Portanto, as condições de alojamento dos animais pode garantir maior ou menor crescimento, todavia, o ganho de peso das tilápias atendeu ao que era esperado.

Signor et al. (2007) observaram que, para alevinos de tilápia do Nilo, a inclusão de triguilho, alimento com características nutricionais (matéria seca, proteína, energia) próximas à composição do trigo, também não proporcionou diferença significativa no desempenho dos peixes. Embora estes autores tenham fornecido dietas isoproteicas e isoenergéticas, reduzindo os teores de milho conforme a inserção do triguilho na formulação, após um período de 30 dias, o ganho de peso dos peixes variou de 1,49 g a 2,81 g, contudo, isto pode estar relacionado ao ambiente de cultivo.

Para larvas de tilápia do Nilo, Boscolo et al. (2008) verificaram que, com o aumento dos teores de amido (2,03 a 10,81), não houve diferenças entre os parâmetros de desempenho produtivo dos peixes. Embora, no presente estudo, os níveis sejam mais elevados e ocorra diminuição do amido, conforme aumentam os teores de farelo de trigo, as tilápias, possivelmente, possam ter aproveitado bem este ingrediente, principalmente devido ao fato de não haver diferenças significativas entre os grupos que receberam as diferentes dietas. Shiau (1997) relatou que as tilápias aproveitam eficientemente os carboidratos da dieta, justificando os resultados obtidos.

A sobrevivência média dos peixes permaneceu acima de 85%, em todos os tratamentos, resultado próximo ao observado por Bozano et al. (1999), que alimentaram juvenis de tilápias do Nilo com ração comercial em tanques-rede e encontraram sobrevivência acima de 88%. Nas fases iniciais, como a larvicultura, os peixes são mais susceptíveis à mortalidade, no entanto, quando juvenis, podem ocorrer fatores que implicam, de maneira negativa, na sobrevivência dos mesmos. Nogueira (2007) registra que, mesmo na etapa de crescimento, aceita-se 10% de mortalidade em tanques-rede.

O fator de condição indica o grau de salubridade de um indivíduo e o seu valor reflete as qualidades nutricionais, sendo possível relacioná-lo ao ambiente e aos aspectos comportamentais das espécies (Vazzoler 1996, Gomiero et al. 2010). Segundo Lima Júnior et al. (2002), este é um índice proposto para o estudo da biologia dos peixes, pois fornece informações importantes, relacionadas ao estado fisiológico dos mesmos, com base no princípio de que indivíduos de determinado comprimento, apresentando maior peso, estão em melhores condições. Portando, pode-se destacar, com base nos resultados alcançados, que os peixes, mesmo recebendo variação na quantidade de farelo de trigo orgânico na dieta, estavam em condições saudáveis de cultivo.

O valor observado para o fator de condição, neste estudo (3,7 a 3,9), é superior ao encontrado por Signor et al. (2007) (1,91 a 2,07), para alevinos de tilápias do Nilo que receberam triguilho na dieta, e inferior ao reportado por Boscolo et al. (2006), os quais encontraram índices acima de 3,80, para alevinos de tilápia do Nilo que receberam dietas com inclusão de níveis de energia digestível. Embora não haja relatos de um valor ideal para este parâmetro, devido às variações conforme a espécie e a fase de desenvolvimento, os números encontrados no atual estudo foram satisfatórios, do ponto de vista produtivo.

Boscolo et al. (2010) alimentaram juvenis de tilápia com ração orgânica baseada em níveis decrescentes de farelo de soja, níveis crescentes de milho e farinha de resíduos de peixes e verificaram que é possível incluir até 16% de farinha de resíduos, sem comprometer o crescimento dos peixes. Embora a farinha de peixe seja um alimento proteico e o trigo energético, este último pode ser adicionado à formulação até o nível de 20%, sobretudo quando os teores de milho da formulação são reduzidos. A deficiência deste ingrediente pode causar prejuízo energético aos animais.

Feiden et al. (2010), alimentando juvenis de jundiás, não encontraram diferenças entre os parâmetros de desempenho produtivo dos peixes, o que ressalta a eficiência dos animais no aproveitamento de dietas orgânicas na alimentação. Basicamente, a composição do alimento orgânico apresenta maior quantidade de extrato etéreo, devido à não utilização de solventes em sua extração (Boscolo et al. 2012).

Os índices organocorporais das tilápias do Nilo podem ser visualizados na Tabela 3. Não houve variação (p > 0,05) para os parâmetros analisados.

A gordura visceral encontrada nos peixes manteve-se inferior a 1% do peso corporal, abaixo do observado por Boscolo et al. (2010), em juvenis de tilápia do Nilo alimentados com ração orgânica. As vísceras são o principal local de depósito de lipídios em peixes magros, contudo, a variação no farelo de trigo não proporcionou aumento em sua quantidade. Na teoria, isto significa que a dieta estava sendo aproveitada para a manutenção da higidez e deposição muscular dos peixes. Neu et al. (2012), avaliando a ação do glicerol, alimento com alto valor energético, em juvenis de tilápia do Nilo, observaram que houve deposição de gordura visceral acima de 6% de inclusão.

Segundo Gomiero & Braga (2005), a deposição de gordura visceral pode ser explicada pelo fator de condição, porém, como os peixes do atual experimento mantiveram-se constantes durante todo o período de avaliação, inclusive apresentando baixas quantidades de gordura acumuladas nas vísceras e na carcaça, acredita-se que eles aproveitaram bem os alimentos, sem sobrecarga de energia dos mesmos, o que pode ser explicado pela padronização da relação proteína:energia, nas dietas.

O índice hepatossomático foi superior ao observado por Boscolo et al. (2010). Este índice pode variar de espécie para espécie e pode estar relacionado ao acúmulo de reservas energéticas para o período de inverno (Querol et al. 2002). No presente estudo, verificou-se índice em torno de 3,7-4,1% do peso corporal, não havendo uma dieta responsável pelo aumento do peso do fígado, ou seja, não houve distúrbio no metabolismo energético dos animais, e, portanto, o alimento atendeu às exigências dietéticas dos juvenis. Temperaturas abaixo da ideal, no período de condução do experimento, também podem estar relacionadas a este fato, fazendo com que os peixes acumulassem reserva energética.

No presente estudo, o período experimental iniciou-se no final do verão e início do outono, quando as temperaturas começam a declinar, sendo registrados valores que variaram de 16ºC a 24ºC, com média de 21,7ºC. Como o fator de condição, gordura visceral e o índice hepatossomático não apresentaram alterações significativas, acredita-se que os peixes passaram pelo período de frio sem que isto pudesse causar altas mortalidades.

O índice viscerossomático, que expressa a relação entre o peso das vísceras e o peso total dos peixes, foi bastante elevado (17,3 a 19,1), sendo duas vezes superior ao reportado por Gonçalves et al. (2009) (6,09 a 8,79), quando alimentaram juvenis de tilápias do Nilo com proteína e energia digestível, com base no conceito de proteína ideal. Entretanto, no presente estudo, as rações não foram formuladas para atender ao conceito de proteína ideal, com balanceamento dos aminoácidos, e sim apenas para garantir que nenhum nutriente estivesse faltando.

Reforçando essa ideia, Schearer (1994) relatou que o tamanho relativo dos tecidos e órgãos, sob condições adequadas de nutrição, é dependente do tamanho do peixe. Outro fator que pode não ter influenciado nos parâmetros organocorporais das tilápias é o tempo de duração do experimento de 45 dias, período que pode ser curto para denotar alguma interferência nutricional nos órgãos dos animais (Bombardelli et al. 2009).

Com relação à composição centesimal da carcaça dos peixes, não foram observadas diferenças significativas (p > 0,05) entre os grupos que receberam as diferentes concentrações de farelo de trigo na dieta (Tabela 4).

A umidade manteve-se em torno de 75%, para todos os tratamentos, valor próximo aos registrados por Gonçalves et al. (2009), os quais relataram umidade variando entre 75% e 79%, e abaixo do encontrado por Schwarz et al. (2011), que, fornecendo mananoligossacarídeo, observaram teores de umidade acima de 80%, para pós-larvas de tilápia.

A composição centesimal pode sofrer variações endógenas e exógenas, de acordo com a genética dos peixes, o alimento que eles recebem, principalmente com relação à composição lipídica do alimento e do animal (Shearer 1994), o ambiente em que estão inseridos e as características deste ambiente. Entretanto, como, neste trabalho, os peixes receberam dietas com composição química semelhante (dietas isoenergéticas e isoproteicas), esta variação foi baixa, não havendo diferenças.

Simões et al. (2007) concluíram que filés de tilápia apresentam cerca de 19% de proteínas, 2,60% de lipídios e 1,09% de cinzas. Estes resultados diferem dos dados encontrados no atual experimento, porém, vale ressaltar que a composição centesimal dos peixes nutridos com farelo de trigo orgânico foi realizada com a carcaça toda, causando diminuição na percentagem de proteínas e elevação na de lipídios e cinzas, visto que não foram retiradas a cabeça, pele e escamas.

Informações a respeito da composição centesimal da carcaça são de extrema importância, principalmente quando o destino final é o frigorífico. Parâmetros como umidade, proteínas e lipídios podem determinar o tempo de prateleira do produto e sua possível transformação em coprodutos.

A substituição de alimentos, como a de milho por triticale (Tachibana et al. 2010) e de milho por farinha de manga (Melo et al. 2012), ambas para a tilápia do Nilo, já foi estudada. Contudo, a substituição do milho orgânico pelo farelo de trigo orgânico pode representar certa vantagem econômica, em determinadas épocas do ano, sem causar prejuízos econômicos e zootécnicos.

CONCLUSÃO

É possível adicionar até 20% de farelo de trigo orgânico à dieta de juvenis de tilápia do Nilo, sem prejudicar seu desempenho produtivo e a composição química da sua carcaça.

Trabalho recebido em abr./2012 e aceito para publicação em nov./2012 (nº registro: PAT 18171).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    Abr 2012
  • Aceito
    Nov 2012
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