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Análise da rotação plástica e da contribuição do betão entre fendas em vigas usando fotogrametria

Resumos

A monitorização de ensaios experimentais tem registado desenvolvimentos significativos nos últimos anos mediante o recurso à fotogrametria e ao processamento de imagem. Neste artigo pretende-se demostrar a aplicabilidade prática destas novas técnicas na monitorização de ensaios até à rotura. Neste trabalho é dada especial atenção à curvatura, à rotação plástica e à contribuição do betão entre fendas para o aumento da rigidez à flexão, i.e., o "tension stiffening effect", os quais são fundamentais para caracterizar o comportamento estrutural de vigas de betão armado, tanto em serviço como em estado limite último. Verifica-se que estas novas técnicas permitem monitorizar um número muito elevado de pontos, complementando os métodos tradicionais de monotorização, e possibilitando a determinação de informação impossível de obter através dos métodos tradicionais.

rotação plástica; ensaios experimentais; fotogrametria; processamento de imagem


Innovative procedures for monitoring experimental tests using photogrammetry and image processing have been recently proposed. This manuscript aims at providing a practical demonstration of the advantages of using these new techniques in experimental tests up to failure. In this scope, focus is given to the curvature, rotation and to the tension stiffening effect, i.e., the contribution of the concrete between cracks to increase the bending stiffness. These parameters are crucial to describe the structural behavior of reinforced concrete beams both in serviceability and in ultimate limit states. These new techniques allow monitoring a high number of points, enhancing the traditional monitoring methods and providing more information which would be impossible to obtain using the traditional methods.

curvature; plastic rotation; experimental tests; photogrammetry; image processing


R. N. F. do CarmoI; J. ValençaII; D. Dias-da-CostaIII

ICIEC, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, carmo@isec.pt, Rua Pedro Nunes - Quinta da Nora. 3030-199, Coimbra, Portugal

IIICIST, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, jonatas@isec.pt, Rua Pedro Nunes - Quinta da Nora. 3030-199, Coimbra, Portugal

IIIINESC, University of Coimbra, dias-da-costa@dec.uc.pt, Rua Luís Reis Santos, 3030-788 Coimbra, Portugal. School of Civil Engineering, The University of Sydney, NSW2006, Australia

RESUMO

A monitorização de ensaios experimentais tem registado desenvolvimentos significativos nos últimos anos mediante o recurso à fotogrametria e ao processamento de imagem. Neste artigo pretende-se demostrar a aplicabilidade prática destas novas técnicas na monitorização de ensaios até à rotura. Neste trabalho é dada especial atenção à curvatura, à rotação plástica e à contribuição do betão entre fendas para o aumento da rigidez à flexão, i.e., o "tension stiffening effect", os quais são fundamentais para caracterizar o comportamento estrutural de vigas de betão armado, tanto em serviço como em estado limite último. Verifica-se que estas novas técnicas permitem monitorizar um número muito elevado de pontos, complementando os métodos tradicionais de monotorização, e possibilitando a determinação de informação impossível de obter através dos métodos tradicionais.

Palavras-chave: rotação plástica, ensaios experimentais, fotogrametria, processamento de imagem.

ABSTRACT

Innovative procedures for monitoring experimental tests using photogrammetry and image processing have been recently proposed. This manuscript aims at providing a practical demonstration of the advantages of using these new techniques in experimental tests up to failure. In this scope, focus is given to the curvature, rotation and to the tension stiffening effect, i.e., the contribution of the concrete between cracks to increase the bending stiffness. These parameters are crucial to describe the structural behavior of reinforced concrete beams both in serviceability and in ultimate limit states. These new techniques allow monitoring a high number of points, enhancing the traditional monitoring methods and providing more information which would be impossible to obtain using the traditional methods.

Keywords: curvature, plastic rotation, experimental tests, photogrammetry, image processing.

1. Introdução

Durante os ensaios experimentais a monitorização dos elementos estruturais é essencial para quantificar os efeitos resultantes da aplicação de acções. As forças, curvaturas, deslocamentos e extensões medidas em determinadas secções permitem caracterizar o comportamento estrutural do elemento em estudo. A observação do mecanismo de rotura é igualmente importante, assim como a avaliação do padrão de fendilhação desenvolvido nos elementos de betão armado. As grandezas acima referidas são, usualmente, medidas através de instrumentos de monitorização tradicionais, nomeadamente: células de carga, alongâmetros, demecs, extensómetros e LVDTs.

Recentemente foram desenvolvidas novas ferramentas de monitorização, que recorrem à fotogrametria e ao processamento de imagem, permitindo determinar algumas das grandezas mencionadas [1-8]. No entanto, atendendo ao elevado número de pontos monitorizados é possível obter dados que são dificeis, ou mesmo inviáveis, de determinar com os métodos tradicionais. A evolução detalhada da curvatura ao longo de troços de vigas de betão armado é um desses exemplos.

Neste estudo, procura-se demonstrar como a fotogrametria e o processamento de imagem podem ser empregues no estudo do comportamento à flexão de vigas de betão armado, e como essas técnicas ultrapassam as limitações dos métodos tradicionais. Apresenta-se ainda a análise do "tension stiffening effect" combinando a informação obtida por fotogrametria e processamento de imagem.

2. Rotação plástica e o tension stiffening effect em vigas de betão armado

Quando se realiza uma análise linear com redistribuição de esforços ou uma análise plástica, é importante garantir a capacidade de rotação plástica das zonas críticas para que a rotura ocorra como previsto. Nas situações mais duvidosas é necessário efectuar uma verificação explícita dessa capacidade. Nesse contexto, é fundamental conhecer a relação momento-curvatura ou a relação entre a capacidade de rotação plástica e o parâmetro x/d (EC2 [9]).

A capacidade de rotação plástica é definida como a diferença entre a rotação correspondente à carga última e a rotação verificada no início da cedência das armaduras. Portanto, a rotação plástica pode ser calculada como a integral da curvatura após a cedência das armaduras na zona plastificada (Eq. 1).

Өpl - rotação plástica

lpl - comprimento da rótula plástica

1/r - curvatura total da secção

1/ry - curvatura da secção no instante da cedência das armaduras

εs - extensão total das armaduras

εsy - extensão de cedência das armaduras

d - altura útil da secção

x - profundidade do eixo neutro

A dificuldade na determinação da rotação nas regiões críticas deve-se ao facto da curvatura ter um desenvolvimento descontínuo, devido à variação da rigidez à flexão nas secções fendilhadas e nas secções entre fendas. Por outro lado, na região da rótula plástica, o pressuposto de que as secções se mantêm planas durante a deformação não é válido numa situação próxima da rotura. Estas particularidades dificultam o cálculo da rotação a partir da integração da curvatura ao longo do eixo do elemento.

A contribuição do betão entre fendas na resistência à tracção origina variações significativas da rigidez à flexão, o "tension stiffening effect". A não consideração deste efeito pode conduzir a previsões pouco realistas, i.e., se apenas se contabilizar a curvatura de uma secção totalmente fendilhada, obter-se-á um valor da rotação superior ao real (Fig. 1).


Segundo o EC2 [9] e outros regulamentos, no cálculo da curvatura média deve ser realizado através de uma ponderação entre o estado não fendilhado e totalmente fendilhado, aplicando a Equação 2.

(1/r)m - curvatura média

(1/r)I - curvatura numa secção não fendilhada

(1/r)II - curvatura numa secção totalmente fendilhada

ζ - coeficiente de distribuição que tem em conta a contribuição do betão traccionado entre fendas

Num elemento de betão armado, a deformação da armadura traccionada é variável ao longo do eixo da viga. Consequentemente, a rotação plástica tem também uma variação descontínua, dependendo essencialmente da curvatura das secções fendilhadas, sendo pequena a contribuição da curvatura das secções entre fendas. Na Figura 2, a área preenchida pela trama diagonal corresponde ao integral da curvatura plástica ao longo do comprimento da rótula plástica, o que equivale a afirmar que essa área é igual ao valor da rotação plástica.


A Figura 2 permite ainda observar que a curvatura plástica tende concentrar-se nas secções fendilhadas. Bachmann em 1967 [10] propôs um método expedito para calcular a rotação em troços de viga baseado nas rotações que ocorrem nas fendas (rotação entre as duas faces da fenda). Este método tem como principal particularidade não determinar a rotação a partir da curvatura. Para se aplicar este modelo de cálculo é necessário conhecer o número de fendas no troço em análise, a sua largura, e a profundidade do eixo neutro em cada fenda [11-12]. A fotogrametria e o processamento de imagem são excelentes técnicas para obter estes dados.

Este modelo é baseado numa análise discreta do elemento de betão armado e, consequentemente, há uma descontinuidade da tangente à deformada em cada fenda. A Figura 3 exemplifica este cálculo para o troço de uma viga numa zona de momentos negativos, sendo a rotação total é igual ao somatório das rotações nas 'n' fendas existentes no troço considerado.


wi - largura da fenda i

d - altura útil da secção

xi - profundidade do eixo neutro

Ө - rotação

3. Fotogrametria e processamento de imagem

3.1 Fotogrametria

A fotogrametria pode ser aplicada para calcular o campo de deslocamentos em superfícies de betão, com auxílio de alvos colocados na superfície dos provetes [1-4]. Em alternativa podem, igualmente, ser utilizadas técnicas de correlação entre imagens, dispensando, desta forma, a utilização de alvos. Em ambos os casos, o campo de deformações pode ser determinado a partir do campo de deslocamentos, aplicando procedimentos standard do método dos elementos finitos (MEF) [5].

Nesta secção é descrito o procedimento aplicado para obter o campo de deformações após a aquisição de imagem, nomeadamente: i) detecção dos alvos, no qual a posição de cada alvo é identificada na imagem; ii) homografia, que permite escalar e orientar as imagens e, desta forma, obter as coordenadas de cada alvo na superfície do provete; e iii) geração de uma malha auxiliar, calculada com uma trianguação de Delaunay [13].

A detecção dos alvos foi realizada mediante a aplicação de um algoritmo que utiliza a transformada de Hough [14], o qual permite identificar o centro e o raio de todos os alvos em qualquer fase do ensaio. Em resumo, o raio médio, em pixels, permite calcular uma transformada paramétrica, da qual resulta um mapa de picos coincidentes com o centro geométrico dos alvos [14, 15]. Depois de detetar todos os alvos, é necessário obter a posição do sistema em coordenadas globais. Desde que os deslocamentos ocorram no mesmo plano, pode ser estabelecida uma homografia que faça coincidir as coordenadas da imagem com as coordenadas reais. Para esse efeito é necessário resolver, apenas para a fase de referência, o seguinte sistema de equações:

onde Xi e Yisão as coordenadas reais de cada alvo 'i', colocadas numa grelha com afastamento de 20× 20 mm2, xi e yi são as coordenadas da imagem correspondentes, e hi a h9 são os parâmetros da homografia, que permitem obter, para qualquer ponto pertencente à superfície do provete, a seguinte relação [16]:

onde ω é o factor de escala.

Uma vez que o número total de incógnitas é oito (apenas a relação dos elementos da matriz é significativa), o problema é sobredeterminado para mais de quatro pontos. Essa questão pode ser resolvida através da minimização dos resíduos |Ah|da Equação 5 para 'n' pontos. Pode demonstrar-se que a solução é dada directamente pelo vector próprio correspondente ao menor valor próprio de ATA.

De salientar que a homografia define um mapeamento entre dois planos, independentemente das suas posições e orientações. Portanto, os dois planos (plano da imagem e plano da superfície real) não têm obrigatoriedade de ser paralelos. Posteriormente, os parâmetros da homografia são utilizados para calcular as coordenadas reais dos alvos em cada fase de análise. O campo de deslocamento é obtido pelo cálculo das diferenças de coordenadas em relação à fase de referência. Na etapa seguinte, é construída uma malha auxiliar através de uma triangulação Delaunay, utilizando os alvos de referência [13]. Finalmente, o campo de deformações é directamente calculado, através da matriz de extensão nodal da malha auxiliar (ver mais detalhes em [3]).

De referir que todas as imagens adquiridas foram orientadas e dimensionadas à escala 1:5, utilizando os parâmetros da homografia, uma vez que a resolução média das imagens originais era cerca de 0.2mm/pixel. Posteriormente, esta informação é utilizada para medir a abertura das fendas na Secção 5.3.

3.2 Processamento de imagem

O processamento digital de imagem permite detectar descontinuidades na imagem, i.e., pontos onde ocorrem mudanças bruscas no nível da intensidade dos pixels. Desta forma, é possível detectar e medir fendas em estruturas de betão. Normalmente, a identificação de descontinuidades numa determinada área da imagem recorre à aplicação de edge detectors [6-8], entre outras técnicas, de forma a obter imagens binárias cuja manipulação permite caracterizar o padrão de fendilhação. Como desvantagem, estes métodos requerem a preparação cuidada da superfície do provete e a existência de condições de iluminação adequadas. Para ultrapassar estas limitações têm surgido abordagens combinadas, onde o campo de deformações é utilizado para restringir a área da imagem a analisar, aplicando o processamento exclusivamente a áreas criticas [15].

Nesta Secção encontram-se descritas, de forma resumida, as operações de processamento de imagem requeridas para realce e medição das fendas em superfícies de betão. De salientar que a superficie foi préviamente pintada de branco para adquirir um fundo homogéneo, evidenciando assim o aparecimento das fendas durante o ensaio. O procedimento adoptado foi especificamente desenvolvido para monitorizar fendas, combinando processamento digital de imagem e operações de morfologia matemática. Este procedimento encontra-se descrito de forma detalhada, incluindo exemplos de aplicação em ensaios experimentais, em [7]. Resumidamente, após orientação e escala das imagens, de acordo com o descrito na Secção anterior, estas são processadas aplicando o método de Otsu, que realça as fendas na superfície do provete através da binarização das imagens. De seguida, são aplicadas operações de morfologia matemática (eliminação, união e prenchimento) para eliminar descontinuidades que são, erradamente, detectadas como fendas (e.g. imperfeições da superfície). Por fim, pode medir-se directamente qualquer das fendas na imagem escalada.

4. Programa experimental

4.1 Descrição geral

A viga de betão armado que foi objecto desta análise tinha 3,0 m de comprimento, 12 cm de largura e 27 cm de altura. A viga foi produzida com um betão de agregados leves, com uma densidade de 1900 kg/m3, e uma resistência média à compressão de 51 MPa aos 28 dias e 54 MPa no dia do ensaio (166 dias após a betonagem) [17-18]. O módulo de elasticidade do betão foi também determinado experimentalmente, 24 GPa. Para as armaduras longitudinais e transversais utilizaram-se varões de aço nervurado, laminados a quente, da classe S500NR-SD. Foram realizados ensaios de tração para caracterizar a tensão de cedência, fsym, e a tensão de rotura do aço, fsum. 545 e 645 MPa, respectivamente.

A viga encontrava-se simplesmente apoiada, 2,8 m de vão, tendo sido sujeita a um carregamento simétrico, constituído por uma força, P, repartida em dois pontos distanciados um metro dos apoios. Deste modo, a região central da viga ficou submetida, teoricamente, apenas a flexão pura (Fig. 4). A carga principal foi transmitida através de um servo-atuador hidráulico, fixo ao pórtico de ensaio, o qual tem uma capacidade máxima de 300 kN. O ensaio decorreu com controlo de deslocamento, a uma velocidade de 0,01 mm/s.


Durante o ensaio foram medidas grandezas que permitem caracterizar o comportamento das vigas ensaiadas, nomeadamente, as reacções de apoio e os deslocamentos em secções críticas. Além dos métodos de imagem referidos na Secção 3, os ensaios foram monitorizados recorrendo a instrumentação tradicional, nomeadamente, transdutores de deslocamento (LVDTs), verticais e horizontais, colocados na zona de flexão pura, e células de carga sob os apoios. Foram utilizados três LVDTs para medir os deslocamentos verticais da viga: dois foram colocados a 1,0 m de cada um dos apoios (secções onde as cargas foram aplicadas) e o outro foi colocado exactamente a meio vão. Foram ainda utilizados dois LVDTs na horizontal, para medir o encurtamento e o alongamento horizontais da zona de flexão pura da viga (Fig. 5).


4.2 Preparação e aquisição de imagens

De acordo com a experiência adquirida na utilização de métodos ópticos que recorrem à fotogrametria e ao processamento de imagem, o campo de deslocamentos é obtido com uma precisão inferior a 0,05 mm. Assim, para medir extensões com uma precisão de 0,5%, valor aceitável para caracterizar o processo de formação de fendas, a distância mínima entre os alvos deve ser de 20 mm = 2 x 0,05 / 0,5% (Dias-da-Costa et al. [3]). Os alvos foram colocados numa grelha de 20 x 20 mm2, pintados na superfície da viga, na face oposta à colocação da instrumentação tradicional.

As imagens foram adquiridas com uma câmara digital colocada num tripé a cerca de 1,75 m da viga. Foi utilizado um disparador remoto para evitar qualquer vibração do sistema de aquisição fotográfico. Todas as fotografias foram adquiridas com o máximo de resolução, i.e., 4608×3072 pixel. Antes do início do ensaio foi registada uma sequência de 10 imagens com o objectivo de avaliar o erro do método na orientação e atribuição de escala às imagens. Esta fase foi considerada a referência para o ensaio. Durante o ensaio, foram adquiridas imagens sempre que se justificou. Neste estudo, foram seleccionadas quatro imagens, correspondentes às etapas mais relevantes do ensaio (Fig. 6).


4.3 Análise do erro

Como referido, as 10 imagens registadas imediatamente antes do início do ensaio experimental foram usadas para estimar o erro da homografia e a precisão das coordenadas de cada. Neste caso, a homografia introduz um erro médio de 0,236 mm e 0,315 mm para um intervalo de 95% de confiança, enquanto o erro na detecção dos alvos é 0,031 mm, em média, e 0,046 mm para um intervalo com 95% de confiança (Fig. 7). O erro na determinação dos deslocamentos, obtidos pela diferença de coordenadas entre as etapas seleccionadas, corresponde apenas ao erro na detecção dos alvos. Considerando o espaçamento adoptado para os alvos, o erro no campo das extensões foi cerca de 0,3%.


5. Análise de resultados

5.1 Resultados preliminares

Os deslocamentos verticais obtidos através da fotogrametria foram comparados com os valores obtidos com a monitorização tradicional. Verificou-se que as diferenças são relativamente pequenas entre os dois métodos, em média 6% (Tabela 1).

A partir dos deslocamentos medidos em cada alvo é possível calcular o campo de extensões (ver Secção 3.1). Na Figura 8, correspondente à etapa 3, constata-se que a evolução das extensões, determinado com o processamento de imagem, está de acordo com o padrão de fendilhação (ver Secção 3.2). Adicionalmente, o processamento de imagem pode ser usado para medir a largura das fendas em cada etapa do ensaio. Esta informação será utilizada para determinar a rotação na Secção 5.3.


5.2 Determinação da curvatura

A curvatura média na região de flexão pura pode ser determinada através da parábola que melhor se ajusta aos deslocamentos verticais. A curvatura determina-se directamente pela 2ª derivada da equação da parábola. Para este efeito, a fotogrametria apresenta uma vantagem significativa, pois permite o registo de deslocamentos num número elevado de secções, obtendo-se uma aproximação fidedigna para a equação da parábola.

A curvatura média pode também ser determinada medindo o encurtamento e o alongamento horizontais da região de flexão pura. Como já foi referido, foram utilizados dois LVDTs horizontais com o objectivo de medir essas deformações. Conhecendo a distância vertical entre os eixos dos LVDTs e a distância horizontal entre os pontos de leituras, pode determinar-se as extensões médias e, consequentemente, a curvatura. Na Figura 9 apresenta-se a relação momento-curvatura para região de flexão pura (com 800 mm), identificando-se o início da cedência das armaduras, a etapa 3 e a etapa 4.


A curvatura, para uma secção específica e numa dada etapa, é determinada com base nas extensões medidas ao longo da altura da secção. Numa primeira fase, é necessário determinar a recta que melhor se ajusta ao desenvolvimento das extensões. Na Figura 10, apresenta-se a evolução das extensões e o cálculo da curvatura para as 4 etapas consideradas na análise, numa secção a 50 mm do limite esquerdo da região em flexão pura. Verifica-se que não existe uma linearidade perfeita entre as extensões, porque as secções durante a deformação não se mantêm planas devido à fendilhação do betão.


Recorda-se que a utilização de alongâmetros e demecs apenas permitem obter a curvatura média em troços com 100 ou 200 mm (valores limitados pelo comprimento dos alongâmetros) e não a curvatura numa secção específica (Carmo e Lopes [19]). Uma outra desvantagem do uso do alongâmetro comparativamente à fotogrametria é o tempo exigido para a realização das leituras.

A fotogrametria permite uma análise detalhada da curvatura, pois o espaçamento entre miras pode ser bastante reduzido, neste caso foi 20 mm. A evolução tão pormenorizada da curvatura ao longo do eixo da viga permite analisar a influência do betão entre fendas e das secções fendilhadas na deformação total da viga. Na Figura 11 apresenta-se a evolução da curvatura ao longo do eixo da viga para as 4 etapas analisadas, podendo-se observar que a curvatura não é constante. Na etapa 1 e 2, apesar das fendas ainda não terem uma largura muito significativa verifica-se, como era de esperar, que a curvatura é maior nas secções fendilhadas. Entre a etapa 2 e 3, ocorre um aumento da curvatura nas secções fendilhadas, mantendo-se aproximadamente constante os valores para as secções entre fendas. Na etapa 4, observa-se que as secções com as curvaturas máximas tendem a concentrar-se numa zona restrita, com cerca de 300-350 mm.


5.3 Rotação plástica

Os elementos de betão armado têm um comportamento não linear quando sujeito a cargas elevadas. Antes das armaduras atingirem a tensão de cedência, o comportamento não linear é originado pela fendilhação do betão. Depois das armaduras atingirem a cedência, existe também a influência da não linearidade da relação tensão - deformação do aço. Neste instante, considera-se que se forma uma rótula plástica. Um dos critérios mais usados para a quantificar a ductilidade de um elemento é a avaliar a capacidade de rotação plástica de certas zonas da estrutura [20].

A capacidade de rotação plástica de uma viga é a rotação plástica máxima que a viga suporta antes da rotura. Para o cálculo da rotação plástica apresentam-se três métodos: i) integrar a curvatura após a cedência das armaduras na zona plastificada (Eq. 1 e Fig. 12); ii) multiplicar a diferença das curvaturas médias pelo comprimento de 800 mm (curvaturas determinada pelos LVDTs horizontais) (Fig. 9); iii) método de Bachmann, baseado no somatório das rotações que ocorrem entre as duas faces de uma fenda (Eq.s 3 e 4 e Fig. 13). A fotogrametria e o processamento de imagem permitem aplicar o método Bachmann, pois o cálculo de todos os dados necessários são determinados com relativa facilidade e sem necessidade de parar o ensaio para realizar as leituras (Tabelas 2 e 3). Todavia, este método apresenta uma desvantagem. Na fase que antecede a cedência das armaduras, quando a fendilhação é pouco significativa, ainda não é possível atingir a precisão necessária para medir a abertura das fendas.



A Tabela 4 apresenta um resumo das rotações plásticas obtidas pelos três métodos referidos na região em flexão pura. Verifica-se que os valores determinados pelo método 1 e 2 são bastante semelhantes, com diferenças inferiores a 5%, e com valores inferiores aos obtidos pelo método 3, principalmente na etapa 3 onde as diferenças registadas atingem os 40%.

5.4 Avaliação do efeito "tension stiffening"

A rigidez à flexão da viga (EI) diminui à medida que a carga aplicada aumenta, inicialmente devido à fendilhação do betão e, numa fase posterior, porque as armaduras entram em cedência. Teoricamente, pode determinar-se a rigidez à flexão de uma secção para os estados I e II: no estado I considera-se toda a secção de betão e a área de aço; e no estado II considera-se apenas o betão comprimido e, obviamente, a área de aço. A rigidez à flexão determinada experimentalmente deve estar compreendida entre estes 2 limites, devido ao efeito "tension stiffening". Na Figura 14 apresenta-se a evolução da rigidez à flexão (EI) com a carga, P, sendo esta adimensionalizada através da relação P/Py (onde Py é carga na cedência das armaduras). A rigidez determinou-se através da relação entre o momento aplicado e a curvatura média, neste caso determinada usando os LVDTs horizontais. Inicialmente, a rigidez assume valores elevados porque a curvatura é muito baixa e, consequentemente, muito sensível a qualquer variação nas leituras dos LVDTs.


O "tension stiffening effect" é particularmente importante na análise das deformações das estruturas de betão armado nas condições de serviço, como se constata nos regulamentos de projectos de estruturas de betão. Como se referiu no Secção 2, o coeficiente de distribuição z considera a contribuição do betão entre fendas e, portanto, é a forma de quantificar o "tension stiffening effect". Abaixo, apresenta-se uma análise deste efeito para a etapa 1, onde a carga aplicada é cerca de 70% da carga máxima, o que corresponde aproximadamente às condições de serviço.

Considerando o valor obtido experimentalmente para a rigidez à flexão, 2679 kN.m2, e aplicando a Equação 2 à rigidez, obtém-se um valor para o coeficiente de distribuição z de 0,883. Este coeficiente também pode ser determinado usando a curvatura calculada através da fotogrametria e processamento de imagem. Nesta etapa regista-se um momento flector de 23,5 kN.m. Conhecendo a rigidez no estado I e II, obtêm-se os seguintes valores para a curvatura: (1/r)I = 3,9x10-3 m-1 e (1/r)II = 10,5x10-3 m-1. Sendo a curvatura média na região em análise 9,85x10-3 m-1, o coeficiente de distribuição z é 0,902 (Fig. 15). Os valores determinados experimentalmente podem ser comparados com o valor previsto pelo EC2 [9], z = 1 - b.(Mcr/M)2. Neste caso, o b é 1 (um só carregamento de curta duração) e o momento de fendilhação Mcr é 6 kN.m, considerando a resistência do betão à tracção e a secção homogeneizada. Tendo em conta estes dados, o valor do coeficiente de distribuição segundo o EC2 é 0,935, valor bastante próximo dos valores obtidos experimentalmente.


6. Conclusões

Recentemente, surgiram métodos inovadores para monitorização de estruturas, usando a fotogrametria e processamento de imagem. Neste trabalho apresenta-se um exemplo prático destas técnicas na caracterização do comportamento estrutural de vigas de betão armado, dando especial atenção à rotação plástica e ao "tension stiffening effect".

A fotogrametria e o processamento de imagem foram utilizadas para monitorizar um número bastante significativo de pontos na superfície de uma viga ensaiada até à rotura. Foram analisadas 4 etapas distintas do ensaio, demostrando-se as potencialidades das ferramentas desenvolvidas, nomeadamente, a determinação do campo de extensões na superfície da viga e a evolução e caracterização do padrão de fendilhação. Registaram-se valores de deslocamentos verticais similares entre a fotogrametria e os LVDTs ao longo de todo o ensaio.

O registo de informação detalhada do campo de extensões na superfície monitorizada, permitiu determinar a curvatura em secções específicas e avaliar a sua evolução ao longo do eixo da viga. Esta última informação é extremamente difícil de obter através dos métodos tradicionais, porque usando o alongâmetro, por exemplo, só é possível determinar a curvatura média para troços com 100 ou 200 mm (devido à limitação da dimensão do equipamento). Recorrendo à fotogrametria pode obter-se a curvatura em troços muito mais pequenos, neste caso 20 mm.

A evolução pormenorizada da curvatura ao longo do eixo da viga permitiu o estudo da rotação plástica e do "tension stiffening effect". Nesta análise foi possível verificar, experimentalmente, que a curvatura plástica concentrou-se nas secções fendilhadas e numa zona restrita da viga, com cerca de 350 mm. A fotogrametria foi ainda utilizada para determinar rotações entre as faces das fendas, tendo esses valores servido para calcular a rotação plástica na zona em flexão pura.

Em suma, o estudo apresentado serviu para validar e demonstrar que a fotogrametria e o processamento de imagem são técnicas que permitem complementar os dados obtidos pelos métodos tradicionais de monitorização, tanto nas condições de serviço como numa situação próxima da rotura. Além disso, devido à quantidade de dados que permitem obter, possibilitam a realização de análises que seriam inviáveis com os métodos tradicionais de monitorização.

7. Agradecimentos

Os autores agradecem ao Departamento de Engenharia Civil do ISEC-IPC as condições facultadas para a realização do ensaio, aos colegas Hugo Costa, Tiago Simões, Cátia Lourenço e Diogo Andrade, a colaboração no trabalho experimental.

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    Plastic rotation and tension stiffening effect analysis in beams using photogrammetry
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Nov 2012
    • Aceito
      14 Abr 2013
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