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Tratamento térmico da lama do beneficiamento de rochas ornamentais: aplicação como pozolana em matrizes cimentícias

Resumos

O setor de rochas ornamentais produz volume significativo de resíduo durante a serragem dos blocos e demanda encontrar formas de reciclagem, dado seu impacto ambiental. Considerando as possibilidades de utilização de subprodutos industriais como adições minerais, visando o desenvolvimento sustentável na construção civil, este artigo tem por objetivo estudar o desempenho da lama do beneficiamento de rochas ornamentais após tratamento térmico e moagem, baseando-se no seu potencial de aplicação como substituto parcial do cimento. O resíduo foi caracterizado, fundido e moído para produção de material vítreo. Analisou-se o desempenho mecânico e a atividade pozolânica com substituição parcial do cimento pelo resíduo na condição natural e após tratamento térmico em argamassas para comparação. Os resultados foram promissores, tendo sido possível verificar que após tratamento térmico, o resíduo tratado se apresentou como um material com características de pozolanicidade.

tratamento térmico; pozolanicidade; lama; resíduos; rochas ornamentais


The sector of ornamental rocks produces significant volume of waste during the sawing of the blocks and demand to find ways to recycle, given its environmental impact. Considering the possibilities of use of industrial by-products as mineral admixtures, aiming at sustainable development in the construction industry, this paper aims to study the performance of the processing sludge of ornamental rocks and grinding after heat treatment, based on their potential application as partial substitute for cement. The residue was characterized, cast and milled to produce glassy material. Was analyzed the mechanical performance and pozzolanic activity with partial replacement of cement by waste in natural condition and after heat treatment in mortars for comparison. The results were promising, so it was possible to verify that after heat treatment, the treated waste is presented as a material with pozzolanic characteristics.

heat treatment; pozzolanicity; sludge; waste; ornamental rocks


1. Introdução

O desenvolvimento sustentável tem sido uma preocupação mundial e, dentro deste contexto, há uma busca coletiva pela melhoria de processos e produtos, visando à otimização do uso de recursos naturais.

Como a construção civil é um dos ramos industriais que mais demanda destes recursos para produção de seus materiais de construção e das edificações de forma geral [101 [01] P. K. Mehta and P. J. M. Monteiro. Concreto: microestrutural, propriedades e materiais, 3 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro do Concreto - IBRACON, p. 674, 2008.], vem buscando aprimorar-se para minimizar seus impactos no planeta fazendo uso tanto de técnicas de planejamento e gestão, o que evita os retrabalhos e desperdícios, como também de reaproveitamento de resíduos e reciclagem de produtos.

A incorporação de resíduos aos materiais de construção vem sendo indicada como uma estratégia para preservar matérias-primas naturais, economizar energia, reduzir a emissão de poluentes e, em alguns casos, eliminar os custos com aterros. São exemplos de materiais residuais já estabelecidos como pozolanas: a cinza volante, a sílica ativa e a cinza de casca de arroz [202 [02] V.M. John. Reciclagem de resíduos na construção civil: Contribuição para metodologia de pesquisa e desenvolvimento. 113p. Tese (Livre Docência)- Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Construção Civil, São Paulo, 2000.].

Dentre os setores industriais com ampla geração de resíduos, destaca-se o setor de rochas ornamentais. É considerado uma das mais importantes áreas de negócios mínero-industrias, e o Brasil é um dos cinco principais países produtores de blocos e chapas de mármore e granito [303 [03] Brasil. Ministério de Minas e Energia. Relatório Técnico 33: Rochas Ornamentais e de Revestimento. Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Brasília, 2009.].

A etapa de beneficiamento dos blocos envolve o desdobramento em chapas e o tratamento das superfícies. A serragem ocorre por meio de teares de lâminas metálicas e polpa abrasiva (pó de rocha, granalha e cal) ou de teares de fios diamantados, com aspersão de água para evitar suspensão de pó [404 [04] J. L. Calmon. Resíduos industriais e agrícolas. In: Isaia, Geraldo Cechella. (Org.). Materiais de Construção Civil e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais. 1 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro do Concreto - IBRACON, v. 2, p. 1590-1627, 2007 , 505 [05] J. L. Calmon, S. A. C. Silva. Mármore e granito no Espírito Santo: problemas ambientais e soluções. In: Domingues, A. F.; Boson, P. H. G.; Alípaz, S. (Org.). A gestão dos recursos hídricos e a mineração. Brasília. Agência Nacional das Águas e Instituto Brasileiro de Mineração. Capítulo 5, p. 199-231, 2006.]. Nesta etapa, aproximadamente 25% de cada um dos blocos serrados são convertidos em resíduo. O volume gerado no Brasil por ano é cerca de 1,8 milhão de toneladas [606 [06] C. F. Chiodi. Consumo interno, perfil de utilização e estrutura de comercialização das rochas ornamentais e de revestimento no Brasil. Publicação técnica. ABIROCHAS. Minas Gerais. 2004.], sendo denominado Lama do Beneficiamento de Rochas Ornamentais (LBRO), pó de rocha misturado com água, sendo separada para descarte conforme sua composição: resíduo com granalha, proveniente do corte em teares tradicionais, neste trabalho denominado LBRO G, e resíduo sem granalha proveniente do corte por fios diamantados e também dos rejeitos de polimento, o LBRO D.

Dados os custos para correta destinação e descarte deste resíduo e o impacto ambiental que pode ser causado pelo grande volume produzido, pesquisas são realizadas buscando o seu reaproveitamento na construção civil [505 [05] J. L. Calmon, S. A. C. Silva. Mármore e granito no Espírito Santo: problemas ambientais e soluções. In: Domingues, A. F.; Boson, P. H. G.; Alípaz, S. (Org.). A gestão dos recursos hídricos e a mineração. Brasília. Agência Nacional das Águas e Instituto Brasileiro de Mineração. Capítulo 5, p. 199-231, 2006.]. Em sua condição natural, tem umidade entre 20 e 30%, mas após um processo de secagem, tem amplo potencial de aplicação em materiais de construção dada a sua condição de pó fino.

Resultados promissores foram identificados quando há inclusão do resíduo em matrizes cerâmicas [707 [07] A. M. Segadães, M. A. Carvalho, W. Acchar. Using marble and granite rejects to enhance the processing of clay products. Applied Clay Science. v. 30, p. 42-52, 2005.

08 [08] W. Acchar, F. A. Vieira, D. Hotza. Effect of marble and granite sludge in clay materials. Materials Science Engineering. v. 319, p. 306-309, 2006.

09 [09] P. Torres, H. R. Fernandes, S. Olhero, J. M. F. Ferreira. Incorporation of wastes from granite rock cutting and polishing industries to produce roof tiles. Journal of the European Ceramic Society. v. 29, p. 23-30, 2008.

10 [10] D. Eliche-Quesada, F. A. Corpas-Iglesias, L. Pérez-Villarejo, F. J Iglesias-Godino. Recycling of sawdust, spent earth from oil filtration, compost and marble residues for brick manufacturing. Construction and Building Materials. v. 34, p. 275-284, 2012.
- 1111 [11] N. Bilgin, H. A. Yeprem, S. Arslan, A. Bilgin, E. Günay, M. Marsboglu. Use of waste marble powder in brick industry. Construction and Building Materials. v. 29, p. 449-457, 2013.], betuminosas [1212 [12] M. Karasbahin, S. Terzi. Evaluation of marble waste dust in the mixture of asphaltic concrete. Construction and Building Materials. v. 21, p. 616-620, 2007.

13 [13] C. Rubio, F. Moreno, A. Belmonte, A. Menéndez. Reuse of waste material from decorative quartz solid surfacing in the manufacture of hot bituminous mixes. Construction and Building Materials. v. 25, p. 2465-2471, 2010.

14 [14] H. Akbulut, C. Gürer, S. Cetin, A. Elmaci. Investigation of using granite sludge as filler in bituminous hot mixtures. Constructions and Building Materials. v. 36, p. 430-436, 2012.

15 [15] F. Moreno, C. Rubio, M. J. M. Echevarria. Reuse of sludge from the decorative quartz industry in hot bituminous mixes. Constructions and Building Materials. v. 25, p. 2465-2471, 2011.
- 1616 [16] E. V. Gottardi, J. L. Calmon, J. E. S. L. Teixeira. O uso de resíduo de beneficiamento de rochas ornamentais e de escória de aciaria como fíler em misturas asfálticas. In: 42° Reunião Anual de Pavimentação, 2013, Gramado. Anais. Gramado: RAPv, 2013.] e cimentícias [1717 [17] J. L. Calmon, F. A. Tristão, F. S. S. Lordêllo, S. A. C. Da Silva, F. V. Mattos. Reciclagem do resíduo de corte de granito para a produção de argamassas. In: Encontro Nacional de Edificações e Comunidades Sustentáveis. Anais. Canela. ANTAC. 1997.

18 [18] J. L. Calmon, F. A. Tristão, F. S. S. Lordêllo, S. A. C. Da Silva, F. V. Mattos. Aproveitamento do resíduo de corte de granito para a produção de tijolos de solo-cimento. VII Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. Anais. Florianópolis. ANTAC. 1998.

19 [19] J. Gonçalves, W. Moura, D. Dal Molin. Avaliação da influência da adição do resíduo de corte de granito (RCG), como adição, em propriedades mecânicas do concreto. Ambiente Construído. v. 2, nº 1, p. 53-68, 2002.

20 [20] L. A. Gobbo, I. S. C. Mello. Reciclagem dos resíduos finos da serragem de mármores e granitos pela indústria de cimento. Anais. 1st International Congress of Dimension Stones. 6p, 2005.

21 [21] J. L. Calmon,, M. Moratti,, S. Moraes, D. Cenci. Self-compacting concrete using marble and granite sawing wastes as filler. World Sustainable Building Conference, Tokyo, 2005.

22 [22] W. A. Moura, J. L. Calmon, M. B. L. Lima, M. Moratti, R. F. Correia, D. O. Senna, M. C. Boaventura. Relatório final do projeto utilização de resíduo de serragem de rochas ornamentais (RSRO) na produção de peças pré-moldadas para habitação de interesse social. Relatório Final de Projeto. UFES. UEFS. 2007.

23 [23] R. R. Menezes, J. Farias Filho, H. S. Ferreira, G. A. Neves, H. C. Ferreira. Reciclagem de resíduos da construção civil para a produção de argamasas. Cerâmica. v. 55, p. 263-270, 2009.

24 [24] W. Y. Aruntas, M. Gürü, M. Dayi, I. Tekin. Utilization of waste marble dust as an additive in cement production. Materials and Design. v. 31, p. 4039-4042, 2010.

25 [25] I. Mármol, P. Ballester, S. Cerro, G. Monrós, J. Morales, L. Sánchez. Use of granite sludge wastes for the production of coloured cement-based mortars. Cement & Concrete Composites. v. 32, p. 617-622, 2010.

26 [26] L. F. Arrivabene. Adição de Resíduo da Indústria de Granito em Escória de Aciaria BOF visando sua utilização na Produção de Cimento. Tese (Doutorado em Metalurgia e Materiais) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Metalurgia, Universidade de São Paulo, 2012.

27 [27] N. Jain. Effect of nonpozzolanic and pozzolanic mineral admixtures on the hydration behavior of ordinary Portland cement. Construction and Building Materials. v. 27, p. 39-44, 2012.
- 2828 [28] O. Gencel C. Ozel, F. Koksal, E. Erdogmus, G. Martínez-Barrera, W. Brostow. Properties of concrete paving blocks made with waste marble. Journal of Cleaner Production. v. 21, p. 62-70, 2012.], com o objetivo de buscar elevação da durabilidade, redução no uso de agregados ou aglomerantes e principalmente melhorias no comportamento mecânico, baseando-se no desempenho físico que materiais inertes exercem quando em faixa granulométrica reduzida, atuando como elemento de preenchimento de poros e melhorando o empacotamento do sistema.

A partir da composição química do resíduo, é possível identificar também um elevado potencial para sua utilização na fabricação de vidros, devido à significativa presença de óxido formador de rede vítrea (SiO2) e de outros óxidos componentes (Al2O3, CaO, K2O, Na2O e MgO). Pesquisas apontam a viabilidade técnica da produção de vidro sodo-cálcico [2929 [29] M. P. Babisk. Desenvolvimento de vidros sodo-cálcicos a partir de resíduos de rochas ornamentais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ciência dos Materiais. Instituto Militar de Engenharia, 2009.] e de vidro borossilicato [3030 [30] R. L. S. B. Marçal. Fabricação de vidros especiais a partir de resíduos da indústria de rochas ornamentais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ciência dos Materiais. Instituto Militar de Engenharia, 2011.] a partir da aplicação de tratamento térmico, após a devida complementação da composição química. Além disso, sabe-se que resíduos de vidro tem potencial aplicação como pozolana, dada sua característica reativa quando finamente moídos [3131 [31] K. Sobolev, P. Türker, S. Soboleva, G. Iscioglu. Utilization of waste glass in ECO-cement: Strength properties and microstructural observations. Waste Management, v. 27, p. 971-976, 2007.

32 [32] L. A. Pereira-de-Oliveira, J. P. Castro-Gomes, P. M. S. Santos. The potential pozzolanic activity of glass and red-clay ceramic waste as cement mortars components. Construction and Building Materials, v. 31, p. 197-203, 2012.

33 [33] A. Khmiri, B. Samet, M. Chaabouni. A cross mixture design to optimise the formulation of a ground waste glass blended cement. Construction and Building Materials, v. 28, p. 680-686, 2012.
- 3434 [34] A. M. Matos, J. Sousa-Coutinho. Durability of mortar using waste glass powder as cement replacement. Construction and Building Materials, v. 36, p. 205-215, 2012.].

Mesmo diante das possibilidades de utilização de LBRO já identificadas, considerando o grande volume de resíduo gerado e ainda não consumido, esta pesquisa busca aproveitar o potencial vítreo do LBRO para desenvolver uma pozolana, visando os benefícios deste tipo de adição em materiais cimentícios como uma economia de aglomerantes e a melhoria das propriedades mecânicas. Além disso, este trabalho fundamenta-se em que as instituições científicas devem trabalhar na vanguarda e em assuntos desafiantes, esperando a longo prazo que se alcance um equilíbro no tripé econômico, ambiental e social, concernente ao desenvolvimento sustentável.

2. Materiais e métodos

O programa experimental foi dividido em duas etapas: tratamentos térmicos no resíduo e aplicação em argamassas. A partir de um estudo inicial das características do LBRO G e LBRO D, foram aplicados quatro tipos de tratamentos térmicos e identificadas as características resultantes, visando aplicar o material tratado termicamente como pozolana.

Então, a partir da escolha de um destes tratamentos pesquisados, os resíduos foram fundidos em maiores quantidades e utilizados como substituto do cimento em argamassas, podendo avaliar, assim, a influência dos diferentes percentuais nas propriedades mecânicas resultantes.

2.1 Materiais

Para fabricação das argamassas foi utilizado o cimento Portland de alta resistência inicial - CP V ARI conforme a norma NBR 5733 - Cimento Portland de alta resistência inicial [3535 [35] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 5733 - Cimento Portland de alta resistência inicial. Rio de Janeiro, 1991.], considerando o seu menor teor de adições diante daqueles disponíveis no mercado, buscando evitar efeitos combinados. O agregado miúdo foi a areia normal brasileira, que é material quartzoso natural, beneficiado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) conforme os requisitos estabelecidos na NBR 7214 - Areia normal para ensaio de cimento [3636 [36] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 7214 - Areia normal para ensaio de cimento. Rio de Janeiro, 1982.]. A utilização deu-se conforme as dimensões padronizadas em quatro faixas granulométricas, sendo 1,20, 0,60, 0,30 e 0,15 mm, inseridas em proporções iguais, de 25% para cada faixa granulométrica de acordo com o padrão adotado na NBR 7215 - Cimento Portland: determinação da resistência à compressão [3737 [37] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 7215 - Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1997.].

Os resíduos utilizados nesta pesquisa, LBRO G e LBRO D, são provenientes de uma serraria localizada no Estado do Espírito Santo, Brasil. Esta empresa desdobra em chapas, blocos de mármore, granito e outras rochas, provenientes de diversos estados brasileiros.

Os resíduos passaram por secagem, destorroamento e homogeneização, para em seguida serem caracterizados. As propriedades físicas e a composição química destes materiais e do cimento estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 -
Composição química e propriedades físicas dos resíduos e do cimento Portland

Pode-se observar em ambos os resíduos, a predominância de dióxido de silício (SiO2) e óxido de alumínio (Al2O3), sendo, portanto, caracterizados como sílico-aluminosos, com a soma dos percentuais de SiO2, Al2O3 e Fe2O3 superior a 50% para ambos. O índice de atividade pozolânica com o cimento demonstra que estes materiais não tem atividade reativa na matriz cimentícia, mas podem ser utilizados como adição mineral inerte, dada a sua finura superior à do cimento, o que pode promover o efeito fíler. As micrografias dos resíduos na Figura 1 apresentam os fragmentos de granalha de aço na amostra de LBRO G e demonstram que, de fato, o LBRO G possui grãos menores que o LBRO D, o que pode ser justificado pela recirculação da lama nos teares tradicionais para o corte de vários blocos, até que perca sua capacidade abrasiva.

Figura 1 -
Micrografias com ampliação de 1000 vezes do (a) LBRO G e (b) LBRO D

As fases morfológicas presentes nos resíduos estão demonstradas nos difratogramas de raios X da Figura 2 onde é possível identificar picos bem definidos, relativos principalmente à sílica (quartzo), característica típica de compostos cristalinos quimicamente estáveis e, portanto com baixa possibilidade de atividade reativa.

Figura 2 -
Difratogramas de raios X dos resíduos LBRO G e LBRO D

Quanto ao comportamento dos resíduos sob a influência de altas temperaturas, foi realizada uma simulação de aquecimento com base na composição química utilizando o software ThermoCalc(r). Conforme esta simulação, a provável temperatura de fusão com a formação completa de escória (massa fundida), para o LBRO G é de aproximadamente 1125ºC e para o LBRO D 1090ºC. E, para avaliar a viscosidade no processo de aquecimento, também foi realizada uma simulação computacional com base na composição química dos materiais através do software Slag Viscosity Model da empresa Magnesita(c), o que indicou alta viscosidade mesmo em elevadas temperaturas, sendo da ordem de grandeza de 104 Poise (P) para uma temperatura de 1450ºC, dificultando sua conformação e impedindo que atinja fluidez para que a massa fundida seja vertida, visto que os vidros enquanto em fusão apresentam aproximadamente uma viscosidade de cerca de 100 P [3838 [38] M. Akerman. Natureza, Estrutura e Propriedades do Vidro. Publicação técnica. Centro técnico de elaboração do vidro. Saint-Gobain, Vidros-Brasil, 2000.].

2.2 Métodos

2.2.1 Parte 1

Os métodos de aplicação do tratamento térmico (TT) objetivaram identificar a temperatura e condição ideal para produzir material vítreo a partir dos resíduos LBRO G e LBRO D, gerando composto amorfo, com possibilidade de aplicação como pozolana. Esta parte consistiu em execução e avaliação dos tratamentos térmicos.

Além da condição de secagem e destorroamento (TT0), foram executados 4 tratamentos, com temperaturas variando de 1200ºC a 1500ºC, conforme a Tabela 2.

Tabela 2 -
Tratamentos aplicados aos resíduos

O tratamento em forno mufla, tipo câmara, foi realizado aquecendo a amostra a uma taxa de 10ºC/min até a temperatura definida, sendo mantida em patamar por 2 horas e resfriando lentamente após este período conforme a inércia do forno.

Os tratamentos realizados em forno tipo tubular ocorreram com o aquecimento prévio do forno conforme a temperatura do TT, com a inserção das amostras, que eram aquecidas rapidamente e mantidas a temperatura padrão por duas horas e com o resfriamento onde o cadinho de grafite foi removido do forno com a utilização do aparato de segurança necessário e mergulhado em água à temperatura ambiente.

Sabe-se que o resfriamento brusco é o ideal para produção de vidros [3838 [38] M. Akerman. Natureza, Estrutura e Propriedades do Vidro. Publicação técnica. Centro técnico de elaboração do vidro. Saint-Gobain, Vidros-Brasil, 2000.], no entanto, dada a alta viscosidade da escória produzida na fusão não foi possível vertê-la, dificultando o processo de resfriamento.

Os materiais vítreos resultantes dos tratamentos térmicos passaram pelo processo de moagem, utilizando um moinho de argolas, e peneiramento na peneira 75μm (nº 200). E foram avaliados conforme três aspectos: produção, mineralogia e pozolanicidade, através do método de Lúxan [3939 [39] M. P. Lúxan; F. Madruga; J. Saavedra. Rapid evaluation of pozzolanic activity of natural products by conductivity measurement. Cement and Concrete Research. v. 19, p. 63-68, 1989.] que é um teste rápido com amostra de 5,0 g do material que avalia a atividade pozolânica pela variação da condutividade de uma solução saturada de Ca(OH)2.

A partir de então, o TT com os melhores resultados foi selecionado para produção em maior quantidade e aplicação nas argamassas. Foram denominados LBRO Gf e LBRO Df, sendo caracterizados quanto às suas propriedades físicas, composição química e atividade pozolânica [4040 [40] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 5752 - Materiais pozolânicos - Determinação de atividade pozolânica com cimento Portland - Índice de atividade pozolânica com cimento. Rio de Janeiro, 1992.], conforme os requisitos estabelecidos na NBR 12653 - Materiais pozolânicos: especificação [4141 [41] __________. NBR 12653 - Materiais Pozolânicos - Especificação. Rio de Janeiro, 1992.] .

2.2.2 Parte 2

Foram produzidas argamassas com proporção de 1:3:0,5 em massa (aglomerante:areia:água). O teor de aglomerante variou com a utilização dos resíduos em substituição ao cimento. Para verificar se, de fato, após tratamento térmico, os resíduos possuem desempenho comparável a pozolanas, foram adotados teores de substituição de 5, 10, 15 e 20% de cimento por cada resíduo tratado (ALGf e ALDf) e também traços de argamassa com substituição por resíduo sem tratamento térmico (ALG, ALD) com teores de 5 e 15%, além de uma argamassa de referência (AREF) para comparação. A dosagem das argamassas foi estabelecida em massa com a devida compensação de volumes para substituição do cimento por resíduos de acordo com a relação entre as massas específicas. Os traços estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 -
Traços das argamassas produzidas (quantidades em massa)

As argamassas foram produzidas conforme os procedimentos definidos na NBR 7215 [3737 [37] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 7215 - Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1997.] e foram verificadas as suas características no estado fresco, sendo feitos os ensaios para determinação do índice de consistência pelo espalhamento do tronco de cone na mesa, realizado conforme a NBR 13276 [4242 [42] __________. NBR 13276 - Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Preparo da mistura e determinação do índice de consistência. Rio de Janeiro, 2005.] e para verificação da massa específica das argamassas de acordo com a NBR 13278 [4343 [43] __________. NBR 13278 - Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da densidade de massa e do teor de ar incorporado. Rio de Janeiro, 2005.]. Para os ensaios no estado endurecido fez-se necessário moldar corpos de prova cilíndricos de 50 x 100 mm e para isso foi adotada o método descrito na NBR 7215 [3737 [37] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 7215 - Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1997.].

Na sequência, os corpos de prova foram mantidos dentro das fôrmas em câmara úmida e desmoldados após 24 horas, então, foram identificados e submetidos à cura imersa em água saturada com cal até a data definida para a realização dos ensaios no estado endurecido. Esta avaliação deu-se nas idades de 28, 63 e 91 dias e para isto foram moldados ao todo 234 corpos de prova, sendo 18 para cada traço e para cada idade. Nestas datas, os corpos de prova eram retificados para verificação do módulo de elasticidade e da resistência à compressão axial. A determinação do módulo de elasticidade dinâmico foi feita aos 28, 63 e 91 dias, através de medidor de velocidade de pulso ultrassônico, modelo Pundit Lab da Proceq, de acordo com a NBR 15630 [4444 [44] __________. NBR 15630 - Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação do módulo de elasticidade dinâmico através da propagação de onda ultrassônica. Rio de Janeiro, 2008.] e a resistência à compressão axial nas mesmas idades, em conformidade com a NBR 5739 [4545 [45] __________. NBR 5739 - Concreto - Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2007.].

Para verificar a influência dos elementos presentes na microestrutura da matriz cimentícia sobre os resultados de desempenho mecânico das argamassas foi realizada uma análise microestrutural através da microscopia eletrônica de varredura (MEV).

2.3 Análise estatística

Os resultados obtidos nos ensaios realizados nas argamassas no estado endurecido foram submetidos a uma análise estatística para verificação da variância, com o objetivo de comparar a influência de cada um dos fatores controláveis (tratamento térmico, tipo de resíduo, teor de substituição e idade) sobre as variáveis de resposta (módulo de elasticidade e resistência à compressão). Foi utilizada a técnica de análise de variância (ANOVA), considerando um nível de confiança de 95%, através do programa computacional Statistica 7.0 [4646 [46] Statsoft, Inc. Programa computacional Statistica 7.0. E.A.U, 2004.].

3. Resultados e discussões

3.1 Parte 1: Avaliação dos tratamentos térmicos aplicados

Quanto ao aspecto de produção, o TTI foi aquele que ofereceu as melhores condições, visto que, oferece risco mínimo ao operador e capacidade de produção de grande quantidade de material, apesar de necessitar de alta demanda de energia para aquecer todo o volume interno do forno.

Os tratamentos realizados no forno tubular (TTII, TTIII e TTIV) oferecem alto risco operacional e limitação quanto ao volume produzido, tem baixa demanda de energia para aquecimento, mas há uma impossibilidade de verter a massa fundida e ainda uma dificuldade para obter recipiente adequado.

No TTII, a adição de CaO não foi eficaz para redução da viscosidade, mas o amostra ficou porosa, facilitando a remoção forçada. No TTIII, o uso da tinta refratária auxiliou ligeiramente na remoção da amostra após resfriada, mas interagiu com o material nas bordas. E o TTIV apresentou uma difícil remoção do material fundido após resfriamento.

Quanto à mineralogia das amostras produzidas a partir dos tratamentos térmicos aplicados, pode-se afirmar que em todos os casos houve uma tendência de desorganização da rede cristalina com o aparecimento de halo amorfo, mesmo com a ocorrência dos picos cristalinos relativos ao SiO2 na forma de quartzo, visto que esta fase é estável e sua temperatura de fusão é maior do que as temperaturas dos tratamentos aplicados.

Quanto à pozolanicidade das amostras produzidas, os resultados da análise pelo método de Lúxan estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 -
Resultados referentes ao ensaio de pozolanicidade pelo método de Lúxan

Foram classificadas com pozolanicidade variável, as amostras de LBRO D relativas ao tratamento térmico TTI, realizado no forno mufla até 1200ºC com resfriamento lento e ao tratamento térmico TTIV, realizado no forno tubular com temperatura de 1500ºC.

Era esperado que as amostras com temperaturas de fusão mais altas e maior velocidade de resfriamento obtivessem maiores variações de condutividade causada pela maior reatividade do material, conforme ocorrido com a amostra de LBRO D do TTIV. Entretanto, a amostra do TTI também alcançou o índice para ser classificada como pozolana, indicando que com uma temperatura de 1200ºC e mesmo com o resfriamento lento é possível obter uma pozolana a partir da LBRO.

Esta reatividade pode estar atrelada à alta viscosidade do material durante o aquecimento, fazendo com que, após a desorganização do arranjo atômico haja a dificuldade de reorganização, gerando, assim, material com halo amorfo mesmo sem resfriamento brusco.

Diante dos critérios utilizados para avaliação dos tratamentos térmicos, julgou-se a utilização do TTI como mais adequada. Apresentou o menor risco de produção com possibilidade de produzir maior quantidade, sendo que as amostras indicaram uma desorganização da rede cristalina, com aparecimento de halo amorfo. E dentre os tratamentos com indicação de pozolanicidade é o de menor temperatura limite.

3.2 Caracterização dos resíduos após TTselecionado

As propriedades físicas e químicas dos resíduos após o tratamento térmico selecionado (TTI), denominados LBRO Gf e LBRO Df estão apresentadas na Tabela 5.

Tabela 5 -
Composição química e propriedades físicas dos resíduos após TTselecionado

Os dados apresentados mostram que depois do processo de fusão e moagem, os resíduos apresentaram características similares, sendo que o resíduo LBRO Gf possui massa específica ligeiramente maior, possivelmente devido à presença de vestígios da granalha de aço, mais densa que o restante do material. Mesmo com o tamanho das partículas semelhante ao do cimento, os resíduos LBRO Gf e LBRO Df apresentam superfície específica maior, o que pode ser atribuído a angulosidade dos grãos, característica de materiais vítreos, corroborando com os resultados apresentados por diversos autores que pesquisaram a utilização de resíduo de vidro [4343 [43] __________. NBR 13278 - Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da densidade de massa e do teor de ar incorporado. Rio de Janeiro, 2005.

44 [44] __________. NBR 15630 - Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação do módulo de elasticidade dinâmico através da propagação de onda ultrassônica. Rio de Janeiro, 2008.
- 4545 [45] __________. NBR 5739 - Concreto - Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2007.].

Após a fusão, os resíduos mantém-se predominantemente sílico-aluminosos, com um teor de SiO2, Al2O3 e Fe2O3, apresentando um valor maior que 50% como estabelecido nos requisitos da NBR 12653 [3838 [38] M. Akerman. Natureza, Estrutura e Propriedades do Vidro. Publicação técnica. Centro técnico de elaboração do vidro. Saint-Gobain, Vidros-Brasil, 2000.] para materiais pozolânicos, classe E.

As principais fases mineralógicas presentes no material verificadas a partir dos difratogramas de raios X dos resíduos após tratamento térmico estão apresentados na Figura 3.

Figura 3 -
Difratogramas de raios X dos resíduos após TTselecionado, LBRO Gf e LBRO Df

Pode-se observar uma redução e alargamento nos picos cristalinos, o que indica uma tendência de desorganização da rede, característica marcante nos vidros, o que favorece a ação pozolânica do material, mesmo identificando ainda a presença da sílica em sua fase quartzo (SiO2), que apesar do aquecimento, não atingiu por completo sua temperatura de fusão que é cerca de 1700ºC.

Para verificar a capacidade dos resíduos tratados de possuírem a ação pozolânica na matriz cimentícia, eles foram avaliados quanto ao seu Índice de Atividade Pozolânica com o cimento (IAP-cim) [4040 [40] Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 5752 - Materiais pozolânicos - Determinação de atividade pozolânica com cimento Portland - Índice de atividade pozolânica com cimento. Rio de Janeiro, 1992.]. A NBR 12653 [4141 [41] __________. NBR 12653 - Materiais Pozolânicos - Especificação. Rio de Janeiro, 1992.] estabelece que o valor mínimo do IAP-cim para que o material seja considerado pozolânico é de 75% e água requerida máxima de 110%. O IAP-cim do LBRO Gf foi de 94,7% e o do LBRO Df foi de 97,3%, podendo-se afirmar que ambos os resíduos possuem atividade pozolânica comprovada com o cimento. Diante dos requisitos químicos e físicos, após o tratamento térmico os materiais podem ser classificados como pozolana classe E.

3.3 Parte 2: Argamassas produzidas

3.3.1 Estado fresco

A relação a/c foi mantida constante, as adições foram usadas em substituição ao cimento e a quantidade de água foi padrão em todas as argamassas preparadas. O Índice de Consistência (IC) variou de 211,5 mm na AREF a 226,0 mm nas ALDf 5, 10 e 15. A máxima variação foi de 6,9 % em relação à AREF. Verificou-se que o IC está dentro do intervalo inerente ao da variabilidade do tipo de ensaio, não sendo possível afirmar que tais resultados são efetivamente diferentes.

Quanto à massa específica das argamassas no estado fresco, observou-se que houve uma redução com o aumento do teor de substituição, o que se justifica pela menor massa específica dos resíduos quando comparadas ao cimento.

3.3.2 Estado endurecido

Quanto à resistência à compressão axial, como pode ser visualizado no gráfico da Figura 4, analisando em termos de valores absolutos, as argamassas com substituição de cimento por resíduo obtiveram resultados inferiores aos da AREF. As ALGf e ALDf apresentaram valores de resistência mais próximos à AREF. Verificou-se, analisando somente a idade de 91 dias, que os equivalentes percentuais em relação à AREF variaram de 74,4 % a 95,7 %, sendo que as argamassa com valores mais próximos a AREF foram ALG 5, ALGf 5 e ALGf 10. Isto pode ser explicado pelo efeito fíler com o baixo percentual de substituição na ALG 5, e nas ALGfs pode-se atribuir o desempenho à atividade pozolânica com o cimento dos resíduos que receberam tratamento térmico. Ainda que não se possa comprovar neste trabalho, espera-se uma tendência de aumento de resistência à compressão axial nas argamassas que utilizaram resíduos com tratamento térmico, de tal forma que se seja possível alcançar resistências muito próximas ou iguais às da AREF, principalmente com menores teores de substituição, considerando o efeito tardio das reações pozolânicas, consequência da produção de silicato de cálcio hidratado (C-S-H) nestas fases [101 [01] P. K. Mehta and P. J. M. Monteiro. Concreto: microestrutural, propriedades e materiais, 3 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro do Concreto - IBRACON, p. 674, 2008.].

Figura 4 -
Resistência à compressão axial média das argamassas aos 28, 63 e 91 dias

A análise de variância destes resultados deu-se separadamente, para o conjunto de dados obtidos nas argamassas que utilizaram o resíduo sem tratamento térmico e nas argamassas que foram preparadas com o uso dos resíduos após o tratamento térmico e moagem.

Para as argamassas produzidas com os resíduos sem tratamento térmico, pode-se afirmar que o tipo de resíduo (LBRO G ou LBRO D) não foi uma variável significativa nos resultados da resistência à compressão axial, considerando um intervalo de confiança de 95% e um nível de significância de 5%. Idade e teor de substituição são significativos bem como a interação entre eles, como esperado.

Para as argamassas produzidas com os resíduos que foram tratados termicamente, o LBRO Gf e LBRO Df, os resultados de resistência à compressão estão de acordo com as conclusões de diferentes autores que trataram de adições em matrizes cimentícias, sabendo que têm caraterísticas similares aos vidros. Pesquisadores identificaram que argamassas com utilização de resíduo de vidro finamente moído obtiveram resistência inferior a da argamassa referência, mas com resultado satisfatório, principalmente em idades posteriores, associado à ação pozolânica do material [3333 [33] A. Khmiri, B. Samet, M. Chaabouni. A cross mixture design to optimise the formulation of a ground waste glass blended cement. Construction and Building Materials, v. 28, p. 680-686, 2012. - 3434 [34] A. M. Matos, J. Sousa-Coutinho. Durability of mortar using waste glass powder as cement replacement. Construction and Building Materials, v. 36, p. 205-215, 2012. , 4747 [47] A. S. Sauer. Estudo do potencial de aplicação do resíduo de vidro laminado em argamassas de recuperação estrutural. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.].

A análise de variância deste grupo de argamassas realizada em um intervalo de confiança de 95% e um nível de significância de 5% indica que todos os fatores controláveis (tipo de resíduo, teor de substituição e idade) interferem de forma significativa na resistência à compressão independentemente. A interação entre eles só foi significativa quando entre o tipo de resíduo e o percentual de substituição e o percentual e a idade, o que se diferenciou da ocorrência de significância no caso das argamassas com resíduo sem tratamento térmico. O comportamento semelhante ao da argamassa de referência neste grupo pode ser observado na Figura 5.

Figura 5 -
Efeito da interação entre a idade e o teor de substituição na resistência à compressão

Foi executada também a análise de variância dos resultados de resistência à compressão das argamassas ALG, ALD e ALGf e ALDf com os percentuais de substituição de 5 e 15%, para avaliar a influência da realização do tratamento térmico nos resíduos sobre os resultados de resistência. Esta avaliação deu-se com a inclusão da fonte de variação que determina se houve ou não tratamento térmico no resíduo. É possível confirmar que o fato do resíduo ter sido ou não tratado termicamente é uma questão significativa nos resultados da resistência à compressão axial das argamassas, assim como as demais variáveis individualmente.

No que se refere à diferença entre o comportamento do resíduo com e sem tratamento térmico, ou seja, pozolânico e não pozolânico, esta pesquisa identificou que para teores mais elevados há uma redução da resistência, quando se utiliza material não pozolânico, sendo que o material pozolânico mantém os resultados mais próximos ao da argamassa de referência, conforme pode ser observado no gráfico da Figura 6.

Figura 6 -
Efeito da interação entre tratamento do resíduo e teor de substituição na resistência à compressão

Quanto ao módulo de elasticidade, em termos de valores absolutos, como pode ser observado na Figura 7, os resultados das argamassas com substituição são inferiores aos de AREF, assim como na resistência à compressão. As ALGf e ALDf apresentaram valores de módulo de elasticidade mais próximos à AREF. Na idade de 91 dias, verifica-se que os equivalentes percentuais em relação à AREF variaram de 87,7% a 99,6%, sendo que as argamassa com valores mais próximos a AREF foram ALGf 5, ALGf 10 e ALDf 10.. Este comportamento pode estar relacionado à maior densidade nas matrizes das argamassas com os resíduos após fusão, pela atividade pozolânica destes materiais.

Figura 7 -
Módulo de elasticidade dinâmico médio das argamassas aos 28, 63 e 91 dias

A análise de variância deu-se conforme para resistência à compressão, inicialmente em dois grupos (argamassas produzidas com resíduos na condição TT0 e após o tratamento TTI) e depois de forma conjunta para os teores de 5% e 15%.

Os resultados da análise foram similares aos da resistência à compressão, onde o tipo de resíduo não foi significativo para as argamassas com resíduo sem tratamento térmico, mas foi quando nos outros casos. O avanço da idade aumentou o módulo de elasticidade em todas as verificações e o aumento do teor de substituição diminuiu o valor do módulo, em geral. Na análise conjunta dos resultados pode-se confirmar que a realização do tratamento térmico nos resíduos exerce uma influência significativa nos resultados do módulo de elasticidade das argamassas. O gráfico da Figura 8 demonstra que os resíduos com tratamento térmico geraram resultados superiores para o módulo, com uma redução menos acentuada com o aumento do teor de substituição.

Figura 8 -
Efeito da interação entre tratamento do resíduo e teor de substituição no módulo de elasticidade

Nas imagens da argamassa ALD 15, que possuiu o menor desempenho mecânico das argamassas avaliadas, foi possível observar a presença de poros, com formações cristalinas tardias de aluminatos de cálcio hidratado aos 91 dias conforme observado na Figura 9.

Figura 9 -
Imagens obtidas por MEV da ALD 15

A argamassa com 5% de substituição de cimento por LBRO Gf obteve desempenho mecânico similar ao da argamassa de referência. Observa-se na Figura 10, que aos 91 dias há formação de pilhas de placas de portlandita e cristais de C-S-H. Estes cristais preenchem os poros antes ocupados por água durante a hidratação do cimento, refinando a matriz e tornando a argamassa menos permeável, comportamento típico do efeito pozolânico.

Figura 10 -
Imagens obtidas por MEV da ALGf 5

4. Conclusões

▪ A lama do beneficiamento de rochas ornamentais (LBRO), com granalha e sem granalha, é um material sílico-aluminoso com amplo potencial de utilização em materiais de construção.

▪ A aplicação de tratamento térmico ao LBRO pode produzir uma pozolana, sendo que para melhores resultados é preciso desenvolver novas pesquisas, buscando técnicas adequadas para resfriamento brusco, que resultem em material predominantemente amorfo.

▪ A LBRO pode atuar como fíler em matrizes cimentícias, substituindo o cimento e mantendo a resistência à compressão próxima aos valores de referência quando em baixos teores de substituição (5%), e para esta condição, não há diferença significativa entre a atuação do resíduo com granalha ou sem granalha.

▪ A partir da realização de tratamento térmico e moagem na LBRO, este material pode ser utilizado em matrizes cimentícias como substituto do cimento, alcançando de maneira geral maiores valores de resistências à compressão axial e módulo de elasticidade do que os alcançados com resíduos não tratados termicamente.

▪ A produção de material pozolânico a partir de resíduos de rochas ornamentais pode ser estabelecida como uma alternativa de reciclagem destes resíduos, e para isso faz-se necessário estruturar meios de otimizar os meios de produção, considerando que esta pesquisa foi desenvolvida com objetivo de verificar a viabilidade técnica do produto e demanda-se uma análise de sustentabilidade do material.

▪ Portanto, pode-se considerar promissora a aplicação do resíduo do beneficiamento de rochas ornamentais como substituto parcial do cimento, atuando como pozolana, quando utilizado após tratamento térmico e moagem.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES pelo apoio financeiro, às equipes dos laboratórios LEMAC, LMC/LPT, LCSM, LabPetro todos da UFES pelo suporte técnico e às empresas Vitoria Stone, Holcim e Vale pela participação na pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2014
  • Aceito
    19 Dez 2014
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