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Discussão de "Estruturas de concreto. Contribuição à análise de segurança em estruturas existentes, por Couto, D.; Carvalho, M.; Cintra, A. and Helene, P. Rev. IBRACON Estrut. Mater. 2015, vol.8, n.3, pp. 365-389"

O artigo em discussão apresenta algumas afirmações e insinuações incorretas, que levam a interpretações inconsistentes de normas técnicas, e podem colocar em risco a segurança estrutural. No resumo, os autores afirmam que "em uma estrutura acabada, os coeficientes de ponderação da segurança podem ser flexibilizados, uma vez que um grande número de fatores desconhecidos durante a etapa de projeto podem ser mensurados". Estes coeficientes podem ser modificados se e somente se efetivamente forem avaliadas e medidas informações relevantes à segurança estrutural, como por exemplo (Melchers, [1]):

  • Inspeção preliminar do local (para verificar localização, condições, ações, influências ambientais, características especiais, necessidade de testes adicionais);

  • Recuperação e revisão de toda a documentação relevante, incluindo o histórico de carregamentos, manutenção, reparos e alterações;

  • Levantamento de medidas e testes específicos no local, incluindo, talvez, prova de carga;

  • Análise dos dados coletados para refinar (ou atualizar) os modelos probabilísticos para resistência estrutural (e talvez das ações);

  • (Re-)análise rigorosa da estrutura com os parâmetros atualizados de carregamentos e resistências (isto é, desenvolvimento e refinamento das funções de estado-limite);

  • Análise da confiabilidade estrutural;

  • Análise de decisão.

Como pode ser observado, existe uma série de procedimentos de avaliação que precisam ser adotados para que seja possível a redução dos coeficientes de segurança. Embora os autores reconheçam parte destes procedimentos no resumo e na introdução do artigo, no corpo do trabalho grande parte destes procedimentos são ignorados, com o trabalho endereçando apenas a resistência do concreto.

Perdas de resistência do concreto devem ser compensadas por ganhos como redução de variabilidades, ou de carga, ou ainda por ganho de seção transversal. Todavia, é importante salientar que, em pilares, a resistência do concreto é a variável aleatória mais importante, no caso usual de razão entre carregamento variável e permanente pequena [2]. Adicionalmente, determinar os valores reais dos vários parâmetros envolvidos na segurança de uma estrutura existente não é uma tarefa direta e pode, por si só, introduzir novas incertezas.

Na Seção 2, os autores tentam definir valores das parcelas do γcc1, γc2, γc3). Esses valores são de difícil obtenção e necessitam ser avaliados de forma probabilística.

Ainda na Seção 2, os autores escrevem que uma aproximação experimental do coeficiente γc pode ser obtida através de estudos reais de comparação entre a resistência de controle da ABNT NBR 12655: 2006 com a resistência média efetiva, aferida através de testemunhos extraídos. Essa afirmação está incorreta, pois o coeficiente de segurança γc não envolve apenas a variabilidade da resistência do concreto. Além disso, a extração de testemunhos também introduz incertezas e variabilidades, além de, usualmente, serem retirados de pontos pouco armados que são de concretagem mais fácil.

A Seção 4.1.3 não possui base normativa nacional. A utilização de valores reduzidos de coeficientes de segurança, como sugerido (γc <1,27 e γc=1,05), não pode ser utilizada pois, até o presente momento, não tem base em análise de confiabilidade estrutural. Além disso, problemas com concreto não-conforme são muito comuns no Brasil (ver [2]). A redução desses coeficientes pode incentivar a produção de concreto com menor resistência do que o especificado em projeto.

A Seção 4.2.1.2 está incorreta, pois o ACI 318-11 [20] foi referenciado indevidamente. A frase "quando o primeiro passo não alcança a conformidade ou sempre que se trate de estruturas existentes, o ACI 318-11 (Capítulo 20) prescreve a estimativa de uma resistência equivalente f'c de uma forma mais apurada, através do ACI 214.4R-10" não está correta, pois o ACI 318-11 não permite a utilização dos métodos descritos no ACI 214.4R em casos de não conformidade do concreto, conforme o R20.2.3 (pag. 324, [20]) reproduzido a seguir:

"R20.2.3 - ACI Committee 214 has developed two methods for determining f'c from cores taken from an existing structure. These methods are described in ACI 214.4R20.1 and rely on statistical analysis techniques. The procedures described are only appropriate where the determination of an equivalent f'c is necessary for the strength evaluation of an existing structure and should not be used to investigate low cylinder strength test in new construction, which is considered in 5.6.5."

A mesma incoerência aparece na Seção 4.2.1.3, pois esta faz referência ao ACI 214.4R, mesmo se tratando de estruturas em construção ou nova, com problemas de conformidade do concreto.

A Seção 4.2.4 não deixa claro se os procedimentos são válidos para estrutura em construção (ou nova) com problemas de conformidade ou para estruturas existentes, e omite o fato que a Norma EN 13791 [24] só permite a utilização das equações (16) e (17) para estruturas "velhas" (old structures). Para casos de não-conformidade, utiliza-se outro procedimento.

O exemplo apresentado na Seção 5 reproduz e ilustra algumas das inconsistências já apontadas. O texto não deixa claro se a estrutura estaria em construção, seria nova ou existente. O exemplo também não esclarece se a avaliação da resistência do concreto é motivada por problemas de conformidade ou, por exemplo, por mudança no tráfego (nível de carregamento) de uma ponte ou mudança no tipo de uso de uma estrutura. Embora o exemplo não cite os ensaios de recebimento do concreto, os valores da resistência à compressão obtidos em 8 testemunhos resultaram bem menores (fc, maior = 19,1 Mpa) que o valor característico de projeto (fck = 25 Mpa), sendo o maior valor igual a 76% do fck. A conclusão natural é que se trata de não-conformidade do concreto e, portanto, a utilização, pelo exemplo, dos procedimentos do ACI 214.4R e do EN 13791 seria indevida.

A modificação dos coeficientes de segurança mostrados na Tabela 3 é justificada, segundo o ACI 318-11, pelo uso de propriedades dos materiais obtidos em campo e de forma acurada, dimensões "reais" medidas na estrutura e métodos de análise bem entendidos. Portanto, não é correto modificar estes fatores, como indica o exemplo do artigo, sem inspeção e reanálise do modelo estrutural, pois as novas informações são importantes e podem resultar em aumento dos esforços ou redução das resistências, ou seja, podem ter efeitos desfavoráveis.

  • MELCHERS RE. Structural Reliability Analysis and Prediction". John Wiley & Sons, Chichester, 1999.
  • SANTIAGO, W.C.; BECK, A. T. Estudo da (Não-)Conformidade de Concretos Produzidos no Brasil e sua Influência na Confiabilidade de Pilares Curtos. Revista IBRACON de Estruturas e Materiais, v.4, p.663 - 690, 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2015
  • Aceito
    30 Ago 2015
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