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Estudo da influência dos agregados de concreto reciclado em concretos permeáveis

Resumos

A expansão de áreas urbanas força a uma constante alteração do ciclo hidrológico, que por sua vez afeta diretamente a drenagem das águas pluviais. Os problemas de drenagem urbana tornam-se grandes problemas de engenharia a serem resolvidos para evitar consequências nefastas para as populações locais. Outro problema urbano é a demasiada produção de resíduos de construção civil (RCC), pois apesar da criação de políticas para o gerenciamento destes resíduos ainda há grande quantidade de RCC sendo lançados em locais inadequados de disposição. Como uma alternativa de minimização dos problemas apresentados, propõem-se o estudo de concreto permeável com o uso de agregados reciclados de concreto como uma alternativa para pavimentação. Neste estudo foi avaliada a eficiência dos concretos por meio de ensaio de permeabilidade, consistência, resistência mecânica e as condições de interface. Obtiveram-se satisfatórias relações de resistência/permeabilidade dos concretos com agregado reciclado em relação aos concretos com agregados naturais, mostrando o seu grande potencial de uso.

resíduos; concreto permeável; agregados reciclados de concreto


The expansion of urban areas under constant changes in the hydrological cycle directly affects the drainage of rainwater. The problems of urban drainage become major engineering problems to be solved in order to avoid negative consequences for local populations. Another urban problem is the excessive production of construction and demolition waste (CDW), in which , even with a increasingly policy of waste management , have been an end up being thrown in inappropriate disposal sites. Alternatively aiming to a minimization of the problems presented, we propose the study of permeable concrete using recycled concrete aggregate. In this study, there were evaluated the performance of concrete by means of permeability, consistency, strength, and interface conditions of the materials . Satisfactory relationships of resistance/permeability of concrete with recycled aggregate in relation to the concrete with natural aggregates was obtained, showing their best potential.

waste; pervious concrete; recycled concrete aggregates


1. Introdução

As principais cidades do Brasil e do mundo detém um grande número de construções e áreas pavimentadas impermeáveis. Sendo assim, o ambiente da cidade está longe de ser natural. As enchentes urbanas, uma das consequências da crescente impermeabilização do solo resultante da urbanização, têm sido um dos principais problemas enfrentados no meio urbano. A ocupação urbana através de áreas impermeáveis como telhados, passeios, ruas, estacionamentos, passeios e outros altera as características de volume e qualidade do ciclo hidrológico.

Com a drenagem da água através do solo, o escoamento e o retorno da água ao lençol freático tornam-se mais difíceis nas áreas urbanas, resultando em alterações nos leitos dos rios e dos canais e aumento no volume e constância das enchentes. Desta forma as enchentes aumentam de magnitude produzindo aumento da frequência. Este aumento traz consigo o acréscimo da produção de lixo e a deterioração da qualidade da água. As soluções geralmente encontradas por parte do poder público têm sido as redes de drenagem, que simplesmente transferem a inundação de um ponto para outro a jusante na bacia sem que se avaliem os reais benefícios da obra. A tendência atual na área de drenagem urbana é buscar novas tecnologias que visem ao acréscimo da infiltração e ao retardo do escoamento [ 1[1] TUCCI, C.E.M. Estimativa do Volume para controle da drenagem no lote. In: Drenagem urbana: Gerenciamento Simulação e Controle, Editora da Universidade ABRH, 1998, p. 155-163, 1998.].

As medidas de controle de enchente podem se classificadas em estruturais e não-estruturais. As de caráter estrutural envolvem obras ou uso de equipamentos e tecnologia, sendo considerada mais onerosa. Já as medidas não-estruturais são soluções gerenciais mais baratas que procuram intervir nas causas que podem originar ou agravar um problema. Algumas importantes medidas de controle são: a detenção no lote, que controla apenas a vazão máxima; o uso de áreas de infiltração para receber a água de áreas impermeáveis e recuperar a capacidade de infiltração da bacia; os pavimentos permeáveis. As medidas de micro e macrodrenagem são as detenções e retenções. As detenções são reservatórios urbanos mantidos secos com uso do espaço integrado à paisagem urbana, enquanto que as retenções são reservatórios com lâmina de água utilizados não somente para controle do pico e volume do escoamento, como também da qualidade da água. Porém, a maior dificuldade no projeto e implementação dos reservatórios é a quantidade de lixo transportada pela drenagem que obstrui a entrada dos mesmos [ 2[2] TUCCI, C. E. M; BERTONI, J.C. Inundações urbanas na América do Sul. Porto alegre: Associação Brasileira de recursos Hídricos, 2003, 150 p . ],[ 3[3] CAMPANA, N.; TUCCI, C.E.M. Estimativa de área Impermeável de macro bacias urbanas. RBE, Caderno de Recursos Hídricos, v.12, n.2, 1994; p.79-94.].

Em vista das medidas de controle, um promissor sistema capaz de reduzir o volume do escoamento superficial, privilegiando a infiltração e a retenção da água no subsolo é o uso de pavimento permeável, sendo o concreto um dos materiais que podem ser usados para a produção destes pavimentos.

Sabe-se que a extração e processo de materiais para a construção civil geram grandes impactos ambientais que se agravam por pertencerem aos recursos naturais finitos da terra. Além disso, pode-se destacar outro impacto ambiental que é a geração de resíduos de construção civil (RCC). Este problema acaba afetando o meio ambiente pelo uso de áreas de deposição clandestinas, e, além disso, acaba gerando gastos da administração pública com gerenciamento do entulho.

Uma importante destinação para o entulho de concreto, material que se enquadra na Classe A da Resolução 307 do Conama [ 4[4] BRASIL, MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA. Resolução no 307, de 05 de julho de 2002. Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, nº 136, 17 de julho de 2002.], é a sua reciclagem em forma de agregado, que pode ser realizada na confecção de novos materiais de construção civil. As grandes vantagens da reciclagem são o aumento da vida útil das jazidas de matéria-prima, cada vez mais escassas, na medida em que os agregados naturais são substituídos por materiais reciclados; e a possibilidade de produção de materiais de construção reciclados com baixo custo [ 5[5] PINTO, T. P. Construction Wastes as Raw Materials for Low-Cost Construction Products. In: First International Conference of CIB, TG 16, Tampa, 1994, proceedings.].

Os agregados reciclados de RCC são heterogêneos e possuem uma porosidade mais elevada que os agregados de rochas tradicionalmente empregados para a confecção de concreto. Esta maior porosidade pode resultar em uma maior porosidade do concreto e, por consequência, uma redução na resistência à compressão e menor capacidade de evitar a corrosão das armaduras, no caso do concreto armado, o que pode ser extremamente prejudicial para os elementos estruturais constituídos com este material. Porém, no caso de um pavimento permeável de concreto a porosidade presente nos agregados reciclados pode ser uma grande vantagem, já que o objetivo é aumentar a capacidade de drenagem dos elementos.

Relacionando-se a permeabilidade dos pavimentos e o reaproveitamento de concreto, propõem-se como objetivo deste trabalho o estudo de concreto permeável com o uso de agregados reciclados de concreto. Este estudo avalia a eficiência dos concretos permeáveis por meio de análises experimentais, comparando a permeabilidade, consistência, resistência mecânica e as condições de interface dos agregados reciclados em diferentes tipos de composição de concreto com agregado reciclado de concreto (ARC).

O concreto permeável tem uma importante aplicação para construções sustentáveis, pois oferece uma tecnologia de baixo impacto, muitas vezes usado pelos construtores para proteger a qualidade da água [ 6[6] OBLA, K. Pervious Concrete for Sustainable Development. Proceedings of the First International Conference on Recent Advances in Concrete Technology, Washington, DC, 2007, proceedings.]. A adequada utilização do concreto permeável está entre as melhores práticas de gestão (Best Management Practices) reconhecida pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US Environmental Protection Agency) para fornecer controle da poluição e a gestão de águas pluviais.

Os pavimentos permeáveis têm sido utilizados nos EUA e na Europa desde meados dos anos 1970. Estes pavimentos podem ser classificados basicamente em três tipos, pavimento de asfalto poroso, pavimento de concreto poroso (monolítico) e pavimento de blocos de concreto [ 7[7] URBONAS, B., STAHRE, P. Stormwater Best Management Practices and Detention, Englewood Cliffs. New Jersey: Prentice Hall, 1993, 450 p .]. O pavimento de concreto deve apresentar uma elevada porosidade obtida por um elevado volume de vazios fortemente interligados com agregados graúdos. Tipicamente concreto permeável tem pouco ou nenhum agregado fino com adição de aglomerante apenas o suficiente para revestir as partículas de agregado graúdo, preservando a interconectividade dos espaços vazios (Figura 1).

Figura 1
- Aspecto típico de um concreto permeável

O concreto permeável tem menor resistência mecânica do que o concreto comum (considerando-se um mesmo consumo de cimento), e é mais vulnerável à fragmentação sob cargas de tráfego em movimento. Este tipo de pavimentação é tradicionalmente usado em áreas de estacionamento, áreas com tráfego leve, ruas residenciais e calçadas de pedestres [ 8[8] GIBBONS, J. Pavements and Surface Materials. University of Connecticut Cooperative Extension, Technical Paper number 8, 1999, p. 1-7.],[ 9[9] WU, H., HUANG, B., SHU, X., DONG, Q. Laboratory Evaluation of Abrasion Resistance of Portland Cement Pervious Concrete. J. Mater. Civ. Eng. v. 23, 2011; p. 697-702.].

2. Materiais e programa experimental

Para este estudo foram utilizados uma brita de origem basáltica e agregados graúdos reciclados provenientes da cominuição de resíduos do processo produtivo de uma empresa que produz componentes pré-fabricados de concreto, com fck = 30 MPa. O concreto foi submetido ao processo de cominuição por britagem e posteriormente peneirado para separação do agregado miúdo, também obtido no processo. Após, os agregados de concreto foram armazenados em laboratório até o momento da utilização. A caracterização dos agregados graúdos consta na Tabela 1. O aglomerante hidráulico usado foi o cimento CP IV-32, normalizado pela NBR 5736:1999[ 10[10] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Cimento Portland pozolânico. NBR 5736, Rio de Janeiro, 1999.].

Tabela 1
- Ensaios de caracterização dos agregados graúdos naturais e reciclados

Como não existe uma metodologia consagrada para a dosagem de concreto permeável, foi realizado um levantamento dos traços utilizados por diversos autores [ 14[14] PUTMAN, B.J., NEPTUNE, A.I. Comparison of test specimen preparation techniques for pervious concrete pavements. Construction and Building Materials, v. 25, n. 8, 2011; p. 3480-3485.],[ 15[15] PINDADO, M. Á., AGUADO, A., JOSA, A. Fatigue behavior of polymer-modified porous concretes. Cement and Concrete Research, v. 29, n. 7, 1999; p. 1077-1083.],[ 16[16] HASELBACH, L. M., VALAVALA, S., MONTES, F. Permeability predictions for sand-clogged Portland cement pervious concrete pavement systems. Journal of Environmental Management, v. 81, n. 1, 2006; p. 42-49.],[ 17[17] SCHAEFER, V. R., WANG, K., SULEIMAN, M. T., KEVERN, J. T. Mix Design Development for Pervious Concrete in Cold Weather Climates. Ames, IA, National Concrete Pavement Technology Center, Final Report, February 2006.],[ 18[18] JOUNG, Y. M. Evaluation and optimization of pervious concrete with respect to permeability and clogging. Thesis. Texas A&M University. December 2008.], de modo a identificar parâmetros usuais para a especificação de traços de concreto permeável. Com base nestes dados, foram executadas misturas a fim de determinar um traço com agregado natural e com uma boa relação entre a coesão no estado fresco e a resistência, para ser empregada nas demais dosagens neste trabalho. Para tanto, foram confeccionados concretos com consumos de cimento de 336, 350, 398, 485 e 539 kg/m3, e consumos de agregado graúdo de 1289, 1297, 1307, 1400 e 1628 kg/m3. Os teores de água utilizados foram os necessários para garantir uma relação água/cimento 0,3±0,03 (com o uso de agregado natural) e 0,4±0,03 (com o uso de agregado reciclado). Realizou-se misturas com 100% de agregado natural (AN), 50% de agregado natural e 50% de agregado reciclado (ANR) e misturas com 100% de agregado reciclado (AR). Em três traços de concreto com agregado reciclado foram adicionadas fibras de vidro (curta - 12mm e longa - 24mm), com intenção de melhorar as propriedades mecânicas do compósito. A relação dos traços adotados é apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
- Relação dos traços adotados para a confecção dos concretos

Após cada betonada, foi determinado o abatimento do concreto por meio do ensaio de "VeBe" (ACI 211.3R-02 [ 19[19] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Guide for Selecting Proportions for No-Slump Concrete. ACI 211.3R, Farmington Hills, 2002.]; DNIT 064/2004[ 20[20] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Pavimento rígido - Determinação da consistência do concreto pelo consistômetro VeBe -. Método de ensaio. DNIT 064, Rio de Janeiro, 2004.]), usado para a análise de consistência de concretos muito secos (em concretos permeáveis o ensaio de consistência com tronco de cone resulta na maioria das vezes em abatimento zero). Para os ensaios de resistência a compressão foram moldados corpos de prova cilíndricos com dimensões de 10 cm de diâmetro e 20 cm de altura, adensados em três camadas, vibradas em mesa vibradora por 5 segundos. Os corpos de prova foram retirados da câmera úmida para ensaio de resistência a compressão axial nas idades de 3, 7 e 28 dias (NBR 5739:2007 [ 21[21] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Concreto - Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. NBR 5739, Rio de Janeiro, 2007.]). Após a obtenção da resistência à compressão dos corpos de prova calculou-se a média e o desvio padrão dos valores individuais de resistência para possibilitar a determinação da resistência característica à compressão através da utilização da equação sugerida pela norma NBR 9781:2013 [ 22[22] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Peças de concreto para pavimentação - Especificação e métodos de ensaio. NBR 9781, Rio de Janeiro, 2013.]. O coeficiente "t" de student para "n" igual a três, a um nível de confiança de 80%, tem o valor de 0,92. A norma NBR 9781:2013 considera que a resistência à compressão obedece a distribuição normal, portanto, o valor da resistência característica pode ser calculado pela Equação 1.

Onde, fpk é a resistência característica à compressão em MPa, fp é a resistência média das peças ensaiadas em MPa, t é coeficiente de student e s é o desvio padrão da amostra em MPa.

A fim de determinar a absorção de água, o índice de vazios por imersão e a massa específica dos concretos endurecidos, foi utilizada a norma NBR 9778:2009 [ 23[23] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Argamassa e concreto endurecidos - Determinação da absorção de água, índice de vazios e massa específica. NBR 9778, Rio de Janeiro, 2009.]. Para este ensaio foram utilizados, para cada traço de concreto, três corpos de prova cilíndricos de 10 x 20 cm, na idade de 28 dias (cura saturada). Além do ensaio mecânico e de absorção de água, foram realizadas três moldagens de corpos de prova por traço de concreto para os ensaios de permeabilidade (ensaio com o uso de um permeâmetro de carga variável) conforme previsto na norma NBR 14545:2000 [ 24[24] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Solo - Determinação do coeficiente de permeabilidade de solos argilosos a carga variável. NBR 14545, Rio de Janeiro, 2000.]. Para os ensaios de permeabilidade foram utilizados tubos com diâmetro interno de 97,7 mm e altura de 150 mm. O ensaio de permeabilidade saturada foi realizado após 28 dias de cura do corpo de prova. No ensaio de permeabilidade a carga variável, mede-se as variações da altura do nível da água, em um tubo, obtidos para diversos valores de tempo decorrido desde o início do ensaio até seu termino. O coeficiente de permeabilidade do exemplar é então calculado fazendo-se uso da lei da Darcy (Equação 2).

Onde k é o coeficiente de permeabilidade da amostra (m/s), l é a altura da amostra (m), A é a área da amostra onde flui a água (m2), ΔH é a carga hidráulica (m), T é o tempo de escoamento da água (s) e V é o volume da amostra (m3).

A análise microestrutural entre a pasta de cimento e os agregados graúdos se procedeu nas amostras AN-400 e AR-400. A identificação dos exemplares foi realizada com base no tipo de agregado (AN - natural, AR - reciclado, ARFc - reciclado com fibras curtas, ARFl, reciclado com fibras longas) e do consumo de cimento (em kg/m3). Os dois concretos contam com o mesmo consumo de cimento, relação água/cimento e consumo de agregado, com a diferença do AN-400 ser dosado com agregado natural e o AR-400 com agregado reciclado. A análise microestrutural foi realizada por microscópio eletrônico de varredura (ZEISS EVOLS15) e microscópio óptico do itt Fuse da UNISINOS, depois de adequada preparação (corte transversal do corpo de prova, aplainamento, secagem em dessecador e deposição de camada de ouro na superfície). Os corpos de prova foram cortados com uma serra de precisão de baixa rotação para evitar vibrações dos materiais e manter a integridade das interfaces.

3. Resultados e discussões

Os ensaios de resistência à compressão foram realizados no Laboratório de Materiais de Construção Civil da UNISINOS, e os valores médios, o desvio padrão e o a resistência característica a compressão (fpk) dos concretos estão representados na Tabela 3.

Tabela 3
- Resistência à compressão dos concretos

Todos os valores obtidos de resistência a compressão aos 28 dias de idade atendem a faixa de resistência de concretos permeáveis (pervious concrete) especificada na norma ACI 522R [ 25[25] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Pervious Concrete. ACI 522R, Farmington Hills, 2006.], que varia entre 2,8 a 28 MPa. Porém, os mesmos são baixos para permitir que o concreto seja usado em locais de trânsito de veículos pesados. A norma NBR 9781:2013, sobre peças de concreto para pavimentação, menciona que a resistência deve ser maior ou igual a 35 MPa para veículos comerciais ou de linha e igual ou superior a 50 MPa para tráfego de veículos especiais ou capazes de produzir efeitos de abrasão.

Observa-se na Figura 2 que para este tipo de concreto a relação entre a resistência a compressão e o consumo de cimento é muito pequena, em função do grande volume de vazios necessário para se garantir a permeabilidade dos concretos.

Figura 2
- Relação entre o consumo de cimento e a resistência a compressão dos concretos utilizados

Obteve-se resultados de resistência a compressão aos 28 dias considerados satisfatórios (fc28 = 20±3 MPa) para os concretos AN-400 e AN-540 (com agregado natural); AR-480 (com agregado reciclado); e com ARFc-400 e ARFl-400 (com agregado reciclado e fibras). É importante salientar que na mesma composição de concreto, ao se substituir 100% do agregado natural pelo reciclado ocorreu um decréscimo de aproximadamente 46% na resistência, como é o caso do concreto AN-400 em relação ao AR-400. No entanto, é possível confeccionar concretos com ARC com resistência compatível ao especificado com a adição de fibra de vidro, como é o caso dos traços ARFc-400 e ARFl-400.

A diferença de resistência entre os traços confeccionados com agregado natural e agregado reciclado (tipificados nos traços AN-400 e AR-400) foi estudada em nível microestrutural. De modo geral, o concreto é composto de três fases: os agregados, a matriz cimentícia e as zonas de transição (entre os agregados e a matriz). Geralmente as zonas de transição são locais críticos, pois qualquer alteração como fissuras e porosidades, pode gerar a perda de aderência alterando as propriedades mecânicas destes concretos. Tal como acontece com outros materiais compósitos, a ligação entre dois ou mais componentes determina as propriedades mecânicas. Além disso, a estrutura dos agregados reciclados é mais complexa que o agregado natural, pois possuem duas zonas de transição, sendo uma entre o agregado e a nova matriz cimentícia e a outra entre o agregado e a antiga matriz cimentícia. No agregado reciclado a antiga matriz cimentícia remanescente se mantém na zona de transição do agregado formando uma ligação fraca, mais porosa e com pequenas fissuras, afetando criticamente a resistência final do agregado reciclado. Além disso, estes poros e fissuras tendem a aumentar o consumo de água na mistura, resultando em maior quantidade de água na zona de transição da nova matriz com o agregado reciclado [ 26[26] TAM, V. W. Y., GAO, X .F., TAM, C.M. Microstructural analysis of recycled aggregate concrete produced from two-stage mixing approach. Cement and Concrete Research, v. 35, 2005; p. 1195- 1203.].

Para uma melhor visualização das diferentes zonas de transição fez-se uso da microscopia óptica que possibilita com pequenas ampliações de imagem abranger todas as interfaces, ou seja, a interface agregado-argamassa antiga, agregado-pasta de cimento nova e argamassa antiga-pasta de cimento nova, como identificado na Figura 3.

Figura 3
- Imagem por MO das zonas de transição do agregado reciclado com a pasta de cimento. Mag. 5x

Na zona de transição entre a argamassa antiga e a pasta de cimento nova há uma boa aderência, provavelmente devido a penetração da pasta de cimento nos "vazios" (poros e fissuras) da argamassa pré-existente. Diferentemente ocorre entre a argamassa e o agregado, que apresenta um contorno escuro com fissuras na zona de transição. Pode-se observar na Figura 4 a amostra AR-400 (direita), onde são visíveis fissuras na zona de transição, e a amostra AN-400 (esquerda), que possui uma interface entre o agregado natural e matriz cimentícias homogênea.

Figura 4
- Imagem por MEV da pasta de cimento e do agregado natural (esquerda) e da antiga matriz cimentícia (argamassa) e do agregado reciclado (direita). Mag. 2.500x

Com o intuito de inibir o crescimento das fissuras nos traços de concreto com agregado reciclado, foram adicionadas fibras, que apresentaram o comportamento previsto.

A absorção de água dos agregados reciclados é maior que a dos agregados naturais, sendo assim necessária a compensação da água absorvida durante a fabricação dos concretos, por meio da adição de água de amassamento, evitando com isso uma redução significativa de sua consistência. Para tanto, foi ajustada a relação água/cimento das misturas para manter o nível de consistência especificado. A consistência foi determinada por meio do ensaio VeBe, pois como já foi comentado tratam-se de concretos secos, inviabilizando o procedimento de abatimento com tronco de cone. A norma DNIT 064 [ 27[27] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Pavimento rígido - Determinação da consistência do concreto pelo consistômetro VeBe - Método de ensaio. DNIT 064, Rio de Janeiro, 2004.] define que quando o tempo de vibração observado for igual ou inferior a 3 segundos, o resultado do ensaio não é significativo e a consistência deve ser determinada por outro método. Como observado na Tabela 4, todos os valores obtidos foram superiores a 3 segundos, com média de 7±2 segundos.

Tabela 4
- Grau VeBe de consistência dos concretos frescos e massa específica e permeabilidade dos concretos endurecidos

Observa-se que a massa específica dos concretos com agregados reciclados foi um pouco menor em relação aos naturais.

Na Figura 5 é realizada a visualização da permeabilidade a água dos traços estudados.

Figura 5
- Coeficientes de permeabilidade a água dos concretos ensaiados

Obtiveram-se valores satisfatórios de coeficiente de permeabilidade (superiores a 10-4 m/s) em todos os concretos ensaiados, a exceção do traço AN-540, que em função do elevado consumo de cimento diminuiu sensivelmente sua permeabilidade e não pode ser classificado como concreto permeável.

Na Figura 6 são comparadas as permeabilidades obtidas nos concretos com mesmo consumo de cimento (398 kg/m3), observando-se que há uma sensível diferença nos valores de permeabilidade, em função do tipo de agregado utilizado e a adição de fibras.

Figura 6
- Variação da permeabilidade à água dos concretos com mesmo consumo de cimento

De modo geral obteve-se valores de coeficiente de permeabilidade mais elevados para concretos com agregado reciclado, com exceção do concreto ARFl-400. Nota-se que a adição de fibra longa diminuiu a permeabilidade dos concretos, tanto no traço ARFl-400 quanto no traço ARF-400 (com fibras mistas). O concreto ANR-400 que conta com 50% de agregado natural e 50% de agregado reciclado obteve um coeficiente de permeabilidade um pouco inferior em relação ao concreto com 100% de agregado reciclado (AR-400) e muito superior aos concretos com 100% de agregado natural.

A relação entre a resistência e a permeabilidade é de extrema importância em concretos permeáveis. Com este objetivo, a Figura 7 apresenta os valores de resistência a compressão e de permeabilidade dos traços ensaiados, dividindo-os em quadrantes em função de seu desempenho.

Figura 7
- Relação entre a resistência a compressão e a permeabilidade dos concretos

Obteve-se bons resultados com os concretos AR-480, ARFc-400, ARFl-400 e AN-400, que apresentam resistências a compressão consideradas aceitáveis e bom coeficiente de permeabilidade. O melhor resultado foi obtido no concreto AR-480, com o uso de agregado reciclado, porém com elevado consumo de cimento (485 kg/m3).

4. Conclusões

Este trabalho teve como objetivo avaliar a possibilidade de confecção de concreto permeável para pavimentação com o uso de agregados reciclados de concreto. O estudo avaliou a permeabilidade, a consistência, a resistência mecânica e as condições de interface dos agregados reciclados em diferentes tipos de composição de concreto.

Verificou-se que nos concretos permeáveis onde foi realizada a substituição do agregado natural pelo agregado reciclado de concreto (ARC) houve uma redução significativa na resistência à compressão, possivelmente devido à existência de micro fissuras na região de interface agregado-matriz cimentícia dos concretos com agregado reciclado, visualizadas por meio de microscopia eletrônica. Na zona de transição entre a argamassa antiga e a pasta de cimento nova há uma boa aderência, provavelmente devido a penetração da pasta de cimento nos "vazios" (poros e fissuras) da argamassa pré-existente. A perda de resistência, entretanto, não ocorreu em concretos com ARC e adição de fibras de vidro, que apresentaram bons resultados.

Os concretos AR-480 (com agregado reciclado), ARFc-400 e ARFl-400 (com agregado reciclado com fibras) e AN-400 (com agregado natural), apresentaram resistências a compressão consideradas aceitáveis (em torno de 20 MPa) e bom coeficiente de permeabilidade. De modo geral obteve-se valores de coeficiente de permeabilidade mais elevados para concretos com agregado reciclado, o que demonstra que o uso deste tipo de agregado é particularmente interessante na confecção de concretos permeáveis.

Nos concretos permeáveis estudados, o aumento do consumo de cimento proporciona pequeno acréscimo na resistência compressão, porém tende a deixá-los não permeáveis. Há diferenças muito expressivas de permeabilidade a água em concretos com mesmo consumo de cimento e composição diferente.

5. Agradecimentos

À CAPES pela bolsa de pós-doutorado concedida ao primeiro autor.

Aos bolsistas de iniciação científica que colaboraram na realização do ensaio experimental: Fernanda Colombo e Ismael Mello, da UNISINOS.

Ao Laboratório de Materiais de Construção e ao itt Fuse da Unisinos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2015
  • Aceito
    18 Nov 2015
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