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Cinza de lodo de esgoto (CLE) em concretos de alto desempenho: caracterização e aplicação

RESUMO

O lodo de esgoto, proveniente do tratamento da fase líquida dos esgotos domésticos se tornou uma preocupação ambiental por três motivos principais: possui em sua composição patógenos, metais pesados e compostos orgânicos que são nocivos à saúde humana e ao meio ambiente; grandes volumes são gerados diariamente; e escassez de espaços para dispô-lo de forma adequada. A presente pesquisa tem por objetivo avaliar a possibilidade de aproveitamento deste resíduo, após processo de calcinação, como adição mineral na produção de concretos. Foram produzidos concretos de alto desempenho com teores de substituição de 5% e 10%, em massa, de cimento Portland por cinza de lodo de esgoto (CLE). Para avaliar a influência da cinza foram realizados ensaios físicos e mecânicos. Os resultados mostraram que as misturas contendo CLE apresentaram resistência à compressão inferior à referência. Em relação à absortividade, porosidade e penetração acelerada por íons cloreto, as misturas contendo cinza apresentaram reduções comparadas à referência, indicando que a CLE proporcionou refinamento da estrutura de poros comprovado pela porosimetria por intrusão de mercúrio.

Palavras-chave:
cinza de lodo de esgoto; metais pesados; concreto de alto desempenho; propriedades

ABSTRACT

Sewage sludge originated from the process of treatment of wastewater has become an environmental issue for three main reasons: contains pathogens, heavy metals and organic compounds that are harmful to the environmental and human health; high volumes are daily generated; and shortage of landfill sites for proper disposal. This research deals with the viability study of sewage sludge utilization, after calcination process, as mineral admixture in the production of concrete. High-performance concretes were produced with replacement content of 5% and 10% by weight of Portland cement with sewage sludge ash (SSA). The influence of this ash was analyzed through physical and mechanical tests. Analysis showed that the mixtures containing SSA have lower values of compressive strength than the reference. The results of absorptivity, porosity and accelerated penetration of chloride ions, presents that mixtures containing ash showed reductions compared to the reference. This indicates that SSA provided refinement of the pore structure, which was confirmed by mercury intrusion porosimetry test.

Keywords:
sewage sludge ash; heavy metals; high-performance concrete; properties

1. Introdução

O lodo de esgoto é um resíduo sólido gerado durante o tratamento da fase líquida dos esgotos domésticos. Sua gestão assume importância fundamental, tendo em vista os enormes volumes produzidos nos grandes centros urbanos e as legislações crescentemente restritivas imposta à sua disposição final. No Brasil, foi estimada uma produção anual entre 150 a 220 mil toneladas de lodo [11 [1] PEDROZA et al. Produção e tratamento do lodo de esgoto - Uma revisão. Revista Liberato. Novo Hamburgo. v.2, n.5, 2010; p.147-157.] que, na maioria das vezes, são simplesmente dispostos nos aterros ou "lixões" da cidade, sem nenhum controle ambiental e perspectiva de aproveitamento.

Uma das possíveis práticas para uso deste resíduo seria a sua aplicação na agricultura, seja como fertilizante ou condicionante do solo, por causa dos elevados teores de matéria orgânica (> 50%), fosfatos e nitrogênio em sua composição [22 [2] SAITO, M. L. O uso do lodo de esgoto na agricultura: precauções com os contaminantes orgânicos. Embrapa - Meio Ambiente. Jaguariúna. 2007; 30p.]. Entretanto, como fator limitante, tem-se a presença de patógenos, compostos orgânicos e metais pesados que contribuem para impactos adversos ao meio ambiente (água, solo, flora e fauna) impedindo o seu uso em qualquer tipo de cultura.

Diante disso outra técnica vem se tornando crescente, principalmente nos países desenvolvidos e com baixa extensão territorial, a da incineração. Isto porque além de reduzir substancialmente o volume de lodo (cerca de 85% da massa inicial) e eliminar os patógenos[33 [3] FONTES, C. M. A. Potencialidades da cinza de lodo de estações de tratamento de esgotos como material suplementar para a produção de concretos com cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003; 143 p.], o seu poder calorífico pode vir a gerar energia elétrica ou térmica durante sua combustão, tornando-se uma prática interessante do ponto de vista ambiental. Borges et al. [44 [4] BORGES, F., SELLIN, N., MEDEIROS, S. H. W. Caracterização e avaliação de lodos de efluentes sanitário e Industrial como biomassa na geração de energia. Ciência & Engenharia. v. 17. 2008; p. 27-32.] obtiveram valor de poder calorífico para o lodo de esgoto de 20MJ/kg, que é de mesma ordem de grandeza que o briquete de madeira de eucalipto (19,5MJ/kg) [55 [5] GONÇALVES, J. E., SARTORI, M. M. P., LEÃO, A. L. Energia de briquetes produzidos com rejeitos de resíduos sólidos urbanos e madeira de Eucalyptus grandis. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. v. 13. n. 5. 2009; p.657-661.] e bagaço da cana de açúcar (19MJ/kg), resíduos atualmente muito utilizados em caldeiras como fonte alternativa de energia renovável.

Porém, neste tipo de processo são geradas cinzas que a depender da origem do resíduo, permanecem com metais pesados e compostos orgânicos em sua composição, sendo este o caso do lodo de esgoto calcinado. Análises realizadas neste tipo de amostra detectaram a presença de Cr, Pb, Cu, Ni e Mn em sua constituição, além da similaridade na composição química, mesmo sendo resíduos oriundos de ETE's distintas [66 [6] LIMA, J.F. Avaliação da incorporação de cinzas de lodo de esgotos como adição mineral em concretos de cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2013 ; 96p., 77 [7] Cyr, M., Coutand, M., Clastres, P. Technological and environmental behavior of sewage sludge ash (SSA) in cement-based materials. Cement and Concrete Research. v. 37, 2007; p.1278-1289., 88 [8] PAN, S.C., TSENG, D.H., LEE, C., , "Influence of yhe fineness of sewage sludge ash on the mortar properties", Cement and Concrete Research , v. 33, n. 11 (Nov), pp. 1749-1754, 2003. e 99 [9] Baeza-Brotons, F. et al. Portland cement systems with addition of sewage sludge ash. Application in concretes for the manufacture of blocks. Journal of Cleaner Production. v. 82. pp. 112-124. 2014].

Mesmo sendo um resíduo heterogêneo, apresenta maiores teores para a sílica e alumina, principais compostos relacionados à reatividade do material, que contribuiu para o seu uso como adição mineral, na produção de argamassas e concretos convencionais [33 [3] FONTES, C. M. A. Potencialidades da cinza de lodo de estações de tratamento de esgotos como material suplementar para a produção de concretos com cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003; 143 p., 66 [6] LIMA, J.F. Avaliação da incorporação de cinzas de lodo de esgotos como adição mineral em concretos de cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2013 ; 96p., 1010 [10] CYR, M., IDIR, R., ESCADEILLAS, G. Use of metakaolin to stabilize sewage sludge ash and municipal solid waste incineration fly ash in cement-based materials. Journal of Hazardous Materials. v.243. 2012; 193-203p., 1111 [11] FONTES, C. M. A. Utilização das Cinzas de Lodo de Esgoto e de Resíduo Sólido Urbano em Concretos de Alto Desempenho. Tese (Doutorado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2008; 273p., 1212 [12] TAY, J. H, SHOW, K. Y., HONG, S. Y. Potential Reuse of Wastewater Sludge for Innovative Aplications in Construction Industry. Bulletin of the College of Engineering. N.T.U. n. 86. 2002; p.103-112., 1313 [13] GEYER, A. L. B. Contribuição ao estudo da disposição final e aproveitamento da cinzade lodo de estações de tratamento de esgotos sanitários como adição ao concreto. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre . 2001; 238p e 1414 [14] AL SAYED, M. H., MADANY, I. M., BUALI, A. R. M., Use of Sewage Sludge Ash in Asphaltic Paving Mixes in Hot Regions. Construction and Building Materials. v. 9. n.1. 1994 p. 19-23.]. Em paralelo, outras pesquisas vêm sendo realizadas com este tipo de cinza e com isso novos materiais vêm sendo produzidos e avaliados em relação ao seu comportamento físico e mecânico, dentre eles: agregados leves e miúdos [1515 [15] XU, G., LIU, M., LI, G. Stabilization of heavy metals in lightweight aggregate made from sewage sludge ash. Journal of Hazardous Materials . v.260. 2013; p.74-81., 1616 [16] BAEZA-BROTONS, F., GARCÉS, P., PAYÁ, J., SAVAL, J. M. Portland cement systems with addition of sewage sludge ash. Application in concretes for the manufacture of blocks. v.82. 2014; p.112-124., 1717 [17] CHEESEMAN, C. R., VIRDI, G. S. Properties and microstructure of lightweight aggregate produced from sintered sewage sludge ash. Resources, Conservation and Recycling. v. 45. 2005; p. 18-30., 1818 [18] RÉMOND, S., PIMIENTA, P., BENTZ, D. P. Effects of the incorporation of Municipal solid waste incineration fly ash in cement pastes and mortars I. Experimental study. Cement and Concrete Research . v. 32. 2002; p. 303-311., 1919 [19] MORALES, G., AGOPYAN, V. Caracterização do agregado leve obtido a partir do lodo de esgoto da cidade de Londrina. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP. BT/PCC/64. 1992; p. 1-20., 2020 [20] BROSCH, C.D. Fabricação de agregado leve a partir do lodo de esgoto. : Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária. Rio de Janeiro. 1975; p. 103-107.], produtos cerâmicos [2121 [21] CHEN, L., LIN, D. F. Applications of sewage sludge ash and nano-SiO2 to manufacture tile as construction material. Construction and Building Materials . v.23. 2009; p.3312-3320., 2222 [22] TAY, J. H. Sludge Ash as Filler for Portland Cement Concrete. Journal of Environmental Engineering. v. 113. n. 2. 1987; p.345-351. e 2323 [23] TAY, J.H. Potential Use of Sludge Ash as Construction Material. Elsevier Science Publishers B.V. v. 13. 1986; p. 53-58.] e blocos de concreto [1111 [11] FONTES, C. M. A. Utilização das Cinzas de Lodo de Esgoto e de Resíduo Sólido Urbano em Concretos de Alto Desempenho. Tese (Doutorado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2008; 273p.].

Dentro desse contexto, o presente trabalho tem por objetivo aproveitar o lodo de esgoto, após processo de calcinação, como substituto parcial ao cimento Portland, nos teores de 5% e 10%, em massa, na produção de concretos de alto desempenho. O critério de escolha para este tipo de matriz foi baseado no tipo de microestrutura que este concreto possui quando comparado ao concreto de resistência convencional. Ou seja, como a CLE possui, mesmo após processo de queima, metais pesados em sua composição, uma microestrutura mais densa dificulta a solubilização destes para o meio ambiente [8].

2. Materiais

2.1 Cimento Portland

O cimento utilizado na presente pesquisa foi o CP II F-32, por não possuir em sua composição adição mineral reativa (pozolana), que pode interferir no comportamento da CLE. Sua massa específica foi de 3,06 g/cm3 e resistência à compressão, aos 28 dias, de 38,0 MPa.

2.2 Cinza de lodo de esgoto (CLE)

O lodo de esgoto utilizado na presente pesquisa foi coletado na Estação de Tratamento de Esgotos Alegria (E.T.E.), situada no bairro do Caju, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde o mesmo foi desidratado por centrifugação, com a adição de polieletrólitos.

Em seguida, o mesmo foi caracterizado fisicamente em relação aos teores de umidade NBR 6457 (ABNT, 1986), sólidos totais e matéria orgânica MF 436 (FEEMA, 1983), parâmetros necessários para avaliar a eficiência de queima deste material.

Para a definição da temperatura de queima, o primeiro critério escolhido foi o elevado teor de matéria orgânica presente no resíduo, que interfere diretamente nas reações de hidratação do cimento e no comportamento físico-mecânico do material. Com base nas análises térmica e termogravimétrica foram definidas duas temperaturas de queima, 550ºC e 650ºC [1111 [11] FONTES, C. M. A. Utilização das Cinzas de Lodo de Esgoto e de Resíduo Sólido Urbano em Concretos de Alto Desempenho. Tese (Doutorado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2008; 273p.]. Utilizando os resultados da análise dos possíveis gases a serem emitidos para a atmosfera durante o processo de calcinação do lodo, realizada por meio da espectroscopia por fluorescência de raios-X verificou-se que para as duas temperaturas a CLE apresentou a mesma composição química [3]. Baseado no gasto energético optou-se por queimar o lodo de esgoto a 550ºC, em forno mufla, com taxa de aquecimento de 10ºC/mim e tempo de residência de 3 horas.

Após a etapa de queima, a CLE foi moída utilizando moinho rotativo de porcelana, com capacidade para 12 litros, contendo 6 litros de corpos moedores de alumina e três litros de amostra por moagem, por um período de 3 horas. Este procedimento foi realizado visando atender a exigência física da NBR 12653 [2424 [24] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Materiais pozolânicos - Especificações. NBR 12653, Rio de Janeiro, 1992.] para materiais pozolânicos, que trata do percentual retido na peneira 45µm que deve ser inferior a 34%.

Para avaliar a reatividade da CLE foram realizadas caracterizações químicas e mineralógicas e índice de atividade pozolânica (IAP), conforme NBR 5752 (ABNT, 1992) [2525 [25] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Materiais pozolânicos - Determinação de atividade pozolânica com cimento Portland - Índice de atividade pozolânica com cimento. NBR 5752. Rio de Janeiro, 1992.].

A análise química foi obtida por meio da espectroscopia por fluorescência de energia dispersiva de raios-X, com tubo de ródio e detector de Si (Li), resfriado com nitrogênio líquido. A presença dos metais pesados na CLE foi confirmada com espectrômetro por fluorescência de raios-X, modelo semiautomático, com tubo de prata de 30mA e 40kW. Estes ensaios foram realizados no Laboratório de raios-X do Centro Nacional de Energia Nuclear (CNEN)/Instituto de Energia Nuclear (IEN) da UFRJ.

A mineralogia foi obtida por difração de raios-X, pelo método do pó, com radiação de cobre Kα (30 kV/40 mA). Para o teor de amorfos foi utilizado refinamento por Ritivield com radiação de Co Kα (40 kV/35 mA). Ambos ensaios foram realizados no Centro de Tecnologia Mineral (CETEM/UFRJ)

Para avaliar a periculosidade do resíduo foi feita uma análise ambiental da cinza através dos ensaios de lixiviação NBR 10005 [2626 [26] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Lixiviação de Resíduos - Procedimento. NBR 10005, Rio de Janeiro, 2004.] e solubilização NBR 10006 [2727 [27] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Solubilização de Resíduos - Procedimento. NBR 10006, Rio de Janeiro, 2004.]. Sua classificação foi obtida de acordo com a NBR 10004 [2828 [28] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Resíduos Sólidos - Classificação. NBR 10004, Rio de Janeiro, 2004.].

2.3 Agregados miúdo e graúdo

Os agregados miúdo e graúdo foram areia de rio, com módulo de finura de 2,8 mm, massa específica de 2,64 g/cm3 e absorção de água de 1,23% e brita granítica com dimensão máxima característica de 9,5 mm, massa específica de 2,69 g/cm3 e absorção de água de 1,08%, respectivamente.

2.4 Aditivo químico

Para manter o mesmo abatimento para todas as misturas (150 ± 10 mm), sem alterar o fator água/aglomerante, foi utilizado aditivo químico superplastificante (SP) à base de naftaleno sulfonado, com teor de sólidos de 42%.

3. Programa experimental

O programa experimental foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a influência da CLE nas propriedades de concretos de alto desempenho. Foram produzidas três misturas, referência (REF) visando alcançar uma resistência à compressão de 60MPa, aos 28 dias de idade, CLE5% e CLE10%, com teores de 5% e 10% de CLE em substituição parcial ao cimento Portland, respectivamente. Na Tabela 1 estão apresentados os traços e os consumos de materiais por m3 de concreto.

Os concretos foram produzidos em sala climatizada com temperatura de 21ºC ± 2ºC, utilizando misturador planetário de eixo vertical, com capacidade útil de 100 litros. A moldagem dos corpos de prova foi realizada em três camadas, sendo cada camada adensada em mesa vibratória com velocidade de rotação de 62Hz, por 30 segundos. Posteriormente, os mesmos foram cobertos com mantas umedecidas, para evitar a perda de água da mistura, por um período de 24 horas. Após esse período foram desmoldados e encaminhados à câmara úmida (UR = 100%), onde permaneceram até as idades dos ensaios. Para cada mistura, foram moldados 33 corpos de prova cilíndricos.

O comportamento da cinza foi avaliado através de ensaios de resistência à compressão axial nas idades de 1, 3, 7, 28, 91, 180 e 365 dias, resistência à tração por compressão diametral, absorção de água por imersão, absorção de água por capilaridade, penetração acelerada por íons cloreto e porosimetria por intrusão de mercúrio, na idade de 28 dias. Por não haver cinza suficiente para a realização dos ensaios físicos e de durabilidade em idades mais avançadas, optou-se por realizar mais ensaios e avaliar o seu comportamento em apenas uma idade (28 dias), idade esta em que praticamente toda a hidratação do concreto já ocorreu, sendo referência para os pesquisadores.

Tabela 1
Traços e consumos de materiais para 1 m3 de concreto

Figura 1
Gráfico típico do acréscimo de massa aparente em função da raiz quadrada do tempo. Fonte: (GONÇALVES, [3434 [34] GONÇALVES, J.P. Argila calcinada como substitutivo parcial do cimento Portland: uma alternativa sustentável para indústria do concreto. Exame de Qualificação, (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. 2003.])

3.1 Metodologia dos ensaios

O ensaio de resistência à compressão foi realizado em máquina de ensaios com capacidade de carga de 1000kN para as idades de 1, 3, 7, 28, 91, 180 e 365 dias, usando corpos de prova cilíndricos de 100 mm de diâmetro por 200 mm de altura.

Os deslocamentos longitudinal e transversal foram medidos, respectivamente, por dois transdutores elétricos, diametralmente opostos, localizado na parte central da amostra e por um transdutor elétrico, situado no eixo transversal da amostra, sendo a taxa de deslocamento de 0,01 mm/min

Esta aquisição de dados foi realizada para as idades de 28 e 91 dias, onde obteve-se a curva tensão x deformação. Para as demais idades foi obtido apenas o valor de carga utilizando velocidade de 0,1 mm/min. O valor de resistência à compressão para cada mistura foi a média de três amostras por idade, totalizando 21 corpos de prova.

O módulo de elasticidade foi calculado através do módulo secante para uma tensão de 40% da tensão limite da curva tensão x deformação [2929 [29] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. Test for static modulus os elasticity and poisson's ratio of concrete in compression. ASTM C 469, U.S.A., 1994.] e o coeficiente de Poisson através da relação entre as deformações transversal e longitudinal, em função do carregamento axial dentro do limite elástico.

Os valores de resistência à tração por compressão diametral (Rtcd) foram obtidos, aos 28 dias, utilizando discos de 100 mm de diâmetro e 25 mm de espessura, conforme método proposto para rochas [3030 [30] INTERNATIONAL SOCIETY FOR ROCK MECHANICS (IESA). Suggested methods for determining tensile strength of rock materials. v.3, 1977.]. O ensaio foi realizado em máquina de ensaios, com velocidade de 0,3 mm/min, sendo o valor de Rtcd para cada mistura, a média de 10 discos. Foram utilizados discos neste ensaio, por ser a metodologia utilizada no Laboratório de Estruturas da COPPE/UFRJ e que retrata o mesmo comportamento do ensaio de tração por compressão diametral. Estes discos foram obtidos a partir de três corpos de prova de 100 mm de diâmetro por 200 mm de altura, sendo os mesmos extraídos da parte central da amostra (4 discos de cada amostra), totalizando 12 discos. Desses doze, dois foram separados para serem utilizados no ensaio de porosimetria por intrusão de mercúrio.

O ensaio de absorção por imersão foi realizado conforme a NBR 9778 [3131 [31] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Argamassa e concreto endurecido - Determinação da absorção de água por imersão - Índice de vazios e massa específica. NBR 9778, Rio de Janeiro, 2005.], em corpos de prova cilíndricos com dimensões de 100 mm de diâmetro por 200 mm de altura, com o objetivo de obter os parâmetros de absorção de água, índice de vazios e massa específica para todas as misturas.

O ensaio de absorção de água por capilaridade foi baseado na NBR 9779 [3232 [32] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Argamassa e concreto endurecido - Determinação da absorção de água por capilaridade. NBR 9779, Rio de Janeiro, 1995.], em corpos de prova cilíndricos com dimensões de 75 mm de diâmetro por 150 mm de altura, com a finalidade de obter o ganho de massa de água em função do tempo. Neste ensaio todas as amostras foram seladas com filme plástico, deixando livre apenas topo e base, conforme Hall [3333 [33] HALL, C. Water absortion of mortars and concrets: a review. Magazine of concrete in Research, v.41, n. 147,1989; p. 51-61.], com o objetivo de garantir o fluxo unidirecional, bem como evitar a perda de umidade. O ensaio foi conduzido por um período de 986 horas para todas as misturas e a absortividade do material foi calculada baseada na teoria de fluxo capilar em material não saturado, no qual Hall [3333 [33] HALL, C. Water absortion of mortars and concrets: a review. Magazine of concrete in Research, v.41, n. 147,1989; p. 51-61.] verificou que o ganho acumulativo de água varia em função da raiz quadrada do tempo. Esse parâmetro foi obtido em dois estágios, 1 e 2, conforme Figura 1.

Os resultados de absorção de água por imersão e absorção de água por capilaridade foram realizados, na idade de 28 dias, sendo os resultados a média de três corpos de prova por ensaio e por mistura.

A porosimetria por intrusão de mercúrio foi realizada na idade de 28 dias. Este método foi utilizado para caracterizar a estrutura interna do material através da distribuição do tamanho de poros. Para isso foram extraídas 6 amostras cúbicas, de 1 cm de lado, para cada mistura, dos dois discos restantes do ensaio de Rtcd, conforme explicado anteriormente. Os ensaios foram realizados na ABCP/SP, utilizando um porosímetro Autopore II 9215, com ângulo de contato entre o mecúrio e o sólido de 130º. A classificação utilizada no presente estudo para a divisão do sistema de poros foi conforme Aligizaki [3535 [35] ALIGIZAKI, K. K., Pore structure of cement-based materials: testing, interpretation and requirements. Series Modern concrete technology, v. 12, New York. Ed. Britsh Library. 2006.].

O ensaio de penetração acelerada por íons cloreto tem por objetivo medir a quantidade de corrente elétrica que passa através de uma amostra com 50 mm de espessura e 100 mm de diâmetro, quando aplicado uma diferença de potencial de 60V entre os eletrodos. O procedimento do ensaio foi realizado, aos 28 dias, e conforme a ASTM C 1202 [3636 [36] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS., Electrical Indication of concrete's ability to resist chloride ion penetration. ASTM C 1202, U.S.A., 1997.]. Os resultados foram a média de três amostras por mistura.

Por se tratar de concreto de alto desempenho seria interessante realizar ensasios de longa duração para as propriedades físicas e de durabilidade, como foi feito para a propriedade de resistência à compressão. Porém, isso não foi possível devido a disponbilidade de CLE

4. Resultados e discussões

4.1 Cinza de lodo de esgoto

4.1.1 Teores de umidade, sólidos totais e matéria orgânica do lodo de esgoto

O lodo de esgoto "in natura" apresentou resultados de 66,2% para o teor de umidade, 37% para os sólidos totais e 54,7% para a matéria orgânica. A obtenção destes parâmetros foi importante, pois eles indicaram a eficiência de queima do material, ou seja, o teor de sólidos fixos que permaneceu após calcinação do lodo, foi de, aproximadamente, 17% em relação à massa inicial de material. Com isso foi possível otimizar o processo de queima do lodo de esgoto [33 [3] FONTES, C. M. A. Potencialidades da cinza de lodo de estações de tratamento de esgotos como material suplementar para a produção de concretos com cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003; 143 p.].

4.1.2 Caracterização fisico-químca, mineralógica e ambiental da CLE

Na Figura 2 estão apresentadas as granulometrias do cimento Portland e CLE utilizados na presente pesquisa.

Os resultados mostram a similaridade entre esses dois materiais, diferindo apenas, no passante acumulado inferior a 10%, no qual o cimento apresenta granulometria menor, comparada a CLE. Mesmo assim, a CLE possui 90% dos seus grãos inferior a 45 µm, atendendo a exigência da NBR 12653 [2424 [24] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Materiais pozolânicos - Especificações. NBR 12653, Rio de Janeiro, 1992.] para materiais pozolânicos. Sua massa específica foi de 2,68 g/cm³.

Em relação à caracterização química, apresentada na Tabela 2, verifica-se que a CLE não atendeu às exigências da NBR 12653 [2424 [24] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Materiais pozolânicos - Especificações. NBR 12653, Rio de Janeiro, 1992.] para os teores de SO3 que foi de 6,38% (máximo de 4,0%) e de álcalis* que foi de 2,42% (máximo de 1,5%). Ressalta-se que a presença destes, acima do limite exigido, não será prejudicial ao concreto em virtude dos teores de substituição de cimento por aditivos minerais serem baixos, neste caso (5% e 10%). Consequentemente, por não atender as especificações da referida norma a este item, a cinza não pode ser classificada como material pozolânico. Entretanto, o índice de atividade pozolânica da CLE foi de 91%, superior ao mínimo exigido que é de 75%. Tal fato demonstra a possibilidade de reatividade do material.

Figura 2
Curvas granulométricas do cimento Portland e da CLE

Tabela 2
Análise química da CLE

Lima [66 [6] LIMA, J.F. Avaliação da incorporação de cinzas de lodo de esgotos como adição mineral em concretos de cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2013 ; 96p.], utilizando cinza de lodo séptico encontrou valores de IAP variando entre 61 e 66% para cinzas queimadas a 700, 800 e 900ºC. Geyer [1313 [13] GEYER, A. L. B. Contribuição ao estudo da disposição final e aproveitamento da cinzade lodo de estações de tratamento de esgotos sanitários como adição ao concreto. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre . 2001; 238p] obteve valores entre 72 e 76% para cinzas queimadas a 800ºC, porém com granulometrias distintas. Pode-se dizer, portanto, que a temperatura de queima e a granulometria da cinza são parâmetros que interferem diretamente na reatividade deste material.

Outro fator observado na Tabela 2 é a semelhança entre os compostos presentes na CLE com a de outros autores, porém em concentrações diferentes [66 [6] LIMA, J.F. Avaliação da incorporação de cinzas de lodo de esgotos como adição mineral em concretos de cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2013 ; 96p., 77 [7] Cyr, M., Coutand, M., Clastres, P. Technological and environmental behavior of sewage sludge ash (SSA) in cement-based materials. Cement and Concrete Research. v. 37, 2007; p.1278-1289., 88 [8] PAN, S.C., TSENG, D.H., LEE, C., , "Influence of yhe fineness of sewage sludge ash on the mortar properties", Cement and Concrete Research , v. 33, n. 11 (Nov), pp. 1749-1754, 2003., 99 [9] Baeza-Brotons, F. et al. Portland cement systems with addition of sewage sludge ash. Application in concretes for the manufacture of blocks. Journal of Cleaner Production. v. 82. pp. 112-124. 2014]. Esta variação está diretamente associada, dentre outros, aos hábitos alimentares e ao nível de saneamento básico da população retratado na origem dos esgotos e no tipo de tratamento utilizado [3737 [37] SILVEIRA, M. L. A., ALLEONI, L. R. F., GUILHERME, L. R. G. Biosolids and heavy metals in soils. Scientia Agricola. v. 60, n. 4, 2003; p. 793-806., 3838 [38] MERLINO, L. C. S. Bário, cádmio, cobre e chumbo em plantas de milho e em latossolo que recebeu lodo de esgoto por onze anos. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Universidade Estadual Paulista. Jaboticabal. 2010; 92p.].

A presença de metais pesados como, cromo, cobre, chumbo, níquel, bário, selênio e zinco na composição da cinza do presente estudo e na de outros autores também deve ser destacada. Isto porque mesmo estando em concentrações reduzidas, estes metais podem vir a solubilizar para o meio ambiente, contaminando-o, sendo um indicativo da necessidade de disposição final segura para o material, confirmado pela análise ambiental, visto que a CLE foi classificada como resíduo Classe II A - não inerte.

Figura 3
Resistência à compressão relativa nas idades de 1, 3, 7 e 28 dias (a) e 1, 3, 7, 28, 91 e 365 dias (b)

Tabela 3
Resistência à compressão axial (MPa) para as misturas REF, CLE5% e CLE10%

Tabela 4
Distribuição do tamanho de poros* das misturas REF, CLE5% e CLE10%

Na composição mineralógica da CLE foi verificada a presença de fases cristalinas bem definidas e uma composição bastante heterogênea que condiz com a análise química. As maiores proporções foram para o microclínio (KAlSi3O8) e quartzo (SiO2), que possuem em sua composição os óxidos de maiores percentuais presentes na cinza, seguido da anidrita e talco, conforme contagem por Ritivield [33 [3] FONTES, C. M. A. Potencialidades da cinza de lodo de estações de tratamento de esgotos como material suplementar para a produção de concretos com cimento Portland. Dissertação (Mestrado). Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003; 143 p.]. O teor de amorfos presentes na cinza foi de 32%, confirmando a possibilidade de reatividade deste material.

4.2 Concretos de referência e com CLE

Na Figura 3 estão apresentados os gráficos de resistência à compressão relativa no tempo.

Os resultados mostram que até a idade de 7 dias o grau de hidratação da mistura CLE10% foi inferior às misturas REF e CLE5%. No entanto, em idades mais avançadas essa diferença foi superada, alcançando acréscimos de 4% e 2% em relação à REF e CLE5%. Para a mistura com 5% de CLE, o grau de hidratação ficou bem próximo à referência para todas as idades. Pode-se dizer, portanto, que a substituição de cimento Portland por 5% e 10% de CLE não interferiu nas reações de hidratação do cimento quando comparado à referência, visto que os valores obtidos para as três misturas ficaram bem próximos.

Em relação à evolução da resistência à compressão no tempo, apresentada na Tabela 3, pode-se dizer que para o teor de 5% de cinza, os resultados obtidos foram inferiores à referência nas idades de 1, 28, 91 e 365 dias, variando entre 4% e 7%. Para a mistura CLE10% estas reduções foram mais expressivas para todas as idades, com percentuais variando entre 10% para a idade de 365 dias e 33% para 1 dia.

Figura 4
Curvas tensão x deformação, aos 28 e 91 dias

Sabe-se que este comportamento de redução da resistência à compressão, de acordo com a estrutura porosa do material, está diretamente associado aos poros maiores que 0,05 µm. Através dos resultados de porosimetria por intrusão de mercúrio (Tabela 4), verifica-se que as misturas contendo cinza, apresentam acréscimos no volume de mercúrio dos grandes capilares (0,05< ɸ < 10 μm) à medida que o teor de cinza aumenta, demonstrando a presença de uma maior quantidade de poros superiores a 0,05µm, quando comparadas à REF.

Este mesmo comportamento foi encontrado por Tay et al. [1212 [12] TAY, J. H, SHOW, K. Y., HONG, S. Y. Potential Reuse of Wastewater Sludge for Innovative Aplications in Construction Industry. Bulletin of the College of Engineering. N.T.U. n. 86. 2002; p.103-112.], Tay [2222 [22] TAY, J. H. Sludge Ash as Filler for Portland Cement Concrete. Journal of Environmental Engineering. v. 113. n. 2. 1987; p.345-351.], Tay [2323 [23] TAY, J.H. Potential Use of Sludge Ash as Construction Material. Elsevier Science Publishers B.V. v. 13. 1986; p. 53-58.] e em concretos contendo CLE e Cyr et al. [77 [7] Cyr, M., Coutand, M., Clastres, P. Technological and environmental behavior of sewage sludge ash (SSA) in cement-based materials. Cement and Concrete Research. v. 37, 2007; p.1278-1289.] em argamassas. Ou seja, à medida que o teor de cinza na mistura aumentou a resistência à compressão reduziu, em relação à referência.

A Figura 4 apresenta os diagramas tensão x deformação. Os valores de módulo de elasticidade obtidos para as misturas com 5% e 10% de CLE ficaram bem próximos à referência, nas duas idades, como pode ser observado na Tabela 5. As pequenas reduções ocorridas para as misturas contendo cinza, exceto CLE5%, aos 91 dias, podem estar associadas ao maior volume de grandes capilares contidos nestas amostras. A presença destes em maior quantidade contribui como propagador de fissuras, influenciando no comportamento do material no ramo linear elástico, ocasionando a redução deste parâmetro.

Com relação ao coeficiente de Poisson e a resistência à tração por compressão diametral das misturas contendo cinza pode-se dizer que a presença da CLE, praticamente, não influenciou nestas propriedades.

Para as propriedades físicas, apresentadas na Tabela 6, verifica-se a proximidade nos resultados de absorção de água por imersão devido aos coeficientes de variação obtidos. Porém, o índice de vazios e absortividade (estágio 1) para as misturas contendo CLE foram inferiores à referência. Tal fato mostra que a presença da cinza interferiu na interconectividade entre os poros, dificultando a percolação da água, pois à medida que o seu teor nos concretos aumentou, houve uma redução nos valores para estas propriedades, em relação à referência. Ou seja, houve uma modificação na estrutura de poros do material, como pode ser observado através da porosimetria por intrusão de mercúrio (Tabela 4).

Tabela 5
Módulo de elasticidade (E), Coeficiente de Poisson (ν) e Resistência à tração por compressão diametral (Rtcd) das misturas REF, CLE5% e CLE10%

Tabela 6
Propriedades físicas das misturas REF, CLE5% e CLE10%

Os resultados mostraram uma diminuição no volume de poros entre 0,01 e 0,05 μm (médios capilares) e consequente aumento dos pequenos capilares (0,0025 < ɸ < 0,01 μm), responsáveis pelo refinamento da microestrutura destes concretos, fator que interferiu diretamente na interconectividade dos poros.

Esta característica também foi refletida na durabilidade. As misturas REF e CLE5%, de acordo com a classificação apresentada pela ASTM C 1202 [3535 [35] ALIGIZAKI, K. K., Pore structure of cement-based materials: testing, interpretation and requirements. Series Modern concrete technology, v. 12, New York. Ed. Britsh Library. 2006.], foram consideradas de baixa penetração aos íons cloretos e a mistura CLE10% como de muito baixa a penetração aos íons cloreto (Figura 4). Isto demonstra que a presença de CLE nos concretos proporcionou uma redução da carga elétrica de, respectivamente, 30% e 46% para os teores de 5% e 10%, em relação à mistura de referência.

Figura 5
Resultados de penetração acelerada por íons cloreto para as misturas REF, CLE5% e CLE10%

5. Conclusões

A partir dos resultados obtidos, pode-se dizer que a CLE atuou de forma mais expressiva nas propriedades físicas e de durabilidade, quando comparadas às mecânicas. Ou seja, sua presença modificou a microestrutura de poros dos concretos contendo este resíduo, reduzindo sua conectividade.

Em relação ao teor, a mistura com 5% de substituição de cinza por cimento apresentou melhor comportamento.

Em relação à resistência à compressão, as misturas CLE5%, nas idades de 1, 28, 91 e 365 dias e CLE10% (todas as idades) foram inferiores à referência, sendo este fato atribuído ao aumento no volume de poros entre 0,05< ɸ < 10 μm. Este comportamento mostra que a cinza atuou como fino e não como aglomerante, sendo o efeito físico preponderante ao efeito químico, visto que não houve acréscimos neste parâmetro. O mesmo aconteceu para as propriedades de módulo de elasticidade, resistência à tração por compressão diametral e coeficiente de Poisson, ou seja, não houve influência da cinza, estando os resultados próximos à referência.

A absorção de água por imersão, índice de vazios e absortividade das misturas contendo cinza foram inferiores à mistura de referência. Este comportamento foi justificado pelo refinamento da estrutura de poros dos concretos contendo CLE, conforme porosimetria por intrusão de mercúrio.

A carga elétrica das misturas com 5% e 10% de CLE foram inferiores à referência, sendo estas classificadas como de baixa e de muito baixa a penetração aos íons cloretos, respectivamente.

Com isso pode-se dizer que a presença da cinza proporcionou um refinamento na estrutura de poros dos concretos, dificultando a percolação de agentes externos agressivos. Tal fato contribui para melhorias nas propriedades de durabilidade e consequente aumento da vida útil deste material.

6. Agradecimentos

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de Doutorado do primeiro autor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    03 Maio 2016
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