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Influência do empacotamento e dispersão de partículas no consumo de cimento de concretos

Resumo

Devido a questões ambientais, a cadeia do concreto busca reduzir emissões de CO2. Porém, a demanda crescente de países em desenvolvimento faz com que o aumento da produção supere as diminuições geradas por ações industriais como melhoria de fornos e substituição de clínquer.

Novas estratégias são fundamentais. Mudanças na formulação de concretos, tornando-a mais eficiente, podem ajudar caso produzam concretos de mesmo desempenho e menor consumo de cimento. Neste sentido, a melhoria do empacotamento e dispersão das partículas aumentam esta eficiência. Quanto melhor o empacotamento, menor o volume de vazios entre as partículas, demandando menor teor de fluido (água) para permitir fluidez. A dispersão das partículas também diminui o teor de água para a mesma fluidez. Quanto menos água, menor a relação a/c e maior a resistência. Assim, ambas as estratégias aumentam a eficiência ao desatrelar a obtenção de fluidez ao teor de água.

Este trabalho estudou a influência do empacotamento e dispersão na eficiência do uso do cimento de concretos. Demonstrou-se que o aumento do empacotamento e a completa dispersão das partículas finas permitem atingir melhor eficiência - medida pela relação entre consumo de ligantes e resistência à compressão (parâmetro de desempenho utilizado na maior parte das aplicações práticas).

Palavras-chave:
concreto; eficiência de dosagem; ligantes; CO2; sustentabilidade

Abstract

Due to environmental issues, the concrete chain seeks to reduce CO2 emissions. However, growing demand from developing countries causes the increase of CO2 emissions in production to exceed decreases generated by industrial actions, such as improving kilns and clinker replacement.

New strategies are important. Changes in the concrete formulation, making it more efficient, can help if these changes produce concrete with the same performance and lower cement consumption. In this regard, the improvement of packing and dispersion of particles increases this efficiency. The better the packing, the lower the volume of voids between particles, thereby requiring lower fluid content (water) to permit flow. The dispersion of the particles also decreases the water content for the same fluidity. The less the water content, the smaller the water/cement (w/c) ratio, and the greater the resistance. Thus, both strategies increase the efficiency by uncoupling obtaining fluidity from the water content.

This study investigated the influence of packing and dispersion on the efficiency of cement use in concrete. The increase of packing and the complete dispersion of fine particles has been shown to improve efficiency, as measured by the ratio between binder consumption and compressive strength (the performance parameter used in most practical applications).

Keywords:
concrete; design efficiency; binder; CO2; sustainability

1. Introdução

A alta magnitude do CO2 liberado pela produção de clínquer faz com que, hoje em dia, a tarefa de fazer um concreto sustentável se baseie, principalmente, em diminuir as cargas de CO2 de cimento através da substituição de clínquer por adições. Há também a estratégia de substituir agregados naturais por reciclados, porém esta está ligada intimamente à diminuição do uso de recursos naturais novos e diminuição da disposição de resíduos em aterros. Em geral, o aumento do teor de agregados reciclados em concretos, se não realizado corretamente, acaba por aumentar o teor de cimento, trazendo aumento das emissões de CO2 [1[1] DAMINELI, B. L; JOHN, V. M. Avaliando a eco-eficiência do uso de resíduos de forma simplificada. In: ENARC 2011, 2011, Maceió, Brasil. Proceedings... Maceió: II ENARC, 2011. CD-ROM.], fator que é, na maioria das vezes, negligenciado nas análises sobre sustentabilidade. Esta estratégia não será estudada no presente trabalho.

Na primeira estratégia, o impacto é geralmente medido em kg de CO2 emitidos por cada m3 de concreto ou, em uma avaliação mais prática, pela taxa de substituição de clínquer por adições como escória de alto forno e cinzas volantes. Quanto menor o teor de CO2/m3 ou maior o conteúdo de adições, mais eficiente será a mistura em termos de sustentabilidade.

Porém, as emissões de CO2 da produção de cimento têm aumentado desde a década de 1940. Este crescimento ocorreu apesar de algum sucesso na redução específica (kg/kg) das emissões, principalmente devido a aumento da eficiência energética nos fornos e à substituição de clínquer. Isso mostra que as estratégias atuais de mitigação não têm sido capazes de suprir a crescente demanda de cimento global [2[2] WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT (WBCSD) / INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Cement Technology Roadmap 2009 - Carbon Emissions Reductions up to 2050, 2009. 36p. (CSI Report). Disponível em: <http://wbcsd.org>.
http://wbcsd.org...
]. Para agravar o panorama, o crescimento da produção é esperado e necessário para suprir os países em desenvolvimento. Além disso, não há adições minerais suficientes para aumentar as taxas de substituição de clínquer [3[3] DAMINELI, B. L.; JOHN, V. M. Developing low CO2 concretes: is clinker replacement sufficient? The need of cement use efficiency improvement. Key Engineering Materials, v. 517, p. 342-351, 2012. doi:10.4028/www.scientific.net/KEM.517.342
https://doi.org/10.4028/www.scientific.n...
]. Conjugados, estes fatores podem explicar uma grande parte do aumento das emissões de CO2 provenientes da produção de cimento.

Atualmente, o cimento é responsável por 5 a 8% do total das emissões de CO2 mundiais [4[4] BERNSTEIN, L. et al. Chapter 7: Industry. In: METZ et al (ed). Climate Change 2007: Mitigation. Contribution of Working Group III to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, USA, 2007. p. 447-496. (IPCC Report).]. A previsão de produção de cimento mundial para 2050 varia entre 3.69x109t / ano [2[2] WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT (WBCSD) / INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Cement Technology Roadmap 2009 - Carbon Emissions Reductions up to 2050, 2009. 36p. (CSI Report). Disponível em: <http://wbcsd.org>.
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] e 5x109t / ano em um cenário de alto crescimento [5[5] MÜLLER, N.; HARNISH, J. A blueprint for a climate friendly cement industry. Gland: WWF Lafarge Conservation Partnership, 2008. 94p. (WWF-Lafarge Conservation Partnership Report).], representando um fator de 2.5 aumento em relação à produção de 2010. Se as estratégias de mitigação permanecerem as mesmas, um aumento significativo nas emissões totais de CO2 provenientes da produção de cimento irá ocorrer. Simultaneamente, as emissões globais de CO2 deverão ser reduzidas, o que significa que, no ano de 2050, a produção de cimento pode ser responsável por 20-30% [2, 5] das emissões antropogênicas de CO2. Isso pode ser ainda mais agravado se a alocação de CO2 para a escória de alto forno e cinzas volantes passar a ocorrer, como já se discute mundialmente [6-8], ou se houver uma futura escassez desses materiais residuais, como também já é discutido [9-10].

Outra opção para reduzir a carga ambiental na produção de clínquer é a captura e sequestro de carbono. Mas esta é uma estratégia muito cara que pode aumentar demais os custos de produção de cimento, até mesmo duplicando-o [11-12], o que é, naturalmente, um aspecto não sustentável já que os consumidores mais afetados seriam aqueles que mais precisam de cimento para garantir a construção de infra-estrutura e habitação a baixo custo, aspectos sociais indispensáveis no conceito de sustentabilidade.

Assim, este artigo tem o objetivo de apresentar uma comparação entre a eficiência do uso do cimento em concretos dosados de forma convencional e outros dosados com o uso de ferramentas de empacotamento e dispersão de partículas.

2. Teoria de empacotamento e dispersão de partículas aplicada à tecnologia de concretos para diminuição do teor de cimento

De acordo com a teoria de empacotamento de partículas, o uso de frações de partículas de tamanhos diferentes - onde as menores preenchem os vazios gerados entre as partículas maiores, de forma sucessiva para tamanhos cada vez menores - pode gerar um sistema onde há diminuição significativa destes vazios. No caso deste sistema vir a se tornar uma suspensão (como é, por exemplo, o concreto) onde há a inserção de um fluido entre os vazios para afastar as partículas e fazê-las se moverem (garantindo assim seu fluxo, que no concreto é fundamental pois permite a moldagem), o controle dos vazios entre as partículas é fundamental, pois pode permitir que a fluidez da suspensão seja atingida com quantidades significativamente menores do fluido.

No caso específico do concreto, quanto menor o volume de vazios entre as partículas, menor o volume de água necessário para afastar o sistema e o fazer fluir. Considerando que a resistência do concreto é dada pela relação água/cimento (a/c), a diminuição do teor de água mantendo-se o mesmo teor de cimento significa redução da a/c e portanto aumento da resistência, o que configura um aumento na eficiência do uso do cimento, pois o mesmo teor de cimento foi usado. Pela mesma lógica, se nesta nova mistura o teor de cimento for diminuído concomitantemente à redução da água, a resistência se mantém, ocorrendo novamente eaumento da eficiência porque isto foi conseguido com menor teor de cimento. Desta forma, o correto empacotamento tem importância fundamental para a diminuição do teor de cimento em concretos. O problema é que, atualmente, isto é pouco utilizado na prática devido à falta de parâmetros para medição do volume de vazios entre as partículas.

Existem diversas teorias de empacotamento de partículas, muitas delas baseadas em cálculos matemáticos que se propõem a calcular o volume de vazios determinado para um dado conjunto de partículas com dimensões conhecidas. Dentre elas, neste trabalho será aplicado o algoritmo de Westmann; Hugill (1930) modificado por [13[13] FUNK, J. E.; DINGER, D. R. Predictive process control of crowded particulate suspensions applied to ceramic manufacturing. Boston/Dordrecht/London: Kluwer Academic Publishers, 1994. 765p.]. Inicialmente, o volume aparente de cada classe de tamanho na distribuição granulométrica é calculado de acordo com as Equações 1 a 4:

V α 1 = α 1 . x 1 (1)

V α 2 = x 1 + α 2 . x 2 (2)

V α 3 = x 1 + x 2 + α 3 . x 3 (3)

V α n = j = 1 n 1 x j + α n . x n (4)

Onde,

αi = volume aparente da monodispersão da classe de tamanho i, definida pela equação x; xi = fração volumétrica da classe de tamanho i; Vαi = volume aparente calculado com referência à classe de tamanho de partículas i; n = número de classes de tamanho de partículas na distribuição.

Este cálculo requer que as classes de tamanho da distribuição granulométrica siga uma série de peneiras com uma razão de ∜2, como, por exemplo, a série completa da ASTM E11. Se a distribuição a ser analisada não tiver a série completa de peneiras, ela deve ser recalculada, utilizando interpolação. O volume aparente de monodispersões de cada classe de tamanho pode ser calculado pela Equação 5:

α i = 1 1 ( 1 R T C ) q (5)

Onde:

RTC = razão de tamanho de classe, preferivelmente ∜2; q = módulo da distribuição granulométrica ideal de acordo com o modelo de Hestmann; Hugill modificado (0,37, que provê a maior densidade de empacotamento para esferas perfeitas). O modelo de Hestmann; Hugill modificado é apresentado abaixo.

O modelo de Hestmann; Hugill modificado [13[13] FUNK, J. E.; DINGER, D. R. Predictive process control of crowded particulate suspensions applied to ceramic manufacturing. Boston/Dordrecht/London: Kluwer Academic Publishers, 1994. 765p.] é descrito na Equação 6. Nele, há a introdução do tamanho mínimo de partículas com relação ao modelo original. Foi concebido para o cálculo do módulo de distribuição q, que indica a inclinação da curva granulométrica acumulada.

C P F T 100 = D q D S q D L q D S q (6)

Onde:

CPFT = percentual acumulado abaixo de D; D = tamanho da partícula; Ds = menor tamanho de partícula da distribuição; Dl = maior tamanho de partícula da distribuição; q = módulo da distribuição.

Através deste modelo, Funk; Dinger [13[13] FUNK, J. E.; DINGER, D. R. Predictive process control of crowded particulate suspensions applied to ceramic manufacturing. Boston/Dordrecht/London: Kluwer Academic Publishers, 1994. 765p.] fizeram simulações computacionais onde determinaram o módulo de distribuição (q) que resulta na maior densidade de empacotamento. Para esferas perfeitas, este valor é q=0,37, de acordo com a Figura 1, valor utilizado na Equação 5.

Figura 1
Mínima porosidade calculada pelo modelo de Westmann; Hugill modificado em função do módulo de distribuição, grão mínimo de 0,17µm e grão máximo de 16mm (FUNK; DINGER, 1994)

Figura 1. Mínima porosidade calculada pelo modelo de Hestmann; Hugill modificado em função do módulo de distribuição, grão mínimo de 0,17µm e grão máximo de 16mm (FUNK; DINGER, 1994).

A partir da Equação 5, o volume aparente Vai pode ser calculado para todas as classes de tamanho da distribuição. O maior volume aparente Vαi define a classe de tamanho com o menor grau de empacotamento e portanto a mínima porosidade esperada para a distribuição granulométrica completa. A partir do maior volume aparente Vαi, a mínima porosidade esperada pode ser calculada a partir da Equação 7:

M P E = 40 . ( 1 1 V α ) % (7)

Onde:

MPE = mínima porosidade esperada; Va = maior volume aparente calculado na Equação 5.

Para aplicação do modelo, foram adotadas algumas premissas para simplificar os cálculos e interpretações: 1) todos os partículas encontrados em um intervalo de peneiras são de mesmo diâmetro (sistema monomodal); 2) todos os partículas são esféricos; e 3) os partículas se acomodam na distribuição de forma aleatória - de acordo com [13-15], nesta condição a porosidade de um sistema de partículas de diâmetros iguais e esféricos atinge 36 a 40%. Em sistemas semelhantes com empacotamento ordenado (que se assemelhariam a estruturas atômicas cristalinas hexagonal compacta e cúbica de face centrada), esta porosidade pode cair para até 26%. Este valor, portanto, pode ser alterado, mas foi neste trabalho fixado na pior condição.

É certo que a estimativa da porosidade através de cálculos teóricos apresenta erros de difícil mensuração - até 4%, segundo Funk; Dinger [13[13] FUNK, J. E.; DINGER, D. R. Predictive process control of crowded particulate suspensions applied to ceramic manufacturing. Boston/Dordrecht/London: Kluwer Academic Publishers, 1994. 765p.] e Oliveira et al [16[16] OLIVEIRA, I. R. et al. Dispersão e empacotamento de partículas - princípios e aplicações em processamento cerâmico. São Paulo: Fazendo Arte Editorial, 2000. 224 p.] - devido à morfologia não-esférica das partículas, que: 1) torna imprecisa a medição do seu tamanho exato tanto no peneiramento como em métodos de imagem e portanto não garante um cálculo exato de porosidade, o qual é baseado na granulometria; e 2) gera variabilidade da porosidade real das misturas de acordo com o método de adensamento adotado, pois grãos não-esféricos apresntam diferentes formas de deposição. Mesmo assim, esta estimativa permite introduzir na tecnologia de dosagem uma precisão maior no conhecimento do empacotamento de partículas com relação às técnicas de dosagem convencionais.

Partículas finas (como as das suspensões cimentícias) têm tendência a aglomerar devido à sua baixa massa e alta área superficial, fatores que fazem com que as forças de superfície predominem sobre as gravitacionais. Como o balanço das cargas elétricas das superfícies das diferentes partículas não está sempre em equilíbrio, são geradas forças de atração maiores do que as de repulsão. Para a suspensão, estes aglomerados agem como partículas maiores, o que: 1) modifica a distribuição granulométrica; 2) dificulta a mobilidade das linhas de fluxo, pois os aglomerados se movem mais lentamente e funcionam como bloqueios às partículas menores, aumentando a viscosidade [16[16] OLIVEIRA, I. R. et al. Dispersão e empacotamento de partículas - princípios e aplicações em processamento cerâmico. São Paulo: Fazendo Arte Editorial, 2000. 224 p.]; 3) gera vazios dentro dos aglomerados, aumentando o consumo de água; e 4) diminui a eficiência dos ligantes, pois a área superficial disponível para reações pozolânicas e de hidratação que será efetivamente utilizada é diminuída (Figura 2). Assim, a dispersão total dos partículas, principalmente finos, é condição para fazer o projeto de empacotamento granulométrico funcionar. A condição de dispersão total da pasta deve ser sempre atendida, pois sem ela o empacotamento projetado não tem mais sentido físico, pois não ocorre na prática. Para sua obtenção com respeito a critérios econômicos, deve-se determinar o teor mínimo de dispersante necessário para gerar a maior fluidez possível do sistema, o que pode ser mensurado com o auxílio de um reômetro de pasta (vide item 3.2.1 - Determinação do teor ótimo de dispersante). Se, por outro lado, a dispersão completa não for garantida, o erro associado à condição de não dispersão total da pasta não pode ser determinado objetivamente, pois causa variações reológicas muito distintas caso a caso.

Figura 2
a) partículas aglomeradas, com capacidade de ligar a suspensão diminuída e obstrução ao fluxo; b) partículas desaglomeradas; c) partículas desaglomeradas com maior distanciamento

3. Planejamento experimental, materiais e métodos

3.1 Materiais

Foram utilizados um cimento CP V comum do mercado brasileiro, três diferentes fíleres calcários (FCa1, FCa2 e FCa3), três diferentes areias e três diferentes britas. A diversidade de materiais deveu-se à necessidade de diferentes distribuições granulométricas para permitir atingir altos níveis de empacotamento de partículas nos concretos.

Foi utilizado um dispersante à base de policarboxilato.

3.1.1 Caracterização química e mineralógica

A Tabela 1 apresenta a caracterização química dos finos utilizados (cimento e fíleres) obtida a partir de fluorescência de Raios X por método semi-quantitativo, com análise de elementos químicos de flúor e urânio, em espectômetro sequencial Axios Advanced, marca PANalytical.

Tabela 1
Caracterização química dos materiais por fluorescência de raios X

A Tabela 2 apresenta a caracterização mineralógica, obtida por difração de Raios X realizada em equipamento PANalytical X’Pert PRO com detector X’Celerator, com quantificação por método de Rietveld com auxílio da PANalytical Inorganic Structure Database.

Tabela 2
Caracterização mineralógica dos materiais por difração de Raios X - método quantitativo de Rietveld

3.1.2 Caracterização física

Todos os materiais tiveram medidas as seguintes propriedades físicas:

  • a) Densidade real em picnômetro de He, equipamento Quantachrome MVP 5DC;

  • b) Distribuição granulométrica de partículas (materiais com partículas > 500 µm), através de ensaio de peneiramento vibratório, utilizando a série completa de peneiras descritas na norma ASTM E11. Cada peneiramento foi realizado pelo tempo mínimo de 20 minutos. A série de peneiras utilizada foi até o diâmetro mínimo de 106 um, e o material passante nesta peneira foi caracterizado por granulometria a laser (ensaio b) e a curva granulométrica final foi obtida através da interação entre os resultados do peneiramento e da granulometria a laser ponderados pelas massas de material em cada diâmetro;

  • c) Distribuição granulométrica de partículas (materiais < 500 µm, como cimento, fíleres e finos de britas e areias passantes na peneira 106 µm), por ensaio de granulometria a laser em granulômetro Malvern Mastersizer. As partículas foram misturadas em meio líquido (água para materiais não reativos, álcool para o cimento) em concentração aproximada de 15%, e dispersas por ultrassom a 2000RPM por 2 minutos antes da realização do ensaio com o intuito de dispersar e individualizar as mesmas e, assim, medir com maior precisão a distribuição granulométrica. As possíveis variações de densidade das partículas por faixa de tamanho foram desconsideradas, sendo adotada a densidade real média mensurada pelo ensaio de picnometria de He;

  • d) Área superficial específica por BET [18[18] BRUNAUER, S.; EMMETT, P. H.; TELLER, E. Adsorption of gases in multimolecular layers. Journal of American Chemistry Society, v. 60, n. 2, pp. 309-319, 1938.], equipamento Micromeritics Gemini 2375, com uso de gás nitrogênio. As amostras foram previamente tratadas por procedimento de degasagem acoplado ao equipamento, necessário para retirar as possíveis impurezas (gases) presentes na superfície da amostra, as quais alteram sensivelmente os resultados obtidos. A degasagem foi realizada por aplicação de pressão de vácuo às amostras por 24 horas com temperatura de 100ºC para os fíleres, e 40ºC para o cimento.

No ensaio de peneiramento, o uso da série completa de peneiras da ASTM E11 (19000 µm; 16000 µm; 12000 µm; 11200 µm; 9500 µm; 8000 µm; 6300 µm; 5600 µm; 4750 µm; 4000 µm; 3350 µm; 2800 µm; 2360 µm; 2000 µm; 1700 µm; 1400 µm; 1180 µm; 1000 µm; 850 µm; 710 µm; 600 µm; 500 µm; 425 µm; 355 µm; 300 µm; 250 µm; 212 µm; 180 µm; 150 µm; 125 µm; 106 µm) é fundamental quando se mede o empacotamento das partículas, pois os modelamentos teóricos de cálculo de empacotamento utilizam todas as faixas granulométricas citadas para aumentar a precisão das medidas de vazios entre os partículas, conforme visto no item 2.

Na combinação entre os tamanhos medidos pelas peneiras e pelo granulômetro laser (finos passantes pela peneira 106 µm, vide ensaio a), foi desprezada a diferença de tamanhos relatada em bibliografia entre os resultados de peneiramento e granulometria a laser (aproximadamente 20%) [17[17] ERDOGAN, S. T. et al. Micrometer-scale 3-D shape characterization of eight cements: Particle shape and cement chemistry, and the effect of particle shape on laser diffraction particle size measurement, Cement and Concrete Research, v. 40, p. 731-739, 2010.], tanto maior quanto mais as partículas se afastam do formato esférico, já que no peneiramento o tamanho da partícula é determinado por sua menor dimensão, enquanto no ensaio a laser é resultado da média de diversas medições realizadas em ângulos aleatórios (http://www.malvern.com/en/products/technology/laser-diffraction/default.aspx).

Para a medição da área superficial, não foi realizado o difundido método de Blaine porque esta é uma técnica que não apresenta resultados precisos para a caracterização de partículas muito finas, com dimensões menores do que 10µm [19[19] Hunger M, Brouers, HJH, Flow analysis of water-powder mixtures: application to specific surface area and shape factor, Cement and Concrete Composites 31 (2009) 39-59.]. A própria NBR NM 76:1998 diz que esta técnica serve principalmente para verificar a uniformidade do processo de moagem de uma fábrica de cimento, e permite apenas uma determinação limitada das propriedades do cimento, podendo não fornecer resultados significativos para cimentos contendo materiais ultrafinos. Este erro ocorre porque a equação de Carman-Kozeny, utilizada neste método, não é válida para partículas inferiores a 10µm [20[20] HUNT, L. P.; ELSPASS, C.W. Particle-size properties of oilwell cements. Cement and Concrete Research, v. 16, n. 6, pp. 805-812, 1986.]. Observou-se também que resultados de Blaine apresentam baixa correlação com a fluidez de pastas contendo fíleres, enquanto resultados obtidos pela técnica de BET apresentam correlações mais definidas com respostas reológicas [21[21] ESPING, O. Effect of limestone filler BET(H2O)-area on the fresh and hardened properties of self-compacting concrete. Cement and Concrete Research, n. 38, p. 938-944, 2008.].

Por outro lado, o ensaio de BET também apresenta possíves fontes de erro nas medidas. Experimentalmente, verificou-se que o tempo e temperatura de degasagem da amostra tem influência nos resultados, havendo necessidade, em geral, de ser maior quanto maior a área superficial da amostra. Por outro lado, algumas amostras (como o caso do cimento) não podem ser expostas a altas temperaturas na degasagem, sob risco de deterioração química e alteração no resultado. Para os materiais testados, observou-se uma estabilização da variabilidade e aumento da reprodutibilidade das medidas (foram realizadas em 2 laboratórios por 2 técnicos distintos) com degasagens realizadas por 24 horas. O manual técnico do equipamento sugeria a degasagem por aproximadamente 3 horas, valor que não apresentou boa repetibilidade e reprodutibilidade para as amostras estudadas - variações maiores e valores de área superficial menores com degasagem por 3 horas, se comparados aos valores obtidos após degasagem por 24 horas.

A quantidade de amostra também altera os resultados de BET. Para a medição correta da área superficial, deve haver massa de amostra com um mínimo de 1-5m2 (50m2 para medição da curva de adsorção isoterma completa). Assim, quanto menor a área superficial específica, maior a massa de amostra necessária. Se a área específica for muito pequena (muita massa necessária), há a possibilidade de não haver recipiente com volume suficiente para a realização do ensaio.

O resultado de BET não pode ser interpretado como valor absoluto porque é dependente da interação superficial entre o gás e a superfície da partícula (há variações das cargas superficias positivas e negativas de ambos, bem como da orientação das moléculas adsorvidas e possibilidade de adsorção de dupla camada dependendo das cargas). A adsorção do gás pode ser mais fraca ou mais forte dependendo das relações entre as cargas. No caso de serem mais fracas, o gás não penetra nas superfícies entre as camadas e nos vãos menores, sendo a medição real apenas nas camadas mais externas [22[22] CARTER, D. L.; MORTLAND, M. M.; KEMPER, W. D. Chapter 16: Specific Surface. In: Methods of Soil Analysis: Part I - Physical and Mineralogical methods. 1986. ]. Diferentes gases podem entregar diferentes resultados.

A equação de BET assume ainda que: 1) o calor de adsorção de todas as camadas moleculares após a primeira é igual ao calor de liquidificação; e que 2) em equilíbio, a taxa de condensação da superfície é igual à taxa de evaporação da primeira ou subsequentes camadas, podendo trazer erros intrínsecos às medidas. Por fim, a equação de BET é mais útil sob pressões relativas de 0.05 a 0.45 - ou seja, não é válida para qualquer pressão [22[22] CARTER, D. L.; MORTLAND, M. M.; KEMPER, W. D. Chapter 16: Specific Surface. In: Methods of Soil Analysis: Part I - Physical and Mineralogical methods. 1986. ]. Por todos estes motivos, as medidas de área superficial devem ser utilizadas com cautela. Porém, por se tratarem de medidas comparativas com procedimentos de determinação padronizados neste trabalho, são válidas para as análises realizadas.

A Figura 3 apresenta as distribuições granulométricas dos materiais. A Tabela 3 apresenta os valores de área superficial (BET), em m2/g e de densidade real (picnometria He), em kg/dm3.

Figura 3
Caracterização granulométrica dos materiais: a) finos (cimento e fíleres calcários, d<125µm); b) grossos (agregados - areias e britas, d>125µm)

Tabela 3
Densidade real e área superficial (BET) dos materiais

O cimento CPV utilizado apresentou 33% de água de consistência normal (NBR NM 43), 3:25 de tempo de início de pega e 4:45 de tempo de fim de pega (NBR NM 65) e área superficial de 5410 cm2/g pelo método de Blaine.

O dispersante utilizado foi um policarboxilato em pó (100% de sólidos) à base de éter policarboxílico, com aparência de cor amarela, densidade de 0,30 a 0,60 (kg/dm3), pH de 6,5-8,5 (medição realizada em solução com 20% de sólidos, temperatura 20ºC), e recomendação de dosagem de 0,05 a 1,00% em relação à massa total de finos (dados fornecidos pelo fabricante).

A Tabela 4 apresenta a caracterização dos agregados selecionados para o planejamento experimental de acordo com as normas técnicas relacionadas.

Tabela 4
Caracterização dos agregados utilizados de acordo com as normas relacionadas - massa unitária (MU) (NM 45), massa específica (ME), massa específica aparente (MEA) (NM 52 - miúdos ou NM 53 - graúdos), absorção de água (NM 30 - miúdos ou NM 53 - graúdos) e teor de pulverulentos (NM 46)

3.2 Métodos

Como o presente estudo buscou avaliar a influência do empacotamento e dispersão de partículas sobre o comportamento reológico e a eficiência do uso do cimento em concretos, foram dosados concretos variando-se os níveis de empacotamento de partículas e medidas as características de fluidez no estado fresco e resistência mecânica no estado endurecido. Com relação à dispersão de partículas, foi padronizada a mistura de todas as composições com o menor teor de dispersante (teor ótimo) que permitisse a dispersão completa dos finos (menor viscosidade possível para um teor de água fixo), obtido segundo ensaio experimental descrito a seguir.

3.2.1 Determinação do teor ótimo de dispersante

Conforme explicado no item 2, a condição de dispersão total da pasta deve ser sempre atendida, para garantir a ocorrência do empacotamento projetado. Para garantir esta dispersão completa, foi realizado ensaio de determinação do teor ótimo de dispersante, que, experimentalmente, se mostrou ser o menor teor necessário para se atingir a mínima viscosidade possível, e pode ser determinado experimentalmente com auxílio de um reômetro de pasta. O teor de dispersante foi obtido individualmente para cada um dos materiais finos pelos passos:

  • 1) Definição de uma relação água/sólidos fixa - no caso, 0,35 para todos os materiais. Este teor de água foi definido porque, experimentalmente, se verificou que este era um valor adequado para os ensaios em todos os materiais estudados. Sob teores de água/sólidos >0,35, a diminuição da viscosidade foi menos sensível ao incremento do teor de dispersante devido ao grande distanciamento entre as partículas já causado pela água (quanto maior este distanciamento, o comprimento de cadeia molecular do dispersante se torna proporcionalmente menor, sendo assim menos efetivo). Nesta situação, também houve segregação da mistura. Por outro lado, sob teores água/sólidos <0,35, as partículas se aproximam muito, sendo que a baixa fluidez do sistema dificulta a medição do teor de dispersante pela dificuldade e alta dilatância da mistura. Em segundo lugar, o uso de uma relação água/sólidos fixa também permitiu uma comparação direta entre a fluidez dos diferentes materiais.

  • 2) Mistura de 50g de pó com água sem dispersante. A mistura se deu a partir da adição do pó à água em um misturador IKA R1303 “Dissolver Stirrer” (Figura 4.a), por 2 minutos sob uma velocidade de rotação de 600 RPM. Após este período, a rotação do misturador foi elevada para 1500 RPM e a mistura foi realizada por mais 3 minutos nesta condição.

  • 3) A pasta foi colocada no reômetro AR-550, TA Instruments, com geometria placa-a-placa (Figura 4.b).

  • 4) Foi determinada a curva reológica (taxa de cisalhamento x tensão de cisalhamento) através de ensaio de reometria de fluxo. O ensaio foi padronizado em aumento (aceleração) da taxa de cisalhamento de (0 até 400 s-1) dentro do tempo de 1 minuto, com medição da tensão de cisalhamento relacionada à taxa de cisalhamento a cada 4 segundos, gerando uma curva de pontos. Na sequência, foi realizada a diminuição (desaceleração) na taxa de cisalhamento (400 a 0 s-1) e novamente medida a tensão de cisalhamento para diferentes valores da taxa de cisalhamento (4 em 4 segundos). Isto resultou em uma curva reológica de ida-e-volta.

  • 5) Repetição dos procedimentos 2 a 4 para teores crescentes de dispersante.

  • A realização dos ensaios de reometria de fluxo para confecção dos gráficos “taxa de cisalhamento x tensão de cisalhamento” de cada mistura (um ensaio para cada teor de dispersante) seguiu os passos da Figura 5.

  • 6) Para cada ensaio, foi determinada a viscosidade aparente no ponto de maior taxa de cisalhamento testada (400s-1). (obs: a taxa de 400s-1 foi adotada porque permite uma análise mais completa do comportamento reológico de materiais cimentícios, que muitas vezes são lançados sob altas taxas de cisalhamento, como no caso de bombeamentos).

  • 7) Foi confeccionado gráfico “Teor de dispersante x viscosidade aparente” para a determinação do menor nível de viscosidade aparente atingido com o menor teor de dispersante possível.

Figura 4
a) equipamento para mistura de pasta, hélice modelo R1303 “Dissolver Stirrer”, IKA; b) equipamento para medição de reometria de pasta, modelo AR-550, TA Instruments

Figura 5
Fluxograma dos passos do teste de reometria de fluxo contínuo

A Figura 6.a apresenta as diversas curvas “taxa de cisalhamento x tensão de cisalhamento” para um dos materiais estudados. A Figura 6.b apresenta o gráfico “teor de dispersante x viscosidade aparente” resultante das curvas da Figura 6.a.

Figura 6
Determinação do teor ótimo de dispersante do FCa3: a) curvas “taxa cisalhamento x tensão cisalhamento para 4 teores de dispersante (4 diferentes ensaios de reometria de fluxo); b) “teor de dispersante x viscosidade aparente” dos mesmos ensaios

Os teores ótimos de dispersante dos materiais CP V, FCa1, FCa2 e FCa3 foram, respectivamente, de 0,50%, 0,225%, 0,20% e 0,125%.

Nove experimentos foram aleatoriamente selecionados e repetidos para se determinar a variação experimental (determinada pela subtração simples entre os resultados dos testes repetidos). A variação média encontrada foi em torno de 0,035 Pa.s, valor pequeno se comparado às ordens de grandeza das viscosidades aparentes mensuradas.

3.2.2 Dosagem de concretos com empacotamento de partículas

Foram dosados diversos concretos, com diversas combinações dos materiais visando aumento do empacotamento das partículas [23[23] DAMINELI, B. L. Conceitos para formulação de concretos com baixo consumo de ligantes: controle reológico, empacotamento e dispersão de partículas. São Paulo, 2013. Tese (Doutorado). Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 237p.].

A determinação do empacotamento foi realizada através do método de Westmann; Hugill (1930) modificado por [13[13] FUNK, J. E.; DINGER, D. R. Predictive process control of crowded particulate suspensions applied to ceramic manufacturing. Boston/Dordrecht/London: Kluwer Academic Publishers, 1994. 765p.], conforme descrição do item 2.

Para todas as combinações, foi dosado teor de dispersante ótimo através da ponderação dos teores dos finos em massa com os valores de dispersante ótimo encontrado para cada material (item 3.2.1).

A Tabela 5 apresenta as composições dos concretos estudados, incluindo dois concretos de referência (Ref) dosados por um tradicional método brasileiro, um sem dispersante e outro com dispersante (c/ad = com aditivo).

Tabela 5
Dados de dosagem dos concretos confeccionados em laboratório

3.2.3 Abatimento de tronco de cone

Os concretos tiveram o abatimento de cone medido pelos procedimentos da NBR NM 67. Concretos com alto abatimento tiveram medidos seus espalhamentos, a partir de:

  • 1) realização do procedimento padrão do abatimento de cone, sobre superfície de diâmetro mínimo de 1m e demarcada em diâmetros de 500 mm até 1000 mm, com intervalos de 100 mm;

  • 2) determinação do tempo t necessário para que o concreto atinja o espalhamento de 500 mm;

  • 3) determinação do espalhamento final atingido.

3.2.4 Moldagem e cura dos corpos-de-prova

Foram moldados corpos-de-prova cilíndricos 10x20cm. Os procedimentos de moldagem seguiram as recomendações da NBR 5738.

Os corpos-de-prova foram desmoldados após 1 dia e levados à câmara úmida (umidade relativa do ar ~100%, temperatura 23 ± 2ºC), sendo mantidos sob cura úmida por 28 dias.

3.2.5 Resistência à compressão

A determinação da resistência à compressão foi realizada aos 7 e 28 dias de acordo com os procedimentos da NBR 5739. Foram medidos três corpos-de-prova para cada idade, sendo a média o valor de resistência adotado. Os ensaios foram realizados com os corpos-de-prova em estado úmido. A regularização da superfície dos corpos-de-prova foi realizada em retífica. O ensaio de rompimento foi realizado em prensa Shimazdu com capacidade de 200 toneladas.

3.2.6 Eficiência do uso do cimento

Se, por um lado, a emissão de baixos valores de CO2 pode ser conseguida em concretos convencionais com a substituição de clínquer por adições como a escória de alto forno e as cinzas volantes, esta é uma medida polêmica devido a dois motivos: 1) normalmente se aloca, de forma simplificada, zero emissões de CO2 a estas adições, fato que já é contestado por muitos pesquisadores e até mesmo pela Comunidade Europeia [6-8] se todos realizassem esta estratégia, não haveria oferta suficiente destas adições para abaixar o teor de clínquer de forma significativa em escala mundial [3, 24].

Por isso, a diminuição da pegada de CO2 de um concreto deve ser buscada também por estratégias de otimização do uso dos ligantes - resumindo, dosar de forma a conseguir o mesmo nível de desempenho com menor teor total de ligantes, sejam estes clínquer, escória de alto forno ou cinzas volantes. Conforme visto no item 2, o empacotamento e dispersão de partículas pode auxiliar muito nesta tarefa.

Assim, para avaliar a melhoria da eficiência do uso do cimento nos concretos deste trabalho a partir das estratégias de empacotamento e dispersão de partículas adotadas, será utilizado o indicador “Índice de Ligantes” (IL) [25[25] DAMINELI, B. L. et al. Measuring the eco-efficiency of cement use. Cement and Concrete Composites, n. 32, p. 555-562, 2010.]. Este é calculado pela razão entre o consumo total de ligantes do concreto, em kg.m-3, e o desempenho (no caso, será utilizada a resistência à compressão, em MPa), conforme a Equação 8:

I L = l i g / r c (8)

Onde:

lig é o consumo total de ligantes da mistura, em kg.m-3; rc é a resistência à compressão aos 28 dias.

Este indicador, expresso em kg.m-3.MPa-1, permite a análise da relação entre a quantidade total de ligantes (impacto econômico e ambiental) e uma medida de desempenho desempenho (no caso a mais utilizada para o concreto, a resistência à compressão, em MPa). Quanto maior o IL, maior o teor de ligantes necessário e, portanto, menor a eco-eficiência do concreto, e vice-versa.

4. Resultados e discussões

A Tabela 6 apresenta o consumo total de ligantes, água, os parâmetros reológicos, a resistência à compressão aos 7 e 28 dias e o IL calculado para cada traço de concreto.

Tabela 6
Dados de consumo de ligantes e água; parâmetros reológicos; resistência à compressão aos 7 e 28 dias; e IL aos 28 dias

Os dados da Tabela 6 demonstram que os concretos C01 a C10 foram todos dosados com preocupação de atingir alto grau de empacotamento - baixa porosidade intergranular, entre 4-8%, foi atingida em todas as formulações. Os concretos de referência atingiram quase 23% de vazios intergranulares, valor muito superior aos concretos C01-C10, possivelmente demonstrando que o método de dosagem dos concretos de referência não apresenta preocupação com o teor de vazios intergranulares.

Nos concretos de alto empacotamento C01-10, os valores de IL atingidos foram inferiores ao concreto de referência - mesmo comparados ao concreto referência com dispersante em teor ótimo. Os concretos de referência apresentaram IL maior mesmo obtendo resistências à compressão maiores - situação em que é comumente mais fácil diminuir o IL [25[25] DAMINELI, B. L. et al. Measuring the eco-efficiency of cement use. Cement and Concrete Composites, n. 32, p. 555-562, 2010.]. Como comparação, o concreto de referência com aditivo atingiu 47,4 MPa de resistência aos 28 dias com 392 kg/m3 de cimento, enquanto o concreto C08, por exemplo, atingiu 40,2 MPa de resistência utilizando quase metade da quantidade de cimento (201 kg/m3).

Dentro do grupo C01-10 com baixo IL, alguns (C01, C02, C03, C04, C07, C09) obtiveram valores de IL abaixo dos concretos-referência mesmo atingindo valores de abatimento de tronco de cone maiores - 230 a 280mm, ou seja, autoadensáveis. Em condições normais de dosagem, o aumento do abatimento é atingido com o aumento de água - consequente aumento da relação a/c, diminuição da resistência à compressão e, portanto, aumento do IL (considerando o consumo de cimento inalterado). Assim, os concretos de alto empacotamento foram capazes de aumentar a fluidez (medida pelo abatimento do tronco de cone) sem o aumento do teor de água (seus teores de água, em L/m3, são muito parecidos). No caso, considerando-se que a dispersão estava padronizada em todos estes concretos a partir do uso de teor ótimo de dispersante (sendo que, em teores absolutos, o concreto de referência continha até mais dispersante do que os demais), a relação entre o empacotamento e o teor de água pode explica o aumento da fluidez. Por isso, a modificação da composição de agregados do concreto, com uso de ferramentas de empacotamento de partículas, acaba por modificar o conceito das dosagens convencionais, onde o teor de água total do concreto é o principal responsável por comandar o abatimento. Quando os vazios intergranulares são modificados e controlados, apresentam influência maior do que o teor de água no controle da fluidez, uma vez que, de acordo com a teoria de empacotamento apresentada, a redução destes vazios otimiza do uso do fluido - menor quantidade de fluido é utilizada para preenchê-los, e maior quantidade é utilizada efetivamente para afastar as partículas.

Com relação à dispersão, comparando-se os concretos de referência com e sem dispersante, o que não utilizou dispersante necessitou de teor maior de água para obter fluidez menor, acarretando em perda de resistência e, portanto, aumento considerável do IL.

Assim, o aumento da eficiência do uso de ligantes em concretos está intimamente relacionada à eficiência do uso da água em afastar as partículas durante o estado fresco. O teor de água influencia diretamente as características no estado endurecido. A porosidade total da pasta no estado endurecido pode ser calculada pela Equação 9.

P o r o s i d a d e p a s t a = V p o r o s V t o t a l = V H 2 O t o t a l V H 2 O c o m b i n a d a + V H 2 O r e t r a ç ã o V s ó l i d o s + V H 2 O t o t a l (9)

Onde:

VH2O combinada = volume total de água combinada = 0.23 g/g cimento

VH2O retração = volume de retração devido à hidratação, baseado em [25[25] DAMINELI, B. L. et al. Measuring the eco-efficiency of cement use. Cement and Concrete Composites, n. 32, p. 555-562, 2010.] (Equação 10):

V H 2 O r e t r a ç ã o = V H 2 O c o m b i n a d a x 0.254 (10)

A Figura 7.a mostra que concretos dosados com pastas de cimento-fíler (alto empacotamento), quando comparados a concretos dosados com pasta de cimento puro (baixo empacotamento), podem atingir porosidade da pasta similar com um consumo de cimento menor. Como consequência, podem atingir mesma resistência à compressão utilizando menor consumo de cimento, como demstrado na Figura 7.b. Em ambos os gráficos, a presença de dois grupos distintos de concretos é clara - os concretos de alto empacotamento (azul) e os de baixo empacotamento (vermelho) O empacotamento das partículas foi responsável por mudanças na correlação entre porosidade da pasta x consumo de cimento x resistência à compressão porque permite a mistura de concretos com menor teor de cimento usando teor de água igual ou menor. A Equação 9 mostra que a porosidade da pasta - que comanda a resistência à compressão - é muito mais influenciada por um baixo teor de água (diminui o teor de água no denominador, em um fator de 1) do que um alto teor de cimento (aumenta o teor de água combinada em fator de 0.23). A Figura 8 mostra que o IL é menor nos concretos de alto empacotamento comparados aos de baixo empacotamento com porosidade da pasta similar.

Figura 7
Correlação entre: a) porosidade da pasta e consumo de cimento; b) consumo de cimento e resistência à compressão dos concretos estudados. Pontos vermelhos são concretos de baixo empacotamento dosados com pasta composta de cimento puro; pontos azuis são concretos de alto empacotamento dosados com pastas de cimento-fíler

Figura 8
Correlação entre porosidade da pasta e IL dos concretos estudados. Pontos vermelhos são concretos de baixo empacotamento dosados com pasta composta de cimento puro; pontos azuis são concretos de alto empacotamento dosados com pastas de cimento-fíler

A Figura 9 apresenta os dados de IL do banco de dados apresentado em [25[25] DAMINELI, B. L. et al. Measuring the eco-efficiency of cement use. Cement and Concrete Composites, n. 32, p. 555-562, 2010.] com inserção dos resultados obtidos neste artigo. Em geral, os concretos dosados (pontos cinzas) apresentaram IL inferior aos encontrados na bibliografia nacional (pontos verdes) e internacional (pontos vermelhos) - com exceção dos dois concretos de referência (pontos pretos), que se confundem ao resto dos concretos consultados no benchmark, com eficiência de dosagem menor.

Figura 9
Banco de dados para avaliação da eficiência do uso dos ligantes encontrado na bibliografia internacional (vermelhos) e nacional (verdes) [24[24] OLIVEIRA, V. C. H. C. et al. Estratégias para a minimização da emissão de CO2 de concretos. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 4, p. 167-181, 2014.]. Os concretos dosados neste estudo aparecem em cinza (alto empacotamento de partículas) e preto (concretos de referência)

5. Conclusões

Mesmo com ações por parte da indústria do cimento para diminuir as emissões específicas de CO2 na produção, um aumento das emissões totais é esperado devido ao aumento da produção. Uma estratégia promissora é o aumento da eficiência do uso do cimento e demais ligantes no concreto, o que significa dosar concretos com menor consumo atingindo mesmo desempenho.

Este artigo demonstrou como o empacotamento e a dispersão de partículas pode auxiliar a aumentar a eficiência do uso de ligantes em concretos. Concretos dosados com menor volume de vazios intergranulares (entre as partículas) permitiram diminuir o teor de água para atingir a mesma fluidez durante o estado fresco, ou, utilizando o mesmo teor de água, obter maior fluidez - menos água é utilizada para preencher os vazios, e mais água sobra para afastar efetivamente as partículas.

O concreto de referência com dispersante, por exemplo, utilizou os mesmos 160 litros de água (L/m3) do que os concretos C01, C03, C04, C07 e C09, mas obteve abatimento de 230mm enquanto todos os demais obtiveram abatimento 270-280mm e espalhamento 600-670mm, o que se deveu ao teor de vazios de 22.9% do concreto referência contra valores entre 4-6.5% dos demais. A possibilidade de diminuição do teor de água para obtenção da mesma fluidez permite: 1) redução da relação a/c, com consequente aumento da resistência à compressão; ou 2) substituição de parte do cimento por fíleres (menor teor de água e menor teor de cimento mantendo a relação a/c e portanto a resistência inalteradas). Em ambos os casos, há diminuição do Índice de Ligantes (IL). Nos mesmos concretos comparados acima, há uma redução aproximada do IL de 8 kg.m-3.MPa-1 (referência) para 5,3-6,5 (concretos de alto empacotamento), ou seja, uma redução aproximada de 18-33% do IL - o que significa um aumento de eco-eficiência.

Por outro lado, a completa dispersão das partículas demonstrou requisitar menor teor de água para atingir a mesma ou maior fluidez, com os mesmos ganhos de eficiência.

A estratégia - aumento da eficiência do uso da água e ligantes - pode ser utilizada em conjunto com outras estratégias já consolidadas, como por exemplo a substituição de clínquer por adições minerais para mitigar as emissões de CO2. Assim, sua combinação poderia amplificar os benefícios, pois no final o teor de clínquer final seria uma multiplicação de ambos os fatores (redução de clínquer na pasta mais redução do teor de pasta total).

A ferramenta de empacotamento de partículas é uma aplicação de um conceito de física de partículas sobre concretos. A interação desta ferramenta a métodos de dosagem consagrados, como o método referência utilizado, pode ser útil para a dosagem de concretos mais eficientes em larga escala, pois ela poderia introduzir o controle da porosidade intergranular através de dados das matérias-primas (sem a necessidade da realização de experimentos de determinação experimental do empacotamento). Isto seria muito importante, já que a determinação experimental do empacotamento (também possível) demanda um tempo que pode ser inviável perante a escala de aplicação do concreto. Devido ao tamanho da cadeia produtiva do concreto, um futuro mais sustentável depende do aprimoramento das dosagens com ênfase na rapidez e facilidade de aplicação, bem como na interação entre diferentes estratégias de redução do uso do clínquer.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2015
  • Aceito
    13 Mar 2017
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