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Efeito do método de mistura sobre o espalhamento mini-slump de pastas de cimento Portland

Resumo

O ensaio de resistência do cimento, segundo às normas brasileiras e europeia atuais, é realizado com uma relação água/cimento fixa em massa, independente da consistência obtida. No entanto em condições normais de uso, a quantidade de água é uma variável definida com a finalidade de manutenção da consistência dos materiais cimentícios para obter trabalhabilidade adequada. Características intrínsecas dos ligantes, como distribuição de tamanho de partículas, área superficial especifica, densidade e natureza química ou mineralógica, ou extrínsecas, como presença de aditivos, temperatura ambiente e da água, tempo e energia de processamento, etc., podem afetar de forma distinta o estado de aglomeração e, consequentemente, a necessidade de líquido para a mistura. Como a demanda de água influencia a resistência mecânica dos produtos, a utilização da relação água/cimento fixa torna, em termos práticos, a classificação do cimento pela resistência pouco significativa para o usuário. Neste trabalho foi investigada a influência das condições de mistura na repetibilidade do ensaio de mini-slump, bastante usado para avaliação da quantidade de água nas composições, mas não normatizado. Pastas de uma mesma amostra de cimento foram misturadas por diferentes tempos e/ou rotações, usando um agitador mecânico convencional, e submetidas ao ensaio de mini-slump imediatamente após o ensaio ou após o mesmo tempo de contato com a água. Observou-se influência significativa nos resultados: quanto maior a rotação ou a manutenção do tempo de mistura, menor a variabilidade do espalhamento mini-slump sendo que a influência é mais sensível para diferenças de rotação.

Palavras-chave:
cimento Portland; mini-slump; mistura

Abstract

The current compressive strength test for cement classification is performed under a fixed water to cement ratio according to the Brazilian and European standards, regardless the consistency obtained. However, under practical conditions the amount of water required is related to the rheological need to obtain and maintain a desired workability. Intrinsic cement characteristics influence the water demand such as the cement particle’s granulometry, specific surface area, density, the presence or not of water reducing admixtures, chemical and mineralogical nature of raw materials, etc., influence particles agglomeration state. Because water demand influences the mechanical properties of cement based products, the compressive strength class under a fixed water to solids ratio specified by the standards may not be representative for the user. The present work investigates the influence of mixing conditions on mini-slump spread results, a test that has been used for many years but never standardized. Cement paste samples were produced with varied mixing conditions (time and rotation speed) using a conventional stirrer and subjected to mini-slump spread test immediately after mixing and at fixed hydration times. Results show that mixing and hydration time do influence on mini-slump spread. At lower rotation speeds, results variability increases. Under fixed time after first contact with water, increasing rotation speed leads in a reduction of results variability and increase the test’s repeatability on cement pastes.

Keywords:
Portland cement; mini-slump spread; mixing

1. Introdução

A demanda de água é uma variável que interfere na resistência mecânica dos produtos cimentícios, pois o excesso de líquido aumenta a quantidade de poros capilares ou defeitos microestruturais. Mesmo assim, o ensaio para a determinação da resistência do cimento, segundo às normas brasileira (ABNT, NBR 7215) e europeia (EN 197-1), é realizado com relação água/cimento fixa em massa.

No entanto, como os ligantes possuem características físicas, químicas e mineralógicas distintas, apresentam diferentes demandas de água para a manutenção da consistência e trabalhabilidade. Assim a realização de ensaios de resistência mecânica com base na estratégia de água fixa pode ser pouco significativa para o usuário. Em concretos auto-adensáveis, por exemplo, a quantidade de água é ajustada de acordo com o abatimento ou flow. Logo, cimentos de uma mesma classe de resistência podem ter um desempenho diferente em aplicações práticas.

Ensaios como flow table, funil de Marsh e mini-slump de Kantro, que são de simples implementação e execução como métodos de controle, permitem uma avaliação da demanda de água de forma pouco científica. Reometria rotacional, por outro lado, é um tipo de ensaio que demanda um pouco mais de prática para execução e análise dos resultados, mas define o consumo de água a partir parâmetros como tensão de escoamento ou viscosidade. Adicionalmente, permite a avaliação das propriedades dos materiais cimentícios em função da variação da condição de cisalhamento, e serve para explicar os resultados dos ensaios monoponto.

No entanto, é senso comum que a energia de mistura interfere fortemente na qualidade da pasta e, consequentemente, demanda de água, pois afeta o grau de desaglomeração das partículas (ROMANO et al., 2009[14] ROMANO, R. C. O. et al. Impacto do tipo de misturador e do tempo de mistura nas propriedades de argamassas industrializadas. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 9, n. 4, p. 109-118, 2009. ; WILLIAMS; SAAK; JENNINGS, 1999[18] WILLIAMS, D. A.; SAAK, A. W.; JENNINGS, H. M. The influence of mixing on the rheology of fresh cement paste. Cement and Concrete Research, v. 29, n. 9, p. 1491-1496, set. 1999. ; YANG; JENNINGS, 1995[19] YANG, M.; JENNINGS, H. M. Influences of mixing methods on the microstructure and rheological behavior of cement paste. Advanced Cement Based Materials, v. 2, n. 2, p. 70-78, mar. 1995.). Com isso, independente da forma como a quantidade de água de amassamento seja determinada, sempre haverá o impacto da preparação da amostra no resultado. Portanto, a repetitividade e a eficiência de qualquer método ensaio depende de um processo adequado de mistura.

Sendo assim, este trabalho foi realizado como a primeira etapa para o desenvolvimento de uma proposta de um padrão de ensaio para o mini-slump, no qual foi investigada a influência das condições de mistura na repetitividade dos resultados. Também foram realizados ensaios para correlacionar os resultados de mini-slump com reometria rotacional e avaliar a influência da mistura na reatividade do cimento.

2. Fundamentos

Ao adicionar água ao cimento ocorre a formação de aglomerados por forças capilares de Van der Walls (Figura 2.1). Esses aglomerados de partículas se formam aleatoriamente, alteram a distribuição granulométrica efetiva e incorporam água no seu interior, modificando a reologia do sistema. Aglomerados são uma das fontes de variabilidade de um ensaio de avaliação da consistência. Quanto mais dispersa a pasta, menor será a variabilidade de um ensaio posterior.

Figura 2.1
Representação esquemática das camadas adsorvidas de ligação e das pontes líquidas de ligação entre partículas (laranja) imersas num meio líquido (azul) (PANDOLFELLI et al., 2000)

Diferentes condições de mistura geram fluidos com diferentes perfis reológicos. A medição do perfil reológico por reometria rotacional de pastas, argamassas e concretos é o método mais completo de avaliar o comportamento de um fluido frente aos esforços que podem ser submetidos. Fluidos podem obedecer a comportamentos reológicos distintos. Para diferentes taxas de cisalhamento a resposta do fluido pode ser composta por comportamentos básicos (newtoniano, pseudoplástico, dilatante, de Bingham etc) (BANFILL, 2006[5] BANFILL, P. F. G. Rheology Of Fresh Cement And Concrete. In: Rheology Reviews 2006. London: The British Society of Rheology, 2006. p. 61-130. ; PANDOLFELLI et al., 2000[13] PANDOLFELLI, V. C. et al. Dispersão e empacotamento de partículas - princípios e aplicações em processamento cerâmico. São Paulo: Fazendo Arte, 2000. ). Contudo, reômetros são equipamentos de alto custo e é necessário treinamento adequado para realização e interpretação dos resultados.

Técnicas simplificadas para avaliação da demanda d’água, apesar de consideradas ensaios “monoponto” (BANFILL, 2006[5] BANFILL, P. F. G. Rheology Of Fresh Cement And Concrete. In: Rheology Reviews 2006. London: The British Society of Rheology, 2006. p. 61-130. ), são importantes na ausência de um ensaio mais completo. Essas técnicas incluem a mesa de consistência (flow table) feito em argamassa que é uma opção de ensaio. A norma americana ASTM prevê que cimentos com maior teor de adições devem passar pelo ensaio de mesa de consistência para determinar a quantidade de água utilizada na resistência a compressão (ASTM C109). Como deve ser feito em argamassa e é utilizada uma quantidade grande de material, esse ensaio pode ser trabalhoso para ser implementado como controle de um processo produtivo, mas é uma alternativa para determinação da demanda d’água e eventual correção da relação água/cimento em função do espalhamento (SANYTSKY; KROPYVNYTSKA; RUSYN, 2015[15] SANYTSKY, M.; KROPYVNYTSKA, T.; RUSYN, B. Sustainable green engineered composites containing ultrafine supplementary cementitious materials. ICCC, International congress on the Chemistry of Cement, 2015. ).

O funil de Marsh e o mini-slump são técnicas que podem ser aplicadas a pastas de cimento. É possível encontrar referências apontando essas técnicas como complementares já que cada resultado pode ser correlacionado à um parâmetro reológico. O tempo para o escoamento no ensaio de funil de Marsh, correlacionado com as características do cimento, está relacionado à viscosidade aparente da pasta. Já a abertura do mini-slump está relacionada à tensão de escoamento (BANFILL, 2006[5] BANFILL, P. F. G. Rheology Of Fresh Cement And Concrete. In: Rheology Reviews 2006. London: The British Society of Rheology, 2006. p. 61-130. ; GAO; FOURIE, 2015[11] GAO, J.; FOURIE, A. Spread is better: An investigation of the mini-slump test. Minerals Engineering, v. 71, p. 120-132, fev. 2015. ). Essas são técnicas mais rápidas de serem executadas, mas que devem ter uma mistura adequada para serem representativas.

Assim, misturas com energia suficiente para quebrar aglomerados formados por forças de atração superficial (PANDOLFELLI et al., 2000[13] PANDOLFELLI, V. C. et al. Dispersão e empacotamento de partículas - princípios e aplicações em processamento cerâmico. São Paulo: Fazendo Arte, 2000. ) são pré-condição para ensaios reológicos repetitivos de pastas, argamassas ou concretos. Em trabalhos que avaliaram o efeito das condições de mistura no comportamento reológico observou-se que quanto maior a energia de mistura, maior o estado de desaglomeração das partículas (WILLIAMS; SAAK; JENNINGS, 1999[18] WILLIAMS, D. A.; SAAK, A. W.; JENNINGS, H. M. The influence of mixing on the rheology of fresh cement paste. Cement and Concrete Research, v. 29, n. 9, p. 1491-1496, set. 1999. ; YANG; JENNINGS, 1995[19] YANG, M.; JENNINGS, H. M. Influences of mixing methods on the microstructure and rheological behavior of cement paste. Advanced Cement Based Materials, v. 2, n. 2, p. 70-78, mar. 1995.). Na Figura 2.2 abaixo estão apresentados resultados de viscosidade plástica obtidos por reometria rotacional em pastas submetidas a diferentes condições de mistura. Nesses resultados a mistura de maior energia apresentou os menores resultados de viscosidade plástica. No mesmo trabalho também foi analisada a área de histerese em fluxo contínuo sendo que a área é maior quanto menor a energia de mistura indicando que nesses casos a estrutura das pastas continuaram a desaglomerar durante o ensaio (WILLIAMS; SAAK; JENNINGS, 1999). Logo pastas produzidas com maiores energias de mistura seriam mais repetitivas.

Figura 2.2
Viscosidade plástica em função da pré-taxa de cisalhamento para diferentes técnicas de mistura (WILLIAMS; SAAK; JENNINGS, 1999)

As condições de mistura também podem influenciar o calor de hidratação e a microestrutura. Estudos mostram que a cinética de hidratação aumenta conforme aumenta as taxas de rotação utilizadas nas misturas uma vez que os grãos de cimento ficam mais afastados, aumenta a superfície de contato com a água e aumenta a probabilidade de choque e fricção entre os grãos (BERODIER; SCRIVENER, 2015[6] BERODIER, E.; SCRIVENER, K. L. Filler effect at early hydration. ICCC, International congress on the Chemistry of Cement, 2015. ; DOLLIMORE; MANGABHAI, 1985[8] DOLLIMORE, D.; MANGABHAI, R. J. Effect of mixing time on heat evolution pattern of cement pastes. Thermochimica Acta, v. 85, p. 223-226, 1 abr. 1985. ; JUILLAND et al., 2012[12] JUILLAND, P. et al. Effect of mixing on the early hydration of alite and OPC systems. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 9, p. 1175-1188, set. 2012. ; TAKAHASHI; BIER; WESTPHAL, 2011[16] TAKAHASHI, K.; BIER, T. A.; WESTPHAL, T. Effects of mixing energy on technological properties and hydration kinetics of grouting mortars. Cement and Concrete Research, v. 41, n. 11, p. 1167-1176, nov. 2011. ; YANG; JENNINGS, 1995[19] YANG, M.; JENNINGS, H. M. Influences of mixing methods on the microstructure and rheological behavior of cement paste. Advanced Cement Based Materials, v. 2, n. 2, p. 70-78, mar. 1995.).

3. Programa experimental

3.1 Materiais

Foram produzidas pastas utilizando um cimento que se enquadra na classificação da EN 197 como CEM II/B-L 32,5N (cimento Portland composto com fÍler calcário) e uma relação água/cimento de 0,45. A quantidade de água foi escolhida após testes preliminares indicarem que é necessário um teor de água mínimo para que seja possível a realização do ensaio de mini-slump.

O cimento possui massa específica de 2,96 g/cm³, início de pega de 335 min, área superficial blaine de 6150 cm²/g e finura em peneira 75 um (n° 200) de 1,3%. A distribuição do tamanho de partículas (obtida em um equipamento Malvern Mastersizer 2000, em etanol) está representada na Figura 3.1. A análise química (Tabela 3.1) foi elaborada com base nas diretrizes prescritas na especificação dos cimentos Portland Compostos NBR11578:1991 (ABNT, 1991). A análise mineralógica semi-quantitativa por DRX (obtida em um equipamento Rigaku Windmax 1000 e o software X-Pert HighScore Plus 4.1 da Panalytical) é ilustrada na Tabela 3.2.

Figura 3.1
Distribuição do tamanho de partículas do cimento

Tabela 3.1
Composição química do cimento (%)

Tabela 3.2
Composição semi-quantitativa por DRX (%)

3.2 Métodos

3.2.1 Condições de mistura

As pastas de cimento foram misturadas em uma coqueteleira metálica utilizando-se em um agitador mecânico RW20, IKA, com hélice naval de 35 mm de diâmetro. As condições de mistura foram variadas em relação ao:

  • tempo de mistura (60, 90, 180, 210 a 300 segundos),

  • velocidade de rotação (320 a 2550 rpm) e

  • momento de realização do ensaio (imediatamente após a mistura ou em 340 segundos do primeiro contato com a água).

O tempo de hidratação foi apontado como uma possível variável, por isso foram realizados ensaios com espera para que todas as pastas atingissem o mesmo tempo de contato com a água e 10 segundos de remistura. Uma ilustração da etapa de mistura é apresentada na Figura 3.2.

Figura 3.2
Agitador mecânico IKA RW20 (esquerda) e condições de mistura utilizadas (direita)

A temperatura externa foi monitorada para que estivesse entre 23 ± 2°C.

3.2.2 Mini-slump

Após a mistura as pastas foram adicionadas em um mini-cone de Kantro de acrílico com 6 cm de altura, base inferior de 4 cm de diâmetro e base superior de 2 cm de diâmetro (Figura 3.3). Aplicou-se cinco golpes com bastão de vidro para melhorar o adensamento da pasta e evitar a formação de bolhas no interior, e o excesso da parte superior foi retirado. Em seguida, o cone é levantado rapidamente e o espalhamento medido.

Figura 3.3
Mini-slump em acrílico utilizado nos ensaios

3.2.3 Reometria rotacional

Os ensaios de reometria rotacional foram realizados em um equipamento Haake, MARS 60 (Thermo Scientific), com geometria de placas paralelas de diâmetro de 25mm.

Optou-se por aplicar um ciclo de cisalhamento com aceleração da taxa de 0 a 50s-1, seguida de uma desaceleração a 0, conforme ilustrado na Figura 3.4. A temperatura foi mantida em 23°C. Como resultado, foram obtidas curvas de tensão de cisalhamento (σ em Pa) ou viscosidade (η em Pa.s) em função da taxa aplicada (γ em s-1).

Figura 3.4
Parâmetros de controle do ensaio (esquerda); reometro de pasta Haake MARS 60 (direita)

3.2.4 Calorimetria isotérmica

O monitoramento do fluxo de calor durante a reação de hidratação do cimento foi realizado em um calorímetro de condução isotérmica TAM Air (TA Instruments), ilustrado na Figura 3.5 por 48 horas, mantendo-se a temperatura em 23°C.

Figura 3.5
Ensaio de calorimetria isotérmica

4. Resultados e discussão

Inicialmente foi avaliada a influência da velocidade de rotação imposta durante a mistura nos resultados de mini-slump para um tempo de cisalhamento fixo. Em seguida foram analisados diferentes tempos de mistura em três rotações distintas considerando também a possibilidade de o ensaio ser influenciado pelo tempo de hidratação. O terceiro passo foi realizar o ensaio de mini-slump em paralelo com a reometria rotacional para analisar a correlação entre a tensão de escoamento e a abertura. Por fim a avaliação do efeito da mistura no calor de hidratação foi feita combinando o menor e o maior tempo de mistura com a menor e maior rotação do misturador.

A avaliação da significância estatística dos resultados foi realizada por análise de variância de fator único e testes t-student dois a dois considerando distribuições bicaudais, variação desigual entre as amostras e um nível de significância de 5%. Os resultados de análises estatísticas estão apresentados para a primeira etapa dos ensaios e descritos nas demais.

4.1 Influência da rotação no espalhamento da pasta

A primeira parte dos ensaios consistiu em produzir pastas com misturas de 30 segundos de molhagem e 90 segundos de rotação variável (320 a 2550 rpm). Foram produzidas até 4 pastas por condição de mistura. Os resultados apresentados abaixo na Figura 4.1 seguem a tendência esperada. Os parâmetros resultantes da análise de variância estão apresentados na Tabela 4.1 e os resultados do teste t-student estão apresentados na Tabela 4.2.

Figura 4.1
Resultados médios (linha preta) e amplitudes (linhas vermelhas) de repetições de mini-slump em função da rotação imposta no agitador mecânico (misturas com 30 segundos de molhagem e 90 segundos de agitação)

Tabela 4.1
Análise de variância para os resultados apresentados na Figura 4.1

Tabela 4.2
Matriz de testes t-student realizados para os resultados apresentados na Figura 4.1

A análise de variância mostra que há populações distintas nos resultados obtidos (F>Fcrit). O teste t-student ilustra que para as rotações de 320 a 1400, 1400 a 2000 e 2000 a 2200 não satisfazem a condição das populações serem distintas (menor que 5%). Porém as demais condições são estatisticamente diferentes permitindo a análise da influência da taxa de rotação na abertura por mini-slump.

A dispersão dos resultados diminui com aumento o tempo de cisalhamento tornando o ensaio mais repetitivo. O coeficiente de variação varia de 4% nas duas rotações mais baixas, para 2,6% em 2200 e 2550 rpm. Conforme aumenta-se a rotação do misturador, o espalhamento (ou raio de abertura) aumenta, indicando a redução da tensão de escoamento (BANFILL, 2006[5] BANFILL, P. F. G. Rheology Of Fresh Cement And Concrete. In: Rheology Reviews 2006. London: The British Society of Rheology, 2006. p. 61-130. ; FERRARIS; OBLA; HILL, 2001[10] FERRARIS, C. F.; OBLA, K. H.; HILL, R. The influence of mineral admixtures on the rheology of cement paste and concrete. Cement and Concrete Research, v. 31, n. 2, p. 245-255, fev. 2001. ; GAO; FOURIE, 2015[11] GAO, J.; FOURIE, A. Spread is better: An investigation of the mini-slump test. Minerals Engineering, v. 71, p. 120-132, fev. 2015. ; WILLIAMS; SAAK; JENNINGS, 1999[18] WILLIAMS, D. A.; SAAK, A. W.; JENNINGS, H. M. The influence of mixing on the rheology of fresh cement paste. Cement and Concrete Research, v. 29, n. 9, p. 1491-1496, set. 1999. ; YANG; JENNINGS, 1995[19] YANG, M.; JENNINGS, H. M. Influences of mixing methods on the microstructure and rheological behavior of cement paste. Advanced Cement Based Materials, v. 2, n. 2, p. 70-78, mar. 1995.). Isto é esperado em função do maior grau de desaglomeração das partículas provocado pelo aumento da energia imposta durante a mistura (PANDOLFELLI et al., 2000[13] PANDOLFELLI, V. C. et al. Dispersão e empacotamento de partículas - princípios e aplicações em processamento cerâmico. São Paulo: Fazendo Arte, 2000. ).

4.2 Impacto do tempo de mistura

Para avaliar não apenas o efeito do aumento da rotação, mas também da aplicação de diferentes tempos de mistura, a segunda avaliação realizada nesse trabalho consistiu em variar o tempo de mistura para rotações fixas (320, 1400 e 2550 rpm).

No primeiro grupo de ensaios o mini-slump foi realizado imediatamente após a mistura (Figura 4.2) e a análise de variância comprovou que haviam amostras estatisticamente distintas. A avaliação comparativa dois a dois mostrou que as amostras eram diferentes. Contudo foi observada uma possível inconsistência para as três rotações impostas em 90 segundos de mistura. Após repetições, oscilações na temperatura foram descartadas como fonte de variação, pois o aquecimento em função do cisalhamento teve alteração irrelevante para todas as misturas e a temperatura ambiente estava controlada. É provável que esteja relacionada ao tempo de ocorrência de reações iniciais de hidratação.

Figura 4.2
Resultados de ensaios mini-slump com diferentes tempos de misturas em diferentes rotações (ensaio realizado imediatamente após o termino da mistura). Linhas tracejadas representam os máximos e mínimos obtidos para cada rotação

Em seguida, no segundo grupo de ensaios foi fixado o tempo de hidratação (após o primeiro contato com a água) em 340 segundos para a realização dos ensaios de mini-slump. Para reduzir o efeito da reaglomeração durante o tempo de espera as pastas foram submetidas à uma remistura de 10 segundos previamente ao ensaio, tempo que se revelou suficiente em ensaios exploratórios. Os resultados estão apresentados na Figura 4.3.

Figura 4.3
Resultados de ensaios mini-slump com diferentes tempos de misturas em diferentes rotações (ensaio realizado após 340 segundos de hidratação com 10 segundos de remistura previamente ao ensaio). Linhas tracejadas representam os máximos e mínimos obtidos para cada rotação

A análise de variância provou que há amostras estatisticamente diferentes dentre os ensaios. Os testes t-student mostram que nas misturas a 320 rpm os primeiros três tempos de mistura impostos (60, 90 e 180 segundos) são estatisticamente iguais. Para misturas a 1400 rpm os primeiros dois tempos são estatisticamente iguais. Por fim, para misturas a 2550 rpm, os primeiros três tempos são estatisticamente distintos. Em todos os casos os dois últimos tempos de mistura (210 e 300 segundos) não possuem diferença estatística.

Além disso os resultados dos ensaios realizados no mesmo tempo de hidratação já não apresentam a inconsistência em 90 segundos de mistura observada anteriormente. Nesse caso, fica mais evidente a tendência de aumento no espalhamento com o aumento do tempo de mistura até 210 segundos principalmente a 2550 rpm. Após este tempo, o a mistura mais longa não produziu aumento do espalhamento significativo. Assim, o maior espalhamento foi obtido com uma mistura de 210 segundos a 2550 rpm.

Ao comparar os resultados dois a dois para as mesmas condições de mistura e diferentes tempos de execução do ensaio, observa-se que de fato as misturas são diferentes com exceção das amostras misturadas por 300 segundos e as misturadas a 320 rpm por 60 segundos, esta última que apresentou valores pequenos de abertura. Assim, esses resultados são um grande indicativo que o tempo de hidratação impactou os resultados dos ensaios.

4.3 Reometria rotacional

Para verificar se há correlação entre os resultados de mini-slump e a tensão de escoamento obtida por reometria rotacional, foram realizados ensaios nas pastas misturadas a 1400 ou 2500 rpm por 210 e 300 segundos. Os ensaios foram realizados imediatamente após a mistura e após 340 segundos do início, precedido de remistura de 10 segundos (mesmos procedimentos utilizados anteriormente).

A Figura 4.4 abaixo exemplifica os resultados obtidos no ensaio de reometria rotacional, que mede o esforço necessário (tensão de cisalhamento) para determinadas taxas de cisalhamento. Neste caso as pastas foram aceleradas do repouso até uma taxa de 50 s-1 e a seguir, desaceleradas. A tensão de escoamento é obtida como o ponto da curva de taxa 1 s-1 (relacionado à precisão do equipamento) na desaceleração.

Figura 4.4
Resultado típico do ensaio de reometria rotacional realizado

Os resultados de tensão de escoamento em função da rotação utilizada na mistura estão representados na Figura 4.5. Aparentemente quanto maiores as rotações de mistura, menores foram as tensões de escoamento registradas. Observa-se que o efeito de aumento do tempo de mistura para a mistura a 2550 rpm tem pouco impacto na tensão de escoamento, que permanece muito baixa. Nesta rotação também não foi possível observar efeito de reaglomeração durante a espera. O efeito da mistura na viscosidade foram relativamente pequenos. Apesar de ter sido realizado um único ensaio para cada condição, as conclusões estão alinhadas com os resultados apresentados nos itens anteriores.

Figura 4.5
Tensão de escoamento em função do tempo de mistura para rotações de 1400 e 2550 rpm e ensaios realizados imediatamente após a mistura e com espera até 340 segundos de hidratação

Como relatado na literatura (GAO; FOURIE, 2015[11] GAO, J.; FOURIE, A. Spread is better: An investigation of the mini-slump test. Minerals Engineering, v. 71, p. 120-132, fev. 2015. ), foi observada correlação entre o resultado de mini-slump e a tensão de escoamento obtida por reometria rotacional (Figura 4.6). No entanto, o ensaio de reometria rotacional é mais sensível em relação ao mini-slump: enquanto o resultado da tensão de escoamento variou entre ~0,5 e 6 Pa (12 vezes) o resultado do entre 3 e 4 cm (1,3 vezes). Não houve correlação entre o espalhamento e a viscosidade aparente. A estimativa da viscosidade com o mini-slump exige a medida do tempo de escoamento.

Figura 4.6
Abertura mini-slump (raio em cm) em função da tensão de escoamento (Pa) obtida por reometria rotacional

4.4 Influência da mistura na cinética de hidratação

A literatura revela que um aumento da energia de mistura provoca uma aceleração da taxa de hidratação (BERODIER; SCRIVENER, 2015[6] BERODIER, E.; SCRIVENER, K. L. Filler effect at early hydration. ICCC, International congress on the Chemistry of Cement, 2015. ; JUILLAND et al., 2012[12] JUILLAND, P. et al. Effect of mixing on the early hydration of alite and OPC systems. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 9, p. 1175-1188, set. 2012. ; TAKAHASHI; BIER; WESTPHAL, 2011[16] TAKAHASHI, K.; BIER, T. A.; WESTPHAL, T. Effects of mixing energy on technological properties and hydration kinetics of grouting mortars. Cement and Concrete Research, v. 41, n. 11, p. 1167-1176, nov. 2011. ). Esta taxa pode ser medida nos ensaios de calorimetria isotérmica pela taxa de liberação de calor (J/s) no período de aceleração. Isso impacta não só nas resistências nas primeiras idades, mas também no desenvolvimento da microestrutura do material cimentício (YANG; JENNINGS, 1995[19] YANG, M.; JENNINGS, H. M. Influences of mixing methods on the microstructure and rheological behavior of cement paste. Advanced Cement Based Materials, v. 2, n. 2, p. 70-78, mar. 1995.), o que é indesejável.

O fluxo de calor foi avaliado nas pastas de cimento misturadas por 60 e 340 segundos nas rotações de 320 e 2550 rpm, condições extremas que devem incluir os demais cenários estudados.

A Figura 4.7 mostra que a rotação imposta durante a mistura influencia na cinética de hidratação de forma significativa, porém, a variação do tempo não. A mistura a 2550 rpm aplica uma energia cinética superior nas partículas em relação à mistura a 320 rpm. Já tempo de mistura impacta no aumento da probabilidade de choques que, com o uso da mesma energia cinética, não provocaram diferenças na liberação de calor. Estes resultados estão de acordo com o relatado na literatura (BERODIER; SCRIVENER, 2015[6] BERODIER, E.; SCRIVENER, K. L. Filler effect at early hydration. ICCC, International congress on the Chemistry of Cement, 2015. ; JUILLAND et al., 2012[12] JUILLAND, P. et al. Effect of mixing on the early hydration of alite and OPC systems. Cement and Concrete Research, v. 42, n. 9, p. 1175-1188, set. 2012. ; TAKAHASHI; BIER; WESTPHAL, 2011[16] TAKAHASHI, K.; BIER, T. A.; WESTPHAL, T. Effects of mixing energy on technological properties and hydration kinetics of grouting mortars. Cement and Concrete Research, v. 41, n. 11, p. 1167-1176, nov. 2011. ).

Figura 4.7
Curvas de liberação de calor para condições extremas de mistura (23°C)

O tempo de pega, determinado pela calorimetria isotérmica (ASTM C1679) foi reduzido de 460 (320 rpm) para 400 minutos para amostras misturadas em 2550 rpm.

Não só o perfil de liberação de calor, mas o calor acumulado também sofreu alteração. O calor total em 48 horas descontado o período de dissolução foi de 220 e 210 J/g para amostras misturadas a 320 rpm por 60 e 300 segundos respectivamente. Já para amostras misturadas a 2550 rpm por 60 e 300 segundos, o calor total em 48 horas subiu para 240 e 235 J/g. Apesar de haver uma pequena diferença entre amostras misturadas na mesma rotação, há um aumento da liberação de calor com o aumento da rotação. De acordo com referências, esse efeito é resultado da aplicação de uma maior energia de mistura que contribui para um aumento da reatividade devido ao cisalhamento entre as partículas (BERODIER; SCRIVENER, 2015[6] BERODIER, E.; SCRIVENER, K. L. Filler effect at early hydration. ICCC, International congress on the Chemistry of Cement, 2015. ).

5. Conclusões

A energia de mistura, representada neste experimento pelo tempo e a velocidade de rotação, além do momento decorrido entre o início da mistura e a realização do ensaio exerceram influência relevante nos resultados de espalhamento no ensaio mini-slump.

Velocidades de mistura mais elevadas - que propiciam maior energia cinética nas partículas e aumentam a probabilidade colisões que destroem aglomerados - produziram, de forma geral, menores variabilidades nos resultados.

O mini-slump se revelou uma ferramenta de baixo custo, prática e sensível a mudanças na tensão de escoamento, um importante parâmetro reológico das pastas de cimento. Porém, não se tem nenhuma informação sobre as características das pastas sob diferentes condições de cisalhamento, visto que se trata de um ensaio monoponto.

A mistura influenciou também a taxa de liberação de calor durante a reação química do cimento: rotações mais elevadas provocaram taxas de aceleração mais acentuadas no pico principal de hidratação. Na prática esse efeito afeta principalmente as resistências iniciais.

Na configuração de teste, a rotação mais adequada de mistura foi a mais alta, 2550 rpm por tempo de 210 segundos de mistura. É provável que rotações mais elevadas, possíveis com outros equipamentos, continuem a diminuir a variabilidade dos ensaios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2016
  • Aceito
    21 Jul 2017
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