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Interação solo-estrutura: análise contemplando fluência e retração do concreto

Resumo

O presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa de Rosa [1[1] ROSA, L. M. P. Soil structure interaction: analysis considering creep in concrete (In Portuguese) Niterói, 2015, DSc Thesis - Civil Engineering Department, Fluminese Federal University, 204 p. ], que teve por objetivo verificar o efeito da fluência e retração do concreto na interação solo-estrutura. Foi analisada uma edificação com 17 pavimentos mais subsolo, em fundação mista, submetida à instrumentação de campo contemplando o monitoramento de recalques e deformação de alguns pilares, ao longo do processo construtivo. Foi possível comparar o projeto do calculista com uma análise numérica mais refinada. Também se comparou o projeto, sem considerar e considerando a interação solo-estrutura. Finalmente, os diferentes cenários de projeto foram confrontados com os resultados experimentais, tanto em relação aos recalques como aos esforços nos pilares instrumentados. Atenção particular foi dada ao efeito da consideração da fluência e retração do concreto na análise da interação solo-estrutura.

Palavras-chave:
interação solo-estrutura; recalque; instrumentação

Abstract

The paper presents some results from Rosa’s [1[1] ROSA, L. M. P. Soil structure interaction: analysis considering creep in concrete (In Portuguese) Niterói, 2015, DSc Thesis - Civil Engineering Department, Fluminese Federal University, 204 p. ] research that aimed to verify the effect of creep and shrinkage of the concrete in soil-structure interaction. The construction consists in a 17 storeys building. It is set down on shallow foundation, in the central part of the construction, and steel piles, on the boundary. The structure was submitted to instrumentation during construction, including the monitoring of foundation settlements and columns deformation. It was possible to compare the structural design with a numerical refined structural analysis. Comparisons of the structural and foundation design with and without due consideration of soil-structure interaction are also presented. Finally, the different design assumptions were confronted with instrumentation results, both related to foundation settlements and to columns loading as well. Attention is pointed out on the effect of concrete creep and shrinkage in the soil-structure interaction analysis.

Keywords:
soil-structure interaction; foundation settlements; instrumentation

1. Introdução

A última atualização da Norma de Fundações da ABNT NBR 6122 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Foundations Design and Execution (In Portuguese). - NBR 6122, Rio de Janeiro, 2010. ] preconiza, em seu item 5.5, que “Em estruturas nas quais a deformabilidade das fundações pode influenciar na distribuição de esforços, deve-se estudar a interação solo-estrutura ou fundação-estrutura”.

No caso particular de fundações mistas, que contemplam a utilização de fundações diretas e profundas, com os pilares da lâmina central, mais carregados, assentes em sapatas com elevada área de contato com o solo superficial e os pilares periféricos, menos carregados, em estacas, a deformabilidade das fundações pode influenciar de forma relevante a distribuição de esforços. Neste caso, o projeto deve ser estudado, em conformidade com a Norma Brasileira, prevendo a interação solo-estrutura, aspecto este ainda muito desconsiderado na prática.

Apresenta-se, neste trabalho, parte do estudo da pesquisa de doutorado de Rosa [1[1] ROSA, L. M. P. Soil structure interaction: analysis considering creep in concrete (In Portuguese) Niterói, 2015, DSc Thesis - Civil Engineering Department, Fluminese Federal University, 204 p. ], que contempla a análise de um edifício em fundações mistas submetido a uma instrumentação com monitoramento dos recalques e da deformação de alguns pilares ao longo do processo construtivo.

Uma previsão do comportamento do solo é procedida, incluindo a grandeza e desenvolvimento do recalque com o tempo, com base num modelo consistente da edificação e do solo.

A análise estrutural foi feita com um modelo numérico elástico tridimensional da estrutura, utilizando um programa baseado no método dos elementos finitos (MEF). Com base num modelo consistente do solo, foi possível estabelecer uma comparação da previsão do comportamento com os resultados das medições de campo.

Foram interpretados os resultados da análise da interação solo-estrutura para as diferentes etapas construtivas e interpretados os efeitos da fluência e retração do concreto.

2. Descrição da edificação e do perfil geotécnico

Trata-se de um edifício residencial com 12 pavimentos-tipo, cobertura, pavimento de uso comum, térreo e pavimento semi-enterrado mais subsolo, situado em Niterói, RJ, ilustrado na Figura 1. A estrutura é em concreto armado, com geometria convencional, sobre fundações mistas (Figura 2(a)), sendo parte em fundação profunda, em estacas metálicas, e parte em fundação direta, em sapatas.

Figura 1
Fachada da edificação

Figura 2
(a) Foundation plan; (b) Geotechnical profile

O perfil geotécnico, ilustrado na Figura 2(b), revela um terreno de composição uniforme em planta, constituído por um trecho de aterro em sua superfície, de espessura de aproximadamente 0,7 metros em quase todas as sondagens. A seguir, observa-se uma camada de argila arenosa, com espessura que varia entre 1 e 2 metros, sobrejacente a uma camada de areia fina, média e grossa, argilosa com espessura variável entre 5 e 8 metros. Estas duas camadas, por sua vez, estão assentes sobre outra camada de argila arenosa, com espessura de aproximadamente 2 metros. Finalmente, registra-se outra camada de areia fina, média e grossa, argilosa, com espessura variável até a profundidade do impenetrável, onde foram interrompidas as sondagens. O nível d’água encontra-se a cerca de 2m abaixo do nível do terreno nas sondagens. A locação das sondagens encontra-se apresentada na Figura 2(a).

As sapatas estão assentes numa profundidade de -4,65 m em relação ao nível do terreno por ocasião da realização das sondagens, com exceção das sapatas P13+P36, P14+P21, M15, M16, M17, M22, P18 e P24 que estão assentes a -6,52 m. Todas as sapatas estão assentes em horizonte arenoso de média compacidade. Conforme dados do projeto, foi considerada uma tensão admissível de 0,4 MPa no dimensionamento das fundações. As estacas apresentaram comprimento variando entre 14 m e 23,4 m.

3. Modelo estrutural

A partir das plantas de forma do edifício, foi elaborado um modelo estrutural tridimensional, em elementos finitos, através do programa comercial SAP2000. As vigas e os pilares foram modelados como elementos de barra, as lajes e a parede estrutural como elementos de placa, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 3
Modelo numérico da edificação em estudo

Foram elaborados vários modelos para análise do prédio. O primeiro considerou a estrutura sobre apoios rígidos, indeslocáveis e teve como objetivo comparar as cargas obtidas nos pilares com as cargas do projeto original da edificação. Foram observadas diferenças nas cargas em torno de apenas 3%. Isso se deve ao fato do prédio ter uma geometria bastante regular e um modelo estrutural convencional.

4. Instrumentação de campo

A obra foi iniciada no começo de 2011 e as observações de campo referentes à execução da obra foram iniciadas em julho de 2011. Foram monitoradas 6 etapas construtivas entre novembro de 2011 e junho de 2012 com medições de recalque de alguns pilares, a serem detalhadas em item a seguir.

A instrumentação de campo teve como objetivo monitorar os recalques e deformações dos pilares ao longo do tempo. Foram realizadas medidas em diversas etapas da construção.

A medida de recalques envolveu a realização de um nivelamento ótico de precisão com base numa referência de nível profunda, efetuada em pontos fixos da estrutura na qual se pretendia medir os deslocamentos verticais. Para isto, foram instalados pinos de aço inoxidável nas faces externas de 11 pilares do edifício, no pavimento do subsolo, a uma altura de aproximadamente 30 cm do piso. O procedimento de medição dos recalques consistiu basicamente em se nivelar os pinos dos pilares em relação às referências fixas externas (“benchmark”), instaladas de forma a não sofrer influência da própria obra ou de outras causas externas.

Os pinos serviram de apoio para a mira. Com nivelamentos periódicos, foi possível obter valores de recalques em diferentes fases de carregamento e de construção do edifício.

No caso específico desta obra, não foi possível a execução de referência externa à obra, pois não havia nenhum ponto, visualizado da obra, que fosse garantido que não se deslocasse, além da falta de recursos para sua execução internamente à obra. Com isso, optou-se por fixar como referência um pilar interno com recalque muito menor do que os demais pilares instrumentados.

Conforme já mencionado, foram realizadas medições de recalque em 6 etapas construtivas. A Figura 4 mostra o estágio de construção do prédio na 2a etapa de medição, em dezembro de 2011.

Figura 4
Estágio de construção da 2a medição

Vale ressaltar que a primeira medição ocorreu com o edifício construído até o quarto pavimento. Sendo assim, a primeira etapa medida será considerada como a etapa “zero” e as demais medidas retiradas em função da diferença em relação a esta primeira medida.

Para cada etapa medida, foi elaborado um modelo estrutural correspondente, com as cargas atuantes referentes a tais etapas. A Tabela 1 indica as etapas construtivas em que foram efetuadas medições de recalque e seus respectivos tempos de execução. A Tabela 2 enumera os pilares instrumentados para medição de recalque e o tipo de fundação, cuja localização foi indicada na Figura 2(a).

Tabela 1
Etapas construtivas

Tabela 2
Pilares instrumentados e tipo de fundação

A Figura 5 ilustra as curvas iso-recalques medidos para a 6a e última etapa instrumentada. Nesta etapa o edifício já estava com sua estrutura e alvenaria prontas e o revestimento executado até o sétimo andar.

Figura 5
Curvas iso-recalques medidos para a 6a etapa, em centímetros

Observou-se que os maiores recalques ocorreram nos pilares assentes sobre sapatas e os menores recalques ocorreram nos pilares com fundação profunda, conforme esperado neste caso, em que as fundações profundas são em perfis metálicos embutidos em solos de elevada resistência e as sapatas de grandes dimensões em planta.

Em todas as etapas em que foram medidos recalques e deformações nos pilares, foram também medidas as temperaturas e umidades do ambiente com a utilização de um relógio termo-higrômetro. Não houve variação expressiva nas medições destes parâmetros. A média dos valores medidos foi de 27 graus Celsius, para a temperatura, e 75% para a umidade. Estes valores foram usados nas análises considerando a fluência e retração apresentadas no item 6.3.

5. Previsão teórica dos recalques

Para a previsão de recalques utilizou-se o método de Aoki e Lopes [3[3] AOKI, N.; LOPES, F. R. Estimating stresses and settlements due to deep foundations by the Theory of Elasticity. Proceedings, 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, v.1, p.377-386, 1975.], o qual estima tensões e recalques no interior do maciço de solo através de um processo numérico em que as cargas que um conjunto de elementos (sapatas e estacas) transmite ao solo são decompostas em um sistema equivalente de cargas concentradas, cujos efeitos são superpostos nos pontos em estudo.

Baseado num programa computacional, desenvolvido por Aoki-Lopes [3[3] AOKI, N.; LOPES, F. R. Estimating stresses and settlements due to deep foundations by the Theory of Elasticity. Proceedings, 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, v.1, p.377-386, 1975.], foram estimados os recalques para todos os pilares da edificação, a partir das cargas de projeto.

Importante observar que estes valores foram calculados com o objetivo de verificar os pontos de maior e menor recalque, e ter uma ideia da ordem de grandeza dos valores.

A Figura 6 mostra as curvas iso-recalques estimados para esta situação, sem consideração da interação solo-estrutura e para as cargas provenientes do projeto estrutural da edificação.

Figura 6
Curvas iso-recalques do projeto, em centímetros

Nota-se que os pilares com fundação profunda apresentaram a ordem de grandeza dos recalques bem menor que os pilares com fundação rasa, em sapatas, conforme era esperado. Os maiores valores de recalque ocorreram para os pilares centrais. Os menores valores de recalque ocorreram para os pilares da periferia.

Cabe registrar que enquanto os recalques medidos tiveram início com a estrutura concretada até o piso do 4o pavimento, os recalques previstos consideram a estrutura completa.

6. Análises da edificação

6.1 Modelos numéricos

Foi previsto um modelo estrutural para cada etapa construtiva instrumentada. Com isso, foi possível comparar, para cada etapa, os recalques medidos com os recalques calculados a partir das cargas nas fundações previstas na análise do modelo estrutural.

Numa primeira fase da análise, as cargas foram aplicadas para o modelo com apoio rígido, apenas considerando os carregamentos existentes em cada etapa construtiva. A partir das cargas da fundação, assim obtidas, foram calculados os recalques referentes a cada etapa construtiva descrita, utilizando a metodologia proposta por Aoki-Lopes [3[3] AOKI, N.; LOPES, F. R. Estimating stresses and settlements due to deep foundations by the Theory of Elasticity. Proceedings, 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, v.1, p.377-386, 1975.].

Nas fases seguintes da análise, os apoios foram considerados deslocáveis. Uma vez que as sapatas foram assentes em camada arenosa, de compressibilidade rápida, o modelo proposto para representar as características do terreno foi composto por uma mola, comportamento, portanto, linear. Os valores dos coeficientes de rigidez das molas representativas do modelo do solo foram estimados a partir das cargas nas fundações e dos respectivos recalques calculados em cada etapa construtiva, de forma a reproduzirem a compressibilidade da camada de areia.

Para a estimativa dos coeficientes de rigidez das molas representativas do modelo do solo, partiu-se da definição do coeficiente de recalque K, que é a relação entre a carga atuante e o recalque, em kN/m.

Os valores dos coeficientes de rigidez, estimados conforme explicitado acima, foram considerados como condição de contorno no modelo estrutural para análise da interação seguinte. Foram feitas, para todas as etapas, várias iterações até a convergência dos valores de coeficiente de rigidez. Observou-se que os valores convergiram na 3a iteração.

6.2 Comportamento quanto aos recalques medidos e estimados

A partir dos modelos numéricos elaborados para cada etapa construtiva, foi possível comparar os recalques medidos com os recalques estimados. As Figuras 7(a), 7(b), 7(c) e 7(d) apresentam as curvas iso-recalques estimados para a 6a etapa construtiva, considerando apoios rígidos e considerando as 3 iterações calculadas com interação solo-estrutura, respectivamente.

Figura 7
Curvas iso-recalques para a 6a etapa (em centímetros)

Observa-se que os maiores recalques são estimados quando da consideração das cargas do modelo correspondente ao apoio rígido. Há mudança na locação dos maiores recalques quando se introduz a análise com interação solo x estrutura. Por outro lado, a mudança é pouco significativa no padrão de comportamento das curvas de iso-recalques quando se passa a um maior refinamento das análises (maior número de iterações), até a convergência dos resultados. Estes resultados parciais podem ser melhor acompanhados na pesquisa de Rosa [1[1] ROSA, L. M. P. Soil structure interaction: analysis considering creep in concrete (In Portuguese) Niterói, 2015, DSc Thesis - Civil Engineering Department, Fluminese Federal University, 204 p. ].

Verificou-se que estas análises de iterações múltiplas são muito trabalhosas e não resultam em diferenças significativas no padrão de comportamento nas diversas iterações além da primeira, quando se contempla a interação solo x estrutura. Não se observou diferença sensível no padrão de distribuição de recalques em planta e também na redistribuição de cargas na fundação. Uma vez que as fundações representam a última etapa do projeto e a primeira da execução, os autores consideram que, para projetos correntes, a análise da interação solo x estrutura, recomendada pela versão mais atualizada da norma, justifica-se numa única iteração.

Em seguida, procurou-se comparar as curvas de iso-recalques previstas e medidas, de forma a se avaliar os parâmetros de compressibilidade estimados para o maciço de solos e a capacidade de previsão de comportamento, seja do modelo estrutural, seja da metodologia aplicada na previsão dos recalques. Cabe destacar que a metodologia de Aoki-Lopes [3[3] AOKI, N.; LOPES, F. R. Estimating stresses and settlements due to deep foundations by the Theory of Elasticity. Proceedings, 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, v.1, p.377-386, 1975.], originalmente concebida para fundações profundas, também pode ser utilizada para fundações diretas e fundações mistas, como o caso presente. Para a 6a etapa, os valores medidos são ilustrados na Figura 7(e) e previstos na Figura 7(f). Uma vez que os recalques medidos se iniciaram após o início da obra, foram reduzidos, dos recalques calculados apresentados na Figura 7(f), os valores correspondentes àqueles que ocorreriam antes do início da instrumentação.

Observa-se que as Figuras 7(e) e 7(f) apresentam um aspecto bastante similar, com maiores recalques, da ordem de 1 cm, na parte central da edificação, especialmente no trecho dos pilares que apresentam fundação direta. Os pilares com fundação profunda e da periferia apresentam ordem de grandeza dos recalques bem menor que os pilares centrais.

A similaridade nos valores de recalque indica a adequação do modelo de compressibilidade do solo, que já havia sido observado por Conde de Freitas et al [4[4] CONDE DE FREITAS, A.; PACHECO, M.; DANZIGER, B. R. Estimating Young Module in Sands from the Normalized N60 Blow Count. Soils and Rocks, vol. 35, n.1, 2012.]. A similaridade no padrão da curva revela a adequação do modelo numérico ao representar o comportamento da interação entre o solo e a estrutura.

Cabe aqui lembrar o comportamento observado por Gusmão Filho [5[5] GUSMÃO FILHO, J. Contribution to foundation practice: a experience from the city of Recife. Full professor These (In Portugueses), UFPE, Recife, 1995, 251 p.] quanto ao efeito da sequência da construção na interação solo x estrutura, ilustrado na Figura 8. A Figura 8 ilustra o aumento do recalque médio com o avanço das etapas construtivas. Ao mesmo tempo em que se observa o aumento do recalque médio, por efeito do acréscimo do carregamento, a variabilidade do recalque diminui, ou seja, o coeficiente de variação do recalque tende a diminuir com o avanço da construção. Este é o efeito da interação.

Figura 8
Efeito da sequência executiva, Gusmão Filho [5[5] GUSMÃO FILHO, J. Contribution to foundation practice: a experience from the city of Recife. Full professor These (In Portugueses), UFPE, Recife, 1995, 251 p.]

As Figuras 9(a), 9(b) e 9(c) ilustram este mesmo efeito para a obra em estudo. Como as leituras desta obra não foram iniciadas no tempo zero, os valores estatísticos (média, desvio padrão e coeficiente de variação) foram determinados considerando que o recalque medido, em cada um dos pilares instrumentados, apresentasse, no início das leituras, um valor de recalque igual àquele calculado para o mesmo pilar naquele mesmo tempo. Os recalques calculados foram tomados com a origem no início da execução. As Figuras 9(a), 9(b) e 9(c) ilustram, respectivamente, a média, desvio padrão e coeficiente de variação dos recalques estimados e dos recalques medidos. O cálculo da média foi feito considerando o somatório dos recalques em cada pilar instrumentado dividido pelo número de pilares (11 pilares), para cada uma das etapas instrumentadas (6 etapas). A partir da média foi calculado o desvio padrão e o coeficiente de variação, que é a razão entre o desvio padrão e a média.

Figura 9
(a) Média, (b) Desvio padrão e (c) Coeficiente de variação dos recalques medidos e calculados

Observa-se que os valores médios medidos foram praticamente coincidentes com os valores médios calculados, exceto para a leitura correspondente ao intervalo de 310 dias após o início da instrumentação, justamente na ocasião em que foram perdidas 3 leituras. Possivelmente, a redução do número de observações resultou no comprometimento do valor médio. Observou-se, ainda, que o valor médio calculado no tempo de 310 dias, que contemplou a média de 11 valores, se aproximou muito mais da tendência da curva do que o valor da média do recalque medido neste tempo, cujo valor se afastou do comportamento do conjunto.

Verificou-se que os valores de desvio padrão medidos foram também muito próximos dos valores calculados, exceto para a leitura correspondente ao mesmo intervalo de 310 dias após o início da instrumentação, justamente na ocasião em que foram perdidas 3 leituras. Possivelmente, o comprometimento do valor médio resultou no mesmo efeito no desvio padrão. Porém, enquanto no gráfico de recalques o valor do recalque médio calculado tenha se aproximado da curva do conjunto, enquanto o medido tenha se distanciado, no caso do desvio padrão aconteceu o oposto. Ainda não se conseguiu identificar uma justificativa para tal resultado.

Como se considerou, para os valores medidos no início da instrumentação, os mesmos valores calculados para aquela data, os valores da média, desvio padrão e coeficiente de variação se iniciaram no mesmo ponto. Nos valores calculados o coeficiente de variação se reduz, ao longo do processo executivo, porém muito lentamente. Para os valores medidos, o coeficiente de variação apresenta uma maior amplitude de variação, possivelmente pela perda de algumas leituras, como comentado anteriormente. Cabe observar que, apesar das diferenças ocorridas durante o carregamento, a amplitude da redução do coeficiente de variação foi a mesma, quer se tome os valores medidos, quer se tome os valores calculados. Destaca-se também que a maior redistribuição de cargas e recalques costuma acontecer no início da construção, quando a rigidez da estrutura aumenta até os primeiros pavimentos. Observações experimentais comprovam que os primeiros pavimentos são os que mais trabalham, daí se verificar danos, relativos à presença de recalques excessivos, justamente nos primeiros pavimentos, que, infelizmente, na obra em apreço, não foram instrumentados. Como esta obra consiste num empreendimento comum, com um cronograma executivo rápido, apesar de todo o apoio recebido por parte da construtora, os autores não tiveram permissão de alterar as etapas e a velocidade de construção. Até que se obtivesse a autorização e se iniciasse as leituras, a construção já se encontrava no quarto pavimento. Não foi possível, assim, se observar o comportamento do coeficiente de variação com o tempo no período em que ele deve sofrer uma variação mais significativa, ou seja, nas primeiras etapas da construção.

Isto posto, se observa, embora de forma mais tênue, a redução do coeficiente de variação com a sequência executiva. Reportando-se à Figura 8, observa-se que Gusmão Filho [5[5] GUSMÃO FILHO, J. Contribution to foundation practice: a experience from the city of Recife. Full professor These (In Portugueses), UFPE, Recife, 1995, 251 p.] já representava a redução mais significativa do desvio padrão nas primeiras etapas.

6.3 Análise considerando a fluência e a retração do concreto

As iterações calculadas calibraram o modelo quanto às características do terreno, definindo o valor a ser adotado para o coeficiente de rigidez das molas representativas do solo. Para a estimativa do coeficiente de rigidez das molas representativas do modelo do solo, partiu-se da definição do coeficiente de recalque K, que é a relação entre a carga atuante e o recalque, em kN/m. Considerou-se, portanto, para as etapas subsequentes, os valores de coeficiente de rigidez da 6a etapa, após a 3a iteração.

Toda a previsão de fluência e retração foi feita através do programa SAP2000, que se baseia nas formulações do Código Modelo do CEB-FIP [6[6] COMITÊ EURO-INTERNACIONAL DU BETON. CEB-FIP Model Code 1990, Design Code, Thomas Telford]. Para o emprego das recomendações do CEB, faz-se necessário o uso de coeficientes empíricos baseados em certos parâmetros e características geométricas e propriedades mecânicas da estrutura, como: a resistência característica à compressão do concreto (fck = 35 MPa), módulo de elasticidade do concreto a 28 dias (Eci= 34x 103 MPa), seção transversal das peças, umidade relativa do meio (75%), idade e duração do carregamento e tipo de cimento empregado (0,25, na presente análise, correspondendo a um cimento de endurecimento normal). Quanto à idade e duração do carregamento, foram consideradas às etapas de construção e sua duração, indicados na Tabela 1.

Importante observar que, para esta análise, não foram consideradas todas as etapas citadas na Tabela 1, (1 a 6). Isto porque o acréscimo de carga entre determinadas etapas foi muito pequeno. Em alguns casos, os intervalos entre etapas foram também muito pequenos.

Além disso, acrescentou-se uma etapa anterior ao início da instrumentação, ou seja, anterior à leitura “zero”, de forma a considerar o carregamento correspondente à construção da fundação, subsolo, piso semi-enterrado, térreo e pavimento de uso comum (PUC), objetivando melhor observar os efeitos dos fenômenos analisados.

Foram analisadas seis situações para o edifício estudado, ao longo do tempo, conforme descrito abaixo:

  • 1) Estrutura com apoios rígidos;

  • 2) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sem fluência e retração;

  • 3) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito apenas a fluência;

  • 4) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito apenas a retração;

  • 5) Estrutura com apoios elásticos e material da estrutura sujeito a fluência e retração;

  • 6) Estrutura com apoios rígidos e material da estrutura sujeito a fluência e retração.

As Figuras 10 e 11 apresentam as curvas de esforços normais de dois pilares (M5 e M22) ao longo do tempo, para as situações 1 a 6, enumeradas acima. Nestas figuras estão também identificadas, para melhor clareza, as etapas das medições.

Figura 10
Esforço normal ao longo do tempo para o pilar M5, considerando as seis situações descritas

Figura 11
Esforço normal ao longo do tempo para o pilar M22, considerando as seis situações descritas

A Figura 10 mostra as curvas para o pilar M5 (locação apresentada na Figura 2(a)), em fundação profunda. Para este pilar, portanto, o limite superior do carregamento equivale à estrutura sobre apoios elásticos e sem fluência e retração, enquanto o limite inferior equivale à estrutura sobre apoio elástico e submetida apenas à retração. O efeito da fluência resultou na redução da carga, para este pilar, enquanto a interação solo-estrutura resultou no acréscimo. A solicitação contemplando o efeito da fluência e retração ficou compreendida entre estes dois limites, ou seja, apoio elástico sem fluência e retração e apoio elástico com fluência e retração.

A Figura 11 ilustra o que ocorre com o pilar M22, com fundação direta em sapata. Neste pilar, houve uma redistribuição de carga no sentido do acréscimo da solicitação, em todas as etapas de análise.

O efeito da fluência, neste pilar, resultou no aumento do carregamento, para todas as etapas, de forma crescente no tempo. Houve uma mudança de comportamento em relação aos demais pilares analisados, em que a interação e a fluência caminharam sempre em sentidos opostos.

O efeito da retração indicou ser pouco significativo para este pilar, e caminhou no sentido de reduzir o carregamento.

As autoras observaram, portanto, que na grande maioria dos pilares o efeito da fluência foi contrário ao da redistribuição de cargas. Já o efeito da retração se mostrou pouco significativo.

Gonçalves [7[7] GONÇALVES, J.C. A Influência dos Recalques das Fundações no Comportamento de Edificações ao Longo do Tempo. Rio de Janeiro, 2010, Tese (doutorado), Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 312 p.] também observou que os efeitos da retração foram pequenos e aconteceram no tempo inicial do carregamento e na região dos pilares de grande rigidez. No geral, a partir do tempo de 140 dias, os efeitos da retração também foram pouco significativos.

A Figura 12 mostra as curvas iso-recalques, após a 6a etapa construtiva, considerando a interação solo-estrutura e os efeitos da fluência e retração. As curvas iso-recalques sem considerar os efeitos de fluência e retração foram apresentadas na Figura 7(d).

Figura 12
Curvas iso-recalques da 6a etapa, com interação solo-estrutura, considerando fluência e retração (em centímetros)

Em relação aos recalques, o efeito da fluência e retração não alterou o padrão de sua distribuição em planta para o caso em estudo, nem seu valor máximo, como se observa na comparação entre as Figuras 7(d) e 12.

Conclui-se que, para a obra em estudo, o efeito combinado da fluência e retração não contribuiu para uma maior uniformização dos recalques em planta em relação ao efeito relevante da interação solo x estrutura.

A Figura 13 mostra as curvas iso-recalques após a 6a etapa construtiva reduzindo, no caso dos recalques estimados, a parcela calculada anteriormente ao carregamento existente por ocasião do início da instrumentação (1a etapa). A Figura 13 inclui: (a) os recalques medidos, (b) os recalques calculados considerando a interação solo-estrutura e (c) os recalques calculados considerando a interação solo-estrutura incluindo os efeitos da fluência e retração.

Figura 13
Curvas iso-recalques da 6a etapa: (a) medidos, (b) calculados e (c) considerando fluência e retração (em centímetros)

Observa-se que houve maior consistência entre a curva medida com aquela contemplando apenas a interação. Quando se considera, além da interação, o efeito da fluência e retração, ocorreu uma mudança de comportamento no trecho central da curva, com uma maior uniformização dos recalques, superior ao ocorrido na curva medida, além de uma mudança nos cantos, com redução mais brusca dos recalques na curva contemplando a fluência e retração.

Conclui-se, assim, que a consideração da fluência e retração na análise numérica sinaliza para uma avaliação em excesso à sua real significância quando comparada apenas ao efeito da interação, de acordo com a instrumentação.

7. Conclusões

O presente artigo apresentou a análise de um edifício, em fundações mistas, em que foi realizada a instrumentação de campo para medições de recalque e deformações de pilares.

O artigo revelou uma adequação das ferramentas atualmente disponíveis, quer em relação ao modelo numérico estrutural, quer em relação à previsão dos recalques, efeito de grupo e estimativa da compressibilidade do maciço de solo em representar, de forma adequada, o comportamento da interação entre o solo e a estrutura.

Observou-se que os valores médios e de desvio padrão dos recalques medidos foram praticamente coincidentes com os valores médios e desvio padrão dos recalques calculados.

Verificou-se que as análises de iterações múltiplas são muito trabalhosas e não resultam em diferenças significativas no padrão de comportamento nas diversas iterações além da primeira, quando se contempla a interação solo x estrutura.

Em relação à redistribuição das cargas em etapas sucessivas, observou-se que a interação e a fluência caminharam sempre em sentidos opostos.

A consideração da fluência e retração na análise numérica sinaliza para uma avaliação em excesso à sua real significância quando comparada apenas ao efeito da interação.

8. References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2018

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2016
  • Aceito
    18 Ago 2017
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