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Análise de confiabilidade de barragem de concreto construída

Resumo

O projeto convencional de barragens de gravidade de concreto ainda segue o método determinístico, que não quantifica diretamente o efeito das incertezas na segurança da estrutura. A teoria de confiabilidade estrutural permite a quantificação da segurança destas estruturas, a partir da quantificação das incertezas inerentes aos parâmetros de resistência e solicitação. Este artigo ilustra a aplicação da confiabilidade estrutural ao estudo de caso de uma barragem de gravidade de concreto construída. Os resultados obtidos mostram que a confiabilidade da estrutura construída é maior do que da estrutura projetada. O estudo compara a confiabilidade na condição de projeto com os coeficientes de segurança resultantes, ilustrando a falta de linearidade entre coeficientes de segurança e confiabilidade. O estudo mostra ainda quais são os modos de falha e parâmetros de projeto com maior influência na segurança da estrutura.

Palavras-chave:
avaliação de segurança estrutural; barragens de concreto; análise de confiabilidade

Abstract

The conventional design of concrete gravity dams still follows the deterministic method, which does not directly quantify the effect of uncertainties on the safety of the structure. The theory of structural reliability allows the quantification of safety of these structures, from the quantification of the inherent uncertainties in resistance and loading parameters. This article illustrates application of structural reliability theory to the case study analysis of a built concrete gravity dam. Results show that reliability of the built structure is greater than that of the designed structure. The study compares reliability for design conditions, with the corresponding safety coefficients, illustrating a lack of linearity between safety coefficients and reliability. Furthermore, the study shows which are the failure modes and the design parameters with greater influence on dam safety.

Keywords:
structural safety assessment; concrete dams; reliability analysis

1. Introdução

Os procedimentos usuais de verificação da estabilidade global de barragens de concreto são baseados em métodos determinísticos e no uso de fatores de segurança. As simplificações usualmente empregadas para as definições dos carregamentos atuantes, parâmetros das resistências e dos modelos do comportamento mecânico, inserem incertezas nesses procedimentos de análise.

Incertezas estão presentes ao longo de todo o ciclo de vida da estrutura, desde a concepção até o final da vida útil. Os riscos associados podem ser agravados pela execução inadequada de qualquer uma das fases de uma obra de engenharia (projeto, construção, operação e desativação). As incertezas também mudam ao longo do ciclo de vida, sendo maiores na fase de projeto. Em geral, as incertezas podem ser reduzidas após a construção e durante a operação, devido a coleta de dados reais e redução das incertezas de previsão.

As incertezas se originam em nosso conhecimento incompleto sobre a natureza dos sistemas de engenharia que projetamos e operamos, mas também na aleatoriedade natural dos processos envolvidos. As resistências de materiais e ações ambientais são inerentemente aleatórias e não podem ser descritas completamente de forma determinística [1[1] A. T. Beck, Confiabilidade e Segurança das Estruturas. Elsevier, 2019.]. Para quantificação dessas incertezas e avaliação dos seus efeitos sobre o desempenho e projeto de sistemas de engenharia, deve-se empregar adequadamente os conceitos e metodologias de probabilidade e estatística [2[2] A. H.-S. Ang and W. H. Tang, Probability Concepts in Engineering Planning and Design: Emphasis on Application to Civil and Environmental Engineering. Wiley, 2007.].

Incertezas implicam em risco, que é definido como produto da probabilidade de ocorrência do evento (P) e suas consequências (C), conforme a Equação (1). O risco relacionado à falha de barragens pode ser definido como a medida de probabilidade e severidade de um efeito adverso para vida, saúde, propriedade e meio ambiente. O risco pode ser estimado pela combinação de todos os cenários, considerando a probabilidade de ocorrência e respectivas consequências [3[3] International Commission on Large Dams - ICOLD, “Risk assessment in dam safety management. Bulletin 130.” Paris, 2005.].

R i s c o = P ( o c o r r ê n c i a ) × C ( c o n s e q u ê n c i a s ) (1)

Conforme descrito pela Comissão Internacional de Grandes Barragens [3[3] International Commission on Large Dams - ICOLD, “Risk assessment in dam safety management. Bulletin 130.” Paris, 2005.], a análise de risco pode ser empregada como uma ferramenta adequada no processo de gerenciamento de risco. A análise de risco de barragens requer identificação dos modos de falha potenciais e quantificação das probabilidades condicionais das respostas do sistema para diferentes solicitações.

A probabilidade de ocorrência do evento adverso é chamada, de forma genérica, de probabilidade de falha (Pf) [4[4] L. Altarejos-García, I. Escuder-Bueno, A. Serrano-Lombillo, and M. G. de Membrillera-Ortuño, “Methodology for estimating the probability of failure by sliding in concrete gravity dams in the context of risk analysis,” Struct. Saf., vol. 36, pp. 1-13, 2012.], que pode ser obtida por meio de análise de confiabilidade estrutural. A análise de confiabilidade estrutural emprega métodos probabilísticos para avaliação de segurança de uma estrutura.

A análise da confiabilidade estrutural está relacionada com o cálculo e o prognóstico da probabilidade de falha de um sistema estrutural em qualquer estágio de sua vida útil [5[5] R. E. Melchers and A. T. Beck, Structural reliability: analysis and prediction. 3rd Ed., John Wiley & Sons, 2018.]. Também pode ser utilizada para calibração de fatores de segurança parciais de critérios de projetos, conforme descrito pelo Comitê Europeu de Normalização [6[6] European Committe for Standartization - CEN, “Basis of structural design. EN 1990.” Brussels, Belgium, 2001.].

Sistemas estruturais devem atender requisitos de segurança, os quais estão diretamente relacionados com os modos de falha estrutural, que são formulados em equações de projeto ou em termos de equações de estado limite. A avaliação da probabilidade de falha é baseada na função de performance do sistema estrutural.

Dado um vetor X, que agrupa as variáveis aleatórias de resistência e de solicitação, uma equação de estado limite g(X) é escrita de forma a dividir o domínio de X em domínios de segurança (Ds) e de falha (Df):

D f = { X | g ( X ) 0 } D s = { X | g ( X ) > 0 } (2)

A probabilidade de falha (Pf) pode ser calculada como a probabilidade de as variáveis do problema pertencerem ao domínio de falha:

P f = P [ g ( X ) 0 ] = D f f X ( x ) d x (3)

onde fX (x) é a função conjunta de densidade de probabilidade das variáveis aleatórias do problema. Deste modo, o cálculo da probabilidade de falha constitui em avaliar uma integral multidimensional sobre o domínio de falha.

De acordo com Melchers e Beck [5[5] R. E. Melchers and A. T. Beck, Structural reliability: analysis and prediction. 3rd Ed., John Wiley & Sons, 2018.], há três métodos para resolver essa integral multidimensional:

  • integração direta: rara aplicação;

  • integração numérica através da simulação de Monte Carlo (SMC);

  • métodos de transformação: a integração é realizada por meio da transformação das variáveis aleatórias para o espaço normal padrão multi-variado, e através de aproximações do limite de integração ( g(X) ≤ 0).

Neste trabalho empregam-se as técnicas de Simulação de Monte Carlo (SMC) e o método de transformação de primeira ordem ou FORM (First Order Reliability Method).

A resposta do problema é a probabilidade falha nominal Pf e o índice de confiabilidade (β), que pode ser definido como a distância mínima entre a equação de estado limite e a origem do espaço normal padrão, expresso em unidades de desvio padrão. Para avaliação da segurança de uma estrutura, pode-se comparar o índice de confiabilidade (β) obtido conforme descrito anteriormente com o índice de confiabilidade alvo (βT), que está relacionado com o estado limite e as consequências.

O Comitê Europeu de Normatização [6[6] European Committe for Standartization - CEN, “Basis of structural design. EN 1990.” Brussels, Belgium, 2001.] recomenda índices de confiabilidade (β) conforme a classe de consequência da estrutura, no entanto, essa norma não está relacionada com barragens. O documento define três classes de consequências e os respectivos índices de confiabilidade (β), classe alta (β = 5,2/ano), classe média (β = 4,7/ano) e classe baixa (β = 4,2/ano). A classificação considera as consequências de perdas de vidas humanas, econômicas e ambientais para estruturas convencionais (edificações, etc.).

No que tange à segurança estrutural, também é importante avaliar os fatores de segurança utilizados em projeto para contornar a existência de incertezas, resultando em estruturas seguras. Fatores de segurança têm sido determinados empiricamente para diferentes aplicações e tipos de materiais, e seus valores incorporados a critérios de projeto em todo o mundo. O argumento é que o projeto em conformidade com esses critérios resultaria suficientemente seguro, mas infelizmente isso nem sempre é verdade. Primeiramente, porque o valor do fator de segurança será diferente, dependendo do modelo matemático usado e das definições associadas ao fator de segurança. Além disso, um determinado fator de segurança retorna diferentes valores de probabilidade de falha, em função das incertezas nos dados de entrada, tais como: coeficiente de variação, número de ensaios, qualidade das investigações, medidas in loco, etc. Portanto, a segurança estrutural obtida por meio de fatores de segurança pode variar dentro de uma larga faixa de valores, em termos de probabilidade de falha [7[7] International Commission on Large Dams - ICOLD, “Rock foundations for dams. Bulletin 88.” Paris, 1993.].

No Brasil, a promulgação da Lei de Segurança de Barragens nº 12.334/2010 [8[8] Brasil. Lei no 12.334 de setembro de 2010, “Estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens e o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens.” [Online]. Available: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12334.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
], que reflete a demanda da sociedade pela garantia de maior nível de segurança, resulta na necessidade da reavaliação da segurança das barragens enquadradas nessa legislação, conforme prazos e periodicidades estabelecidos em regulamentos complementares. Essas reavaliações de segurança podem ser baseadas em conceitos de confiabilidade estrutural.

O uso dos métodos de confiabilidade estrutural para barragens de concreto não é difundido, mas se verifica o desenvolvimento de várias pesquisas nesta área, incluindo as pesquisas realizadas por Ellingwood e Tekie [9[9] B. Ellingwood and P. B. Tekie, “Fragility analysis of concrete gravity dams,” J. Infrastruct. Syst., vol. 7, no. 2, pp. 41-48, 2001.], Tekie e Ellingwood [10[10] P. B. Tekie and B. R. Ellingwood, “Seismic fragility assessment of concrete gravity dams,” Earthq. Eng. Struct. Dyn., vol. 32, no. 14, pp. 2221-2240, 2003.], Westberg [11[11] M. Westberg, “Reliability-based evaluation of concrete dams,” 2007.], Johansson [12[12] F. Johansson, “Shear strength of unfilled and rough rock joints in sliding stability analyses of concrete dams,” Royal Institute of Technology, 2009.], Royet et al.[13[13] P. Royet, L. Peyras, J. P. Becue, and C. Carvajal, “Analytical review of gravity dam stability from novel French limit-state guidelines to a probabilistic assessment of structural safety,” in 23rd International Congress on Large Dams (ICOLD 2009), Brasilia, Brazil, 2009.], García [14[14] L. Altarejos García, “Contribución a la estimación de la probabilidad de fallo de presas de hormigón en el contexto del análisis de riesgos.” 2009.], Bernstone [15[15] C. Bernstone, M. Westberg, and J. Jeppsson, “Structural assessment of a concrete dam based on uplift pressure monitoring,” J. Geotech. geoenvironmental Eng., vol. 135, no. 1, pp. 133-142, 2009.], Westberg [16[16] M. Westberg, “Reliability-based assessment of concrete dam stability,” Lund University, 2010.], Garcíaet al.[4[4] L. Altarejos-García, I. Escuder-Bueno, A. Serrano-Lombillo, and M. G. de Membrillera-Ortuño, “Methodology for estimating the probability of failure by sliding in concrete gravity dams in the context of risk analysis,” Struct. Saf., vol. 36, pp. 1-13, 2012.], Westberg e Johansson [17[17] M. Westberg Wilde and F. Johansson, “System reliability of concrete dams with respect to foundation stability: application to a spillway,” J. Geotech. Geoenvironmental Eng., vol. 139, no. 2, pp. 308-319, 2012.], Su et al.[18[18] H. Su, J. Hu, and Z. Wen, “Service life predicting of dam systems with correlated failure modes,” J. Perform. Constr. Facil., vol. 27, no. 3, pp. 252-269, 2011.], Torres et al.[19[19] A. Morales-Torres, I. Escuder-Bueno, L. Altarejos-Garc\’\ia, and A. Serrano-Lombillo, “Building fragility curves of sliding failure of concrete gravity dams integrating natural and epistemic uncertainties,” Eng. Struct., vol. 125, pp. 227-235, 2016.], Krounis [20[20] A. Krounis, “Sliding stability re-assessment of concrete dams with bonded concrete-rock interfaces,” KTH Royal Institute of Technology, 2016.], Krounis et al.[21[21] A. Krounis, F. Johansson, J. Spross, and S. Larsson, “Influence of cohesive strength in probabilistic sliding stability reassessment of concrete dams,” J. Geotech. Geoenvironmental Eng., vol. 143, no. 2, p. 4016094, 2016.] e Li et al.[22[22] Y. Li, Y. Sun, B. Li, and Z. Xu, “Penalty function-based method for obtaining a reliability indicator of gravity dam stability,” Comput. Geotech., vol. 81, pp. 19-25, 2017.]. No entanto, nenhuma dessas pesquisas aborda a atualização da confiabilidade da barragem construída em relação à barragem projetada.

Tendo em vista o exposto, o objetivo deste trabalho é demonstrar o emprego da análise de confiabilidade estrutural para avaliação da probabilidade de falha de barragens de concreto construídas, em comparação com as verificações de segurança tradicionalmente adotadas. Adicionalmente, busca-se avaliar os fatores de segurança estabelecidos nos critérios de projetos adotados no Brasil para verificação de segurança de barragens de concreto.

2. Modos de falha global de barragens de concreto

As análises de confiabilidade estrutural requerem a definição das funções de estado limite, que por sua vez devem descrever matematicamente os modos de falha relevantes da estrutura em análise. As barragens de concreto podem falhar na fundação, na interface entre o concreto e a fundação e no concreto. Os critérios de análise de estabilidade tradicionais usam análises de equilíbrio convencionais e teorias de estado limite. As análises usuais empregam modelos em duas dimensões, desprezando-se os efeitos tridimensionais. A estabilidade é verificada para os modos de falha relacionados ao deslizamento, tombamento e tensão excessiva no concreto e na fundação.

Em geral, a ocorrência de tensão excessiva não é um modo de falha global. O esmagamento ou fissuração local não leva necessariamente para falha global e o mecanismo de falha não poderá ser tensão excessiva, mas falha por deslizamento ou tombamento. Em vez disso, tensão excessiva está relacionada ao estado limite de serviço. No entanto, a ocorrência de tensão excessiva pode ser a causa e fator de início que leva a uma falha global e deve ser analisada [16[16] M. Westberg, “Reliability-based assessment of concrete dam stability,” Lund University, 2010.]. Isso pode ser verificado pelo modelo de análise de modos de falha combinados apresentado por Fishman [23[23] Y. A. Fishman, “Stability of concrete retaining structures and their interface with rock foundations,” Int. J. Rock Mech. Min. Sci., vol. 46, no. 6, pp. 957-966, 2009.]. Mais detalhes sobre essa questão também podem ser encontrados em Westberg e Johansson [17[17] M. Westberg Wilde and F. Johansson, “System reliability of concrete dams with respect to foundation stability: application to a spillway,” J. Geotech. Geoenvironmental Eng., vol. 139, no. 2, pp. 308-319, 2012.].

As premissas básicas de critérios de projeto assumem que a barragem está completamente ligada à rocha de fundação ao longo do contato; a fundação deve resistir aos carregamentos com tensões aceitáveis; o concreto da barragem é homogêneo, isotrópico e elástico-linear; que juntas de contração podem transferir carga se forem solidarizadas, caso contrário, todo o carregamento é transferido para fundação; as tensões horizontais e verticais variam linearmente da face de montante para face jusante; e as tensões de cisalhamento horizontal têm uma variação parabólica da face de montante para face de jusante [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.].

Existem diferentes metodologias para definição dos parâmetros de análise e verificação de modos de falha, como descrito nos estudos realizados por EPRI [25[25] Electric Power Research Institute - EPRI, “Uplift pressures, shear strengths, and tensile strengths for stability analysis of concrete gravity dams.” Denver, 1992.], USACE [26[26] U.S. Army Corps of Engineers - USACE, “Evaluation and Comparison of Stability Analysis and Upplift Criteria for Concrete Gravity Dams by Three Fedral Agencies.” 2000.], Ruggeri et al[27[27] G. Ruggeri, R. Pellegrini, M. de Celix, M. Berntsen, P. Royet, V. Bettzieche, W. Amberg, A. Gustafsson, T. Morison, and A. Zenz, “Sliding stability of existing gravity dams-Final report,” ICOLD Eur. Club, Paris, 2004.] e Johansson [12[12] F. Johansson, “Shear strength of unfilled and rough rock joints in sliding stability analyses of concrete dams,” Royal Institute of Technology, 2009.].

No Brasil, adota-se como referência para projetos de barragens de concreto, o documento denominado Critérios de Projeto Civis de Usinas Hidrelétricas, elaborado pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (ELETROBRÁS), publicado no ano de 2003. De acordo com esse guia, a estabilidade global de barragens de concreto deve ser verificada para os modos de falha relacionados ao deslizamento, tombamento, flutuação e tensão excessiva no concreto e na fundação. As análises desenvolvidas neste trabalho consideram condições de carregamento normal, excepcional e limite, limitando-se a região da interface entre o concreto e a fundação, e aos modos de falha global relacionados ao deslizamento, tombamento e flutuação.

O guia da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.] define quatro condições de carregamento: condições de carregamento normal, excepcional, limite e de construção. A condição de carregamento normal (CCN) corresponde a todas as combinações de ações que apresentem grande probabilidade de ocorrência ao longo da vida útil da estrutura, durante a operação normal ou manutenção de rotina da obra, em condições hidrológicas normais. A condição de carregamento excepcional (CCE) corresponde a uma situação de combinação de ações com baixa probabilidade de ocorrência ao longo da vida útil da estrutura. Em geral, estas combinações consideram a ocorrência de somente uma ação excepcional, tais como, condições hidrológicas excepcionais, defeitos no sistema de drenagem, manobras de caráter excepcional, efeitos sísmicos, etc. com as ações correspondentes a condição de carregamento normal. A condição de carregamento limite (CCL) corresponde a uma situação de combinação de ações com muito baixa probabilidade de ocorrência ao longo da vida útil da estrutura. Em geral, estas combinações consideram a ocorrência de mais de uma ação excepcional, tais como, condições hidrológicas excepcionais, defeitos no sistema de drenagem, manobras de caráter excepcional, efeitos sísmicos, etc. com as ações correspondentes a condição de carregamento normal. A condição de carregamento de construção (CCC) corresponde a todas as combinações de ações que apresentem probabilidade de ocorrência durante a execução da obra. Podem ser devidas a carregamentos de equipamentos de construção, a estruturas executadas apenas parcialmente, carregamentos anormais durante o transporte de equipamentos permanentes, e quaisquer outras condições semelhantes, e ocorrem durante períodos curtos em relação à sua vida útil.

2.1 Deslizamento

A estabilidade ao deslizamento é verificada por meio da análise das tensões de cisalhamento atuantes e resistentes na superfície potencial de ruptura. As tensões de cisalhamento atuantes dependem do somatório das forças paralelas a superfície em análise. Para as tensões de cisalhamento resistentes, emprega-se o critério de falha de Mohr-Coulomb, onde a máxima tensão tangencial resistente (τ) para cada ponto da superfície de deslizamento é descrita pela expressão:

τ c + σ n tan ϕ (4)

Sendo c a coesão σn a tensão normal efetiva para superfície de deslizamento e ϕ o ângulo de atrito. A partir da integral da coesão e tensões normais ao longo da superfície em análise, a força resistente (R) ao cisalhamento pode ser obtida:

R = N tan ϕ + c A (5)

O emprego do critério de Mohr-Coulomb permite determinar uma envoltória de resistências para um material que é baseada nos parâmetros de atrito e de coesão para diferentes níveis de pares de tensão normal (σ) e cisalhante (τ) de ruptura. Essa envoltória é obtida a partir de ensaios de laboratório e/ou de campo, obtendo-se as tensões cisalhantes de ruptura para diferentes níveis de tensões normais.

Os critérios de projeto da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.] estabelece a seguinte formulação para verificação da segurança ao deslizamento em planos de interface concreto-rocha:

F S D = R T = N tan ϕ f s d ϕ + c A f s d c T 1 (6)

onde, ΣR é o somatório de forças horizontais resistentes; ΣT é o somatório de forças horizontais atuantes; ΣN é o somatório das forças normais efetivas à superfície de escorregamento em análise; ϕ é o ângulo de atrito característico da superfície de escorregamento em análise; c é a coesão característica ao longo da superfície de escorregamento; A é a área efetiva (comprimida) de contato da estrutura no plano em análise; fsdϕ e fsdc são os fatores de segurança parciais dos materiais em relação ao atrito e à coesão, respectivamente; e FSD é o fator de segurança ao deslizamento total (considera as parcelas de resistência de atrito e de coesão).

Tendo em vista o emprego dos fatores de redução de resistência para o ângulo de atrito (fsdϕ) e coesão (fsdc), o fator de segurança total deve ser maior ou igual a 1. Caso seja admitida a ruptura de cisalhamento em determinado trecho da superfície em análise, a resistência de coesão deve ser considerada igual a 0 (c=0), e o ângulo de atrito igual à condição residual. A Tabela 1 apresenta os fatores de segurança para avaliação da segurança ao deslizamento.

Tabela 1
Valores mínimos de fatores de segurança

A equação (6) é similar à expressão de verificação de segurança ao deslizamento adotada pelo U.S. Bureau of Reclamation [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.], cujo método “shear-friction factor of safety” retorna o fator de segurança global ao deslizamento, ou seja, não introduz fatores de segurança parciais.

2.2 Tombamento

A estabilidade ao tombamento é verificada por meio da análise da relação entre o momento estabilizante e o momento de tombamento em relação a um ponto ou uma linha efetiva de rotação [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.], conforme a equação:

F S T = M e M t (7)

onde, FST é o fator de segurança ao tombamento; ΣMe é o somatório dos momentos estabilizantes atuantes sobre a estrutura, consideradas como tal, o peso próprio da estrutura, as cargas permanentes mínimas e o peso próprio dos equipamentos permanentes, se instalados; e ΣMt é o somatório dos momentos de tombamento, devido a atuação de cargas desestabilizantes, tais como, pressão hidrostática, subpressão, empuxos de terra, etc. Deverão ser desprezados os efeitos estabilizantes de coesão e de atrito despertados nas superfícies em contato com a fundação. A Tabela 1 apresenta os fatores de segurança para avaliação da segurança ao tombamento.

2.3 Flutuação

A estabilidade à flutuação é verificada por meio da análise da relação entre o somatório das forças gravitacionais e o somatório das forças de subpressão para a superfície potencial de ruptura [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.], conforme a equação:

F S F = V U (8)

onde, FSF é o fator de segurança à flutuação; ΣV é o somatório das forças gravitacionais; e ΣU é o somatório das forças de subpressão. Considera-se para o cálculo a região delimitada em blocos, desprezando-se quaisquer contribuições favoráveis devidas à coesão e ao atrito entre blocos ou entre a estrutura e a fundação. A Tabela 1 apresenta os fatores de segurança para avaliação da segurança à flutuação.

3. Métodos de confiabilidade estrutural

Para resolver o problema de confiabilidade estrutural, neste trabalho empregam-se o Método de Confiabilidade de Primeira Ordem (FORM) e a Simulação de Monte Carlo (SMC). Para isso, foi utilizado o programa computacional StRAnD (Structural Risk Analysis and Design), desenvolvido pela Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo [29[29] A. T. Beck, “StRAnD, Structural Reliability Analysis and Design, Manual do Usuário, Engenharia de Estruturas. Escola de Engenharia de São Carlos,.” USP, 2008.]. Na Simulação de Monte Carlo foi utiliza a técnica de amostragem por importância utilizando pontos de projeto.

Os métodos de transformação envolvem transformação das variáveis aleatórias do problema para o espaço normal padrão, a busca pelo ponto de projeto neste espaço, e aproximações de G(X) no ponto de projeto. O ponto de projeto é encontrado a partir da solução de um problema de programação matemática, já que no espaço normal padrão, o ponto de projeto é o ponto sobre a equação de estado limite mais próximo da origem. O ponto de projeto também é o ponto mais provável (moda) do domínio de falha. A distância (mínima) entre o ponto de projeto e a origem do espaço normal padrão é o chamado índice de confiabilidade (β). O método de primeira ordem (FORM) envolve uma aproximação do domínio de integração por um hiperplano [5[5] R. E. Melchers and A. T. Beck, Structural reliability: analysis and prediction. 3rd Ed., John Wiley & Sons, 2018.], de forma que:

P f = Φ ( β ) (9)

sendo β o índice de confiabilidade e Φ a distribuição cumulativa normal padrão multi-variada.

A Simulação de Monte Carlo (SMC) permite a solução de problemas com qualquer número de variáveis aleatórias e/ou grande complexidade de modelo, resolvendo-se com a mesma facilidade problemas com poucas ou muitas variáveis, e problemas lineares e não-lineares [1[1] A. T. Beck, Confiabilidade e Segurança das Estruturas. Elsevier, 2019.]. São obtidas amostras (realizações) das variáveis aleatórias do problema, e a probabilidade de falha é estimada como:

P f ^ = 1 N i = 1 N I [ X i ] = N f N (10)

onde Pf^ é a estimativa da probabilidade de falha, I[ ] é função indicadora, Xi é o vetor que representa a variável aleatória, Nf é o número de pontos no domínio de falha e N é número de realizações. O número de realizações deve ser grande o suficiente para obter a probabilidade falha com erro estatístico pequeno.

A Equação (10) está baseada em uma amostra de tamanho finito e está sujeita a um erro estatístico que corresponde à variância I[Xi]. A variância de Pf^ corresponde ao erro estatístico da simulação e depende da ordem de grandeza da probabilidade de falha exata Pf. Quanto menor a probabilidade de falha, maior o número de simulações necessárias para se obter uma mesma variância.

A partir da Equação (11), o coeficiente de variação (COV) da Pf pode ser obtido. Observa-se que a avaliação de uma probabilidade de falha da ordem de 10-p com COV ≤ 10% requer aproximadamente 10p+2, tornando-se frequentemente proibitivo o número de simulações para probabilidades de falha baixa [5[5] R. E. Melchers and A. T. Beck, Structural reliability: analysis and prediction. 3rd Ed., John Wiley & Sons, 2018.].

C O V P f 1 N P f (11)

Para reduzir o número de simulações necessárias, utilizam-se técnicas de redução de variância. Neste trabalho, emprega-se a técnica de amostragem por importância utilizando pontos de projeto. Essa técnica desloca os pontos de amostragem para o domínio de falha a partir da informação das coordenadas do ponto de projeto. Os pontos de projeto são obtidos a partir do cálculo do índice confiabilidade (β). Informações detalhadas sobre os métodos de confiabilidade estrutural descritos podem ser obtidos em Melchers [5[5] R. E. Melchers and A. T. Beck, Structural reliability: analysis and prediction. 3rd Ed., John Wiley & Sons, 2018.].

4. Equações de estado limite

Tendo em vista os modos de falha descritos anteriormente, as condições de carregamento e as características do conjunto barragem-fundação da estrutura em estudo, a seguir são apresentadas as formulações das equações de estado limite.

A função de estado limite para o deslizamento ao longo da superfície em análise é definida pelas Equações:

G 1 = T R T S (12)

G 1 = N tan ϕ i + c A T S (13)

onde, TR é o somatório das forças resistentes na superfície de escorregamento, TS é o somatório das forças atuantes paralelas à superfície de escorregamento, N’ é o somatório das forças normais à superfície de escorregamento, ϕi é ângulo de atrito interno da interface concreto-rocha, c é a coesão da interface concreto-rocha, e A é área efetiva comprimida. Expandindo a Equação (13), tem-se:

G 1 = ( V c γ c + W w 1 U U c + W w 2 ) tan ϕ i + c A T S (14)

sendo γc o peso específico do concreto, Vc o volume de concreto, Ww1 o peso de água a montante, U é o somatório das forças de subpressão atuantes, Uc é a subpressão atuante na abertura de fissura quando houver, e Ww2 é o peso de água a jusante. U é obtido conforme a Equação:

U = ( x d 1 ( h 1 + h 3 ) 2 + x d 2 ( h 3 + h 2 ) 2 ) γ w (15)

onde, xd1 é a distância entre os drenos e o paramento de montante ou final da fissura quando houver, xd2 é a distância entre os drenos e o paramento de jusante, h1 corresponde a altura de água a monte, h2 corresponde a altura de água a jusante, h3 corresponde a altura de água equivalente a subpressão na linha de drenagem, e γw é peso específico da água. h3 é obtido pelas Equações:

h 3 = k ( h 1 h 4 ) + h 4 p a r a n í v e l n o r m a l d o r e s e r v a t ó r i o (16)

h 3 = k [ ( h 1 + i u h y 1 ) h 4 ] + h 4 p a r a n í v e l m á x i m o d o r e s e r v a t ó r i o (17)

onde, k é o coeficiente de ineficiência hidráulica, h4 corresponde a altura da galeria de drenagem em relação a interface concreto-rocha, iu é o coeficiente de incremento de subpressão, e hy1 é a diferença de altura entre o nível máximo e o nível normal do reservatório.

A função de estado limite para o modo de falha ao tombamento em relação ao ponto mais extremo a jusante da superfície em análise é definida pelas Equações:

G 2 = M R M S (18)

G 2 = ( M W w 1 + M W c + M W w 2 + M H 2 ) ( M U + M U c + M H 1 ) (19)

onde, MR corresponde ao somatório dos momentos resistentes e MS é o somatório dos momentos solicitantes favoráveis ao tombamento, e os índices Ww1, Wc, Ww2, H2, U, Uc, H1, correspondem respectivamente ao momentos relacionados ao peso de água a montante, peso do concreto da barragem, peso de água a jusante, empuxo hidrostático a jusante, subpressão, subpressão atuante na abertura de fissura quando houver, e empuxo hidrostático a montante. Expandindo a Equação (19), tem-se:

G 2 = ( W w 1 l w 1 ) + ( W c l w c ) + ( W w 2 l w 2 ) + ( h 2 3 6 γ w ) [ x d 1 2 6 ( h 3 + 2 h 1 ) + x d 1 x d 2 2 ( h 1 + h 3 ) + x d 2 2 6 ( h 2 + 2 h 3 ) ] γ w ( h 1 L c γ w l c ) ( h 1 3 6 γ w ) (20)

onde, lw1 é a distância horizontal entre o centro de massa de água a montante e o paramento de jusante na superfície de referência, lwc ) é a distância horizontal entre o centro de massa do concreto da barragem e o paramento de jusante na superfície de referência, lw2 é a distância horizontal entre o centro de massa de água a jusante e o paramento de jusante na superfície de referência, Lc é o comprimento da fissura quando houver, lc é a distância horizontal entre do centro da fissura e o paramento de jusante na superfície de referência.

A função de estado limite para modo de falha à flutuação em relação a superfície em análise é definida pela expressão:

G 3 = N U (21)

G 3 = W c + W w 1 + W w 2 U U c (22)

onde, N é a o somatório das forças gravitacionais e U é o somatório das forças de subpressão atuantes.

5. Estudo de caso

5.1 Descrição da barragem

A barragem em estudo é constituída de concreto compactado com rolo do tipo gravidade, possui altura máxima de 82,5 m e comprimento na crista de 746 m. As juntas de contração foram espaçadas no máximo a cada 20 metros, totalizando 41 blocos de concreto. O paramento de montante é vertical e o de jusante possui inclinação de 0,775:1 (H:V). A crista da barragem possui 7,50 m de largura.

A barragem possui duas galerias de drenagem com linha de drenos situada a 5,85 m da face de montante, com o objetivo de alívio de subpressões na interface concreto-rocha de fundação e pressões intersticiais do maciço de concreto.

O vertedouro foi dimensionado para a cheia decamilenar afluente, que prevê o amortecimento da vazão afluente no reservatório com uma sobrelevação máxima de 1,5 metro, correspondente ao nível de água máximo do reservatório na elevação 71,5 m em relação a fundação da barragem.

Para realização deste estudo, adotou-se o bloco nº 30 da barragem, que apresenta menor fator de segurança. Esse bloco está localizado na margem esquerda, possui altura máxima de 72,5 m e dimensões na base de 20 m por 54,87 m, que está assentada sobre rocha sedimenta, classificada como siltito (Figura 1). A referência das elevações corresponde ao plano da fundação da barragem.

Figura 1
Geometria da seção transversal do bloco nº 30 da barragem

Na fase de projeto, para dimensionamento da estrutura em questão foram adotados os seguintes parâmetros:

  • peso específico do concreto (γc): 25,8 kN/m³;

  • ângulo de atrito interno (ϕi): 37°;

  • coesão (c): 250 kN/m².

As verificações de estabilidade global foram realizadas de acordo com os critérios de projeto da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.].

5.2 Delimitação das análises

Este trabalho se delimita às verificações de estabilidade para condição de carregamento normal (CCN), condições de carregamento excepcional (CCE) e condições de carregamento limite (CCL), avaliando-se somente os modos de falha ao deslizamento, tombamento e a flutuação. A CCN considera a estrutura submetida aos carregamentos referentes ao nível de água do reservatório normal (NA 70 m) e subpressão com drenagem operante. A CCE1 considera a estrutura submetida aos carregamentos referentes ao nível de água do reservatório normal (NA 70 m) e subpressão com drenagem inoperante. A CCE2 considera a estrutura submetida aos carregamentos referentes ao nível de água do reservatório máximo (NA 71,5 m) e subpressão com drenagem operante. A CCL considera a estrutura submetida aos carregamentos referentes ao nível de água do reservatório máximo (NA 71,5 m) e subpressão com drenagem inoperante. As análises não consideraram os carregamentos devido a eventos de sismo.

O nível de água do reservatório na elevação máxima corresponde a uma coluna de água de 71,5 m a montante (h1) e 8,66 m a jusante (h2) da barragem. O nível de água do reservatório na elevação normal corresponde a uma coluna de água de 70 m a montante e 0,96 m a jusante da barragem. Dessa forma, na Tabela 2 são apresentados os fatores de segurança obtidos pelas verificações na fase de projeto.

Tabela 2
Fatores de segurança obtidos e requeridos

Essas verificações foram calculadas com relação ao plano da interface concreto-rocha, avaliando-se todas os carregamentos envolvidos, que neste caso são: peso próprio, subpressões e pressões hidrostáticas.

Salienta-se que os fatores de segurança obtidos na Tabela 2 correspondem às combinações de cálculo determinísticas, as quais não consideram a variabilidade dos parâmetros de entrada.

Para avaliação da probabilidade de falha da barragem de concreto na fase operação, em comparação com as verificações de segurança realizadas na fase da elaboração do projeto, definiu-se oito cenários de combinações de carregamentos e resistências, sendo quatro com base nos parâmetros de projeto e quatro com base em dados da barragem obtidos na fase de operação ou pesquisa de parâmetros estatísticos adequados. Na Tabela 3 são apresentados os cenários de combinações de carregamentos e resistências e os parâmetros empregados.

Tabela 3
Cenários de combinações de carregamentos e resistências

Tendo em vista que as condições de carregamento excepcional e limite estão relacionadas a ocorrência de eventos com probabilidades de ocorrência baixas, faz-se necessária a avaliação da probabilidade de falha incondicional para cada modo de falha nessas condições de carregamentos. Os eventos considerados são o nível máximo no reservatório e a drenagem inoperante dos drenos de fundação. As probabilidades de falha calculadas nessas condições correspondem as probabilidades condicionais ao carregamento. Como os eventos envolvidos são considerados independentes, o cálculo da probabilidade incondicional consiste na multiplicação da probabilidade condicional pela probabilidade da ocorrência dos referidos eventos.

Considerando as informações de dimensionamento do vertedouro descrito anteriormente, a probabilidade do evento relacionado ao nível máximo do reservatório possui um tempo de retorno de 1/10000 anos. Para o evento relacionado a condição de dreno inoperante, considerou-se uma vida útil média de 50 anos, assumindo a probabilidade da ocorrência do evento com tempo de retorno de 1/50 anos. Isso leva a uma ocorrência esperada durante a vida, com uma probabilidade de ocorrência de 63%.

5.3 Definição das variáveis

O resumo das variáveis aleatórias definidas para o problema é apresentado na Tabela 4. São descritas as respectivas distribuições estatísticas e seus parâmetros de média e desvio padrão.

Tabela 4
Resumo das variáveis aleatórias

5.3.1 Peso específico do concreto

Os parâmetros estatísticos da distribuição referente ao peso específico do concreto da barragem na fase de operação foram definidos com base em uma amostra contendo 29 testemunhos de concreto extraídos do maciço da barragem, os quais foram obtidos por meio de sondagem rotativa em diferentes regiões do maciço da estrutura. Baseado nisso, definiu-se γC (kN/m³) ~ N (26; 0,94).

Para os cenários relacionados à fase de projeto, adotou-se γC(kN/m³) ~ N (25,8; 1,29) para COV de 5%. Esse COV foi baseado na medição do peso específico de corpos de prova, realizada durante a execução do controle tecnológico da produção do concreto da obra.

5.3.2 Ângulo de atrito interno e coesão do contato concreto-rocha

Para os parâmetros de ângulo de atrito interno e coesão da interface concreto-rocha não foram realizados testes com o material da barragem em estudo. Os parâmetros adotados foram definidos com base nas pesquisas e estudos de outros autores. Como o modelo de análise apresentado anteriormente não prevê o emprego da rugosidade e do ângulo de atrito básico, considerou-se para pesquisa apenas valores de referência oriundos de ensaios da ligação intacta da interface concreto-rocha.

Estudos realizados por EPRI [25[25] Electric Power Research Institute - EPRI, “Uplift pressures, shear strengths, and tensile strengths for stability analysis of concrete gravity dams.” Denver, 1992.] da interface de concreto-rocha de dezoito barragens e diferentes tipos de rocha, demonstram valores de ângulo de atrito entre 54 a 68º e valores de coesão entre 1,3 a 1,9 MPa. Rocha (1964), a partir de ensaios de 70 blocos de concreto em 6 locais diferentes de barragens, obteve valores de ângulo de atrito entre 53 a 63º e valores de coesão entre 0,1 a 0,7 MPa. Link (1969) obteve resultados de ângulo de atrito entre 45 a 52º e valores de coesão entre 0,1 a 3,0 MPa. Lo et al. (1991) avaliou amostras de ligações intactas de interfaces concreto-rocha, obtendo um valor típico para o ângulo de atrito interno de 62º e coesão de 2,2 MPa [27[27] G. Ruggeri, R. Pellegrini, M. de Celix, M. Berntsen, P. Royet, V. Bettzieche, W. Amberg, A. Gustafsson, T. Morison, and A. Zenz, “Sliding stability of existing gravity dams-Final report,” ICOLD Eur. Club, Paris, 2004.].

Fishman [23[23] Y. A. Fishman, “Stability of concrete retaining structures and their interface with rock foundations,” Int. J. Rock Mech. Min. Sci., vol. 46, no. 6, pp. 957-966, 2009.] apresenta resultados de ângulo de atrito interno e coesão de 32 testes de cisalhamento de grande escala, realizados em blocos de concreto sobre diferentes tipos de rocha da fundação de 24 barragens. O estudo apresenta valores para o ângulo de atrito interno com média 52,1º, desvio padrão de 8,8º, valor mínimo de 27,5º e valor máximo de 63º. Para coesão, obteve-se média de 1,13 MPa, desvio padrão de 0,74 MPa, valor mínimo de 0,06 MPa e valor máximo de 2,6 MPa. Esses testes foram realizados sobre rochas ígneas, metamórficas e sedimentares. Krounis et al. [30[30] A. Krounis, F. Johansson, and S. Larsson, “Shear Strength of Partially Bonded Concrete--Rock Interfaces for Application in Dam Stability Analyses,” Rock Mech. Rock Eng., vol. 49, no. 7, pp. 2711-2722, 2016.] realizou testes de cisalhamento direto em amostras cúbicas de concreto-rocha, obtendo resultado para ligação intacta da interface concreto-rocha, com valor de ângulo de atrito interno de 54,4º e coesão de 2,97 MPa.

Conforme os resultados dos diversos estudos descritos, observa-se uma larga faixa de valores, variando entre 27,5 e 68º para o ângulo de atrito interno e 0,06 MPa e 3 MPa para coesão, confirmando o alto grau de incerteza presente na definição desses parâmetros. Além disso, verifica-se que poucas pesquisas apresentam dados que permitem o cálculo de parâmetros estatísticos.

A norma Chinesa de projetos de estruturas hidráulicas de usinas hidrelétricas, China Electricity Council [31[31] China Electricity Council, “The Standards Compilation of Water Power in China.” 2000.], apresenta valores de referência de ângulo de atrito e coesão de acordo com a classificação da rocha de fundação. São apresentados os parâmetros de média e desvio padrão para três categorias de rocha. A Tabela 5 apresenta o resumo dos valores de referência para cada categoria de rocha. Pode-se observar que os valores de referência estão dentro da faixa dos demais estudos apresentados. Além da categoria da rocha, a norma Chinesa indica outros parâmetros do maciço rochoso, como a resistência e o módulo de elasticidade para classificação.

Tabela 5
Parâmetros de ângulo de atrito e coesão de interface concreto-rocha

O bloco de concreto da barragem em estudo está assentado sobre rocha de siltito, que é uma rocha sedimentar. Os testes realizados em testemunhos da rocha durante a obra da barragem apontaram valores médios de resistência à compressão de 61,58 MPa e módulo de elasticidade de 31,77 GPa. Com base no mapeamento da fundação da barragem foi considerado um GSI (Geological Strength Index) de 65 e estimado o módulo de elasticidade do maciço rochoso em 8,4 GPa. As análises dos testemunhos de sondagem e do mapeamento da superfície da fundação indicaram espaçamento entre fraturas entre 0,1 e 1 metro.

Com base nessas informações, nas pesquisas anteriores e nas referências descritas na Tabela 5, definiu-se φi (°) ~ N (41,99; 11,31) e c (kN/m²) ~ LN (700; 280) para a interface de ligação concreto rocha na fase de operação.

Para os cenários relacionados à fase de projeto, adotou-se os mesmos parâmetros definidos na fase de projeto, porém empregando os mesmos COV assumidos para fase de operação, ficando φi (°) ~ N (37; 9,99) e c (kN/m²) ~ LN (250; 100).

5.3.3 Coeficiente de ineficiência hidráulica

O cálculo da subpressão atuante na fundação de barragens de concreto, definido por critérios de projeto determinísticos, normalmente são baseados na lei de Darcy, que prevê a redução linear de pressão de montante para jusante. Quando não há sistema de drenagem na fundação da barragem ou a drenagem está inoperante, as supressões a montante e jusante são equivalentes as respectivas colunas de água no reservatório a montante e a coluna de água a jusante da barragem.

Quando há sistema de drenagem atuante na fundação da barragem, os modelos podem divergir na definição da eficiência de drenagem (E). De acordo com USBR [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.], a eficiência de drenagem é 0 < E <0,66, enquanto para USACE [32[32] U. S. Army Corps of Engineers - USACE, “Gravity Dam Design.” 1995.], a eficiência de drenagem é 0 < E <1. Nas formulações para o cálculo de subpressões, ao invés de usar a eficiência hidráulica (E), emprega-se normalmente o coeficiente de ineficiência hidráulica (k) que é dado por:

k = 1 E (23)

A Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.] adota as seguintes formulações para o cálculo da subpressão na linha drenagem:

h 3 = k ( h 1 h 2 ) + h 2 p a r a ( h 2 > h 4 ) (24)

h 3 = k ( h 1 h 4 ) + h 4 p a r a ( h 2 < h 4 ) (25)

Semelhante aos critérios estabelecidos pelo USBR [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.] para situações normais de drenagem, a Eletrobrás [28] adota um coeficiente de ineficiência hidráulica de 0,33. Conforme USBR [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.] o valor de k = 0,33 foi estabelecido com base em dados históricos.

A definição dos parâmetros estatísticos referentes aos coeficientes de ineficiência hidráulica foi baseada na Equação (24). Apesar de (h2 < h4) para barragem em estudo, há um sistema de bombeamento instalado no nível da interface concreto-rocha, dessa forma, na prática (h2 > h4).

A definição da média e desvio padrão foi baseada no histórico de 4 anos de dados de monitoramento da subpressão atuante na fundação do bloco nº 30. Há 8 piezômetros instalados na fundação desse bloco (Figura 2), sendo que foi escolhido o piezômetro PZC 01 para avaliação do k. O critério de escolha foi baseado nas maiores pressões observadas, posição de instalação e consistência dos dados históricos. A metodologia de cálculo considerou os máximos valores anuais de pressão piezométrica para o nível de água do reservatório normal (NA 70,00 m), obtendo-se os valores apresentados na Tabela 6.

Figura 2
Piezômetros instalados no bloco nº 30 da barragem

Tabela 6
Valores máximos anuais de k

Para os cenários relacionados a fase de operação da barragem com drenagem operante, tendo como base os dados apresentados na Tabela 8, definiu-se k ~ N (0,18; 0,03). Para os cenários relacionados a fase de operação da barragem com drenagem inoperante, foi adotado k correspondente ao limite estabelecido pelo modelo para drenagem inoperante, Equações (26) e (27), porém com mesmo COV calculado na Tabela 8.

k = ( L x d 1 ) L p a r a int e r f a c e s e m f i s s u r a (26)

k = ( L x d 1 ) ( L L c ) p a r a int e r f a c e c o m f i s s u r a (27)

Para os cenários relacionados a fase projeto da barragem, adotou-se os coeficientes de ineficiência hidráulica de acordo com o modelo da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.]. Tendo em vista as maiores incertezas na fase de projeto, o COV para esses cenários foi definido como a média dos coeficientes de variação dos piezômetros instalados no mesmo bloco da barragem.

Tabela 7
Valores de (β), (Pf) e (α) para cada modo de falha e cenário
Tabela 8
Valores de (β) e (Pf) condicional e incondicional para cada modo de falha e cenário

5.3.4 Coeficiente de incremento de subpressão

Eventos excepcionais de nível de água do reservatório são raros e de curta duração, sendo que a resposta da elevação das subpressões depende de como as descontinuidades são influenciadas pelas tensões induzidas pelo sistema barragem-reservatório [27[27] G. Ruggeri, R. Pellegrini, M. de Celix, M. Berntsen, P. Royet, V. Bettzieche, W. Amberg, A. Gustafsson, T. Morison, and A. Zenz, “Sliding stability of existing gravity dams-Final report,” ICOLD Eur. Club, Paris, 2004.]. Dessa forma, na falta de dados de monitoramento realizados durante tais evento que permitam a compreensão do comportamento real, é razoável considerar que variações lentas e repentinas das subpressões possam ocorrer.

Com base no exposto, foi definido um coeficiente de incremento de subpressão como variável aleatória para os casos de nível do reservatório excepcional, com distribuição uniforme no intervalo [0 ,1], dado por iu ~ U (0,5; 0,29).

5.4 Resultados

Os resultados obtidos por FORM e MC em termos de índice de confiabilidade (β) e probabilidade de falha (Pf) condicional, para cada modo de falha e cenário são apresentados na Tabela 7. Está apresentada também a sensibilidade (α) de cada variável aleatória do problema na probabilidade de falha. A Figura 3 apresenta a comparação entre os índices de confiabilidade resultantes dos cenários relacionados à fase de projeto e fase de operação. Na Tabela 8 são apresentados os resultados de β e Pf condicional e incondicional para cada modo de falha e cenário. As Figuras 4 a 6 apresentam a comparação entre os fatores de segurança e os índices de confiabilidade obtidos para cada modo de falha relacionado aos cenários da fase de projeto.

Figura 3
Índice de confiabilidade dos cenários relacionados à fase de projeto e operação

Figura 4
Fator de segurança e índice de confiabilidade para modo de falha ao deslizamento

Figura 5
Fator e segurança e índice de confiabilidade para modo de falha ao tombamento

Figura 6
Fator de segurança e índice de confiabilidade para modo de falha à flutuação

5.5 Resumo e discussão dos resultados

Os resultados de índice de confiabilidade e probabilidade de falha apresentados na Tabela 7 demonstram valores muito próximos entre os dois métodos utilizados, FORM e MCS. Isto mostra que a não-linearidade da equação de estado limite é pequena. Para os modos de falha ao tombamento e flutuação, em geral, observam-se probabilidades de falha muito baixas. Os resultados apresentados como β > 8 e Pf < 6 x 10-16 estão relacionados com a representação computacional da função de distribuição cumulativa gaussiana padrão (Φ) e sua inversa (Φ-1). De acordo com Beck e Ávila [33[33] A. T. Beck and others, “Strategies for finding the design point under bounded random variables,” Struct. Saf., vol. 58, pp. 79-93, 2016.], essas funções não possuem forma analítica fechada, empregando-se frequentemente aproximações polinomiais. No StRAnD versão Mathematica, a partir de β > 8 ocorre instabilidade, então um limite operacional de segurança está implementado, que corresponde a β = 8, para o qual Φ (-8) ≈ 6x10-16.

Com relação aos cenários relacionados às fases de projeto (D1, D2, D3 e D4) e operação (O1, O2, O3 e O4) da barragem (Tabela 7, Figura 3), observam-se aumentos consideráveis dos índices de confiabilidade para todos os modos de falha, demonstrando que bloco de concreto executado apresenta maior confiabilidade em relação ao bloco de concreto projetado. Isso ocorreu em função das adequações realizadas nas variáveis aleatórias de resistência (γc, φi, c) e carregamento (k, iu).

Os resultados demonstram a importância da coleta de dados específicos sobre a estrutura executada, e do uso desses na avaliação de confiabilidade que reflitam de maneira mais próxima a realidade da estrutura construída.

Na Tabela 7, pode-se verificar a influência das variáveis aleatórias do problema nas probabilidades de falha para cada cenário e modos de falha avaliados. Para o modo de falha ao deslizamento, os parâmetros ângulo de atrito e coesão somados resultam em uma influência maior ou igual a 87%, sendo 53% a contribuição mínima do ângulo de atrito e 17% a contribuição mínima da coesão entre todos os casos analisados. Tal resultado corrobora resultados obtidos por García [4[4] L. Altarejos-García, I. Escuder-Bueno, A. Serrano-Lombillo, and M. G. de Membrillera-Ortuño, “Methodology for estimating the probability of failure by sliding in concrete gravity dams in the context of risk analysis,” Struct. Saf., vol. 36, pp. 1-13, 2012.] e Westberg [11[11] M. Westberg, “Reliability-based evaluation of concrete dams,” 2007.], demonstrando a relevância destes dois parâmetros para o modo de falha em análise. Isso também fica evidente nos critérios de projeto da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.], que adota coeficientes de segurança parciais de minoração dos materiais em relação ao ângulo de atrito e coesão, prevendo-se maiores variabilidades desses parâmetros.

Para os modos de falha ao tombamento e flutuação, a influência das variáveis aleatórias na sensibilidade é extremamente semelhante. Nota-se a ocorrência de inversões das sensibilidades entre o peso específico do concreto e coeficiente de ineficiência hidráulica, dependendo da condição de operação da drenagem da fundação, isto é, para drenagem em operação o peso específico é mais relevante, enquanto para situação de drenos inoperantes o coeficiente de ineficiência hidráulica é mais relevante. Verifica-se também a influência dos cenários relacionados às fases de projeto e operação, demonstrando a redução da sensibilidade do coeficiente de ineficiência hidráulica e aumento da sensibilidade do peso específico para os cenários da fase operação. Em todos os casos avaliados, observa-se que a influência do coeficiente de incremento de subpressão é praticamente nula, portanto esse parâmetro pode ser desconsiderado como variável aleatória.

Os resultados de β e Pf condicionais apresentados Tabela 7 demonstram que o modo de falha dominante é o deslizamento, apresentando βMC entre 0,91 (PfMC = 1,8 x 10-1) para o cenário D4 e 3.47 (PfMC = 2,65 x 10-4) para o cenário O1. Para o modo de falha ao tombamento, ocorrem βMC a partir de 2,78 (PfMC = 2,65 x10-4) e para o modo de falha à flutuação, ocorrem βMC a partir de 5,85 (PfMC = 2,50 x10-9). Nota-se, que mesmo para Pf condicionais, o modo de falha à flutuação apresenta Pf muito baixa. Esse resultado corrobora com as orientações de guias como USBR [24[24] U.S. Bureau of Reclamation - USBR, “Design of Gravity Dams.” 1976.] e USACE [32[32] U. S. Army Corps of Engineers - USACE, “Gravity Dam Design.” 1995.], os quais não fazem recomendação da verificação desse modo de falha.

Avaliando-se as probabilidades incondicionais apresentadas na Tabela 8, para os cenários que consideram as condições de carregamento relacionadas aos eventos de cheia excepcional e drenagem inoperante, observa-se que as Pf diminuem consideravelmente, demonstrando valores de Pf mais adequados para a estrutura em análise. Os cenários D1 e O1 não são afetados por nenhum desses eventos. Para o modo de falha ao deslizamento, ocorrem β entre 1,87 (Pf = 3,06 x 10-2) para o cenário D1 e 5,78 (Pf = 3,81 x 10-9) para o cenário O4. Para o modo de falha ao tombamento, ocorrem β a partir de 4,49 (Pf = 3,58 x10-6) e para o modo de falha à flutuação, ocorrem β a partir de 7,23 (Pf = 2,33 x10-13).

Conforme descrito, o modo de falha ao deslizamento é dominante, apresentando probabilidades de falha incondicionais máximas com β de 1,87 (Pf = 3,06 x 10-2) para o cenário de projeto D1 e de β de 3,47 (Pf = 2,65 x 10-4) para o cenário de operação. Com base nesses valores, a segurança requerida não é atingida quando comparado com os índices de confiabilidade recomendados pelo CEN [6[6] European Committe for Standartization - CEN, “Basis of structural design. EN 1990.” Brussels, Belgium, 2001.], para classe de responsabilidade alta (β = 5,2/ano), média (β = 4,7/ano) e baixa (β =4,2/ano). As probabilidades de falha obtidas, também estão acima da probabilidade de ocorrência de ruptura de barragens a nível mundial (10-5), conforme o ICOLD [34].

Na Tabela 8 são apresentados também os fatores de segurança obtidos conforme critérios da Eletrobrás [28[28] Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas.” Rio de Janeiro, 2003.] frentes aos valores de probabilidade condicional e incondicional. A Figura 4 ilustra os valores obtidos para os cenários relacionados a fase de projeto para o modo de falha ao deslizamento, observam-se valores de fatores de segurança desproporcionais aos índices de confiabilidade para probabilidade condiciona e incondicional. Tal questão está relacionada aos fatores de segurança parciais empregados, que são diferentes para cada condição de carregamento, conforme apresentado na Tabela 1. Além disso, quando se compara os fatores de segurança apenas com as probabilidades condicionais, pode ser verificado que ocorrem fatores de segurança maiores para β menores. Isso demonstra a influência da sensibilidade dos parâmetros na Pf, cujos fatores de segurança parciais não conseguem contemplar adequadamente.

Para os modos de falha ao tombamento e flutuação (Figura 5 e Figura 6), como neste caso os fatores de segurança são globais, não se verifica desproporcionalidades entre os fatores de segurança e as probabilidades condicionais.

É importante observar também a sensibilidade da probabilidade de falha em relação aos fatores de segurança, sendo que pequenas variações nestes podem implicar em probabilidades de falha muito diferentes.

A comparação dos fatores de segurança e índices de confiabilidade obtidos com os índices de confiabilidade de referência citados anteriormente, demonstram que o fator de segurança requerido para o modo de falha deslizamento, não atende aos requisitos de segurança em termos de probabilidade falha.

O uso de fatores de segurança para avaliação de segurança de estruturas deve ser analisado com ressalvas. Em um estudo apresentado pelo ICOLD [7[7] International Commission on Large Dams - ICOLD, “Rock foundations for dams. Bulletin 88.” Paris, 1993.], para um mesmo fator de segurança, mas com coeficientes de variação diferentes, obteve-se variação nas probabilidades de falha da ordem de 10-5, demonstrando as limitações dos fatores de segurança quanto à quantificação da segurança.

6. Conclusões

O presente trabalho apresentou um estudo de caso, envolvendo a avaliação da confiabilidade estrutural de uma barragem existente. O estudo limitou-se aos modos de falha de perda de equilíbrio global de um bloco da barragem. Devido a esta limitação, não é possível inferir sobre a segurança da barragem em análise. O estudo deve ser complementado com a inclusão da análise das tensões empregada na verificação da segurança de barragens.

O estudo de caso mostrou a importância da quantificação das incertezas, tanto na fase de projeto quanto para a barragem construída. Verificou-se que a confiabilidade estrutural fornece uma medida objetiva da segurança da estrutura ou da sua confiabilidade, complemento da probabilidade de falha. O estudo corroborou resultados anteriores, ilustrando a inexistência de proporcionalidade entre os coeficientes de segurança, usualmente adotados em projeto, e as probabilidades de falha avaliadas.

Para a barragem estudada, o modo de falha por escorregamento se mostrou o modo dominante (mais provável), sendo o ângulo de atrito a variável aleatória de maior influência neste modo de falha. Os modos de falha por tombamento e por flutuação tiveram probabilidades de ocorrência significativamente menores do que o deslizamento. Para o modo de falha ao tombamento e flutuação, as variáveis aleatórias peso específico e coeficiente de ineficiência hidráulica apresentaram contribuições equilibradas, podendo haver inversão dependendo do cenário.

O estudo mostrou que a confiabilidade da barragem estudada, na condição construída, é maior do que na condição projetada. Este aumento na confiabilidade resultou de medidas do peso específico do concreto e coeficiente de ineficiência hidráulica, tomadas durante e após a construção da obra, bem como da estimativa de parâmetros estatísticos mais adequados do ângulo de atrito e coesão da interface concreto-rocha.

7. Agradecimentos

Os autores deste trabalho agradecem a Companhia Paranaense de Energia (COPEL) pela disponibilidade de recursos e informações e a Universidade de São Paulo (USP), que através do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil possibilitou o desenvolvimento da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2017
  • Aceito
    01 Jun 2018
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