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Confiabilidade de vigas de concreto armado dimensionadas de acordo com a NBR-6118:2014

Resumo

O presente trabalho busca avaliar o índice de confiabilidade atingido pelas vigas de concreto armado dimensionadas de acordo com a norma brasileira NBR-6118:2014 em relação ao estado limite último de flexão. As principais estatísticas das resistências são obtidas por simulações de Monte Carlo utilizando o software ANSYS e a ferramenta probabilistic design. Os índices de confiabilidade são calculados pelo FORM, sendo realizado um estudo paramétrico para avaliar a influência das principais variáveis de projeto nos níveis de segurança atingidos. É observado que os índices de confiabilidade se mostram insatisfatórios para combinações de carga nas quais as cargas acidentais são predominantes.

Palavras-chave:
confiabilidade estrutural; concreto armado; método dos elementos finitos; Método de Monte Carlo; FORM

Abstract

This paper aims to evaluate the reliability indexes of reinforced concrete beams designed in accordance with brazilian code NBR-6118:2014 in relation to the ultimate limit state of flexure. The main statistics of the resistance model are obtained through Monte Carlo simulation using ANSYS software and its probabilistic design tool. The reliability indexes are evaluated by FORM, being performed a parametric study in order to assess the influence of the main design variables on the safety level reached. It can be noticed that the reliability indexes are shown unsatisfactory in the combinations which the live loads are predominant.

Keywords:
structural reliability; reinforced concrete; finite element method; Monte Carlo Method; FORM.

1. Introdução

Os projetos de estruturas de concreto vêm, ao longo do tempo, experimentando uma série de avanços que abrangem desde os materiais empregados até os métodos de cálculo praticados por engenheiros e projetistas. Em se tratando de segurança em estruturas de concreto armado, a norma NBR-6118:2014 utiliza-se de um método semi-probabilístico para obtenção de um nível de segurança em projeto, majorando cargas e minorando resistências através de coeficientes de ponderação parciais. Tais coeficientes de ponderação são aplicados sobre valores característicos de resistências, provenientes de ensaios, e sobre os carregamentos estimados, enquanto a geometria e dimensão das peças correspondem aos valores nominais especificados em projeto. O método atual substitui o antigo método das tensões admissíveis, permitindo a concepção de estruturas mais econômicas e seguras [1[1] REAL, M. V. Análise Probabilística de Estruturas de Concreto Armado, Sob Estado Plano de Tensão, Através do Método dos Elementos Finitos. 2000. 249 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.].

A previsão da resposta de vigas de concreto armado, seja sob cargas de serviço ou sob o carregamento de ruína, revela uma série de complexidades, desde aquelas relacionadas ao comportamento dos materiais empregados, bem como incertezas nas considerações adotadas na etapa de projeto. De acordo com Real [1[1] REAL, M. V. Análise Probabilística de Estruturas de Concreto Armado, Sob Estado Plano de Tensão, Através do Método dos Elementos Finitos. 2000. 249 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], estas incertezas pairam sobre os modelos de cálculo, as propriedades dos materiais utilizados, sobre as cargas máximas atuantes ao longo da vida útil da estrutura e, inclusive, sobre a geometria da peça, podendo esta sofrer desvios durante a construção, impedindo a determinação das dimensões finais com exatidão. Nota-se, portanto, que a maioria das grandezas envolvidas na etapa de projeto corresponde a um conjunto de variáveis aleatórias, as quais possuem determinada distribuição probabilística, apresentando valores médios e um certo valor de dispersão. Isso resulta em uma estrutura cuja resposta, sob determinada condição de carregamento, também se revela de forma aleatória.

Uma forma racional de se considerar dadas incertezas é tratar o problema em um formato probabilístico. Nesse sentido, verificam-se alguns trabalhos já realizados e que se direcionaram ao estudo e avaliação do nível de segurança atingido pela norma nacional NBR-6118 em suas diversas revisões. Um estudo probabilístico sobre vigas e pilares foi desenvolvido por Real [1[1] REAL, M. V. Análise Probabilística de Estruturas de Concreto Armado, Sob Estado Plano de Tensão, Através do Método dos Elementos Finitos. 2000. 249 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], avaliando os critérios dispostos pela NBR-6118:1980. Um estudo voltado a vigas de concreto armado foi desenvolvido por Santos et al. [12[12] SANTOS, D. M.; STUCCHI, F.R.; BECK, A.T. Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas brasileiras. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais. São Paulo. v. 7. n. 5. p. 723-746. 2014.] em relação à revisão da NBR-6118:2007. No que se refere à última revisão, a NBR-6118:2014, pode-se citar os trabalhos desenvolvidos por Minasi [16[16] MINASI, A. T. Confiabilidade de vigas de concreto armado em estruturas portuárias no estado limite último de flexão. 2016. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Oceânica) - PPGEO, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande.], voltado ao estudo da confiabilidade de vigas de concreto armado em estruturas portuárias; por Barbosa [5[5] BARBOSA, P. R. Análise probabilística de pilares de concreto armado através do método dos elementos finitos. 2017. 198 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], direcionado à análise probabilística de pilares de concreto armado; e por Silva [11[11] SILVA, G. R. Análise da confiabilidade da ligação laje-pilar interno sob punção de acordo com a NBR-6118:2014. 2017. 174 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], na avaliação da confiabilidade da ligação laje-pilar sob punção.

Como forma de contribuir e dar sequência ao estudo do nível de segurança atingido pelas normas de projeto nacionais, o trabalho proposto tem como objetivo principal a determinação do índice de confiabilidade em projetos de vigas de concreto armado em relação ao estado limite último de flexão, dimensionadas de acordo com as prescrições e critérios de projeto da NBR-6118:2014: Projeto de Estruturas de Concreto [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.]. O método dos elementos finitos é empregado para a representação numérica das vigas dimensionadas, sendo este modelo comparado e validado por intermédio de resultados experimentais. O estudo probabilístico, por sua vez, é feito através do Método de Monte Carlo e FORM.

2. Projeto de vigas de concreto armado de acordo com a NBR-6118:2014

De forma geral, além de atender os aspectos relacionados à segurança estrutural, a fase de projeto de estruturas de concreto armado deve incluir verificações quanto ao desempenho em serviço e durabilidade durante a vida útil da mesma. Nesse contexto, costumam-se definir os estados limites últimos (ELU), os quais estão relacionados ao colapso ou esgotamento da capacidade portante da estrutura, e os estados limites de serviço (ELS), que se referem às condições nas quais se torna impróprio o uso da estrutura, em termos de conforto e durabilidade.

2.1 Combinação das ações

A combinação das ações deve considerar todas as ações de probabilidade não desprezível de atuarem simultaneamente, visando determinar os efeitos mais desfavoráveis para a estrutura, tanto em relação aos estados limites de serviços quanto aos estados limites últimos [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.]. Dessa forma, é necessário conhecer as principais fases da vida útil de uma estrutura, possibilitando determinar condições desfavoráveis e garantir uma adequada margem de segurança adotando coeficientes de ponderações para resistências e ações.

No que diz respeito à combinação de ações na verificação ao Estado Limite Último, considerando-se combinações últimas normais, estas são obtidas, de acordo com a NBR-6118:2014, através da expressão (2.1).

F d , u l t = γ g F g k + γ q ( F q 1 k + ψ 0 j F q j , k ) (2.1)

Sendo Fd,ult o valor de cálculo para a combinação última de solicitações normais; Fgk o valor característico da ação permanente; Fq1k o valor característico da ação variável principal; Fqj,k o valor característico das demais ações variáveis; γg e γq os coeficientes parciais para ações permanentes e variáveis, respectivamente; ψ0j o coeficiente redutor na combinação de ações.

Para os casos mais usuais, os valores dos coeficientes parciais indicados pela referida norma resultam γg = γq = 1,4, e o coeficiente redutor para as demais cargas acidentais, que não a principal, é adotado ψ0j = 0,50. Dessa forma, em relação ao Estado Limite Último, o valor de cálculo da solicitação é dado por (2.2).

F d , u l t = 1,4 ( F g k + F q 1 k ) + 1,4 0,50 F q j , k (2.2)

Em relação aos estados limites de serviço, a combinação das ações é feita considerando-se o tempo de permanência das ações sobre a estrutura. Para ações que atuarão sobre a estrutura durante grande parte de sua vida útil, estas têm seus valores tomados como quase permanentes, sendo a combinação dada pela expressão (2.3).

F d , q p = F g i , k + ψ 2 j F q j , k (2.3)

Sendo Fd,qp o valor de cálculo para a combinação quase permanente e ψ2j o coeficiente redutor na combinação das ações. A combinação quase permanente, de acordo com a NBR-6118:2014, deve ser utilizada na verificação dos deslocamentos. Considerando cargas acidentais provenientes de edificações residenciais, o fator de redução é tomado como ψ2j = 0,30. Com isso, a equação (2.3) pode ser reescrita por (2.4).

F d , q p = F g i , k + 0,30 F q j , k (2.4)

Para o caso de ações que se repetem por diversas vezes ao longo da vida útil da estrutura, a ação variável principal é tomada com seu valor frequente, enquanto as demais assumem seus valores quase permanentes. Nessa condição, a combinação é dada por (2.5).

F d , f = F g i , k + ψ 1 F q 1 k + ψ 2 j F q j , k (2.5)

Sendo Fd,f o valor de cálculo para a combinação frequente. A verificação da abertura de fissuras é realizada através do emprego da equação (2.5). Para cargas acidentais provenientes de edificações residênciais, adota-se ψ1 = 0,40, reescrevendo (2.5) como (2.6).

F d , f = F g i , k + 0,40 F q 1 k (2.6)

2.2 Dimensionamento à flexão

A etapa de dimensionamento de vigas de concreto armado consiste, para uma dada geometria e condição de carregamento previstas em uma etapa de projeto, em determinar a quantidade e disposição de armadura para atender a condição de segurança MRd ≥ MSd, sendo MRd e MSd os valores de projeto do momento resistente e solicitante, respectivamente.

Neste trabalho considera-se uma seção retangular, representada genericamente na Figura 2.1. Como hipóteses básicas do dimensionamento em flexão, considera-se que as seções permaneçam planas após a deformação; admite-se perfeita aderência entre o aço e o concreto que o envolve; a contribuição do concreto em tração é completamente desprezada [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.]. Considerando o caso de vigas sob flexão simples, a ruptura é caracterizada pelo esmagamento do concreto ou pelo escoamento da armadura passiva. Dessa forma, admite-se que o equilíbrio de uma seção transversal sob estas condições dar-se-á nos domínios 2, 3 (condição de ruptura dúctil), apresentados na Figura 2.2.

Figura 2.1
Seção retangular genérica submetida à flexão simples

Figura 2.2
Domínios considerados para ruptura em flexão simples

A ocorrência dos domínios acima é caracterizada pela posição da linha neutra na seção transversal. Com o intuito de garantir ductilidade às vigas, a NBR-6118:2014 estabelece os limites da posição relativa da linha neutra ξ = x/d conforme a classe do concreto, em função da resistência característica à compressão (fck) , de acordo com (2.7).

ξ lim 0,45 f c k 50 M P a ξ lim 0,35 50 M P a < f c k 90 M P a (2.7)

Ainda que o concreto em compressão apresente comportamento não-linear, admite-se a consideração de um bloco retangular de tensões [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], representado na Figura 2.3, atuando juntamente com a armadura tracionada e equilibrando, dessa forma, o momento solicitante.

Figura 2.3
Equilíbrio de esforços internos ao momento solicitante

O bloco retangular do concreto em compressão pode ser considerado até uma posição y = λx, sendo λ uma constante adotada em função da classe de concreto empregado, conforme (2.8).

λ = 0,8 f c k 50 M P a λ = 0,8 ( f c k 50 400 ) f c k > 50 M P a (2.8)

O equilíbrio da seção apresentada na Figura 2.3 resulta em uma equação de segundo grau em relação à posição x da linha neutra, interessando apenas o valor contido na seção transversal, sendo este dado pela expressão (2.9).

x = d λ ( 1 1 2 M s d b d 2 σ c d ) (2.9)

σ c d = α c f c k γ c (2.10)

Sendo σcd o valor de cálculo da resistência à compressão do concreto; αc um parâmetro de redução da resistência do concreto na compressão, em função da classe do concreto; γc o coeficiente de ponderação da resistência do concreto.

Introduz-se, através de (2.11), a variável adimensional μ, que representa o momento fletor reduzido, sendo função apenas da geometria pré-estabelecida e dos valores de cálculo da resistência e solicitação.

μ = M s d b d 2 σ c d (2.11)

A verificação quanto à condição de ductilidade é obtida comparando o momento fletor reduzido com o seu valor limite correspondente, obtido pela expressão (2.12).

μ lim = λ ξ lim ( 1 0,5 λ ξ lim ) (2.12)

Uma vez que se garanta que μ ≤ μlim, confirmando a posição da linha neutra nos domínios 2 ou 3, a solução em armadura consiste na utilização de um arranjo simples, sem armadura colaborante à compressão. Nesta situação, a área de aço As é obtida por intermédio de (2.13) e (2.14).

ξ = 1 λ ( 1 1 2 μ ) (2.13)

A s = λ ξ b d σ c d f y d (2.14)

Sendo fyd = fyks a tensão de escoamento de cálculo da armadura; fyk o valor característico da tensão de escoamento; γs o coeficiente de ponderação da resistência do aço.

Para as situações em que μ > μlim, a condição de ruptura dúctil no domínio 2 ou 3 sem alteração na geometria e na resistência dos materiais é obtida adotando-se uma armadura colaborante à compressão (As'). Com isso, o problema resulta indeterminado, uma vez que as três incógnitas As, As' e ξ devem ser obtidas por duas equações de equilíbrio na seção transversal. Uma alternativa é fixar ξ =ξlim, obtendo-se as áreas de aço tracionada e comprimida por equilíbrio [3[3] ARAÚJO, J. M. Curso de Concreto Armado. 4 vols. Rio Grande: Editora Dunas, 2014.]. A deformação e tensão na armadura colaborante à compressão, εs' e σsd', respectivamente, são dadas pelas expressões (2.15) e (2.16).

ε s ' = ε u ( ξ lim d / d ' ξ lim ) (2.15)

σ s d ' = E s ε s ' (2.16)

Sendo Es o módulo de elasticidade da armadura. Nessa condição, as áreas de aço tracionada e comprimida, As e As', são obtidas pelas expressões (2.17) e (2.18), respectivamente.

A s = ( λ ξ lim + μ μ lim 1 d / d ' ) b d σ c d f y d (2.17)

A s ' = ( μ μ lim 1 d / d ' ) b d σ c d σ s d ' (2.18)

A área de aço tracionada deve ainda respeitar um valor mínimo, de forma a evitar uma ruptura brusca na transição do estádio I para o estádio II. A amardura tracionada mínima é obtida através do dimensionamento ao momento fletor de cálculo mínimo [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], dado por (2.19), devendo ser respeitada ainda a taxa geométrica mínima de 0,15%.

M s d , min = 0,8 W 0 f c t k , sup (2.19)

Sendo W0 o módulo resistente da seção, relativo à fibra mais tracionada; e fctk,sup o limite superior da resistência característica à tração do concreto.

2.3 Verificação aos Estados Limites de Serviço

Além do dimensionamento da armadura longitudinal à flexão, visando garantir um nível adequado de segurança em relação ao colapso, deve-se garantir também que a estrutura apresente um bom desempenho sob condições normais de utilização, no sentido de garantir conforto e durabilidade à mesma [3[3] ARAÚJO, J. M. Curso de Concreto Armado. 4 vols. Rio Grande: Editora Dunas, 2014.]. Em vigas de concreto armado, são usualmente verificados os Estados Limites de Deformação Excessiva (ELS-D) e o Estado Limite de Abertura de Fissuras (ELS-W). Ainda que estes dois Estados Limites estejam relacionados, ambos são verificados de forma isolada de acordo com o procedimento apresentado na NBR-6118:2014.

2.3.1 Verificação de deslocamentos excessivos

Já sob cargas de serviço, o concreto inicia o processo de fissuração nas seções mais solicitadas, reduzindo de forma significativa a rigidez da estrutura. Neste caso, a obtenção dos deslocamentos imediatos presume a consideração de uma rigidez equivalente considerando o estado de fissuração da peça. De acordo com a NBR 6118:2014 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], a rigidez equivalente (EI)eq é obtida através da expressão (2.20).

( E I ) e q = E c s { ( M r M a ) 3 I c + [ 1 ( M r M a ) 3 ] I I I } E c s I c (2.20)

Sendo Ecs o módulo de elasticidade secante do concreto; Mr o momento de fissuração da seção transversal; Ma o momento máximo no vão para a combinação considerada; Ic e III os momentos de inércia da seção bruta de concreto e da seção no estádio II, respectivamente.

Por conta do comportamento reológico do concreto, deve-se prever uma parcela adicional decorrente dos efeitos diferidos devidos à fluência e retração. Essa parcela adicional é obtida pela multiplicação da flecha imediata por um fator αf, apresentado em (2.21).

α f = Δ ξ 1 + 50 ρ (2.21)

Na expressão acima, ρ' representa a taxa de armadura colaborante à compressão. O fator Δξ, depende do intervalo de tempo compreendido entre a data na qual mede-se a flecha final e a data correspondente ao carregamento da estrutura. Neste trabalho considera-se um valor de Δξ = 1,32. A flecha final δf é obtida pela expressão (2.22), devendo respeitar, para o caso de vigas biapoiadas, o valor limite de δlim = L/250.

δ f = δ 0 ( 1 + α f ) (2.22)

Sendo δ0 a flecha inicial calculada com a rigidez equivalente (EI)eq.

2.3.2 Verificação da abertura de fissuras

No sentido da preservação e integridade das estruturas de concreto, o controle da abertura de fissuras visa garantir a inibição de processos que promovam a deterioração das armaduras, como por exemplo, a corrosão [3[3] ARAÚJO, J. M. Curso de Concreto Armado. 4 vols. Rio Grande: Editora Dunas, 2014.]. De acordo com a NBR-6118:2014 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.], a abertura característica de fissura wk para cada região de envolvimento deve ser considerada como a menor obtida pelas expressões (2.23) e (2.24).

w k = ϕ i 12,5 η i σ s i E s i 3 σ s i f c t m (2.23)

w k = ϕ i 12,5 η i σ s i E s i ( 4 ρ r i + 45 ) (2.24)

Sendo ϕi o diâmetro da barra que protege a região de envolvimento; σsi a tensão de tração na barra de armadura considerada; ηi o coeficiente de conformação da barra de armadura; Esi o módulo de elasticidade da barra de armadura considerada; ρri a taxa de armadura da região considerada; fctm a resistência média à tração do concreto.

O valor limite de abertura de fissuras deve ser observado de acordo com a classe ambiental em que está inserida a estrutura, conforme a NBR-6118:2014 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.]. No presente trabalho considerou-se uma CAA II, conduzindo à um valor máximo de abertura de fissura wk ≤ 0,30mm.

3. Análise de vigas de concreto armado pelo método dos elementos finitos

O estudo de confiabilidade presume a existência de um modelo, seja analítico ou numérico, que permita representar de forma adequada o comportamento da estrutura em estudo, especialmente no que diz respeito aos valores de carga de ruptura. Neste trabalho empregou-se o método dos elementos finitos para a análise das vigas de concreto armado. As análises foram realizadas através do software ANSYS 17.2, em sua versão acadêmica, associando-se subrotinas externas usermat para a representação da lei constitutiva dos materiais. Estas subrotinas são programadas em linguagem Fortran 77, sendo utilizada uma atualização do código desenvolvido inicialmente por Barbosa [5[5] BARBOSA, P. R. Análise probabilística de pilares de concreto armado através do método dos elementos finitos. 2017. 198 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.] para o estudo probabilístico de pilares. Os elementos finitos adotados e os modelos mecânicos dos materiais são apresentados de forma mais detalhada a seguir.

3.1 Elementos finitos utilizados

3.1.1 Elemento finito para o concreto

O elemento beam189 pode ser empregado na análise de estruturas reticuladas, como pilares e vigas esbeltas ou moderadamente esbeltas. Sendo baseado na teoria de vigas de Timoshenko, que considera as deformações por corte, as seções permanecem planas após a deformação [6[6] ANSYS, Inc. ANSYS Mechanical APDL Element Reference. Release 15.0, 2013]. Trata-se de um elemento unidimensional contido no espaço tridimensional, o qual possui três nós ao longo de seu comprimento (formulação quadrática), havendo seis graus de liberdade por nó (3 translações e 3 rotações em torno dos eixos locais x, y e z). A Figura 3.1 apresenta a geometria, nós e sistema de coordenada local para o elemento em questão.

Figura 3.1
Elemento beam189 para representação do concreto (ANSYS, [6[6] ANSYS, Inc. ANSYS Mechanical APDL Element Reference. Release 15.0, 2013])

O beam189 conta com dois pontos de integração ao longo do seu comprimento e quatro pontos de integração por cada célula empregada para representar a seção transversal. A Figura 3.2 apresenta os pontos de integração associados ao elemento beam189 ao longo do comprimento e em relação à seção transversal.

Figura 3.2
Pontos de integração associados ao elemento beam189 (Adaptado de ANSYS, [6[6] ANSYS, Inc. ANSYS Mechanical APDL Element Reference. Release 15.0, 2013])

Uma notória vantagem da utilização deste elemento é sua compatibilidade com o elemento reinf264, o qual é adotado como armadura incorporada e associado ao modelo de fissuras distribuídas.

3.1.2 Elemento finito para armadura

As armaduras foram representadas pelo elemento reinf264, disposto na Figura 3.3. Trata-se de um elemento que presume a existência de um elemento base, tal como o beam189 descrito anteriormente. As coordenadas nodais, graus de liberdade e conectividade do elemento reinf264 são idênticas ao do elemento base

Figura 3.3
Elemento reinf264 para representação da armadura (ANSYS, [6[6] ANSYS, Inc. ANSYS Mechanical APDL Element Reference. Release 15.0, 2013])

Sua formulação permite a representação de fibras de reforços atuantes em direções arbitrárias e resistindo exclusivamente a esforços axiais. Estas fibras são associadas ao elemento base admitindo-se completa aderência com o mesmo, sendo inseridas através de posições relativas na seção transversal [6[6] ANSYS, Inc. ANSYS Mechanical APDL Element Reference. Release 15.0, 2013].

3.2 Modelo mecânico dos materiais

Neste item são apresentados os modelos mecânicos utilizados na modelagem numérica. As principais propriedades que definem o modelo mecânico do concreto e do aço são obtidas via simulação, de acordo com a distribuição de probabilidade atribuida a elas. Tais aspectos relacionados às variáveis aleatórias são convenientemente abordados no item 6.2.

3.2.1 Concreto

Em função de sua composição, o comportamento do concreto tende a ser complexo, apresentando também respostas completamente distintas quando tracionado ou comprimido [7[7] HINTON, E. Numerical methods and software for dynamic analysis of plates and shells. Swansea: Pineridge Press, 1988.]. Para a realização das análises adotaram-se as relações constitutivas e prescrições apresentadas no código modelo fib 2010 [14[14] COMITÉ EURO-INTERNATIONAL DU BÉTON. CEB-FIB Model Code 2010. Lausanne, Bulletin n. 65, 2012.], sendo aplicáveis para concretos com resistência característica à compressão de até 120 MPa. Utilizaram-se, também, critérios e adaptações sugeridos por pesquisadores e literatura técnica sobre o tema.

Quando comprimido, o concreto tende a apresentar não linearidades ainda sobre baixos valores de tensão, sendo seu modelo constitutivo em compressão uniaxial representado pelo diagrama tensão-deformação apresentado na Figura 3.4.

Figura 3.4
Diagrama tensão-deformação do concreto em compressão uniaxial (adaptado fib 2010, [14[14] COMITÉ EURO-INTERNATIONAL DU BÉTON. CEB-FIB Model Code 2010. Lausanne, Bulletin n. 65, 2012.])

O pico em tensão corresponde à resistência à compressão fc, procedido por um trecho pós-pico com amolecimento, ocorrendo a ruptura ao se atingir a deformação última em compressão. As expressões e os parâmetros dados em (3.1) caracterizam a curva representada na Figura 3.4.

σ c = f c ( k η η 2 1 + ( k 2 ) η ) | ε c | < | ε c , lim | η = ε c ε c 1 k = E c i E c 1 (3.1)

O concreto, uma vez que possui resistência à tração muito inferior à sua resistência à compressão, apresenta formação de fissuras mesmo em um nível baixo de carga. De acordo com Hinton [7[7] HINTON, E. Numerical methods and software for dynamic analysis of plates and shells. Swansea: Pineridge Press, 1988.], a representação do concreto sob tração compreende a introdução de um critério de fissuração e uma lei de amolecimento. Neste trabalho, o concreto não fissurado, cujas tensões em tração não ultrapassem a resistência fct, é representado como um modelo elástico-linear [15[15] MARTINELLI, M. Modelagem de situações de punção em lajes de concreto armado através do método dos elementos finitos. 2003. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], sendo a relação consitutiva dada por (3.2).

σ t = E c i ε t σ t f c t (3.2)

Após fissurado, o concreto entre fissuras continua a colaborar na resistência até um dado nível de deformação. Esse comportamento, denominado tension-stiffening, é modelado através de um ramo descendente no diagrama tensão-deformação, o qual representa uma redução gradual na resistência em função do nível de abertura das fissuras, conforme ilustrado na Figura 3.5.

Figura 3.5
Diagrama tensão-deformação do concreto em tração uniaxial (adaptado de Martinelli, [15[15] MARTINELLI, M. Modelagem de situações de punção em lajes de concreto armado através do método dos elementos finitos. 2003. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.])

Adotou-se neste trabalho a expressão utilizada por Martinelli [15[15] MARTINELLI, M. Modelagem de situações de punção em lajes de concreto armado através do método dos elementos finitos. 2003. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.] para a representação do diagrama tensão-deformação do concreto fissurado, dada por (3.3), sendo utilizados os valores de αt e εtu igual a 0,6 e 0,001, respectivamente.

σ c t = α t f c t ( 1,0 ε t ε t u ) (3.3)

3.2.2 Aço

Para representação das armaduras foi empregado um modelo elastoplástico perfeito, conforme apresentado na Figura 3.6. O material possui o mesmo comportamento sob tração e compressão, apresentando um módulo de elasticidade Es até atingir a tensão de escoamento fy, a partir da qual apresenta um módulo tangente nulo.

Figura 3.6
Diagrama tensão-deformação para armadura

4. Validação do modelo numérico

Com o intuito de verificar a capacidade do modelo numérico na obtenção da carga última de vigas de concreto armado, são modeladas numericamente um conjunto de nove vigas ensaiadas por Schegg e Decanini [8[8] SHEGG, A.; DECANINI, L. Sobre las deformaciones em elementos de hormigón armado, In: Jornadas Sulamericanas de Engenharia Estrutural. Porto Alegre, Brasil. Anais, v. 2, p. 1071-1120. 1971.]. As vigas foram submetidas à cargas concentradas, conforme ilustrado na Figura 4.1, sendo carregadas gradativamente até a ruptura.

Figura 4.1
Geometria e carregamento das vigas ensaiadas por Schegg e Decanini [8[8] SHEGG, A.; DECANINI, L. Sobre las deformaciones em elementos de hormigón armado, In: Jornadas Sulamericanas de Engenharia Estrutural. Porto Alegre, Brasil. Anais, v. 2, p. 1071-1120. 1971.]

As vigas foram divididas em três diferentes conjuntos, diferenciados em relação à taxa de armadura à flexão. A Tabela 4.1 traz os parâmetros geométricos e resistências medidas após a confecção das vigas.

Tabela 4.1
Propriedades das vigas ensaiadas por Schegg e Decanini [8[8] SHEGG, A.; DECANINI, L. Sobre las deformaciones em elementos de hormigón armado, In: Jornadas Sulamericanas de Engenharia Estrutural. Porto Alegre, Brasil. Anais, v. 2, p. 1071-1120. 1971.]

A malha utilizada para discretização do modelo é apresentada na Figura 4.2. Foram utilizados doze elementos ao longo do comprimento da viga, enquanto a seção transversal foi dividida em quatro células ao longo da base e seis células ao longo da altura.

Figura 4.2
Malha de elementos finitos empregada para análise e validação do modelo numérico

As Figuras 4.3, 4.4 e 4.5 apresentam os diagramas carga-deslocamento para a primeira viga de cada série ensaiada. Pode-se verificar que o modelo numérico representa de forma satisfatória o comportamento não-linear das vigas durante o carregamento.

Figure 4.3
Gráfico Carga-Deslocamento para a viga RC-075-1

Figura 4.4
Gráfico Carga-Deslocamento para a viga RC-100-1

Figura 4.5
Gráfico Carga-Deslocamento para a viga RC-200-1

As cargas de ruptura obtidas experimentalmente e através do modelo numérico estão apresentadas na Tabela 4.2. Verifica-se que o modelo em elementos finitos é capaz de captar com boa precisão os valores esperados na ruptura dos modelos.

Tabela 4.2
Cargas de ruptura obtidas experimental e numericamente

Pode-se ainda avaliar estatisticamente os valores apresentados na Tabela 4.2. A média e desvio padrão obtidos para a relação Pe/Pn são, aproximadamente, 0,99 e 0,02, respectivamente, refletindo uma variabilidade esperada entre os resultados obtidos experimentalmente e aqueles obtidos via simulação numérica.

5. Confiabilidade estrutural

5.1 Generalidades

Para Nowak e Collins [9[9] NOWAK, A. S.; COLLINS, K. R. Reliability of Structures. McGraw-Hill Companies, Inc., 2000], a confiabilidade estrutural está relacionada com a probabilidade de que uma estrutura atenda a um dado estado limite, durante um intervalo específico de tempo e sob determinadas condições de utilização. Considerando situações de projeto de estruturas de concreto armado, a confiabilidade de uma dada estrutura em relação a um estado limite último está relacionada à probabilidade de que essa estrutura não falhe por ocasião do uso para qual foi concebida, de forma que sua resistência seja superior a solicitação a esta imposta ao longo de sua vida útil.

O fato é que a maior parte dos fenômenos relacionados a engenharia apresentam um dado grau de incertezas, desde aquelas relacionadas às propriedades dos materiais empregados, das cargas atuantes e da geometria final. Em decorrência disso, torna-se impossível atestar uma estrutura como totalmente segura, havendo sempre uma probabilidade de falha finita associada a ela.

5.2 Função performance

Um dos aspectos iniciais a ser considerado na análise de confiabilidade de uma estrutura consiste em definir uma função performance para o modo de falha em estudo. Tal função expressa uma relação de capacidade versus demanda e caracteriza a resistência da estrutura como suficiente ou insuficiente. Genericamente, a função performance é expressa por (5.1), em que X corresponde ao vetor de variáveis básicas do modelo [10[10] HALDAR, A.; MAHADEVAN, S. Probability, Reliability, and Statistical Methods in Engineering Design. JohnWiley & Sons, New York, 2000.].

g ( X ) = g ( X 1 , X 2 , , X n ) (5.1)

Considerando uma estrutura em relação ao estado limite último, a segurança é definida a partir da chamada “margem de segurança”, dada pela diferença entre a capacidade portante da estrutura e a solicitação a esta imposta. Dessa forma, a expressão (5.1) é particularizada e assume a forma dada por (5.2).

g ( R , S ) = R S (5.2)

Sendo R e S resistência e solicitação, respectivamente. A partir de (5.2), a performance da estrutura pode se enquadrar em três possíveis domínios: o domínio da segurança corresponde a valores de g(R,S) > 0, situação em que a estrutura é demandada aquém de sua resistência; A falha corresponde à valores de g(R,S) < 0, sendo a estrutura demandada além de sua resistência. O limite entre a falha e a segurança corresponde à situação g(R,S) = 0, sendo denominado estado limite [9[9] NOWAK, A. S.; COLLINS, K. R. Reliability of Structures. McGraw-Hill Companies, Inc., 2000].

Para um modelo em que resistência e solicitação sejam variáveis aleatórias estatisticamente independentes e com distribuição normal de probabilidade, tem-se, como consequência, uma função margem de segurança igualmente representada por uma distribuição normal de probabilidade, conforme ilustrado na Figura 5.1.

Figura 5.1
Distribuições de probabilidade da resistência, solicitação e margem de segurança (adaptado de Nowak e Collins, [9[9] NOWAK, A. S.; COLLINS, K. R. Reliability of Structures. McGraw-Hill Companies, Inc., 2000])

Para o caso particular apresentado na Figura 5.1, a função densidade de probabilidade da margem de segurança pode ser definida a partir dos momentos estatísticos da resistência e solicitação (médias μR e μS; desvios padrões σR e σS) de acordo com as expressões (5.3) e (5.4), sendo a probabilidade de falha do modelo obtida por (5.5), em que Φ é a função distribuição de probabilidade acumulada de uma variável normal padronizada.

μ M = μ R μ S (5.3)

σ M = σ R 2 + σ S 2 (5.4)

p f = Φ ( μ M σ M ) (5.5)

Em problemas de engenharia, de forma geral, o nível de segurança de uma estrutura em relação a um dado estado limite é avaliado através do chamado índice de confiabilidade β. Nas situações em que a margem de segurança apresentar distribuição normal de probabilidade, o índice de confiabilidade pode ser obtido diretamente pela expressão (5.6).

β = μ M σ M (5.6)

5.3 O método de Monte Carlo

A técnica de simulação aplicada à engenharia consiste na elaboração de um modelo matemático com o intuito de reproduzir o comportamento real de uma estrutura, possibilitando avaliar a variabilidade da carga de ruptura, por exemplo, frente à introdução de aleatoriedades nos parâmetros de entrada, tais como propriedades dos materiais e características geométricas. O Método de Monte Carlo, nesse contexto, tem sido amplamente empregado, em especial pela sua simplicidade e por não demandar conhecimentos mais complexos em probabilidade e estatística [10[10] HALDAR, A.; MAHADEVAN, S. Probability, Reliability, and Statistical Methods in Engineering Design. JohnWiley & Sons, New York, 2000.].

Haldar e Mahadevan [10[10] HALDAR, A.; MAHADEVAN, S. Probability, Reliability, and Statistical Methods in Engineering Design. JohnWiley & Sons, New York, 2000.] descrevem os seis elementos essenciais associados ao método de Monte Carlo, apresentados abaixo:

  1. Definir o problema em termos das variáveis aleatórias;

  2. Determinar as distribuições de probabilidade e as principais estatísticas das variáveis aleatórias envolvidas no problema;

  3. Gerar um conjunto de valores para as variáveis aleatórias de acordo com suas distribuições de probabilidade;

  4. Solucionar o modelo de forma determinística para o conjunto de valores das variáveis aleatórias;

  5. Extrair as informações estatísticas após N simulações;

  6. Determinar a eficiência do processo de simulação.

Neste trabalho, o método de Monte Carlo é utilizado como ferramenta para inferência estatística da resistência R que compõe a função g(R,S). Para o modelo numérico empregado, um número suficiente de simulações é realizado para que se obtenha a convergência dos momentos estatísticos dos modelos resistentes, determinando-se assim a função densidade de probabilidade fR(r) através do ajuste do conjunto de dados obtidos.

5.4 Índice de confiabilidade e o FORM

Em muitos casos práticos nos quais a função performance apresenta-se complexa, não sendo possível garantir a normalidade da variável margem de segurança, o simples emprego da expressão (5.6) pode conduzir a erros na estimativa do índice de confiabilidade. Neste contexto, o FORM (First-Order Reliability Method) tem sido amplamente empregado para a obtenção do índice β.

No espaço das variáveis normais padronizadas, o índice de confiabilidade pode ser obtido pela interpretação geométrica da função performance. Na Figura 5.2, β corresponde à menor distância da origem do sistema das variáveis aleatórias normais padronizadas à função estado limite g(R',S') = 0, a partir da qual se inicia a região de falha. Para uma variável genérica Xi, esta pode ser representada no sistema das variáveis normais padronizadas conforme (5.7).

Figura 5.2
Interpretação geométrica do índice de confiabilidade (adaptado de Haldar e Mahadevan, [10[10] HALDAR, A.; MAHADEVAN, S. Probability, Reliability, and Statistical Methods in Engineering Design. JohnWiley & Sons, New York, 2000.])

X i = μ X E + X i ' σ X E (5.7)

Na expressão acima, o índice “E” nos valores de média e desvio padrão indica se tratar de valores da função normal equivalente para o caso de variáveis com distribuição de probabilidade diferente da normal.

Sendo a distância entre a origem e um dado ponto no sistema reduzido das variáveis aleatórias dada por D=X'TX, a determinação do índice de confiabilidade consiste em minimizar distância D obedecendo à restrição g(X) = 0. O ponto sobre a superfície de falha g(X') = 0 associado à menor distância é denominado ponto provável de falha ou ponto de projeto, sendo expresso por x'*. O índice de confiabilidade do sistema é obtido por (5.8).

β = i = 1 n x ' * i ( g X ' i ) * i = 1 n ( g X ' i ) 2 * (5.8)

Na expressão (5.8), a notação ‘ * ’ indica que o vetor das variáveis aleatórias e as derivadas parciais são avaliadas no ponto de falha. Como este ponto não é conhecido a priori, o valor de β é obtido por aproximações sucessivas. O cosseno diretor αi para cada variável é dado por (5.9), sendo o ponto de projeto x'*i da respectiva variável no sistema reduzido obtido por (5.10).

α i = ( g X ' i ) * i = 1 n ( g X ' i ) 2 * (5.9)

x ' * i = α i β (5.10)

Para variáveis que não apresentem distribuição normal de probabilidade, pode-se utilizar o procedimento de Rackwitz e Fiessler, apresentado em Nowak e Collins [9[9] NOWAK, A. S.; COLLINS, K. R. Reliability of Structures. McGraw-Hill Companies, Inc., 2000], para determinar os valores da média e desvio padrão de uma variável normal equivalente no ponto de projeto, dadas as funções distribuição de probabilidade acumulada FX(x) e a densidade de probabilidade fX(x) originais da variável. As expressões (5.11) e (5.12) são empregadas para determinar os valores da média e desvio padrão da função normal equivalente, μX E e σX E, respectivamente.

μ X E = x * σ X E { Φ 1 [ F X ( x * ) ] } (5.11)

σ X E = 1 f X ( x * ) ϕ { Φ 1 [ F X ( x * ) ] } (5.12)

Em que Φ e ϕ correspondem à função distribuição de probabilidade acumulada e à função densidade de probabilidade de uma variável normal padronizada, respectivamente.

6. Análise probabilística de vigas de concreto armado

6.1 Caracterização das vigas

Neste trabalho são avaliados os índices de confiabilidade obtidos para um modelo de viga biapoiada de seção retangular, ilustrada na Figura 6.1, onde também são apresentadas genericamente as armaduras tracionada e comprimida. A viga em questão possui um vão fixo de 500cm e uma largura de 20cm, sendo submetida a um carregamento distribuído característico, composto por uma parcela permanente e acidental.

Figura 6.1
Geometria, carregamento e condições de contorno das vigas em estudo

Neste estudo são considerados quatro parâmetros na caracterização do modelo, sendo estes a resistência característica à compressão do concreto (fck = 25;35;45MPa), a altura da seção (h = 40;50;60cm), a razão de carregamento (r = qk/gk = 0,5;1,0;2,0) e o carregamento característico total (pk = 15;20;25kN/m). São considerados três diferentes valores para cada parâmetro, resultando em um conjunto de 81 vigas identificadas segundo a nomenclatura V - fck - h - r - pk. As áreas de aço foram dimensionadas para cada uma das 81 vigas, em função de sua geometria, propriedades mecânicas dos materiais e carregamento característico, de acordo com os procedimentos de projeto apresentados no item 2.

6.2 Variáveis aleatórias consideradas

Um conjunto de dez variáveis aleatórias foi considerado para a representação das incertezas envolvidas no problema em estudo. As distribuições adotadas, bem como os parâmetros estatísticos das variáveis aleatórias foram extraídos a partir dos trabalhos de Silva [11[11] SILVA, G. R. Análise da confiabilidade da ligação laje-pilar interno sob punção de acordo com a NBR-6118:2014. 2017. 174 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], Santos et al. [12[12] SANTOS, D. M.; STUCCHI, F.R.; BECK, A.T. Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas brasileiras. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais. São Paulo. v. 7. n. 5. p. 723-746. 2014.], Real [1[1] REAL, M. V. Análise Probabilística de Estruturas de Concreto Armado, Sob Estado Plano de Tensão, Através do Método dos Elementos Finitos. 2000. 249 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], Nowak e Collins [9[9] NOWAK, A. S.; COLLINS, K. R. Reliability of Structures. McGraw-Hill Companies, Inc., 2000] e Galambos et al. [13[13] GALAMBOS, T. V.; ELLINGWOOD, B.; MACGREGOR, J. G.; CORNELL, C. A. Probability based load criteria: Assessment of current design practice. Journal of the Structural Division, v. 108. p. 959-977. 1982.].

Dentre o número total de variáveis aleatórias, seis foram empregadas na simulação numérica das vigas e, portanto, caracterizam a distribuição de probabilidade obtida para a resistência R dos modelos em questão. A Tabela 6.1 apresenta as variáveis aleatórias consideradas no modelo em elementos finitos e as suas respectivas distribuições de probabilidade.

Tabela 6.1
Variáveis aleatórias associadas a resistência, empregadas na simulação numérica

As demais variáveis aleatórias, correspondentes às parcelas de solicitações e variáveis de incerteza de modelo são apresentadas na Tabela 6.2. Essas variáveis compõe, juntamente com a variável correspondente à resistência, a função performance empregada para a obtenção do índice de confiabilidade.

Tabela 6.2
Variáveis aleatórias empregadas no cálculo de β via FORM

6.3 Função performance adotada e estatísticas da resistência

A função performance adotada neste trabalho assume a forma apresentada em (6.1).

g ( X ) = θ R R θ S ( G + Q ) (6.1)

O Método de Monte Carlo é empregado para a obtenção da variável aleatória R, que corresponde a resistência da viga em termos da máxima carga distribuída suportada no modelo numérico. O valor médio e desvio padrão da resistência são obtidos a partir de um número suficiente de simulações, que é definido quando se atinge a convergência estatística dos dados. A Figura 6.2 apresenta a convergência estatística da média e desvio padrão da resistência da viga V-25-40-r-15 para um total de 400 simulações.

Figura 6.2
Convergência dos parâmetros estatísticos da resistência

Para o estudo de confiabilidade, o conjunto de dados da resistência de cada modelo foi ajustado segundo uma distribuição de probabilidade teórica conhecida. Este procedimento já foi empregado por outros autores, citando-se os trabalhos desenvolvidos por Szerszen e Nowak [17[17] SZERSZEN, M. M; NOWAK, A. S. Calibration of Design Code for Buildings (ACI 318): Part 2 - Reliability Analysis and Resistance Factors. ACI Structural Journal, v. 100. n. 3. p. 383-391. 2003.], Diniz e Frangopol [18[18] DINIZ, S. M. C; FRANGOPOL, D. M. Reliability Assessment of High-Strength Concrete Columns. Journal of Engineering Mechanics, v. 124. n. 5. p. 529-536. 1998.], Real [1[1] REAL, M. V. Análise Probabilística de Estruturas de Concreto Armado, Sob Estado Plano de Tensão, Através do Método dos Elementos Finitos. 2000. 249 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - PPGEC, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.], Szerszen et al [19[19] SZERSZEN, M. M; SZWED, A; NOWAK, A. S. Reliability Analysis for Eccentrically Loaded Columns. ACI Structural Journal, v. 102. n. 5. p. 676-688. 2005.], Ferreira et al [20[20] FERREIRA, L. M; NOWAK, A. S; EL DEBS, M. K. Desenvolvimento de equações para a limitação do peso de veículos de carga em pontes de concreto através da teoria de confiabilidade. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais. São Paulo. v. 1. n. 4. p. 421-450. 2008.] e Magalhães et al [21[21] MAGALHÃES, F. C; REAL, M. V; SILVA FILHO, L. C. P. The problem of non-compliant concrete and its influence on the reliability of reinforced concrete columns. Material and Structures, v. 49. n. 4. p. 1485-1497. 2016.].

Utilizaram-se, inicialmente, as distribuições de probabilidade do tipo Normal, Lognormal e Weibull para o ajuste dos dados de resistência obtidos via simulação. A qualidade destes ajustes foi verificada através dos testes de aderência de Kolmogorov-Smirnov e Anderson-Darling [22[22] ANG, A. H-S.; TANG, W. H. Probability Concepts In Engineering. John Wiley & Sons, Inc., 2007.], a um nível de significância de 5%. As Figuras 6.3 a 6.5 apresentam os histogramas e os gráficos de probabilidade acumulada obtidos, através de 400 simulações, para as vigas com resistência característica à compressão de 25MPa e altura de 40cm, dimensionadas para os carregamentos característicos de 15kN/m, 20kN/m e 25kN/m, respectivamente.

Figura 6.3
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-15 (400 simulações)

Figura 6.4
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-20 (400 simulações)

Figura 6.5
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-25 (400 simulações)

Observa-se que as três distribuições teóricas atribuídas conduzem a uma qualidade de ajuste muito similar. Com vistas a avaliar a interferência do número de simulações na qualidade dos ajustes e, consequentemente, no estudo de confiabilidade, foram realizadas, para as mesmas vigas acima citadas, um total de 1200 simulações, cujos novos gráficos são apresentados nas Figuras 6.6 a 6.8.

Figura 6.6
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-15 (1200 simulações)

Figura 6.7
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-20 (1200 simulações)

Figura 6.8
Ajuste de distribuições para a resistência da viga V-25-40-r-25 (1200 simulações)

É constatado que um aumento no número de simulações melhora a aderência dos dados às distribuições de probabilidade teóricas atribuídas. Este comportamento é esperado uma vez que, se tratando de um processo aleatório, um maior número de simulações conduzirá a um conjunto de dados melhor distribuído e mais representativo para a caracterização da distribuição de probabilidade [10[10] HALDAR, A.; MAHADEVAN, S. Probability, Reliability, and Statistical Methods in Engineering Design. JohnWiley & Sons, New York, 2000.]. Empregando a função dada em (6.1), foram calculados os índices de confiabilidade para as mesmas três vigas, sendo estes apresentados na Tabela 6.3. Para tal, foram consideradas as três distribuições de probabilidade citadas e um total de 400 e 1200 simulações.

Tabela 6.3
Valores de β em função da distribuição de probabilidade adotada e número de simulações

Para cada uma das distribuições atribuídas, verifica-se que o aumento do número de simulações não promove alterações apreciáveis nos índices de confiabilidade. Isso se deve ao fato de o ajuste às distribuições ser realizado fundamentalmente através dos momentos estatísticos provenientes dos dados obtidos via simulação. Logo, uma vez atingida a convergência destes, não se esperam quaisquer alterações significativas nos índices de confiabilidade avaliados, ainda que uma melhor aderência seja observada nos gráficos de probabilidade acumulada.

Em relação aos tipos de distribuições, observa-se que as diferenças nos índices de confiabilidade não são representativas. Não havendo, portanto, indícios de resultados mais precisos em relação à qualquer uma das distribuições apresentadas, optou-se por representar a resistência dos modelos segundo uma distribuição normal de probabilidade. A Figura 6.9 traz, para o caso da viga V-25-40-r-15, os cossenos diretores obtidos para a solução da função perfomance (6.1) via FORM.

Figura 6.9
Cossenos diretores obtidos via FORM para a viga V-25-40-r-15

Observa-se, prontamente, que para todas as razões de carregamento r, o cosseno diretor predominante é o da variável aleatória Q, que corresponde à parcela acidental do carregamento. Isso implica uma grande influência da variável Q nos índices de confiabilidade, conforme apresentado no estudo paramétrico do item subsequente. Em relação às demais variáveis aleatórias (R, G, θR e θS), é verificado que seus cossenos diretores possuem ordens de grandeza semelhantes entre si, indicando que estas variáveis exercem influências de mesma relevância nos valores de índices de confiabilidade alcançados. Nessa condição, e considerando os resultados apresentados na Tabela 6.3, é constatado que quaisquer erros inerentes ao ajuste dos dados da resistência R, ou até mesmo as diferenças esperadas empregando-se diferentes distribuições teóricas para R, não refletem, de forma isolada, em variações significativas nos índices de confiabilidade. Obviamente, tal procedimento é válido desde que seja atestada, para um dado intervalo de confiança, uma qualidade no ajuste da distribuição teórica de R aos dados obtidos via simulação, tal como o verificado neste trabalho através de testes de aderência.

7. Estudo paramétrico

Baseado no modelo numérico e na fundamentação probabilística expostos anteriormente, foi obtido o índice de confiabilidade para cada uma das 81 vigas dimensionadas de acordo com a NBR-6118:2014. Para fins de avaliação do nível de segurança associado às recomendações de projeto da NBR-6118:2014, considera-se o índice de confiabilidade alvo apresentado pelo código modelo fib 2010, sendo este βalvo = 3,80 para estruturas de concreto armado.

As Figuras 7.1 a 7.3 apresentam variação do índice de confiabilidade frente à variação da resistência característica à compressão do concreto para vigas sujeitas a um carregamento característico total de 15kN/m, 20kN/m e 25kN/m, respectivamente, sob diferentes combinações de alturas de seção transversal e razões de carregamento.

Figura 7.1
Variação do índice de confiabilidade em função do fck (pk = 15kN/m)

Figura 7.2
Variação do índice de confiabilidade em função do fck (pk = 20kN/m)

Figura 7.3
Variação do índice de confiabilidade em função do fck (pk = 25kN/m)

Observa-se uma sutil tendência de redução do índice de confiabilidade em função do aumento da resistência característica à compressão do concreto. Para vigas com maior altura de seção transversal e/ou maiores resistências características à compressão, contudo, observou-se uma tendência de aumento no índice de confiabilidade, justificados por um pequeno acréscimo na média da resistência destas vigas em função da contribuição do concreto em tração. Esse comportamento é mais evidente em vigas com um menor carregamento característico total, como as apresentadas nas Figuras 7.1 e 7.2.

Observa-se ainda que, para diferentes alturas de seção transversal, os índices de confiabilidade tendem a apresentar uma boa uniformidade. A razão de carregamento, por sua vez, tende a alterar significativamente o índice de confiabilidade, conduzindo a uma redução deste à medida em que a carga acidental torna-se predominante na combinação das ações. Por fim, pode-se observar que o aumento no valor do carregamento característico total não promove alterações apreciáveis nos índices de confiabilidade.

As Figuras 7.4 a 7.6 apresentam a variação do índice de confiabilidade frente à variação da altura da seção transversal para as vigas sujeitas a um carregamento característico total de 15kN/m, 20kN/m e 25kN/m, respectivamente, sob diferentes combinações de resistências características à compressão do concreto e razões de carregamento.

Figura 7.4
Variação do índice de confiabilidade em função de h (pk = 15kN/m)

Figura 7.5
Variação do índice de confiabilidade em função de h (pk = 20kN/m)

Figura 7.6
Variação do índice de confiabilidade em função de h (pk = 25kN/m)

É observado que a contribuição do concreto em tração, para as vigas com um menor carregamento característico total, tende a se manifestar com o aumento da altura da seção transversal, mesmo para os menores valores de resistência característica à compressão do concreto, induzindo a um pequeno acréscimo na média da resistência e, portanto, aumentando sutilmente os índices de confiabilidade. Essa condição pode ser observada de forma mais clara na Figura 7.4. Para vigas com um maior carregamento característico total, no entanto, observa-se que o aumento da altura da seção transversal conduz a uma pequena redução dos índices de confiabilidade. A relação de carregamento mostrou-se como fator de maior influência no índice de confiabilidade, reduzindo estes de forma recorrente para as relações de carregamento r = 1,0 e r = 2,0.

8. Conclusões

O presente trabalho avaliou o nível de segurança atingido por um conjunto de 81 vigas em relação ao estado limite último de flexão. As vigas foram dimensionadas de acordo com as prescrições da norma NBR-6118:2014, que rege o procedimento de projeto de estruturas de concreto no Brasil. Este conjunto de vigas contemplou combinações entre diferentes propriedades do concreto, alturas de seção transversal, combinações de carregamento e diferentes valores de carregamento característico total.

O Método dos Elementos Finitos e o Método de Monte Carlo foram empregados para a obtenção dos principais parâmetros estatísticos da resistência das vigas em estudo. As variáveis aleatórias contempladas nas simulações são apresentadas na Tabela 6.1. A partir dos dados obtidos via simulação, ajustou-se uma distribuição normal de probabilidade para a representação da resistência de cada uma das 81 vigas. Os índices de confiabilidade deste estudo foram obtidos através do FORM, sendo considerada a função performance dada pela expressão (6.1). Além da variável correspondente a resistência, obtida via simulação, a função performance foi composta pelas variáveis dispostas na Tabela 6.2.

Através do estudo paramétrico, observa-se que os índices de confiabilidade das vigas estudadas apresentaram poucas alterações perante variações na resistência característica à compressão do concreto. Pode-se observar valores de confiabilidade sutilmente superiores associados às menores resistências características à compressão, o que pode ser atribuído à maior taxa de armadura dessas vigas. Minasi [16[16] MINASI, A. T. Confiabilidade de vigas de concreto armado em estruturas portuárias no estado limite último de flexão. 2016. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Oceânica) - PPGEO, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande.], em sua pesquisa, verificou também que a variação isolada deste parâmetro não altera significativamente os níveis de confiabilidade obtidos. No presente trabalho, ainda, verificou-se que a variação na altura da seção transversal não promove alterações apreciáveis nos índices de confiabilidade.

No que diz respeito à resistência das vigas, observou-se, para configurações de geometria e propriedades mecânicas dos materiais que conduzissem a um aumento na contribuição do concreto tracionado, um pequeno acréscimo na resistência final das vigas, resultando em um pequeno aumento nos índices de confiabilidade para as vigas com um menor carregamento característico total.

Em relação ao valor do carregamento característico total, observou-se nesse estudo uma baixa influência deste nos valores de confiabilidade alcançados. Esta mesma tendência foi observada nos estudos de Santos et al. [12[12] SANTOS, D. M.; STUCCHI, F.R.; BECK, A.T. Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas brasileiras. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais. São Paulo. v. 7. n. 5. p. 723-746. 2014.]. Em contrapartida, observa-se uma grande influência da razão de carregamento r, apresentando o índice de confiabilidade consideráveis reduções ao passo que o carregamento acidental se torna predominante na combinação das ações. Este comportamento foi igualmente verificado nos trabalhos de Santos et al. [12[12] SANTOS, D. M.; STUCCHI, F.R.; BECK, A.T. Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas brasileiras. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais. São Paulo. v. 7. n. 5. p. 723-746. 2014.] e Minasi [16[16] MINASI, A. T. Confiabilidade de vigas de concreto armado em estruturas portuárias no estado limite último de flexão. 2016. 149 f. Dissertação (Mestrado Engenharia Oceânica) - PPGEO, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande.]. Esta variação é justificada pelo grande coeficiente de variação atribuído à parcela acidental do carregamento. Das 81 vigas avaliadas, um total de 54 apresentaram índices de confiabilidade inferiores ao índice alvo estipulado. Todos os índices que resultaram abaixo do índice alvo correspondem às combinações de ações nas quais a carga acidental é proporcionalmente igual ou maior que a carga permanente, o que indica que os atuais coeficientes de ponderação para cargas acidentais não garantem uma uniformidade nos índices de confiabilidade para os casos em que as cargas acidentais se tornam preponderantes nas combinações das ações.

Salienta-se que os índices de confiabilidade obtidos nesta pesquisa são resultados de aproximações, desde aquelas associadas ao comportamento mecânico dos materiais, até aquelas relacionadas à atribuição de distribuições teóricas para cada variável aleatória. Soma-se a isso a unidimensionalização da variável resistência, sendo a mesma representada através de uma variável aleatória R com distribuição normal de probabilidade. Resultados mais precisos são esperados empregando-se o Método da Superfície de Resposta, onde g(X), função do modelo em elementos finitos, passa a ser representada por um polinômio aproximador, construído de forma adaptativa nas intermediações do ponto de projeto [24[24] LEONEL, E. D.; BECK, A. T.; VENTURINI, W. S. On the performance of response surface and direct coupling approaches in solution of random crack propagation problems. Structural Safety, v. 33. n. 4. p. 261-274. 2011.]. Outra alternativa, ainda, consiste no acoplamento direto de subrotinas de confiabilidade com o programa de elementos finitos. Nesta abordagem, a função g(X) é tratada de forma implícita, sendo as componentes ∂g/∂X'i do gradiente computadas numericamente [23,24].

Por fim, considerando a abordagem realizada neste trabalho, verificou-se que as diferentes distribuições testadas para a resistência R não refletiram em grandes variações nos índices de confiabilidade obtidos. Estes resultados podem ser justificados pelos cossenos diretores das variáveis aleatórias (Figura 6.9), sendo possível notar que, para a função performance adotada, correspondente ao estado limite último de flexão, a influência de R não é preponderante em relação às demais variáveis. Esse fato ratifica as aproximações adotadas e qualifica os resultados obtidos.

9. Agradecimentos

Os autores agradecem a CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro que permitiu a realização deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Dez 2017
  • Aceito
    05 Set 2018
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