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Troca pulpar: uma solução simples para um problema complexo

Resumos

INTRODUÇÃO: A ponta do dedo tem papel importante na qualidade do movimento de pinça bidigital, e seu trauma é comum e difícil de resolver. Na troca pulpar, um retalho neurovascular homodigital em ilha reconstrói a polpa dominante, proporcionando boa cobertura de pele e sensibilidade, usando a polpa não-dominante. MÉTODO: De janeiro de 2000 a dezembro de 2008, 16 pacientes perderam a polpa digital dominante. A técnica cirúrgica consistiu de um retalho neurovascular homodigital em ilha, vascularizado pela artéria digital palmar da polpa não-dominante transposto para o lado dominante. A viabilidade do retalho, sua sensibilidade e o déficit das articulações interfalangeanas proximal e distal foram analisados. RESULTADOS: Houve média de 8 mm no teste de discriminação entre dois pontos estáticos para todos os dígitos, exceto no dedo anelar. No teste monofilamentar de Semmes-Weinstein, obteve-se escore de 3,61 para D1 e D3, e de 4,31 para os outros dedos. Comparado ao mesmo dígito contralateral, obteve-se escore de 2,83 para todos os dígitos, exceto para D5, que apresentou maior escore (3,61). CONCLUSÕES: A técnica de troca pulpar apresentou resultados funcionais satisfatórios quanto a viabilidade, sensibilidade e mobilidade digital, priorizando o movimento da pinça. Esse retalho neurovascular local também proporciona resultados estéticos aceitáveis, em um único procedimento cirúrgico.

Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Traumatismos dos dedos; Retalhos cirúrgicos; Sensação


BACKGROUND: The fingertip is essential to the quality of the bi-digital pinch. Trauma to the fingertip is common and is difficult to resolve. In pulp exchange, a homodigital neurovascular island flap reconstructs the dominant pulp using pulp from the nondominant pulp, providing good skin coverage and sensitivity. METHODS: From January 2000 to December 2008, 16 patients lost their dominant digital pulp. The surgical technique used for repair consisted of a homodigital neurovascular island flap, vascularized by the palmar digital artery of the nondominant pulp transposed to the dominant side. Flap viability, its sensitivity, and deficits in proximal and distal interphalangeal articulations were analyzed. RESULTS: In the two-point discrimination test, an average of 8 mm was measured for all digits except the ring finger. In the Semmes-Weinstein monofilament test, D1 and D3 scored 3.61, while the other fingers scored 4.31. The same contralateral digits scored 2.83, except D5, which scored 3.61. CONCLUSIONS: The technique of pulp exchange presented satisfactory functional results with regard to viability, sensitivity, and digital mobility, particularly with respect to the pinch. This local neurovascular flap also provides acceptable aesthetic results and is performed as a single surgical procedure.

Reconstructive surgical procedures; Finger injuries; Surgical flaps; Sensation


ARTIGO ORIGINAL

Troca pulpar: uma solução simples para um problema complexo

Felipe Kunrath Simões PiresI; Lourenço Frigeri TeixeiraI; Pedro Djacir Escobar MartinsII; Jefferson Braga SilvaIII

IMédico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), PortoAlegre, RS, Brasil

IIMembro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil

IIILivre-docente pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil; professor titular de Cirurgia da PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Felipe Kunrath Simões Pires Rua Padre Chagas, 370 – ap. 701 – Moinhos de Vento – Porto Alegre, RS, Brasil – CEP 90570-080 E-mail: fkspires@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: A ponta do dedo tem papel importante na qualidade do movimento de pinça bidigital, e seu trauma é comum e difícil de resolver. Na troca pulpar, um retalho neurovascular homodigital em ilha reconstrói a polpa dominante, proporcionando boa cobertura de pele e sensibilidade, usando a polpa não-dominante.

MÉTODO: De janeiro de 2000 a dezembro de 2008, 16 pacientes perderam a polpa digital dominante. A técnica cirúrgica consistiu de um retalho neurovascular homodigital em ilha, vascularizado pela artéria digital palmar da polpa não-dominante transposto para o lado dominante. A viabilidade do retalho, sua sensibilidade e o déficit das articulações interfalangeanas proximal e distal foram analisados.

RESULTADOS: Houve média de 8 mm no teste de discriminação entre dois pontos estáticos para todos os dígitos, exceto no dedo anelar. No teste monofilamentar de Semmes-Weinstein, obteve-se escore de 3,61 para D1 e D3, e de 4,31 para os outros dedos. Comparado ao mesmo dígito contralateral, obteve-se escore de 2,83 para todos os dígitos, exceto para D5, que apresentou maior escore (3,61).

CONCLUSÕES: A técnica de troca pulpar apresentou resultados funcionais satisfatórios quanto a viabilidade, sensibilidade e mobilidade digital, priorizando o movimento da pinça. Esse retalho neurovascular local também proporciona resultados estéticos aceitáveis, em um único procedimento cirúrgico.

Descritores: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos. Traumatismos dos dedos/cirurgia. Retalhos cirúrgicos. Sensação.

INTRODUÇÃO

Traumatismos acompanhados de perda de substância na extremidade distal dos dedos são extremamente comuns na prática diária de um cirurgião da mão. Quando essa perda ocorre na face volar, existem diversas opções de reconstrução. Porém, já se sabe que nessa zona, a chamada polpa digital, boa sensibilidade e percepção fina são fundamentais para que se preserve um dos principais movimentos da mão, a pinça.

Enxertos cutâneos e retalhos não inervados acabam sendo opções "pobres", uma vez que não garantem essas características. Por outro lado, os retalhos inervados, como os em "ilha" homodigital, quase que por consenso, são a melhor opção.

Neste estudo é apresentada técnica de troca pulpar, em que o retalho é confeccionado a partir da face funcionalmente menos importante da polpa e transferido para o defeito, priorizando a manutenção da função de oposição ao polegar.

O objetivo deste estudo é avaliar os resultados da reconstrução da polpa digital por meio da troca pulpar, um retalho neurovascular homodigital em ilha, que tem como área doadora a polpa não dominante.

MÉTODO

Foram avaliados 16 pacientes portadores de lesões traumáticas da polpa digital atendidos pela equipe de Cirurgia da Mão do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS, Brasil), no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2008. Todos os procedimentos foram realizados pelo mesmo cirurgião.

A idade desses pacientes variou de 22 anos a 25 anos (média de 29 anos), sendo 10 (62,5%) deles do sexo masculino.

A extensão da perda pulpar foi determinada imediatamente após o desbridamento adequado em todas as lesões, sendo mensurada em centímetros quadrados com o auxílio de uma régua estéril.

Os pacientes foram avaliados quanto à sensibilidade fina nas áreas do retalho e do enxerto de pele total e, comparativamente, no mesmo dedo contralateral. Os testes de discriminação entre dois pontos (teste de Weber) e monofilamentar de Semmes-Weinstein foram utilizados para avaliar essa sensibilidade.

Por fim, foram também pesquisados o tempo de afastamento dos pacientes de suas atividades laborais e a possibilidade de retorno às mesmas.

O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 11 meses.

Técnica Cirúrgica

A técnica cirúrgica consiste na substituição da polpa digital para a face funcionalmente mais importante, por meio de um retalho homodigital em ilha com pedículo neurovascular, baseado na artéria digital palmar (Figura 1).


O significado de retalho em ilha baseia-se no fato de que o mesmo é totalmente liberado em sua circunferência cutânea, com exceção de seu pedículo neurovascular, profundamente, o que lhe permite maior mobilidade.

Quando a perda da polpa digital ocorre no 2º, 3º, 4º ou 5º dedos (Figura 2), a face do dedo usada para a obtenção da ilha de pele (nova polpa digital) é a ulnar. No polegar, por sua vez, é usada a face radial para esse fim. Isso se justifica pela maior importância da face radial do 2º, 3º, 4º e 5º dedos da mão que fazem contato com a face ulnar do polegar quando a pinça é realizada (Figura 3). Por essa razão, a pele utilizada no retalho é a da face lateral menos importante funcionalmente da falange distal do dedo.



Várias formas de desenho do retalho podem ser realizadas, dependendo do tamanho da perda da polpa digital.

Inicialmente, o retalho é separado da bainha dos tendões flexores, no sentido distal para proximal, na região central do dedo. Em seguida, disseca-se o pedículo neurovascular, incluindo a maior quantidade possível de tecido fibrogorduroso, para aumentar a drenagem venosa. Este é constituído também pelo nervo colateral e pela artéria digital palmar própria da face do dígito. O retalho é, então, transposto lateralmente e fixado às margens da área receptora. A pele sobrejacente ao pedículo neurovascular (incisão longitudinal) é suturada. Já o defeito secundário, criado na área doadora, é coberto com enxertia de pele de espessura total, retirada da região hipotênar (Figura 4).


RESULTADOS

Dentre os 16 pacientes submetidos a troca pulpar, 12 (75%) apresentavam o trauma digital na mão dominante. Além disso, 14 (87,5%) desses pacientes dependiam das mãos para suas atividades profissionais.

Quanto à distribuição das lesões, o dígito mais afetado foi o polegar, totalizando 5 (31,3%) pacientes, 4 (25%) pacientes apresentavam lesões em D2, 2 (12,5%) em D3, 2 (12,5%) em D4, e 3 (18,7%) em D5.

O polegar foi o dígito que apresentou maior extensão média de perda pulpar (2,85 + 0,85 cm²), seguido de D2, D4, D5 e D3 (2,67 + 0,26 cm², 2,23 + 0,12 cm², 2,21 + 0,23 cm², e 2,18 + 0,45 cm², respectivamente).

A distância média no teste de discriminação entre dois pontos, em todos os dígitos, foi de 8 mm, com exceção de D4, em que a média obtida foi de 10 mm. Nos dígitos sadios contralaterais, essa distância média foi de 6 mm, com exceção de D2, em que se observou 8 mm de distância. Quando o mesmo teste foi aplicado nas áreas de enxertia de pele, a média foi de 10 mm em D1 e D4, e de 12 mm para D2, D3 e D5.

Após realização do teste de Semmes-Weinstein, obteve-se na área reconstruída por retalho escore de 3,61 para D1 e D3, e de 4,31 para D2, D4 e D5. Comparativamente aos mesmos dígitos no lado contralateral, obteve-se escore nesse teste de 2,83 para todos os dígitos, com exceção de D5, com resultado de 3,61. Quando o mesmo teste foi realizado na área do enxerto de pele, o resultado variou entre 4,56 e 6,65, indicando pior resultado funcional em relação à área do retalho neurovascularizado.

O déficit de extensão na articulação interfalangeana distal foi de -15 graus, sempre encontrada em D5.

Não foi verificada necrose parcial ou total do retalho cirúrgico.

O tempo de afastamento do trabalho foi, em média, de 45 dias, variando de 31 dias a 62 dias. Todos os pacientes retornaram às mesmas atividades profissionais.

DISCUSSÃO

A perda da polpa digital é uma situação muito comum nos traumas de mão, como demonstrado pelo grande número de alternativas cirúrgicas disponíveis para sua reconstrução1-14. Esse tipo de trauma resulta em um desafio cirúrgico quanto à reposição de uma cobertura cutânea.

Enxertos de pele ou retalhos não inervados apresentam resultado cirúrgico funcionalmente pobre, com pouca restauração da sensibilidade local. Uma boa função digital requer não só boa cobertura cutânea, mas também a restauração da sensibilidade na ponta dos dedos. A qualidade da sensibilidade fina depende da presença de número suficiente de receptores da pele. Nos dedos, apenas a polpa possui essa população, que decresce em sentido proximal. Por esse motivo, vários autores relataram suas experiências com o uso de diversos retalhos locais ou não para o tratamento estético e funcional dessa condição.

Apenas em casos de amputações completas de polpa digital, em que o uso de retalhos locais ou distantes é impossível ou inapropriado, utiliza-se a transferência livre da polpa de um dedo do pé3,4,7,8.

O uso de retalhos locais de avançamento nem sempre é possível, quando há grande perda tecidual da polpa de forma oblíqua. Os retalhos palmares (tenares) ou cross-finger demonstraram ser insensíveis, assim como os enxertos de pele. Além disso, segundo Foucher et al.3, a pele digital dorsal, usada no retalho cross-finger, possui qualidade inferior à da pele palmar para a reconstrução da polpa digital. Esse retalho ainda requer a violação cirúrgica de um dedo sadio e sua imobilização prolongada, devendo sempre que possível ser evitado.

Segundo dados estatísticos da literatura, a distância média no teste de discriminação entre dois pontos é de 6 mm para retalhos inervados, e de 9 mm para os não-inervados14. No presente estudo, a distância média nesse teste, em todos os dígitos, foi de 8 mm, com exceção de D4, em que a média obtida foi de 10 mm.

Diversos estudos já comprovaram que, dentre as várias técnicas existentes para reconstrução da polpa digital, os retalhos neurovasculares constituem a melhor opção, uma vez que apresentam os melhores resultados funcionais a longo prazo, destacando-se adequada sensibilidade, com boa discriminação entre dois pontos e baixa incidência de hiperestesia. Essas duas características garantem uma das mais importantes funções da mão, se não a principal, que é o movimento da pinça. Além disso, dentre os vários retalhos neurovasculares existentes, pode-se concluir que a troca pulpar deve ser considerada primeira opção para reconstrução em casos de lesões traumáticas oblíquas, em que a polpa foi afetada predominantemente na face dominante digital (radial nos dedos e ulnar no polegar).

CONCLUSÕES

A técnica de troca pulpar apresentou resultados funcionais satisfatórios quanto a viabilidade, sensibilidade e mobilidade digital, priorizando o movimento da pinça. Esse retalho neurovascular local também proporciona resultados estéticos aceitáveis, em um único procedimento cirúrgico.

Artigo recebido: 19/7/2011

Artigo aceito: 18/1/2012

Trabalho realizado no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.

Trabalho apresentado no 48º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, realizado em Goiânia, GO, Brasil, no período de 11 a 15 de novembro de 2011.

Trabalho Vencedor do Prêmio Victor Spina 2011.

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

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  • Correspondência para:

    Felipe Kunrath Simões Pires
    Rua Padre Chagas, 370 – ap. 701 – Moinhos de Vento – Porto Alegre, RS, Brasil – CEP 90570-080
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Jul 2011
    • Aceito
      18 Jan 2012
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