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Carboxiterapia: buscando evidência para aplicação em cirurgia plástica e dermatologia

EDITORIAL

Carboxiterapia: buscando evidência para aplicação em cirurgia plástica e dermatologia

Lydia Masako FerreiraI; Edina Koga da SilvaII; Carlos Alberto JaimovichI; Denis CalazansI; Edgard Rocha SilvaI; Fabianne FurtadoIII; Ognev CosacI; Pedro NaderI; Wanda Elizabeth Massiere y CorrêaI

IMembros da Câmara Técnica de Cirurgia Plástica do Conselho Federal de Medicina, Brasil

IIProfessora associada da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil

IIIPós-doutorado em Cirurgia Plástica da Escola Paulista de Medicina/UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil

Existe hoje forte tendência de a prática clínica reafirmar seu compromisso com a medicina científica. Isso não significa dissociar pesquisa e experiência. Pelo contrário: é reconhecer que ambas fazem parte de um processo sistemático e contínuo de autoaprendizado e autoavaliação, sem o qual as condutas se tornam desatualizadas e não-racionais1.

Cotidianamente, o profissional defronta-se com a tarefa de decidir quais os tratamentos que funcionam (e, na estética, é preciso destacar que inúmeras "opções promissoras" surgem a cada dia). Tradicionalmente, tais decisões têm se baseado em princípios fisiopatológicos e de raciocínio lógico, observação pessoal e intuição, que, em conjunto, constituem o que se convencionou chamar de "experiência do clínico"1. Se um tratamento parece funcionar, é repetido. Se seus resultados são desapontadores, o tratamento é abandonado. No entanto, essa avaliação é totalmente imprevisível, pois se desconhecem quais os fatores que contribuíram para o sucesso e quais os que determinaram a falha terapêutica2.

A busca de evidências orientadoras de condutas constitui um movimento do qual um dos pioneiros foi David L. Sackett, que, a partir de 1992, tem se preocupado em difundir uma nova forma de atuar e ensinar a prática médica. Sackett conceitua essa ideia como "o uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência disponível para a tomada de decisão sobre o cuidado de pacientes individuais"3. Decisões mais científicas e eficientes, baseadas em métodos de avaliação mais vigorosos, têm por objetivo otimizar benefícios e minimizar riscos e custos2. Esses conceitos se tornam fundamentais se o médico quiser analisar criteriosamente se o que há de mais novo ou mais avançado é, de fato, o melhor para seu paciente4.

O uso medicinal do dióxido de carbono (CO2) não é novo. Em 1932, na Estação Termal do Spy de Royat, na França, o CO2 foi utilizado em portadores de arteriopatias periféricas. Os pacientes eram submetidos a banhos secos ou de imersão em água carbonada5. Em 1953, após 20 anos de experiência, o cardiologista Jean Baptiste Romuef publicou os resultados do uso terapêutico por via subcutânea5. O tema permaneceu por quatro décadas no esquecimento, sendo retomado nas décadas de 1980 e 1990, com alguns trabalhos direcionados para a cirurgia vascular.

Paralelamente à ação terapêutica, o CO2 é comumente utilizado para insuflação da cavidade abdominal nas videolaparoscopias, histeroscopias e como contraste em arteriografias e ventriculopatias. Os órgãos reguladores da saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Food and Drug Administration (FDA), possuem registrados equipamentos capazes de controlar o fluxo de CO2 injetado, o que confere segurança ao uso.

O que pode ser nova é a aplicação com finalidades estéticas. A utilização se estende da celulite (lipodistrofia ginoide) à flacidez e estrias, às cicatrizes inestéticas e ao tratamento complementar nas lipoaspirações para reduzir as irregularidades e diminuir o aspecto "enrugado" da pele, pela melhora da elasticidade cutânea. Esses benefícios decorrem da promoção de vasodilatação arteriovenosa local, do aumento do fluxo sanguíneo regional6, do aumento das drenagens sanguínea e linfática e da lipólise7, resultando, por conta dessas ações, maior disponibilidade de oxigênio para o tecido, aumento no turnover de colágeno e redução da quantidade de tecido adiposo.

Entretanto, quando se fala sobre tratamento, a melhor evidência ou aquela mais confiável é a que tem origem em estudos controlados com alocação aleatória, os conhecidos Randomized Controlled Trials (RCTs). Neles, o novo tratamento (experimento) é comparado à terapêutica considerada padrão de referência para o manejo da doença ou ao placebo, se esse tratamento não existir. A alocação aleatória ou "randomização" garante que os dois grupos a serem comparados sejam semelhantes quanto a dados demográficos (gênero, idade, cor), gravidade da enfermidade e frequência de outras comorbidades. Evita-se, assim, o viés de seleção4.

Observando os quase quinze manuscritos disponíveis na literatura, nacional e internacional, sobre o uso do CO2 terapêutico em cirurgia plástica ou dermatologia, de estudos controlados com alocação aleatória, nota-se que nenhum deles possui metodologia adequada. A adequação metodológica de uma investigação é a base para a credibilidade das conclusões8.

A leitura crítica da literatura científica está se tornando cada vez mais importante, em decorrência da abundância de artigos publicados em revistas especializadas. Atualmente, há aumento de publicações de livros e periódicos e, além disso, as bases de dados bibliográficos de acesso eletrônico possibilitaram um número ainda maior de informações8. No entanto, somente de 10% a 15% do material publicado comprovam ser de valor científico9.

A aplicação da melhor informação científica disponível objetiva um atendimento mais correto, ético e cientificamente embasado1. Embora haja constante divulgação da técnica e dos indícios para a aplicação de CO2 em cicatrizes e celulites, até o momento não existe na literatura produção científica com o rigor internacional recomendado.

A credibilidade da técnica só depende de seus próprios difusores. Portanto, este editorial, antes de qualquer outra coisa, tem por objetivo incentivar os profissionais a realizarem ensaios controlados randomizados para que a eficiência da carboxiterapia seja cientificamente comprovada (ou refutada). Não basta parar no âmbito pessoal, da experiência ou de estudos questionáveis e achar que é bom. A impessoalidade deve ser suficiente para que o interesse público, universal, seja priorizado. E é somente dessa forma que o bom, ainda duvidável, atinja o ótimo acreditável.

  • 1. Wannmacher L, Fuchs FD. Conduta terapêutica embasada em evidências. Rev Assoc Med Bras. 2000;46(3):237-41.
  • 2. Jeffcoat MK, McGuire M, Newman MG. Evidence-based periodontal treatment. Highlights from the 1996 World Workshop in Periodontics. J Am Dent Assoc. 1997;128(6):713-24.
  • 3. Sackett DL, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Evidence-based medicine. How to practice and teach EBM. New York: Churchill Livingstone; 1997. 250p.
  • 4. Maluf-Filho F. A contribuição da medicina baseada em evidências para a introdução de novo conhecimento na prática clínica. Arq Gastroenterol. 2009;46(2):87-9.
  • 5. Leibashoff G. Carboxytherapy. In: Goldman MP, Hexsel D, eds. Cellulite: pathophysiology and treatment. New York: Taylor & Francis; 2006. p. 197-208.
  • 6. Schnizer W, Erdl R, Schöps P, Seichert N. The effects of external CO2 application on human skin microcirculation investigated by laser Doppler flowmetry. Int J Microcirc Clin Exp. 1995;4(4):343-50.
  • 7. Brandi C, D'Aniello C, Grimaldi L, Bosi B, Dei I, Lattarulo P, et al. Carbon dioxide therapy in the treatment of localized adiposities: clinical study and histopathological correlations. Aesthetic Plast Surg. 2001;25(3):170-4.
  • 8. Crato NA, Vidal LF, Bernardino PA, Ribeiro Júnior HC, Zarzar PMPA, Paiva SM, et al. Como realizar uma análise crítica de um artigo científico. Arq Odontol. 2004;40(1):5-17.
  • 9. Patussi PM, Freire MCM. Leitura crítica de artigos científicos. In: Estrela C, ed. Metodologia científica: ensino e pesquisa em Odontologia. São Paulo: Artes Médicas; 2001. p. 308-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2012
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