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A versatilidade e confiabilidade do retalho Keystone em reconstruções oncológicas

RESUMO

Introdução:

O retalho Keystone é um retalho em ilha, de vascularização confiável e dissecção simples, descrito pela primeira vez em 2003. Apesar de suas vantagens, é ainda pouco citado na literatura especializada e longe de se tornar opção de escolha na prática clínica da cirurgia reconstrutiva. O objetivo deste artigo é apresentar a experiência de um serviço oncológico de alta complexidade no uso de retalhos Keystone em reconstruções.

Métodos:

Um estudo retrospectivo foi desenvolvido por meio do levantamento de dados de prontuário de pacientes operados pela equipe de Cirurgia Plástica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, além de análise de registros fotográficos pré, intra e pós-operatórios.

Resultados:

Nove pacientes foram identificados, todos portadores de comorbidades e média de idade de 52,7 anos. Os defeitos cutâneos se seguiram após ressecções oncológicas, sendo cinco em extremidades inferiores, três em tronco e um em face. A média da área ressecada foi de 52,6cm2. As reconstruções foram realizadas sob abreviado tempo cirúrgico. Não houve complicações pós- operatórias ou perdas do retalho e o tempo de hospitalização médio foi de 2,2 dias.

Conclusão:

O retalho Keystone é uma opção tecnicamente simples e reprodutível para a cobertura de ferimentos de tamanhos diversos e em localizações variadas. Devido à sua confiabilidade, dissecção simples e rápida, abreviado tempo de internação e baixa morbidade à área doadora, deve ser considerado na reconstrução de feridas oncológicas de diversas localizações, em pacientes de todas as idades.

Descritores:
Retalhos cirúrgicos; Neoplasias cutâneas; Cirurgia plástica; Oncologia cirúrgica; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos

ABSTRACT

Introduction:

The Keystone flap is an island flap with reliable vascularization and simple dissection, first described in 2003. Despite its distinct advantages, there are few scientific publications on this matter, and it is not a common option in the clinical practice of reconstructive surgery. This article aims to report the experience of a cancer referral center with Keystone flaps in oncological reconstructions.

Methods:

A retrospective study was carried out data from medical records of patients who performed oncological plastic reconstruction with keystone flaps, operated by the Surgery team of the Cancer Institute of the State of São Paulo, in addition to the analysis of pre, intra and postoperative photographic records.

Results:

Nine patients were identified, all with comorbidities and a mean age of 52.7. Skin defects followed after oncological resections: five in the lower extremities, three in the trunk and one in the face. The mean of the skin resected area was 52.6cm2. The reconstructions were performed under shortened surgical time. There were no postoperative complications or flap losses. The average hospital stay was 2.2 days.

Conclusion:

The Keystone flap is technically simple and a reproducible option for covering wounds of different sizes and locations. Due to its reliability, simple and quick dissection, shortened hospital stay and low morbidity in the donor area, it should be considered for reconstructing cancer wounds from different locations in patients of all ages.

Keywords:
Surgical flaps; Skin neoplasms; Surgery, plastic; Surgical oncology; Reconstructive surgical procedures

INTRODUÇÃO

O retalho Keystone foi descrito pela primeira vez em 200311 Behan FC. The Keystone Design Perforator Island Flap in reconstructive surgery. ANZ J Surg. 2003;73(3):112-20. DOI: 10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x PMID: 12608972 DOI: https://doi.org/10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x
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. É um retalho em ilha baseado em perfurantes fasciocutâneas recrutadas na periferia da ferida a ser tratada. Assim, possui a vascularização confiável de um retalho perfurante, aliado à dissecção simples e reprodutibilidade de um retalho local22 Rao AL, Janna RK. Keystone flap: versatile flap for reconstruction of limb defects. J Clin Diagn Res. 2015;9(3):PC05-7. DOI: 10.7860/JCDR/2015/12595.5631 PMID: 25954659 DOI: https://doi.org/10.7860/JCDR/2015/12595.5631
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. Apesar de suas vantagens, é ainda pouco citado na literatura especializada e longe de se tornar opção de escolha na prática clínica da cirurgia reconstrutiva33 Gómez OJ, Barón OI, Peñarredonda ML. Keystone Flap: Overcoming Paradigms. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2019;7(3):e2126. DOI: 10.1097/G0X.0000000000002126 PMID: 31044108
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.

OBJETIVO

O objetivo deste artigo é apresentar a experiência de um serviço oncológico de alta complexidade no uso de retalhos Keystone em reconstruções. Essa série de casos visa reforçar a versatilidade e segurança deste retalho no manejo de defeitos de diferentes volumes e localizações.

MÉTODOS

Um estudo retrospectivo foi desenvolvido através do levantamento de dados de prontuário de pacientes operados pela equipe de Cirurgia Plástica

do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2020. As seguintes informações foram coletadas: dados epidemiológicos; tipo histológico; comorbidades; localização e tamanho da área ressecada; tempo de hospitalização; complicações. Foram obtidos registros fotográficos pré, intra e pós-operatórios.

RESULTADOS

Um total de nove pacientes foram tratados com retalho Keystone (seis mulheres e três homens), com média de idade de 52,7 anos, sendo quatro hipertensos, três diabéticos e dois tabagistas (Tabela 1). Todos os defeitos se seguiram após ressecções oncológicas, sendo cinco em extremidades inferiores, três em tronco e um em face. Melanoma foi a neoplasia mais frequente. A média da área ressecada foi de 52,6cm2, com mediana de 31,4cm2. Em todos os casos, a área doadora foi fechada primariamente.

Tabela 1
Características clínicas de nove pacientes com lesões cutâneas malignas tratadas com ressecção e reconstrução com retalho Keystone.

O tempo anestésico-cirúrgico apresentou média de 289 minutos. Este tempo inclui o ato anestésico, a duração da ressecção tumoral e a reconstrução pela cirurgia plástica. O tempo de hospitalização médio foi de 2,2 dias. As reconstruções foram finalizadas com uma única cirurgia, exceto por um paciente que precisou de retoque da cicatriz devido a “dog ears”, realizado posteriormente sob anestesia local. Não houve complicações pós-operatórias ou perdas do retalho. Nenhum paciente foi excluído da amostra.

DISCUSSÃO

As vantagens de uma reconstrução locorregional já foram amplamente discutidas na literatura44 Mohan AT, Rammos CK, Akhavan AA, Martinez J, Wu PS, Moran SL, et al. Evolving Concepts of Keystone Perforator Island Flaps (KPIF): Principles of Perforator Anatomy, Design Modifications, and Extended Clinical Applications. Plast Reconstr Surg. 2016;137(6):1909-20. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002228 PMID: 26895582
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. Tempo cirúrgico abreviado, vascularização estável e o satisfatório resultado estético de uma cobertura utilizando tecidos adjacentes ao defeito são algumas delas22 Rao AL, Janna RK. Keystone flap: versatile flap for reconstruction of limb defects. J Clin Diagn Res. 2015;9(3):PC05-7. DOI: 10.7860/JCDR/2015/12595.5631 PMID: 25954659 DOI: https://doi.org/10.7860/JCDR/2015/12595.5631
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. O retalho Keystone alia esses benefícios a sua versatilidade, podendo ser utilizado na reconstrução de membros22 Rao AL, Janna RK. Keystone flap: versatile flap for reconstruction of limb defects. J Clin Diagn Res. 2015;9(3):PC05-7. DOI: 10.7860/JCDR/2015/12595.5631 PMID: 25954659 DOI: https://doi.org/10.7860/JCDR/2015/12595.5631
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, tronco e face55 Pelissier P, Gardet H, Pinsolle V, Santoul M, Behan FC. The keystone design perforator island flap. Part II: clinical applications. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(8):888-91. DOI: 10.1016/j. bjps.2007.03.023 PMID: 17493885 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2007.03.023
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, como demonstrado em nossa série (Figuras 1, 2, 3).

Figura 1
Defeito de 38,46cm2 em perna direita após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.

Figura 2
Defeito de 4,35cm2 em sulco nasogeniano esquerdo após ressecção de carcinoma basocelular infiltrativo. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.

Figura 3
Defeito de 32,97cm2 em região lombar após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.

Descrito por Behan et al. em 200311 Behan FC. The Keystone Design Perforator Island Flap in reconstructive surgery. ANZ J Surg. 2003;73(3):112-20. DOI: 10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x PMID: 12608972 DOI: https://doi.org/10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x
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, o Keystone flap é um retalho em ilha, fasciocutâneo33 Gómez OJ, Barón OI, Peñarredonda ML. Keystone Flap: Overcoming Paradigms. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2019;7(3):e2126. DOI: 10.1097/G0X.0000000000002126 PMID: 31044108
https://doi.org/10.1097/G0X.000000000000...
, 44 Mohan AT, Rammos CK, Akhavan AA, Martinez J, Wu PS, Moran SL, et al. Evolving Concepts of Keystone Perforator Island Flaps (KPIF): Principles of Perforator Anatomy, Design Modifications, and Extended Clinical Applications. Plast Reconstr Surg. 2016;137(6):1909-20. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002228 PMID: 26895582
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. Sua geometria trapezoidal, com maior eixo paralelo ao defeito, garante o recrutamento de vasos perfurantes nas adjacências do ferimento, tornando sua vascularização confiável. Esse design permite também o avanço do tecido com pouca morbidade à área doadora, de forma que, em pelo menos uma das extremidades, o fechamento será semelhante ao retalho V-Y66 Shayan R, Behan FC. Re: the “keystone concept’: time for some science. ANZ J Surg. 2013;83(7-8):499-500. DOI: 10.1111/ans.12303 PMID: 24049789 DOI: https://doi.org/10.1111/ans.12303
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. Nesta série, todas as áreas doadoras foram fechadas primariamente, sem maiores morbidades.

A vascularização deste retalho é proporcional à extensão da ilha de pele desenhada, desde que mantida a área de contato com a fáscia subjacente, por onde emergem os vasos perfurantes33 Gómez OJ, Barón OI, Peñarredonda ML. Keystone Flap: Overcoming Paradigms. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2019;7(3):e2126. DOI: 10.1097/G0X.0000000000002126 PMID: 31044108
https://doi.org/10.1097/G0X.000000000000...
, 44 Mohan AT, Rammos CK, Akhavan AA, Martinez J, Wu PS, Moran SL, et al. Evolving Concepts of Keystone Perforator Island Flaps (KPIF): Principles of Perforator Anatomy, Design Modifications, and Extended Clinical Applications. Plast Reconstr Surg. 2016;137(6):1909-20. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002228 PMID: 26895582
https://doi.org/10.1097/PRS.000000000000...
. Esse conceito permite a confecção de Keystone flaps de tamanhos diversos55 Pelissier P, Gardet H, Pinsolle V, Santoul M, Behan FC. The keystone design perforator island flap. Part II: clinical applications. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(8):888-91. DOI: 10.1016/j. bjps.2007.03.023 PMID: 17493885 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2007.03.023
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. A taxa de complicações descrita em literatura é de 4%, sobretudo deiscência e necrose parcial77 Khouri JS, Egeland BM, Daily SD, Harake MS, Kwon S, Neligan PC, et al. The keystone island flap: use in large defects of the trunk and extremities in soft-tissue reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2011;127(3):1212-21. DOI: 10.1097/PRS.0b013e318205f36f PMID: 21364423 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e318205f36f
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. Em nossa série, a área reconstruída variou de 4,35cm2 a 163,5cm2, sem qualquer complicação com a vascularização do retalho.

A principal limitação do retalho Keystone ocorre no uso em áreas de pele pouco elástica, que restringe seu avanço e impossibilita o fechamento da área doadora sem tensão. Assim, não é recomendado na reconstrução da face anterior da perna, áreas irradiadas ou amplamente traumatizadas88 Pauchot J, Chambert J, Remache D, Elkhyat A, Jacquet E. Geometrical analysis of the V-Y advancement flap applied to a keystone flap. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2012;65(8):1087-95. DOI: 10.1016/j.bjps.2012.03.004 PMID: 22512938 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2012.03.004
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. Além disso, sua confiabilidade na cobertura de mucosas (intraoral e intranasal) ainda não foi estudada33 Gómez OJ, Barón OI, Peñarredonda ML. Keystone Flap: Overcoming Paradigms. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2019;7(3):e2126. DOI: 10.1097/G0X.0000000000002126 PMID: 31044108
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, 99 Chen HC. Precautions in using keystone flap. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010;63(4):720. DOI: 10.1016/j.bjps.2009.02.049 PMID: 19364682 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2009.02.049
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. Nenhum de nossos pacientes atendia a essas restrições.

CONCLUSÃO

O retalho Keystone é uma opção tecnicamente simples e reprodutível para a cobertura de ferimentos de tamanhos diversos e em localizações variadas. Devido à sua confiabilidade, dissecção simples e rápida, abreviado tempo de internação e baixa morbidade à área doadora, deve ser considerado na reconstrução de feridas oncológicas de diversas localizações, em pacientes de todas as idades.

  • Instituição: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e Hospital das Clínicas, São Paulo, SP, Brasil.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    18 Maio 2021
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