Acessibilidade / Reportar erro

Queimaduras e COVID-19, qual o impacto da pandemia? Perfil epidemiológico de um centro de queimados entre 2018-2022

■ RESUMO

Introdução:

Embora prevalente, a epidemiologia das queimaduras possui lacunas. Simultaneamente, a COVID-19 estabeleceu um cenário desafiador e com novos comportamentos humanos, que poderiam impactar nas características e na incidência de queimaduras. O objetivo geral do projeto foi descrever o perfil epidemiológico dos pacientes de uma Unidade de Tratamento de Queimados.

Método:

O estudo foi uma revisão prontuários de janeiro de 2018 até maio de 2022, incluindo uma amostra de 1164 admissões do Hospital Padre Albino (Catanduva-SP). A análise estatística foi realizada através do Google Sheets e JAMOVI, sendo aplicado o Teste U de Mann-Whitney para comparação de períodos de tempo antes e durante a pandemia. Antes da coleta de dados, o mesmo foi submetido e aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa da instituição (parecer número 5.616.556, CAAE: 62621822.50000.5430).

Resultados:

As admissões apresentaram idade média de 31,38 anos e 17,88% de Superfície Corporal Queimada (SCQ), sendo 452 mulheres e 712 homens; a média de SCQ foi de 17 para mulheres e 18,6 para homens. O principal agente causador foi a escaldadura. No que tange à comparação por períodos, durante a pandemia a chama direta teve um aumento de 8% em relação ao período anterior (35%). A escaldadura ainda permaneceu com prevalência elevada, no entanto, apresentou queda de 2%, assim como as queimaduras por dermoabrasão, com queda de 10%.

Conclusão:

Os achados dos estudos possuem limites em termos de generalização e novos estudos precisam ser desenvolvidos. As mudanças observadas no período não foram significativas e sem relevância clínica.

Descritores:
COVID-19; Epidemiologia descritiva; Queimaduras; Unidades de queimados; Brasil

■ ABSTRACT

Introduction:

Although prevalent, the epidemiology of burns has gaps. At the same time, Covid-19 established a new scenario with new human behaviors, which could equally impact the characteristics and incidence of burns. The overall objective of the project was to describe the epidemiological profile of patients in a Burn Treatment Unit.

Methods:

The study was a chart review from January 2018 to May 2022, including a sample of 1164 admissions from Hospital Padre Albino (Catanduva, São Paulo, Brazil). Statistical analysis was performed using Google Sheets and JAMOVI, and Mann-Whitney U-test was applied for comparison of time periods before and during the pandemic. Before data collection, the study was submitted and approved by the Research Ethics Committee of the institution (document number 5.616.556, CAAE: 62621822.50000.5430).

Results:

The admissions presented a mean age of 31.38 years and 17.88% of body surface area burned, 452 women and 712 men, the mean age was 17 for women and 18.6 for men. The main agent was scalding. When it comes to period comparison, during the pandemic direct flaming had an 8% increase over the previous period (35%). The scalds still remained with high prevalence, however it presented a decrease of 2%, as well as the burns by dermabrasion, which had a decrease of 10%.

Conclusion:

The findings of the studies have limits in terms of generalization, and new studies need to be developed. The changes observed in the period were not significant and without clinical relevance.

Keywords:
COVID-19; Epidemiology; descriptive; Burns; Burn units; Brazil

INTRODUÇÃO

A queimadura é uma afecção traumática potencialmente grave provocada por agentes externos físicos, químicos e biológicos, capazes de provocar diversas formas de danos11 Schvartsman C, Reis AG, Farhat SCL. Pronto-Socorro. 3a ed. São Paulo: Manole; 2018.,22 Costa CF, Sousa GC, Rodrigues ACE, Vieira FS, Viana DSF, Costa ES, et al. Perfil de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: uma revisão integrativa. Rev Eletr Acervo Saúde. 2017;8(Supl. 8):S624-32.. Cento e oitenta mil casos anuais são estimados globalmente, sendo países de média e baixa renda, incluindo o Brasil, os mais afetados33 World Health Organization (WHO). Burns. 2018 [acesso 2021 Set 22]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
.

Embora sejam prevalentes e levem a gastos públicos importantes22 Costa CF, Sousa GC, Rodrigues ACE, Vieira FS, Viana DSF, Costa ES, et al. Perfil de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: uma revisão integrativa. Rev Eletr Acervo Saúde. 2017;8(Supl. 8):S624-32.,33 World Health Organization (WHO). Burns. 2018 [acesso 2021 Set 22]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
, o perfil epidemiológico das queimaduras ainda apresenta um literatura limitada, sendo os estudos que descrevem perfil epidemiológico importantes fontes para compressão desses traumas4. Ademais, a COVID-19 inseriu um contexto singular para a população, uma vez que ocorreram medidas de restrição e distanciamento social. O impacto desse cenário nas queimaduras ainda é pouco descrito e varia entre os estudos disponíveis.

Assim, o presente estudo visa descrever o perfil epidemiológico de uma Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) em Catanduva, estado de São Paulo, durante o período de janeiro de 2018 até maio de 2022, utilizando como base dados obtidos da revisão de prontuários de pacientes admitidos no período e comparando em subgrupos baseados em sexo, idade e período em relação à pandemia da COVID-19 (antes e durante).

OBJETIVO

O objetivo geral do projeto foi descrever o perfil epidemiológico dos pacientes de uma Unidade de Tratamento de Queimados, identificar o principal agente causador de queimaduras na população, graus mais frequentes das queimaduras, a média de Superfície Corporal Queimada (SCQ) e idade, além de analisar possíveis impactos da pandemia da COVID-19 na UTQ.

MÉTODO

O trabalho consiste em um estudo baseado na revisão de prontuários da UTQ do Hospital Padre Albino (Catanduva-SP). O estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição (parecer número 5.616.556, CAAE: 62621822.50000.5430).

Os dados foram coletados na UTQ, sendo esses já previamente organizados em tabelas mensais pelo próprio serviço, passando por desidentificação para o estudo. Foram incluídas todas as admissões de pacientes entre janeiro de 2018 até maio de 2022. No caso dos pacientes que permaneceram por mais de um mês internados no serviço, considerou-se apenas como uma admissão.

Foram excluídos do estudo 3 pacientes que não tinham queimaduras - apresentavam síndrome de Stevens-Johnson ou necrólise epidérmica.

A amostra obtida foi de 1164 pacientes. A análise de subgrupos foi feita conforme a idade, sendo “crianças e adolescentes” os indivíduos de 0 a 18 anos e “adultos e idosos”, os maiores de 18 anos. Outra divisão feita foi em função da pandemia da COVID-19 (antes e durante). Desse modo, conduziu-se uma divisão dos meses em dois grupos antes da pandemia da COVID-19, considerado maio 2018 até fevereiro de 2020, e durante a pandemia, março 2020 até dezembro de 2021. Tais categorizações foram feitas a fim de criar períodos de análise com o mesmo tempo em meses, considerando-se março de 2020 como o início da pandemia da COVID-19.

As variáveis coletadas incluem: idade, SCQ, agente da queimadura, sexo, mês, ano, classificação da queimadura conforme grau. A porcentagem de superfície queimada foi coletada, sendo essa rotineiramente acessada por meio do método da Regra de Wallace (Nove) na unidade do estudo. A idade dos pacientes com menos de 1 ano foi utilizada em função de anos, aproximada quando necessário. Os agentes das queimaduras foram agrupados em grandes classes.

A normalidade foi avaliada através do teste de Shapiro-Wilk utilizando o software JAMOVI (versão 2.2.5). Assim, verificou-se que os dados não eram normais, sendo aplicado o Teste U de Mann-Whitney. O software online Google Sheets foi utilizado para ajustes da estatística de tabelas e dos gráficos.

RESULTADOS

A UTQ avaliada apresentou, ao longo de todo o período, um total de 10 leitos de enfermaria, sendo 3 pediátricos, 3 masculinos, 3 femininos, 1 isolamento, além de 3 leitos de UTI adultos.

O estudo observou (Tabela 1) um total de 1164 pacientes admitidos, que apresentaram uma idade média de 31,38 anos e 17,88% de SCQ, ambos apresentaram distribuição não normal de acordo com o teste de Shapiro-Wilk (p<,001). Com relação ao sexo dos pacientes, foram admitidas 452 mulheres e 712 homens em todo período, sendo a média geral de idade de 31 anos. A SCQ encontrada foi de 17 para mulheres e 18,643 para homens.

Tabela 1
Caracterização geral dos pacientes.

Em relação ao sexo, observou-se que o sexo masculino apresenta queimaduras causadas principalmente por chama direta (43%), seguido por escaldadura (35%) e dermoabrasão (12%). A prevalência verificada foi maior entre os homens, sendo o número de adultos e idosos (n=505) maior do que crianças e adolescentes (n=207). Entre o sexo feminino, o mesmo foi observado, sendo igualmente maior o número de admissões de mulheres adultas e idosas (n=318) em comparação as crianças e adolescentes (n=134) (Figura 1).

Figura 1
Distribuição dos pacientes segundo faixa etária e agente causador das queimaduras.

Quando avaliado o agente e o grau da queimadura de 2018 até maio de 2022, observamos que a mais prevalente ao longo do período analisado foi a escaldadura (n=485), sendo 267 casos de segundo grau e 117 de terceiro grau. O segundo agente mais frequente foi a chama direta (n=455), sendo 187 de terceiro grau e 176 de segundo grau. O terceiro agente mais comum foi a dermoabrasão (n=123), sendo 41 de segundo grau e 42 de terceiro grau.

No que tange à comparação por períodos, pôde-se observar que durante a pandemia a chama direta teve um aumento de 8% em relação ao período anterior (35%). A escaldadura ainda permaneceu com prevalência elevada, no entanto, mostrou uma queda de 2%, assim como a queimadura por dermoabrasão, com queda de 10% (Figura 2).

Figura 2
Distribuição dos pacientes segundo período e agente causador das queimaduras.

De acordo com a análise dos meses, avaliando as admissões de 2018-2022 (Tabela 2), o mês de junho não demonstrou aumento de admissões. Quando analisados no antes e durante o período da pandemia, o período anterior demonstrou mais admissões, 38 e 33, respectivamente.

Tabela 2
Admissões mensais de pacientes.

Considerando que as variáveis não apresentam comportamento normal e de acordo com a análise através do Teste U de Mann-Whitney (Tabela 3), pôde-se observar que não ocorreu uma diferença estatisticamente significativa para idade (p=0,660; r=0,016) e porcentagem de superfície corporal queimada (p=0,002; r=0,112) entre o período anterior e durante a pandemia.

Tabela 3
Comparação entre o período anterior e durante a pandemia.

DISCUSSÃO

Com relação ao perfil epidemiológico, a prevalência do sexo masculino nas amostras foi encontrada em diversas análises55 Silva SA, Ribeiro DRND, Guimarães GMS, Melo Neto DX, Braga PS, Cruvinel SS, et al. Impacto da quarentena pela COVID-19 no perfil epidemiológico de queimados em Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2020;19(1):2-10.

6 Araújo GMS, Romeu PCF, Lima SH, Primo FT, Primo LS, Rodrigues JL, et al. Caracterização clínica e epidemiológica de pacientes internados em um Centro de Referência em Assistência a Queimados no sul do Brasil. Rev Ciênc Saúde. 2021;33(3):9-22.

7 Carvalho BDP, Melchior LMR, Santos ER, Margarida MCA, Costa CSN, Porto PS. Perfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimadura atendidos em um hospital público de urgência do estado de Goiás. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):167-72.
-88 Malta DC, Bernal RTI, Lima CM, Cardoso LSM, Andrade FMD, Marcatto JO, et al. Perfil dos casos de queimadura atendidos em serviços hospitalares de urgência e emergência nas capitais brasileiras em 2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Suppl 1):1-4., assim como no presente estudo, em que 61,1% dos pacientes eram do sexo masculino. Com relação à idade, um estudo sobre o perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil obteve como idade média o valor de 32,5 anos, sendo o dado deste presente estudo similar, visto que foi de 31,38 anos. Sobre a população mais acometida, inúmeros estudos mostraram que os mais acometidos são os adultos55 Silva SA, Ribeiro DRND, Guimarães GMS, Melo Neto DX, Braga PS, Cruvinel SS, et al. Impacto da quarentena pela COVID-19 no perfil epidemiológico de queimados em Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2020;19(1):2-10.,66 Araújo GMS, Romeu PCF, Lima SH, Primo FT, Primo LS, Rodrigues JL, et al. Caracterização clínica e epidemiológica de pacientes internados em um Centro de Referência em Assistência a Queimados no sul do Brasil. Rev Ciênc Saúde. 2021;33(3):9-22.,99 Ferreira LLP, Gomes Neto JJ, Alves RA. Perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia no período de 2009 a 2018. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):33-8.

10 Dalla-Corte LM, Fleury BAG, Huang M, Adorno J, Modelli MES. Perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):10-5.
-1111 Tacla EM, Gomes HC, Oliveira Filho RS, Afonso VC, Ferreira LM. Perfil epidemiológico de pacientes queimados internados em centro de referência na cidade de São Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2021;20(1):40-6., concordando com os dados do nosso estudo, em que os adultos e idosos representaram 70,7% da amostra.

A média de SCQ encontrada foi de 17,88%, dentro do encontrado em outras análises em que a SCQ variou de 15 a19,88%77 Carvalho BDP, Melchior LMR, Santos ER, Margarida MCA, Costa CSN, Porto PS. Perfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimadura atendidos em um hospital público de urgência do estado de Goiás. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):167-72.,1010 Dalla-Corte LM, Fleury BAG, Huang M, Adorno J, Modelli MES. Perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):10-5..

Com relação à sazonalidade de internações por queimaduras, ao avaliar as admissões mensais de 2018 a 2022, não se observou um aumento de pacientes internados durante o mês de junho. Esse achado contrasta com demonstrações de outros estudos, que evidenciam picos de ocorrência de internações e óbitos por queimaduras durante os meses de junho e julho, o que é atribuído ao período de férias escolares, durante as quais há um aumento significativo no risco de acidentes domésticos1010 Dalla-Corte LM, Fleury BAG, Huang M, Adorno J, Modelli MES. Perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):10-5..

Além disso, esperava-se um aumento de internações em junho, pois nesse período do ano ocorrem as festividades juninas, em que se pesa o impacto de fatores culturais e regionais típicos de nosso país, como o uso de fogos de artifício e a queima de fogueiras, que também propiciam incremento no perigo de incidentes99 Ferreira LLP, Gomes Neto JJ, Alves RA. Perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia no período de 2009 a 2018. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):33-8.,1212 Siqueira SMC, Jesus VS, Mariano IA, Nascimento JC, Queiroz SP, Santos AA, et al. Internações e óbitos de crianças e adolescentes brasileiros vítimas de queimaduras por fogos de artifício. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):68-75.,1313 Disessa CP, Ribeiro AP, Armond JE, Castro MM, Novo NF, Juliano Y. Crianças em Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Público da cidade de São Paulo: aspectos epidemiológicos durante internação: uma análise de 329 neonatos. Rev Saúde (Santa Maria). 2021;47(1):e41891.. Uma limitação do estudo consiste em não considerar dados de pedidos de internação negados, que poderiam revelar a existência de mudanças epidemiológicas sazonais ou não.

Considerando que a pandemia estabeleceu novos padrões de comportamento e um novo contexto, a hipótese de mudanças nos aspectos clínicos das queimaduras (porcentagem de superfície queimada e idade) parecia plausível. No entanto, diante do estudo, essa não se confirmou. A generalidade dos achados é limitada e novos trabalhos precisam ser feitos na temática, conforme a escassez de revisões e estudos similares na literatura - sobretudo brasileira.

Outra investigação em um centro metropolitano nos Estados Unidos, reunindo 1261 pacientes, convergiu para os achados do nosso estudo, à medida que não mostrou mudanças significativas na idade, sendo a média antes da pandemia 36,6 anos e durante a pandemia de 38 (p=0,416) e superfície corporal queimada de 4,5% antes e 5% durante (p=0,289)1414 Codner JA, De Ayala R, Gayed RM, Lamphier CK, Mittal R. The Impact of the COVID-19 Pandemic on Burn Admissions at a Major Metropolitan Burn Center. J Burn Care Res. 2021;42(6):1103-9..

Um estudo em 14 centros de atendimento a queimados, incluindo 7061 pacientes de 1999 até 2020 em Tóquio, encontrou um pequeno aumento na média de %SCQ em queimaduras de espessura parcial, de 3% para 4% (p≤0,001) no período de pandemia, sem diferenças para espessura total (p=0,486) e aumento na média de idade de 50 para 58 (p≤0,001)1515 Yamamoto R, Sato Y, Matsumura K, Sasaki J. Characteristics of burn injury during COVID-19 pandemic in Tokyo: A descriptive study. Burns Open. 2021.. A discreta diferença dos dois estudos no aumento da média de porcentagem de SCQ não parece ter relevância clínica.

Na análise dos atendimentos realizados do presente estudo, comparando os primeiros quatro meses de 2019 com os primeiros quatro meses de 2020, notou-se uma redução de 11,5%. Um estudo realizado em Minas Gerais avaliou o impacto da quarentena pela COVID-19 mostrando uma redução de 22,25% nos atendimentos55 Silva SA, Ribeiro DRND, Guimarães GMS, Melo Neto DX, Braga PS, Cruvinel SS, et al. Impacto da quarentena pela COVID-19 no perfil epidemiológico de queimados em Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2020;19(1):2-10..

Apesar de apresentar uma diminuição absoluta das admissões, esse padrão não parece confirmar que houve redução do número de queimados, visto que, devido à pandemia de COVID-19, outros aspectos podem ter afetado nosso estudo: os indivíduos que sofreram queimaduras podem ter deixado de procurar o hospital por receio de se contaminarem, os serviço pode ter recebido menos transferências por razões que não são necessariamente a redução de casos em outras cidades, as queimaduras ocorridas podem ter tido menor complexidade resultando em menor busca pelo atendimento médico ou não necessidade de admissão na Unidade de Tratamento de Queimados. Portanto, os dados não parecem ser suficientes para concluir a diminuição de casos de queimaduras em função da pandemia de COVID-19, sendo necessários maiores dados.

Já uma investigação utilizando dados do Sistema Único de Saúde de 2016 até 2020 mostrou que durante todo o período não houve mudanças estatisticamente significativas na taxa de hospitalização nacional1616 Valente TM, Ferreira LPS, Silva RAD, Leite JMRS, Tiraboschi FA, Barboza MCC. Brazil Covid-19: Change of hospitalizations and deaths due to burn injury? Burns. 2021;47(2):499-501..

Um estudo multicêntrico nacional avaliou a incidência de queimaduras por álcool durante a pandemia de COVID-191717 Kobarg BS, Guanilo MEE, Bernard GP, Barreto MGP, Vana LPM, de Oliveira Junior JL, et al. National multicentric study on the incidence of alcohol burns during the COVID-19 pandemic. Burns. 2023;49(3):615-21.. O álcool já era um importante causador de queimaduras, devido ao seu uso para limpeza em ambiente doméstico. Porém, com a pandemia, em que as pessoas começaram a passar mais tempo em casa e as crianças deixaram de frequentar as escolas, houve um aumento da incidência dos uso do álcool e consequentemente das queimaduras.

Nosso estudo - analisando os períodos antes e durante a pandemia - pôde observar que no período da pandemia houve um aumento de 8% nas queimaduras por chama direta, em que está inclusa a queimadura por álcool. Este aumento pode estar relacionado aos fatos mencionados no estudo multicêntrico, porém não é possível a comparação direta, já que a queimadura por chama direta inclui outros tipos de queimaduras1717 Kobarg BS, Guanilo MEE, Bernard GP, Barreto MGP, Vana LPM, de Oliveira Junior JL, et al. National multicentric study on the incidence of alcohol burns during the COVID-19 pandemic. Burns. 2023;49(3):615-21..

Em relação aos agentes etiológicos, a escaldadura foi a mais frequente, nos dois períodos analisados; notou-se apenas uma redução de 2% durante a pandemia, coincidindo com os dados encontrados na literatura66 Araújo GMS, Romeu PCF, Lima SH, Primo FT, Primo LS, Rodrigues JL, et al. Caracterização clínica e epidemiológica de pacientes internados em um Centro de Referência em Assistência a Queimados no sul do Brasil. Rev Ciênc Saúde. 2021;33(3):9-22.,1818 Santos GP, Freitas NA, Bastos VD, Carvalho FF. Perfil epidemiológico do adulto internado em um centro de referência em tratamento de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):81-6.,1919 Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figueiredo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise dos pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):89-94..

Uma limitação do estudo é o cálculo da superfície queimada através da Regra de Wallace (Regra dos Nove), que apresenta variabilidade conforme o observador, podendo introduzir um possível viés do observador. Ademais, outra limitação em questão é que a pesquisa não coletou dados acerca das localizações anatômicas das queimaduras, comorbidades e causas de óbito e o contexto em que ocorreram as queimaduras, como domiciliares ou no trabalho.

CONCLUSÃO

O estudo conseguiu demonstrar detalhes da epidemiologia da UTQ avaliada. Embora se esperassem mudanças no perfil epidemiológico durante a pandemia, isso não foi observado, sendo discretas as mudanças no período. Não houve alterações estatisticamente significativas na análise da SCQ e idade dos pacientes. Novos estudos se fazem necessários a fim de averiguar mudanças de forma multicêntrica e explorar igualmente a localização das queimaduras, agentes causais e contextos em que as queimaduras ocorreram.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Schvartsman C, Reis AG, Farhat SCL. Pronto-Socorro. 3a ed. São Paulo: Manole; 2018.
  • 2
    Costa CF, Sousa GC, Rodrigues ACE, Vieira FS, Viana DSF, Costa ES, et al. Perfil de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: uma revisão integrativa. Rev Eletr Acervo Saúde. 2017;8(Supl. 8):S624-32.
  • 3
    World Health Organization (WHO). Burns. 2018 [acesso 2021 Set 22]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
  • 4
    Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.
  • 5
    Silva SA, Ribeiro DRND, Guimarães GMS, Melo Neto DX, Braga PS, Cruvinel SS, et al. Impacto da quarentena pela COVID-19 no perfil epidemiológico de queimados em Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2020;19(1):2-10.
  • 6
    Araújo GMS, Romeu PCF, Lima SH, Primo FT, Primo LS, Rodrigues JL, et al. Caracterização clínica e epidemiológica de pacientes internados em um Centro de Referência em Assistência a Queimados no sul do Brasil. Rev Ciênc Saúde. 2021;33(3):9-22.
  • 7
    Carvalho BDP, Melchior LMR, Santos ER, Margarida MCA, Costa CSN, Porto PS. Perfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimadura atendidos em um hospital público de urgência do estado de Goiás. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):167-72.
  • 8
    Malta DC, Bernal RTI, Lima CM, Cardoso LSM, Andrade FMD, Marcatto JO, et al. Perfil dos casos de queimadura atendidos em serviços hospitalares de urgência e emergência nas capitais brasileiras em 2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Suppl 1):1-4.
  • 9
    Ferreira LLP, Gomes Neto JJ, Alves RA. Perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia no período de 2009 a 2018. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):33-8.
  • 10
    Dalla-Corte LM, Fleury BAG, Huang M, Adorno J, Modelli MES. Perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):10-5.
  • 11
    Tacla EM, Gomes HC, Oliveira Filho RS, Afonso VC, Ferreira LM. Perfil epidemiológico de pacientes queimados internados em centro de referência na cidade de São Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2021;20(1):40-6.
  • 12
    Siqueira SMC, Jesus VS, Mariano IA, Nascimento JC, Queiroz SP, Santos AA, et al. Internações e óbitos de crianças e adolescentes brasileiros vítimas de queimaduras por fogos de artifício. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):68-75.
  • 13
    Disessa CP, Ribeiro AP, Armond JE, Castro MM, Novo NF, Juliano Y. Crianças em Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Público da cidade de São Paulo: aspectos epidemiológicos durante internação: uma análise de 329 neonatos. Rev Saúde (Santa Maria). 2021;47(1):e41891.
  • 14
    Codner JA, De Ayala R, Gayed RM, Lamphier CK, Mittal R. The Impact of the COVID-19 Pandemic on Burn Admissions at a Major Metropolitan Burn Center. J Burn Care Res. 2021;42(6):1103-9.
  • 15
    Yamamoto R, Sato Y, Matsumura K, Sasaki J. Characteristics of burn injury during COVID-19 pandemic in Tokyo: A descriptive study. Burns Open. 2021.
  • 16
    Valente TM, Ferreira LPS, Silva RAD, Leite JMRS, Tiraboschi FA, Barboza MCC. Brazil Covid-19: Change of hospitalizations and deaths due to burn injury? Burns. 2021;47(2):499-501.
  • 17
    Kobarg BS, Guanilo MEE, Bernard GP, Barreto MGP, Vana LPM, de Oliveira Junior JL, et al. National multicentric study on the incidence of alcohol burns during the COVID-19 pandemic. Burns. 2023;49(3):615-21.
  • 18
    Santos GP, Freitas NA, Bastos VD, Carvalho FF. Perfil epidemiológico do adulto internado em um centro de referência em tratamento de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):81-6.
  • 19
    Albuquerque MLL, Silva GPF, Diniz DMSM, Figueiredo AMF, Câmara TMS, Bastos VPD. Análise dos pacientes queimados com sequelas motoras em um hospital de referência na cidade de Fortaleza-CE. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):89-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2023
  • Aceito
    15 Mar 2023
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Rua Funchal, 129 - 2º Andar / cep: 04551-060, São Paulo - SP / Brasil, Tel: +55 (11) 3044-0000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbcp@cirurgiaplastica.org.br