Editorial
Machado de Assis em linha chega ao número 8 fiel à sua vocação para a diversidade temática, dentro, é claro, do universo machadiano.
Da tradição crítica, este número traz um dos mais polêmicos críticos brasileiros, que escreveu extensamente sobre Machado de Assis: Agripino Grieco, autor de Machado de Assis (1959) e Viagem em torno a Machado de Assis (1969). Do primeiro selecionamos o capítulo dedicado a Dom Casmurro, no qual o ranzinza Agripino admite que esse romance seria um dos cinco que, se condenado ao exílio, levaria consigo na bagagem. Machado de Assis em linha agradece a seu neto, Alfredo Grieco, a autorização que cordialmente nos deu para publicar o texto e, com isso, possibilitar que leitores de hoje conheçam o pensamento de um dos principais militantes da crítica literária brasileira em meados do século XX.
No dossiê "Duas crises machadianas", o leitor encontrará dois textos inéditos de John Gledson, compostos a partir de conferências proferidas na Universidade de São Paulo em maio deste ano, nos quais o crítico inglês, com sua costumeira verve e agudeza, examina Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Gledson flagra, na versão deste último publicada em fascículos em A Estação entre 1884 e 1890, o processo de produção do texto, tratando especialmente das dificuldades que Machado teria enfrentado para a construção da personagem Rubião. Quanto a Brás Cubas, Gledson propõe que a doença que, segundo muitos, teria acometido Machado de Assis por volta dos quarenta anos, acarretando a famosa "crise", é na verdade a consequência de uma crise de natureza artístico-existencial, que já se vinha ensaiando pelo menos desde a crítica a O primo Basílio, publicada em 1878.
Neste número, temas pouco contemplados pela crítica tradicional são abordados de maneira inteligente e inovadora em artigos de pesquisadores de várias procedências regionais e acadêmicas: Fernanda Coutinho, da Universidade Federal do Ceará, trata da questão da infância, com o foco ajustado sobre Memórias póstumas de Brás Cubas; Hélio de Seixas Guimarães, da Universidade de São Paulo, trata da primeira adaptação de uma obra de Machado de Assis para o cinema, "Um apólogo Machado de Assis", dirigido por Humberto Mauro em 1939; o artigo de Valda Suely da Silva Verri, doutora pela Universidade Estadual de Londrina, se detém sobre a recepção, especificamente do conto "Almas agradecidas" (publicado no Jornal das Famílias em 1871), em que estuda o papel de um leitor ideal engendrado no interior do próprio texto machadiano; Franceli Aparecida da Silva Mello, da Universidade Federal do Mato Grosso, nos traz um olhar sobre o Machado crítico de teatro, o que lhe dá oportunidade de refletir sobre a atividade dramática no Rio de Janeiro em meados do século XIX; da Universidade de Princeton, chegou-nos o artigo de Carolina Sá Carvalho, que investiga um sistema semiótico de fundamental importância na trama e na estrutura narrativa de Dom Casmurro a fotografia , até hoje pouco explorado; Amanda Rios Herane, da Universidade de São Paulo, nos oferece interessante estudo das figurações do casamento no primeiro romance de Machado, Ressurreição, o qual merece mais atenção do que lhe vem sendo dispensada pelos críticos.
O problema do realismo de Machado de Assis, de Gustavo Bernardo, publicado no início deste ano e resenhado aqui por Eduardo de Assis Duarte, é um texto polêmico, que, insistindo numa tese veementemente defendida por seu autor, propõe, com bons argumentos, a ideia de que "literatura realista" é uma contradição em termos, e de que mais contraditório ainda é aplicar o adjetivo "realista" à ficção de Machado de Assis.
Desejamos boa leitura ao público de Machado de Assis em linha, que neste número certamente encontrará matéria diversa e interessante, atando não apenas duas, mas várias pontas da obra de Machado de Assis.
Marta de Senna e Hélio de Seixas Guimarães
Rio de Janeiro / São Paulo, dezembro de 2011
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2011
