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Editorial

Este número 19 confirma mais uma vez a diversidade de abordagens e interesses que marca o momento atual dos estudos machadianos.

O número traz dois artigos sobre a poesia de Machado de Assis, gênero por muito tempo negligenciado e que recentemente vem recebendo cada vez mais atenção dos estudiosos. Wilton José Marques, da Universidade Federal de São Carlos, trata das primícias literárias do poeta por meio da análise de um poema pouco estudado, "O profeta", e de um volume de poemas, Livro dos vinte anos, que Machado nunca publicou. Da Universidade Federal do Espírito Santo, Rilane Teles de Souza estuda o posicionamento de Machado entre o antigo sistema de versificação em língua portuguesa, e o novo sistema, baseado no modelo francês, proposto por Antônio Feliciano de Castilho, com quem o jovem Machado de Assis se alinhou como poeta e crítico literário.

O medo e o segredo na contística machadiana ligam as análises de Thamires Gonçalves, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para o conto "Sem olhos", e de Raquel Parrine, da Universidade de Michigan, para o conto "A causa secreta". A despeito da inexistência no Brasil de uma tradição de textos que tematizem e busquem o efeito do medo e do horror, Gonçalves propõe ler o conto de 1876 pela ótica do medo, demonstrando que esse tema e efeito são estruturadores da narrativa. Parrine, por sua vez, passa em revista as principais interpretações recentes de "A causa secreta", afirmando que a desconfiança do narrador, traço destacado por essas leituras críticas, aponta também para o que a autora chama de "segredo da alteridade".

Fechando o conjunto dos artigos, Expedito Ferraz Júnior, da Universidade Federal da Paraíba, e Yudith Rosenbaum, da Universidade de São Paulo, abordam duas releituras do texto machadiano. Ferraz Júnior examina a transposição criativa e crítica, pelo Coletivo de Teatro Alfenim, de João Pessoa, de procedimentos narrativos e temáticos dos romances Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba para a peça Memórias de um cão, de 2015. Rosenbaum, em seu ensaio, trata das conexões entre razão e loucura, poder e discurso psiquiátrico em "O alienista", de Machado, e em "Darandina", de Guimarães Rosa, revelando novas afinidades entre as obras dos dois grandes prosadores.

Na seção "Da Tradição Crítica", a MAEL presta homenagem a Otto Maria Carpeaux com a recolha e publicação do artigo "Ideias brasileiras", de 1956. Nessa resenha do livro Contribuição à história das ideias no Brasil, de

João Cruz Costa, Carpeaux propõe ter sido Machado de Assis um grande pensador do Brasil, na medida em que foi capaz de dar organização literária ao caos do ambiente em que viveu e produziu sua obra. Nas palavras do crítico: "os romances e os contos de Machado de Assis não formam um tratado, não constituem um sistema de filosofia. Mas neles estão resumidos ou, melhor, 'encarnados' os problemas específicos do pensamento brasileiro".

O número traz ainda duas resenhas de publicações recentes: do livro Machado de Assis e o cânone ocidental: itinerários de leitura, de Sonia Netto Salomão, feita por Marcos Falchero Falleiros, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; e do livro Miss Dollar: Stories by Machado de Assis, coletânea de contos traduzidos para o inglês por Greicy P. Bellin e Ana Lessa-Schmidt, revisto por Luana Ferreira de Freitas e Cynthia Beatrice Costa.

Por último, esta edição traz uma nota curiosa, e jocosa, na seção "Páginas Recolhidas": a transcrição do testamento de Miguel de Novais, cunhado de Machado de Assis, que parece ter buscado inspiração na prosa de Brás Cubas para dispor de seus bens e manifestar suas últimas vontades, que incluíam um legado para o cunhado escritor, com quem manteve amizade e correspondência por mais de trinta anos.

A MAEL termina 2016 celebrando algumas conquistas: a transformação da revista em quadrimestral, com aceite de artigos em fluxo contínuo e edições em abril, agosto e dezembro; a inclusão no diretório da Modern Language Association (MLA), uma das fontes bibliográficas mais abrangentes e prestigiosas para o estudo de língua e literatura; e o aceite para integrar o indexador Scopus, ampliando o alcance internacional da Machado de Assis em linha. Num ano tão difícil e de tantas incertezas, especialmente para a comunidade científica brasileira, são notícias auspiciosas para o próximo ano, em que a revista completa dez anos.

Todas essas conquistas só foram possíveis pela colaboração e apoio da comissão executiva e do conselho editorial da revista, e principalmente da comunidade machadiana, que ao longo desta década vem colaborando e prestigiando a MAEL.

Hélio de Seixas Guimarães, Editor
Universidade de São Paulo
São Paulo, São Paulo, Brasil
Marta de Senna, Editora Sênior
Fundação Casa de Rui Barbosa
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Dezembro de 2016

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016
Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 sl 38, 05508-900 São Paulo, SP Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: machadodeassis.emlinha@usp.br