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ENTRE MACHADO DE ASSIS E JACQUES LACAN: PRESSUPOSTOS PARA O ENTENDIMENTO DA ATUAL CONJUNTURA SOCIOPOLÍTICA BRASILEIRA

BETWEEN MACHADO DE ASSIS AND JACQUES LACAN: ASSUMPTIONS FOR UNDERSTANDING THE CURRENT BRAZILIAN SOCIO-POLITICAL CONJUNCTURE

Resumo

Se o homem pós-moderno parece estar renunciando às virtudes antigas, em benefício das vantagens pessoais, para o Lacan de 1968, seria o esvanecimento da vergonha que abriu as portas para a conversão de qualquer dignidade significante em significante contábil. Assim, a sociedade se pautaria progressivamente pelas formas imaginárias de sobrevivência e/ou ilusão, conferindo um estatuto perverso, inclusive, à política, ainda que narrada pelo discurso do politicamente correto. Contudo, atualmente, despida dos álibis piedosos, restaria disseminada a identificação imaginária com as imposturas de ocasião, abolida a autoria, suprimida a honra e banida de vez a vergonha, por causa do poder e da avidez, como nos antecipou ficcionalmente Machado de Assis, em contos como a "Teoria do medalhão" e "O espelho".

identificação imaginária; razão cínica; literatura; psicanálise

Abstract

If postmodern man seems to disavow old virtues in favor of personal advantages, for Lacan, in 1968, the fading of shame would be what opened the door to converting any significant dignity into significant accounting. In this sense, society would be progressively guided by imaginary forms of survival and/or illusion, giving rise to a perverse rule, including politics, even if it is narrated through a politically correct discourse. However, currently stripped of pious alibis, the imaginary identification with the impostures of opportunity would remain widespread, abolishing authorship, suppressing honor and banishing shame at once, due to power and greed as Machado de Assis had foreshadowed through fiction in tales such as "Medallion Theory" and "The Mirror."

imaginary identification; cynical reason; literature; psychoanalysis

A weberiana virtude daqueles que "viviam para a política" poderia ser muito bem articulada ao atributo fundamental do herói trágico, conforme o Lacan de O avesso da psicanálise, enquanto significante que permite ir mais além do primum vivere. Malgrado isso, o homem pós-moderno vem renunciando às virtudes antigas (o que se evidencia no campo da política) – por negar o fato de que elas levavam à assunção de sua vida e ao enfrentamento de sua morte, em nome de algo transcendente – ao trocá-las pelo benefício das vantagens pessoais. Então, no lugar vago deixado pela nobreza daqueles que não abriram mão da dignidade humana (cf. Antígona), o mundo pós-moderno colocou, por exemplo, a avidez (greed), que se celebrizou no dístico, próprio dos anos 80, do século passado: Greed is good. É por meio deste "vício público" na acumulação que o capitalismo de versão flexível se estruturou e se expandiu, enquanto mentalidade banalizante do sentido da vida. Para Lacan, na época da planetarização, hoje chamada de globalização, a vergonha não mais estaria em circulação, abrindo as portas para a conversão de qualquer dignidade significante em significante contábil. Ou seja, o desaparecimento da vergonha ática desembocaria na vida ignominiosa, sem honra, que instauraria o primum vivere, enquanto princípio supremo da sobrevivência. Nesse jogo de discursos de semblante, os homens se pautariam progressivamente pelas formas imaginárias de sobrevivência e/ou ilusão, conferindo um estatuto perverso, porque cínico, à política, ainda que narrada pelo viés do politicamente adequado. Contudo, atualmente, já sem os álibis desse discurso piedoso, forjados nos anos 60 e 70 do século passado, estaria disseminada a identificação imaginária com as imposturas de ocasião, abolida a autoria, suprimida a honra e banida de vez a vergonha, por causa do culto à acumulação, como nos antecipou ficcionalmente o Bruxo do Cosme Velho em contos como a "Teoria do medalhão" e "O espelho", dentre outros.1 1 Este estudo, de base psicanalítica, mas em diálogo com o ceticismo filosófico, foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa intitulado Narrativas e conhecimento: especificidades teóricas e constituição de sentido.

Nesse sentido, preliminarmente, devemos esclarecer que o procedimento denominado de Kynisme – "inventado por algum grego da decadência, […] feição própria dos céticos e desabusados"2 – é compatível com a estética d' "O alienista", quando este for lido sob o enfoque que lhe emprestam a "Teoria do medalhão" e "O espelho", pois corresponde a uma versão parodística, estabelecida através da ironia corrosiva, tanto dos discursos oficiais, quanto de oposição, por aqueles que estão em desacordo com a razão cínica de determinada visão de poder. Ou seja, ao contrário da razão cínica de Porfírio e Pina (que evocaram a restauração da liberdade, da igualdade e da fraternidade somente como álibis para exercer a tirania do poder), tal procedimento pode ser definido como um "cinismo de resistência", que ridiculariza a hipocrisia dos "discursos de sobremesa", com o fito de expor a perversão política e fazer a crítica do centro vazio da ideologia de ocasião, sempre aplaudida pela mentalidade de rebanho, "dotada da perfeita inópia mental conveniente ao uso deste nobre ofício".3 3 Idem, p. 84. Em tempo, esta reflexão pretende trazer para o contexto sociopolítico da cultura contemporânea o espírito do pensamento machadiano, que denunciava a agressividade das máscaras sociais de sua época, a partir do conformismo das identificações imaginárias, principalmente quando dissimuladas por uma forma de impostura perversa, que Peter Sloterdjik denominou de razão cínica,4 4 Trata-se de um procedimento agressivo que dissimula seus efeitos de exclusão, sob os disfarces do politicamente correto, ao ponto de Slavoj ´i¸ek, no livro Eles não sabem o que fazem, articulá-la ao campo da impostura perversa. conforme sua Crítica da razão cínica.

Assim sendo, Machado irá demonstrar que o Medalhão é um sistema que promove um "regime debilitante" do pensamento, sendo os comportamentos pautados e conformados por esse código de falsos semblantes, que faz do culto à banalidade a máscara da sede de fama e poder:

[…] uma vez entrando na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, […] refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. Eis aí um sintoma eloquente, eis aí uma esperança.5 5 ASSIS. In: GLEDSON (org.). 50 Contos de Machado de Assis, p. 83-4.

Já em "O alienista" se deu algo aparentemente inverso: a representação é que passa a ser "confirmada" pelos comportamentos, pois, conforme o insigne médico, trata-se "de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia".6 6 Idem, p. 47. Ou seja, cada alucinação verbal que o dr. Simão Bacamarte projetava sobre a tela "em branco" da realidade era delirantemente confirmada pelo exame do comportamento dos populares de Itaguaí, que remetiam ao seu bizarro inventário histórico de casos clínicos, numa clara demonstração do que Lacan chamou de conhecimento paranoico, de óbvio caráter imaginário.

De qualquer forma, na "Teoria do medalhão", Machado ironiza a impostura perversa que se esconde por trás dos parâmetros egoicos de reconhecimento social, que não passam de um "modo de obter sucesso [e poder] no mundo, sem esforço excessivo".7 7 Idem, p. 11. Então, como dar crédito à tese de absenteísmo político, sustentada pelo positivismo evolucionista, defendido por um Luiz Murat e/ou um Sílvio Romero? – a não ser que o suposto recolhimento machadiano seja entendido heideggerianamente como igualdade da alma (Gelassenheit), diante das "glórias fofas", jamais como demissão da atividade crítico-reflexiva, como bem demonstrou Eunice P. Gai, ao reconhecer uma genuína atitude analítica em Machado, que remete seu pensamento à resistência do Geist cético-filosófico. Ou seja, Machado denuncia, de forma muito sofisticada, uma espécie de absenteísmo coletivo, um arrebatamento egoico, próprio daqueles que renunciam a pensar por si mesmos, para se esconderem atrás da "invejável vulgaridade" da doxa dominante, que os afasta da derradeira identificação com o mais íntimo do ser, pois o medalhão, enquanto "projeto de identidade social, que será a sua marca diferencial na ordem empírica da cultura, estará no lugar do nome Janjão (assim como o Alferes estava no lugar de Jacobina e o Alienista no de Bacamarte)".8 8 MENDONÇA, "Análise de 'Teoria do medalhão'": Machado de Assis, p. 145.

Fama e poder, de acordo com a "Teoria do medalhão", assumem o preço de um pacto perverso, de teor antirreflexivo, garantido pela encarnação de uma política da identidade formal. Contudo, na busca dessa insígnia identitária, erigida pela mimesis de uma liturgia da impudência, o frívolo (hoje a ideologia do "politicamente adequado") passa a figurar como simulacro da reflexão. Ou o pai de Janjão não se referiu assim ao pensamento próprio: "condeno a aplicação, louvo a denominação",9 9 ASSIS, cit., p. 86. seu simulacro? Do ponto de vista da razão cínica desse personagem, a "Teoria do medalhão" seria, então, uma metáfora da agressividade social do poder, que a hipocrisia é capaz de dissimular na vacuidade ideológica das frases feitas (que o pensamento de um certo discípulo de Lacan denominou discurso piedoso),10 10 Cf. MILNER, De l’école. Ao comentar o referido livro de Jean-Claude Milner, Potiguara M. da Silveira nos esclareceu que "o discurso piedoso, na França, aproveitou-se dos temas de maio de 68. Seu discurso era tão impróprio quanto os outros discursos constituídos, mas graças à labilidade e viscosidade que lhe permite tudo ligar e devorar, e graças também aos fracassos dos outros (que são seu alimento predileto), soube apresentar-se como continuador do que não havia começado, e também como herdeiro do que lhe era mais estrangeiro. A linguagem de duplo alcance do discurso piedoso permite, pois, que nada se perca: nem a legitimidade marxizante, tida como necessária à dignidade política, nem a legitimidade liberal, tida como necessária para a dignidade econômica" (SILVEIRA, Revirão: Brasil, o momento de concluir, n. 2, p. 292-3). conforme segue:

Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e pública. Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil […] dessa arte difícil de pensar o pensado.11 11 ASSIS, cit., p. 85.

Logo, a transmissão do medalhão prioriza a abolição da palavra própria, outrora denominada Autoria, em função da morte da vergonha, lugar de onde brotava a dignidade legiferante do significante do Nome-do-Pai, segundo o Lacan de O avesso da psicanálise. Ou seja, a identificação conformista com este agalma, que Machado chamou de Medalhão, opera a exclusão do pensamento, que seria o "amor pelo verdadeiro amor" (sublimação), assim como a razão cínica, principalmente no âmbito do governar, privilegia a apropriação indevida do pensamento alheio, a postura de palco (hoje tão evidente nas performances de suposta indignação moral), bem como a manipulação dos fatos, em detrimento da obra política, da fidelidade ao ideal ciceroniano do bem comum e/ou ao dito sentido histórico.

Aliás, se pensarmos na recente história política brasileira, poderemos reconhecer os "benefícios" da publicidade, que o medalhão da política deve saber "requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadas, coisas miúdas […], contanto que ponha em relevo"12 12 Idem, p. 87. sua persona. Tal "embalagem" imagética, em contextos propícios ao aparente "brilho" retórico do marketing, que usa e abusa das frases feitas (ou de efeito), já diluídas e banalizadas – o que lembra o slogan politicamente adequado de um Collor: caçador de marajás, "arauto ético" de outros tantos "donos do poder" (por exemplo, travestidos de "peace and love") –, não foi suficiente para estabelecer identificação imaginária com uma parcela decisiva do eleitorado? Talvez por isso Faoro nos disse:

[…] em lugar de honra, [vergonha] e serviço, com o prestígio daí decorrente, aparece a notabilidade criada pelo jornal, pela praça pública e pelo mercado. Brás Cubas com seu emplasto e a ciência de bonzo são as armas para esta luta descrita com a dissimulação da técnica literária do humor. A propaganda substitui a verdade; a opinião desbanca a realidade, que, em conflito com a opinião, perde a existência. O jornal, os mostradores, as esquinas, a matraca dos tempos coloniais fazem reputação, improvisam as grandezas e abatem as celebridades.13 13 FAORO, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, p. 543.

Se tudo pode ser sacrificado em nome da conquista do medalhão, o pai de Janjão lhe ensinou que, identificado com esse código de imposturas, ele poderia "pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial […] a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão".14 14 ASSIS, cit., p. 88-9, grifo nosso.

De fato, a narrativa publicitária que vendeu a imagem heroica e incorruptível do candidato, do então PRN – mas que iguala atualmente, do ponto de vista do que Lacan chamou de canalhice,15 15 Trata-se de tomar e manipular o discurso do Outro, como se fosse o seu. Nessa paixão pela impostura "não há sujeito, só há condutas; não há singulares, há apenas gerais e particulares; é a litania do Laço, na qual o sujeito repete sua devoção doravante exclusiva ao que faz semblante. O nome dessa paixão é a canalhice, que não é o castigo da renúncia de desejar, mas essa renúncia mesma. Pela canalhice o sujeito vê mas não olha; ouve mas não escuta; encontra e reconhece, mas não quer saber nada disso [lei, honra, verdade…]. Então, resta apenas a sobrevivência, e o essencial é assegurá-la por todos os meios: daí nasce a covardia profunda" (MILNER, Os nomes indistintos, p. 97-8). todos os "canalheiros" políticos do país que Machado nos antecipava –, foi forjada e manipulada estrategicamente pelo sistema publicitário vencedor e disseminada em parceria com toda a mídia brasileira. Hoje, em decorrência da mesma mentalidade de rebanho, Fernando Collor de Mello não perdeu seu medalhão pois, reeleito senador pelo povo de Alagoas, despontou como parceiro/cúmplice da prostituição político-partidária generalizada que assola o país. Ou seja, sua imagem de "bom pastor" não sobreviveu ao impeachment apenas, mas triunfou (enquanto regra), apesar do núcleo vazio dessa aspiração ao poder.

Não à toa, Luiz Costa Lima pôs em relevo "a esterilidade dos 'heróis' [machadianos] – não o seu mero fracasso – [mas] a ruína interna que envolve seus feitos, projetos ou sentimentos", supondo "a formulação de um mundo não harmônico, onde a thing of beauty não seria jamais a joy for ever".16 16 LIMA, Dispersa demanda, p. 74. Esta parece ter se tornado a Regra do jogo, como já havia demonstrado Jean Renoir (1939), em sua narrativa fílmica, que ilustrou a morte espiritual do herói, numa sociedade que baniu a honra e a vergonha, por causa da impudência, dissimulando isso pela manipulação dos códigos sociais de impostura. Aqui, vale lembrar do Brecht de Galileu Galilei, "pobre do povo que precisa de heróis", pois "dizer-se assim estéril é dizer estéril a sociedade onde sua conduta era legitimada".17 17 Idem, p. 72.

Muito provavelmente, assim como "a meta não é alcançada por nenhum personagem machadiano, vítima da esterilidade",18 18 Idem, p. 70. o mesmo pode ser aplicado ao momento crítico de nossa res-pública, em que qualquer uma das personas remanescentes dificilmente irá corresponder, depois de assumir o poder, porque o "sonho" editado pelas mais variadas agências de marketing político, nessa proposta, hoje tão negligenciada, chamada programa de governo, é algo impossível de ser realizado como apresentado, prestando-se a um futuro paulatinamente melancólico, diante das ilusões desfeitas. Então, se acreditar em heróis políticos pode ser algo delirante, manipular essa ilusão de massa é, certamente, da ordem da perversão.

Isso sem falar da corrupção, que hoje, despida dos falsos semblantes humanistas e libertários, se revela sistêmica, ainda que a canalhice insista nos discursos de vitimologia e/ou moralidade legal, que trocam o conteúdo pela forma, para melhor acobertar sua imoralidade. Afinal, "isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário".19 19 ASSIS, cit., p. 88.

Assim, diante da nada republicana loft story do nosso "patrimonialismo de coalizão", que goza com a e da coisa-pública, a ponto de transformá-la em Cosa nostra, o que repercute nesse projeto cleptocrático é a percepção de que não há mais Outro (simbólico) que possa dirigir um olhar que provoque a vergonha, enquanto lugar de onde brotava a dignidade ática, pela qual Antígona se sacrificou. Hoje, com raras exceções, o olhar da alteridade não passa de um olhar conformado, que goza também. Isso significa admitir que somos nós, homens comuns e não mais o grande Outro, os que olham, porque gozam, ou gozaram disso… Então, se a esterilidade política segue a conformidade social para com a impudência, como uma sombra, no momento em que nos dermos conta de que, no lugar rasurado do pensamento reflexivo, vigora a retórica vazia da sedução objetal, assim como, no lugar subjetivo da autoria da própria palavra, resta a fala estéril e mimética do politicamente correto, poderemos admitir que, no lugar do espírito crítico, colocamos o medalhão.

Com efeito, se Lacan nos falou de uma debilidade mental no percurso existencial do falesser, aqui, na melhor das hipóteses, ela toma a forma de uma idiotia precoce do rebanho, já convencido da própria incapacidade de caminhar sozinho, fora desse grande bordel serializado dos espelhos ego-ideais. Mas, de tanto consumir as imagos de prazer e frivolidade oferecidas pela propaganda, as massas, já num torpor ideológico que as leva a confundir acesso ao consumo com participação social, tornaram-se tolerantes para com os vícios públicos de seus governantes, pelo menos até meados de 2015, quando a dita nova classe começou a ser "expulsa do paraíso".

Nesse sentido, Machado não poupou nem a idolatria imaginária aos supostos detentores do saber, que representavam o discurso universitário, visto que, desde sua origem eclesiástica, a figura do doutor – enquanto legítimo guardião do discurso canônico da societas perfecta – sempre se viu às voltas com as artimanhas do poder, que crepitavam na fogueira das vaidades. Se a posição douta de alguns donos do discurso parece causar alívio à doxa dominante (lugar onde a falsa consciência esclarecida coloca a máscara da "verdade"), é porque ainda se confunde, quando convém à demagogia e ao populismo, desigualdade com diferença, público com privado, forma com conteúdo e/ou acesso ao consumo com inclusão social. Contudo, Machado não se mostrou condescendente com o oportunismo de nenhuma liderança intelectual, que se dizia porta-voz das narrativas de legitimação de sua época, fosse ela política, psíquica e/ou estética, como parece indicar sua paródia da titulação acadêmica, exposta em Memórias póstumas e n' "O alienista".

Mesmo porque o terreno imaginário sempre foi, segundo o Lacan dos anos 1940, o locus da deformação, do engano e, por vezes, do logro, fonte inequívoca de toda e qualquer agressividade em psicanálise. Não à toa, um ano antes da versão definitiva d' "O estádio do espelho", Lacan já antecipava as consequências clínicas e extensivas da questão egoica, brindando-nos com uma teoria da agressividade. Para ele, a agressividade advém do ego e não de Tânatus, como pensava Freud. Ou seja, Freud reconhecia a fonte da pulsão destrutiva, geradora da agressividade humana, no Id, o qual submeteria o ego, ora ao efeito perverso-agressivo de Tânatus, ora ao efeito desejante e amoroso de Eros, apostando no princípio reunificador deste, quando em abundância, de acordo com o "Mal-estar na civilização".

Contudo, Lacan desabilita a suposição de ser a agressividade oriunda do mítico Id, passando a ver o próprio ego – compatível com a dita "alma exterior", conforme "O espelho" – enquanto sua fonte autônoma. Isso porque, paradoxalmente, Lacan aplica ao tema da agressividade a visão freudiana de "O ego e o Id", em seu literal Wo es war, soll Ich werden:20 20 Expressão que pode ser conceitualmente vertida nos seguintes termos: "onde for suposto o Id [era], lá estará o ego [que venha]". onde for, inclusive teoricamente, suposto o Id, lá, muito provavelmente, estará o ego. Lacan propõe, então, conforme "A agressividade em psicanálise" (cf. Escritos), a descrição de uma série de manifestações agressivas, de acordo com as modalidades do ego.

Dentre as manifestações elencadas por Lacan, interessa-nos uma forma geral de agressividade, visível n' "O espelho", compatível com o freudiano narcisismo secundário, por isso dita narcísica, que é mobilizada em função do estranhamento imaginário, que rejeita determinados traços subjetivos, devido à identificação com uma lógica imagética meramente tributária de referenciais externos, que poderia muito bem ser ilustrada pelos implícitos do sistema da moda, da mídia e/ou do consumo. O triunfo dessa mentalidade nos confronta com o fantasma da intolerância para com a diferença própria e alheia, bem como com o avanço do racismo mental, que priorizava o medalhão, ao rechaçar toda reflexão pessoal, como marca de originalidade.

Tal lógica estaria mais próxima do império da technik moderna do que da techné, entendida como verdade des-oculta (aléthéia aristotélica), em que se inclui a arte, enquanto reveladora dessa verdade originária, conquanto dotada da poiesis criacionista, pois o artista é um sujeito que, independente das proposições descartáveis do mercado, inventa seus próprios objetos, conferindo-lhes a dignidade de Obra.

Assim, conforme "O espelho", foi a partir desse estranhamento egoico de seu mais íntimo que Jacobina se excluiu de sua história ("existência inteira"), vale dizer, da relação mais íntima com a sua alma primitiva. Aqui o enigma neurótico do desejo (che vuoi?), que atravessava o sujeito freudiano do nascimento à morte, parece ser esmagado pela força das aparências, ou melhor, pelo acovardamento das identificações conformistas21 21 Cf. LACAN, O seminário, livro 3: as psicoses. com modelos ego-ideais:

O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se, mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima da humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado.22 22 ASSIS, cit., p. 157-8.

Aliás, nos anos 1950, como recorda Philippe Julien, Lacan já havia reconhecido uma assustadora correspondência entre essa tendência esterilizante, de mimetização social da vida moderna, e o estado pré-psicótico (hoje dito psicose ordinária), cujo discurso de alienação do ser caracteriza "essa nova loucura conforme o seguinte paradoxo: ou a linguagem científica ou a fala egoica".23 23 JULIEN, As psicoses: um estudo sobre a paranoia comum, p. 18.

A fixação na imagem do alferes faz duplo especular com a posição cristalizada de Bonifácio, no conto "Só", por remeter ao "indivíduo escravo do cotidiano e das aparências; um joguete nas mãos da frivolidade, das convenções, dos costumes e hábitos",24 24 GAI, Sob o signo da incerteza, p. 158. como bem disse Eunice P. Gai, em Sob o signo da incerteza. Se Bonifácio é aquele que se esqueceu de trazer para o encontro consigo mesmo, justamente, suas próprias ideias, Jacobina foi aquele que se desgarrou do próprio horizonte ontológico, por dar ao agalma da "moda" a função de cosmético e filtro de esquecimento de si, como diria um Derrida, leitor de Platão.

Entretanto, a auto-hostilidade conformista não anula o efeito de outra forma ego-agressiva, caracterizada como rivalizante por Lacan, que lhe conferiu um papel preponderante na produção do mal-estar contemporâneo, enquanto fonte da competição social. Aliás, em sua obra, Machado soube expor esse "homem lobo do homem", que se esconde por trás dos nobres ideais, por exemplo, na "libertação" do escravo Pancrácio, bem como na troca das tabuletas da confeitaria do Custódio, conforme o Memorial, ensinando-nos que, do ponto de vista dos excluídos, o que se deu foi apenas a mudança de fachada (de A Imperial, para A República), "letreiro" que dissimulou a mera troca de poder entre as elites oligárquicas. Logo, a desconstrução machadiana sempre ilustrou, como dissemos, esse procedimento que a filosofia da cultura chamou de razão cínica, que remete ao exercício dissimulado da luta selvagem pelo poder, através do bom-mocismo impostor da ideologia oficial, que Slavoj ´i¸ek (1993) incluiu no campo da perversão.

Assim, se Machado foi um crítico tenaz do imperativo social e imagético do ego, tanto em "O espelho", como em "Teoria do medalhão", ele é, nesse sentido, uma referência que antecipa a psicanálise (extensiva) do início do século XX, que desfere um duro golpe na ilusão de unidade da pessoa, vale dizer, no dogma de um "ego racional", até então o senhor do cogito: "Machado de Assis, posto na transição de uma ordem […] para outra […], suspeita que, nas veredas entrelaçadas, haja um grande engano, que a todos perde e confunde. Se só a alma exterior ilumina os passos do homem, a troca do verdadeiro pelo falso será um fato…".25 25 FAORO, cit., p. 540-1.

Em tempo, com Freud, o "ego consciente" (considerado senhor de sua morada) cede lugar, na Spaltung do sujeito, a um falasser dividido, desenganado por suas paixões e prisioneiro do mal-estar civilizatório. Mais tarde, na avenida teórico-clínica aberta por Freud, Lacan irá nos alertar para o caráter egoico-psicotizante da máscara identitária, ao articular o ego ao delírio de meconaissance – descrito por Machado, n’ "O espelho", visto que a cristalização da imagem exterior de Jacobina, enquanto alferes, rechaçou sua natureza primitiva (interior), até o ponto de decompor seus contornos no espelho, que passou a refletir apenas "feições derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes…".26 26 ASSIS, cit., p. 161.

Tal testemunho, ainda conforme "A agressividade em psicanálise", aproxima-nos do que Lacan chamou de identificação com a imago do corpo despedaçado, de óbvia natureza delirante. Assim, em face da lição lacaniana que articulou o ego às manifestações imaginário-agressivas, características da autodecomposição psicótica, poderemos inferir que, no delírio de Jacobina, tia Marcolina funciona como se fosse um Grande Outro, que consolidou uma identidade ideal (não dialética), assumida de forma conformista, em detrimento da alma interior (inconsciente), representante da verdade (não toda). Alinhada com as identificações de mercado, tia Marcolina reproduz ainda uma relação ideológica, própria da mentalidade oligárquica, suportada pelo seu lugar social, em face da submissão dos seus escravos ao seu ponto de vista sobre Jacobina, como "o seu Alferes".

Por isso, para além da influência, naquele momento27 27 Cf. MENDONÇA, "Estruturalismo e teoria da literatura". algo foucaultiana, Antônio S. Mendonça (1974) já nos chamava a atenção, inspirado no Lacan do Classicismo, para o texto machadiano do Medalhão, enquanto precursor crítico da teoria do ego, quando lido sob o enfoque d' "O espelho". Ou seja, enquanto "Esboço de uma nova teoria da alma humana", a denunciar a supremacia da "alma de fora", como metáfora de um "sujeito" que se procura onde não está. O enviscamento nessas imagens de consumo acarreta a recusa da alma interior, que nos leva a concluir, a exemplo do próprio narrador machadiano, que, ao perdermos a dialética entre as duas partes da laranja, nos afastamos de nossa existência mais íntima de sujeito.

Em suma, ao se colocar como um crítico do imperativo do ego, Machado acaba antecipando a atual crise das identificações simbólicas, que remete à progressiva substituição de um significante-mestre (por sinal, negado a Janjão, pelo pai) – em que o sujeito podia apoiar o seu amor-próprio e, ao mesmo tempo, afirmar, não a sua igualdade ordinária, mas a sua diferença em relação aos outros – pelas imagens de mercado, que transmitem o legado de nossa miséria. Ou seja, a singularidade desse significante primordial, que remetia à Lei, foi substituída pela iconografia massificada da mídia, que arrebanha os indivíduos pela sua inclinação ao princípio do prazer e engendra comportamentos serializados de consumo e mais gozo, ainda que, por vezes, travestidos pelo discurso piedoso do politicamente correto. Como se expressou D.-R. Dufour, "viver em rebanho fingindo ser livre nada mais mostra que uma relação consigo catastroficamente alienada, uma vez que supõe ter erigido como regra de vida uma relação mentirosa consigo mesmo".28 28 DUFOUR, O divino mercado, p. 23.

E por falar em (pseudo)liberdade, ao sermos saturados pelas mentiras homogeneizantes da mentalidade ego-gregária atual, que rechaça a diferença transmitida pela dignidade significante, em função das supostas vantagens sociais, somos forçados a conviver, cotidianamente, com a fantasia perversa e com o racismo mental. Aliás, este mesmo imaginário social, que não se referencia mais no acatamento da Lei, há muito nos fez perder de vista a essência da política, enquanto uma liberdade especial de julgar, que incluía o heteros da discórdia, segundo Hannah Arendt, em A promessa da política. Ora, se ao egoísmo dos políticos – cegos por não perceberem o quanto são serviçais do discurso do capitalista – somar-se a impudência social, que conjuga imunidade & impunidade, sob o primado de formas cada vez mais aviltadas de sobrevivência e ilusão, teremos a confirmação da exclusão social da Lei, como pura diferença, que Lacan rogou chamar Lei-do-Pai. Se esta Lei divina, pela qual Antígona deu sua vida, tornou-se apenas uma rasura da consciência, junto com a dignidade humana, que pelo menos se cumpra a Constituição, de forma igualitária e irrestrita, por parte de todos os brasileiros, ainda que mediante os atos jurisdicionais da sempre precária e imperfeita lei dos homens.

E, malgrado certo espírito de restauração ética, com valor de verdade, se a degradação cultural triunfar, enquanto reflexo da exclusão da função legiferante do pai, em proveito das imaginárias "glórias fofas", teremos o retorno da segregação nas sempre renovadas promessas políticas de felicidade, "que coloca[m] o filósofo no vazio, situação essa na qual mentirosos chamam mentirosos de mentirosos",29 29 SLOTERDIJK, Crítica da razão cínica, p. 12. mas que, em nome da sobrevivência, acordam em uníssono: Ao vencedor a acumulação e o gozo! Contudo, se a psicanálise extensiva pretende estabelecer uma articulação entre a ética do sujeito e o discurso sublimatório da arte, ancorada no conceito de mal-estar civilizatório, nada mais plausível que destacar a singularidade do pensamento de resistência antiegoica de um certo mestre na periferia do capitalismo, em nome do qual sempre poderemos dizer: "ao vencedor as batatas!".

Referências

  • ARENDT, Hannah. A promessa da política 2. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
  • ASSIS, Machado de. "O alienista". In: GLEDSON, John. (org.). 50 Contos de Machado de Assis São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • ASSIS, Machado de. "Teoria do medalhão". In: GLEDSON, J. (org.). 50 Contos de Machado de Assis São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • ASSIS, Machado de. "O espelho". In: GLEDSON, J. (org.). 50 Contos de Machado de Assis São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • DERRIDA, J. A farmácia de Platão 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2005.
  • DUFOUR, Dany-Robert. O divino mercado Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008.
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  • GAI, Eunice P. Sob o signo da incerteza Santa Maria: UFSM, 1997.
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  • JULIEN, Philippe. As psicoses: um estudo sobre a paranoia comum. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.
  • LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
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  • MILNER, Jean-Claude. De l'école Paris: Seuil, 1984.
  • MILNER, Jean-Claude. Os nomes indistintos Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.
  • SILVEIRA JR., Potiguara Mendes da. "Leituras". Revirão: Brasil, o momento de concluir. Rio de Janeiro, Aoutra, n. 2, p. 292-3, 1985.
  • SLOTERDIJIK, Peter. Crítica da razão cínica São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
  • ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
  • 1
    Este estudo, de base psicanalítica, mas em diálogo com o ceticismo filosófico, foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa intitulado Narrativas e conhecimento: especificidades teóricas e constituição de sentido.
  • 2ASSIS. In: GLEDSON (org.). 50 Contos de Machado de Assis, p. 89.
  • 3
    Idem, p. 84.
  • 4
    Trata-se de um procedimento agressivo que dissimula seus efeitos de exclusão, sob os disfarces do politicamente correto, ao ponto de Slavoj ´i¸ek, no livro Eles não sabem o que fazem, articulá-la ao campo da impostura perversa.
  • 5
    ASSIS. In: GLEDSON (org.). 50 Contos de Machado de Assis, p. 83-4.
  • 6
    Idem, p. 47.
  • 7
    Idem, p. 11.
  • 8
    MENDONÇA, "Análise de 'Teoria do medalhão'": Machado de Assis, p. 145.
  • 9
    ASSIS, cit., p. 86.
  • 10
    Cf. MILNER, De l’école. Ao comentar o referido livro de Jean-Claude Milner, Potiguara M. da Silveira nos esclareceu que "o discurso piedoso, na França, aproveitou-se dos temas de maio de 68. Seu discurso era tão impróprio quanto os outros discursos constituídos, mas graças à labilidade e viscosidade que lhe permite tudo ligar e devorar, e graças também aos fracassos dos outros (que são seu alimento predileto), soube apresentar-se como continuador do que não havia começado, e também como herdeiro do que lhe era mais estrangeiro. A linguagem de duplo alcance do discurso piedoso permite, pois, que nada se perca: nem a legitimidade marxizante, tida como necessária à dignidade política, nem a legitimidade liberal, tida como necessária para a dignidade econômica" (SILVEIRA, Revirão: Brasil, o momento de concluir, n. 2, p. 292-3).
  • 11
    ASSIS, cit., p. 85.
  • 12
    Idem, p. 87.
  • 13
    FAORO, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, p. 543.
  • 14
    ASSIS, cit., p. 88-9, grifo nosso.
  • 15
    Trata-se de tomar e manipular o discurso do Outro, como se fosse o seu. Nessa paixão pela impostura "não há sujeito, só há condutas; não há singulares, há apenas gerais e particulares; é a litania do Laço, na qual o sujeito repete sua devoção doravante exclusiva ao que faz semblante. O nome dessa paixão é a canalhice, que não é o castigo da renúncia de desejar, mas essa renúncia mesma. Pela canalhice o sujeito vê mas não olha; ouve mas não escuta; encontra e reconhece, mas não quer saber nada disso [lei, honra, verdade…]. Então, resta apenas a sobrevivência, e o essencial é assegurá-la por todos os meios: daí nasce a covardia profunda" (MILNER, Os nomes indistintos, p. 97-8).
  • 16
    LIMA, Dispersa demanda, p. 74.
  • 17
    Idem, p. 72.
  • 18
    Idem, p. 70.
  • 19
    ASSIS, cit., p. 88.
  • 20
    Expressão que pode ser conceitualmente vertida nos seguintes termos: "onde for suposto o Id [era], lá estará o ego [que venha]".
  • 21
    Cf. LACAN, O seminário, livro 3: as psicoses.
  • 22
    ASSIS, cit., p. 157-8.
  • 23
    JULIEN, As psicoses: um estudo sobre a paranoia comum, p. 18.
  • 24
    GAI, Sob o signo da incerteza, p. 158.
  • 25
    FAORO, cit., p. 540-1.
  • 26
    ASSIS, cit., p. 161.
  • 27
    Cf. MENDONÇA, "Estruturalismo e teoria da literatura".
  • 28
    DUFOUR, O divino mercado, p. 23.
  • 29
    SLOTERDIJK, Crítica da razão cínica, p. 12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2016
  • Aceito
    28 Dez 2016
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