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Leituras alternativas e um pseudônimo inédito

Alternative Readings and an Unknown Pseudonym

O número 28 da MAEL dá mais uma mostra da vitalidade dos estudos machadianos ao reunir ensaios que apontam para novas chaves de interpretação da obra do escritor e da literatura brasileira de maneira mais ampla; um artigo com revelações resultantes de pesquisa em fontes primárias; resenhas de três livros; e a recuperação de uma peça crítica de Mário de Andrade sobre uma exposição que marcou a vida literária e cultural do Brasil.

Em "Literatura brasileira e disjunção: cegueira social em 'Evolução', de Machado de Assis", Luís Bueno, da Universidade Federal do Paraná, propõe um novo modo de encarar a história da literatura brasileira. Em vez da tradição formativa, consagrada por Antonio Candido na Formação da literatura brasileira, que se assenta sobre o paradoxo de uma literatura formada em uma sociedade marcada por divisões e desigualdades profundas, o crítico propõe uma releitura pelo signo da disjunção, a seu ver ideia mais afim às peculiaridades da conformação social do país. Para desenvolver sua proposta, o autor analisa o conto "Evolução" e lança mão de exemplos colhidos de outros autores do cânone literário, tais como Joaquim Manuel de Macedo e Chico Buarque de Holanda.

Rafael Meire, da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, também sugere um deslocamento no entendimento tradicional da obra machadiana. Em "Pedagogias do social e do afetivo em 'Capítulo dos chapéus', de Machado de Assis", retoma noções de "social" formuladas pelo antropólogo Bruno Latour para contrapor-se à ideia de "social" e "sociedade" mais frequentemente utilizada pela crítica machadiana. Assim, em vez de pensar os chapéus como objetos, substância e elemento reificado, que comporiam algo como um pano de fundo para a ação das personagens, Meire procura definir o estatuto ontológico dos objetos e suas relações com o que denomina de políticas afetivas do século XIX.

Em "Truncar de Aires: a flor eterna", Diana Duarte Ferreira, da Universidade Nova de Lisboa, faz um estudo conjunto dos últimos romances de Machado de Assis, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. A pesquisadora examina as relações entre o autor empírico Machado de Assis, o Editor e o Conselheiro Aires, assim como entre livro, romance e narrativa. Ao mesmo tempo em que procura distinguir cada uma dessas noções, mostra como essas categorias aparecem truncadas nos escritos em questão.

O número apresenta também dois achados de pesquisa muito especiais. Na seção "Páginas recolhidas", Fernando Borsato dos Santos, mestrando na Universidade de São Paulo, revela uma versão prévia do famoso texto "O folhetinista". Trata-se do artigo "A lanterna de Diógenes - (Folhetins noturnos: um livro por publicar)", de outubro de 1858, que contém trechos como o que segue, muito parecido com o que sairia um ano mais tarde em "Aquarelas":

O folhetinista frequenta as livrarias, os saraus e as reuniões literárias. Por toda a parte é o mesmo. Querido, benquisto, adorado todos o cercam de menções e de cuidados; é o bezerro de oiro do mundo social, como do mundo político e literário. (ASSIS, 1858ASSIS, Joaquim Maria Machado de (sob o pseudônimo ?). A lanterna de Diógenes - (Folhetins noturnos: um livro por publicar). Correio da Tarde, Rio de Janeiro, ano IV, n. 237, 22 de outubro de 1858, p. 2.).

Junto a esse texto, o pesquisador encontrou um pseudônimo até agora desconhecido do autor, que assinara com um ? - isso mesmo, um enigmático ponto de interrogação.

Na seção "Da tradição crítica", Marcelo Diego, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta o texto "A exposição Machado de Assis", no qual Mário de Andrade faz uma descrição da famosa exposição realizada em 1939 na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ocasião em que se revelaram muitos documentos até então inéditos de e sobre Machado de Assis.

O número traz ainda três resenhas de livros com contribuições recentes e relevantes. Sílvia Maria Azevedo, da Universidade Estadual Paulista, analisa Machado de Assis: a poética da moderação, de Alcmeno Bastos, livro que trata das articulações entre o crítico literário e teatral e o autor de romances, contos e crônicas. Flora Thomson-DeVeaux, doutora pela Brown University, que finaliza uma nova tradução das Memórias póstumas de Brás Cubas para o inglês, apresenta The Collected Stories of Machado de Assis, volume com todos os 76 contos recolhidos por Machado de Assis em livro agora traduzidos para o inglês por Margaret Jull Costa e Robin Patterson. Por fim, James Remington Krause, da Brigham Young University, examina os doze artigos que compõem o volume Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais, organizado por Juracy Assmann Saraiva e Regina Zilberman.

À leitura, então!

Referência

  • ASSIS, Joaquim Maria Machado de (sob o pseudônimo ?). A lanterna de Diógenes - (Folhetins noturnos: um livro por publicar). Correio da Tarde, Rio de Janeiro, ano IV, n. 237, 22 de outubro de 1858, p. 2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019
Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 sl 38, 05508-900 São Paulo, SP Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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