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Articulação de rede social no processo de desenvolvimento turístico: o caso no Rio Grande do Norte/Brasil* * A pesquisa faz parte de um recorte de uma dissertação de mestrado defendida em instituição pública de ensino.

Articulation of social network in the process of tourism development: the case in Rio Grande do Norte/Brazil

Articulación de la red social en el proceso de desarrollo turístico: el caso en Rio Grande do Norte/Brasil

Resumo:

As relações contemporâneas entre turismo e desenvolvimento têm destacado a abordagem estruturada em redes sociais, a qual também tem sido estimulada pelas políticas públicas, que por meio de diversos atores representativos possam gerir as ações da comunidade local. Deste modo, este artigo tem como objetivo analisar o nível de relação de uma rede de turismo na perspectiva do desenvolvimento local, utilizando a teoria de redes (Rovere, 1999) e a de desenvolvimento local (Barquero, 2001; Boisier, 1996; Sen, 2000). A compreensão da pesquisa se deu a partir da relação e da interação dos participantes do processo de decisão da rede política estadual do turismo do Rio Grande do Norte, que compõe o Conselho Estadual de Turismo (Conetur). Para tanto, o estudo contou com a coleta de dados do tipo bibliográfica, documental, baseada nas atas e no Regimento de criação do conselho e entrevistas com os membros integrantes, utilizando uma abordagem qualitativa. Os resultados apresentados tiveram como base a análise de conteúdo do tipo estruturadora temática. Os principais resultados da pesquisa evidenciam que a rede de governança se configura com o baixo nível de relação, não a reconhecendo como um parceiro, caracterizada pelas inúmeras divergências e incongruências formadas no território, dificultando ações de desenvolvimento local. Limitações e sugestões da pesquisa também foram apontadas.

Palavras-chave:
Redes de Política Pública; Desenvolvimento local; Articulação em rede

Abstract:

Contemporary relations between tourism and development have focused on the structured approach in social networks, which has also been stimulated by public policies that, through various representative actors, can manage the actions of the local community. In this way, this article aims to analyze the level of relationship of a tourism network in the perspective of local development, using network theory (Rovere, 1999) and local development theory (Barquero, 2001; Boisier, 1996; Sen, 2000). The understanding of the research was based on the relationship and interaction of participants in the decision-making process of the state tourism policy network of Rio Grande do Norte, which comprises the State Tourism Council (CONETUR). To do so, the study included bibliographical data collection, document based on the minutes and Board creation regiment and interviews with the members, using a qualitative approach. The results were analyzed by means of content analysis of the thematic type. The main results of the research show that the network of governance is configured with the low level of relationship not recognizing it as a partner, characterized by the numerous divergences and inconsistencies formed in the territory, making local development actions difficult. Limitations and suggestions of the research are also pointed out.

Keywords:
Public Policy Network; Local development; Articulation in network

RESUMEN:

Las relaciones contemporáneas entre el turismo y el desarrollo han resaltado el enfoque estructurado en las redes sociales, que también ha sido estimulado por las políticas públicas, que a través de diversos actores representativos, pueden gestionar las acciones de la comunidad local. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo analizar el nivel de relación de una red de turismo en la perspectiva del desarrollo local, utilizando la teoría de las redes (Rovere, 1999) y la del desarrollo local (Barquero, 2001; Boisier, 1996; Sen, 2000). La comprensión de la investigación se basó en la relación e interacción de los participantes en el proceso de toma de decisiones de la red política estatal de turismo en Rio Grande do Norte, que conforma el Consejo de Turismo del Estado (Conetur). Para este fin, el estúdio incluyó la recopilación de datos de un tipo documental bibliográfico basado en las actas y las Reglas de creación del consejo y entrevistas con los miembros, utilizando un enfoque cualitativo. Los resultados presentados se basaron en el análisis de contenido del tipo de estructuración temática. Los principales resultados de la investigación muestran que la red de gobernanza está configurada con un bajo nivel de relación, sin reconocerla como socio, caracterizada por las innumerables divergencias e incongruencias formadas en el territorio, lo que dificulta las acciones de desarrollo local. También se señalaron limitaciones y sugerencias de investigación.

PALABRAS CLAVE:
Redes de políticas públicas; Desarrollo local; Articulación de red

INTRODUÇÃO

Compreendendo a complexidade do turismo, enquanto fenômeno social, este trabalho faz uma análise por meio da dimensão local, como um importante meio para compreender o desenvolvimento do turismo, por entender que é na localidade onde o turismo se materializa como um fenômeno concreto. É também na localidade onde os atores tomadores de decisão se organizam. Esse poder local é constituído e organizado, a partir das culturas e diversidades locais, criando laços de pertencimento e identidade social, cultural e política numa perspectiva para além das similitudes locais.

Com isso, os atores das sociedades locais devem criar mecanismos para se estruturar e se mobilizar com base nas suas potencialidades, para definir e explorar prioridades e especificidades diante do cenário de competitividade em um contexto de rápidas e profundas transformações.

Não obstante, as experiências de desenvolvimento local, no Brasil, ainda são muito pontuais e fragmentadas, dificultando uma visão integrada, em que, quase totalidade, predomina a dimensão econômica. É preciso analisar as capacidades de organização das localidades, e, sobretudo, sua capacidade de se articular com níveis de escalas superiores, já que a dimensão político/administrativa permite o envolvimento das economias internacionais no processo de globalização, interferindo na dinâmica local (Tomio & Schimidt, 2014Tomio, Marinalva; Schmidt, Carla Maria. (2014). Governança e Ações Coletivas no Turismo Regional: a experiência dos Empreendedores da Região Oeste do Paraná. Revista Turismo Visão e Ação , 16 (3): 710-739. ; Estol & Font, 2016Estol, J., & Font, X. (2016). European tourism policy: Its evolution and structure. Tourism Management , 52, 230-241. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.007
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; Tomio & Schimidt, 2014).

Nesse contexto, a gestão pública do turismo brasileiro, por meio de uma mudança na estrutura institucional resultado de uma pressão interna e externa, propôs a institucionalização de instâncias de governança como espaço onde devem ser discutidas e implementadas as ações de planejamento e gestão da atividade, por meio de diversos atores representativos, que tenham objetivos comuns, visando o desenvolvimento do turismo. As instâncias de governança, nas suas mais diversas concepções - fórum, conselho, associação, comitê ou outro tipo de colegiado - também têm se tornado a tônica, na literatura acadêmica, enquanto espaços inovadores de formulação e implementação de políticas públicas. No entanto, a cooperação entre os três setores, a saber: mercado, Estado e sociedade civil para atuarem, conjuntamente, no controle e gestão de determinada localidade, é algo novo.

Por isso, se questiona as instâncias de governança, criadas para gerir a atividade turística na localidade por meio dos vários atores representativos na busca do desenvolvimento local tem, de fato, promovido os anseios da comunidade enquanto coletivo? Desse modo, este artigo tem como objetivo analisar o nível de relação da rede de turismo estadual do Rio Grande do Norte (Conetur) na perspectiva do desenvolvimento local, tornando como foco central a Análise de Redes Sociais (Social Network Analysis - SNA) (Rovere, 1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ) e de desenvolvimento local (Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ; Boisier, 1996Boisier, S. (1996). Em busca do esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o projeto político. Planejamento e Políticas Públicas, 13, 1-33. ; Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ).

Entende-se que a abordagem da política em redes possibilita a equidade de participação e distribuição dos benefícios a todos os envolvidos. É consenso, na literatura (González, 2014González, M. V. T. F. (2014). Evolução da política de turismo no Brasil e España: enfoque nas redes de atores. V Congreso Internacional En Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP-IUIOG. Instituto Nacional de Administración Pública (Madrid, España) 29, 30 Septiembre y 1 Octubre 2014., (January). ; Urano, Siqueira, & Nóbrega, 2016Urano, D. G., Siqueira, F. D. S., & Nóbrega, W. R. de M. (2016). Articulação em redes como um processo de construção de significado para o fortalecimento do turismo de base comunitária. Caderno Virtual de Turismo , 16(2), 200-210. https://doi. org/10.18472/cvt.16n2.2016.1173
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; Velasco González, 2010Velasco González, M. (2010). Gobernanza del turismo: retos y estrategias de las redes de destinos turísticos. XV Congreso AECIT Dinámicas de Transformación Del Turismo En El Siglo XXI, 1-13. Retrieved from http://www.aecit.org/uploads/public/congresos/15/ C15.pdf ), que a cooperação é a melhor forma para alcançar êxito de uma política pública, evitando a visão separatista das abordagens entre política e administração, usualmente realizadas por pesquisadores da administração tradicional (Fleury, 2005Fleury, S. (2005). Redes de políticas: novos desafios para a gestão pública. Administração Em Diálogo, (7), 77-89. ; Velasco González, 2010). O estudo, além de ser uma nova perspectiva de análise, também representa uma nova forma de organização social em face dos problemas políticos de (des)coordenação e de (des)mediação social.

Deste modo, o artigo está estruturado em três principais tópicos além desta introdução. A seção 2 estabelece uma discussão das teorias sobre desenvolvimento, análise de redes e a relação com a atividade turística que necessita de uma abordagem complexa para sua ampla concepção, envolvendo diversos atores, setores e ações no processo de desenvolvimento. Com base na proposta, na seção 3 é exposta a metodologia da pesquisa. Em seguida, faz-se a análise dos resultados com base nas teorias discutidas apresentando sua discussão. Por fim, são apresentas as considerações finais com implicações teóricas e práticas abordando também as principais limitações da pesquisa.

DESENVOLVIMENTO LOCAL E AS REDES SOCIAIS NO TURISMO

No estudo do desenvolvimento do turismo, é comum a abordagem de uma visão econômica com questões relacionadas à receita, renda, demanda, entre outros, que demonstram a relevância do turismo no mercado. Todavia, a literatura destaca que uma visão centrada apenas na renda não possibilita atingir o desenvolvimento autêntico e efetivo, capaz de reduzir as desigualdades existentes. Assim, surgem algumas teorias de desenvolvimento que buscam solucionar e explicar as disparidades entre as dimensões econômicas e sociais no turismo.

As teorias iniciais de desenvolvimento foram pautadas em termos de renda per capita e do Produto Interno Bruto (PIB), onde o crescimento das localidades é condicionado pelas possibilidades de superação das fragilidades internas que são resolvidas pela acumulação de capital. Este período é conhecido pelo seu grande crescimento econômico, na vigência do estado de bem estar social e surgimento de teorias da modernização (Bedin & Nielsson, 2013Bedin, G. A., & Nielsson, J. G. (2013). A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais e suas consequências. In COSTA, L. C., NOGUEIRA, V. M. R., and SILVA, V. R., orgs. A política social na América do Sul: perspectivas e desafios no século XXI [online] (pp. 27-41). https://doi. org/10.7476/9788577982318.0002.
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; Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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).

De acordo com Moreira & Crespo (2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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) em meados dos anos 1960, a concepção de desenvolvimento esteve menos atrelada à noção dos fatores internos e apontava na direção para a dominação econômica pelos países industrializados. Emergem, assim, teorias da dependência que enfocavam o centro e a periferia, o desenvolvido e o subdesenvolvido e a combinação de desenvolvimento e dependência, que está diretamente associada ao modelo de Estado vigente, a partir da distribuição dos direitos e da igualdade, refutando a ideia do mercado controlando os interesses sociais. Autores como Paul Singer, Celso Furtado, Peter Evans foram grandes influenciadores (Moreira & Crespo, 2012).

Na década de 1970, surgiram críticas sobre as teorias de modernização e da dependência, onde o desenvolvimento estaria na possibilidade de mobilidade, considerando as dinâmicas de acumulação e as contingências internas. Posteriormente, surgiram teorias baseadas na relação Estado e mercado, criticando a intervenção excessiva do Estado e a seleção de políticas econômicas não adequadas (Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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; Urano et al., 2016Urano, D. G., Siqueira, F. D. S., & Nóbrega, W. R. de M. (2016). Articulação em redes como um processo de construção de significado para o fortalecimento do turismo de base comunitária. Caderno Virtual de Turismo , 16(2), 200-210. https://doi. org/10.18472/cvt.16n2.2016.1173
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). É importante considerar que foi neste período que houve a grande crise do capital, o que Offe (1989Offe, Claus. (1989). A democracia contra o Estado de bem-estar? In: OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. ) vem denominar de capitalismo desorganizado tendo como resultado uma nova hegemonia política, econômica e social com o surgimento do modelo neoliberal focando na competitividade e na eficiência do mercado. O capitalismo não se desorganizou ou enfraqueceu (Offe, 1989), ao contrário, verifica-se um super fortalecimento que se comportou de diversas formas mediante a implementação de uma série de contra-reformas econômicas, sociais e políticas para alavancar o lucro capitalista em uma roupagem voltada tanto para as questões globais quanto as locais.

Deste modo, as novas abordagens de desenvolvimento que surgem nas décadas seguintes têm como reflexo o cenário estabelecido a partir de uma percepção de desenvolvimento considerando, principalmente, uma visão integradora dos problemas e soluções a partir das capacidades locais.

Assim, surge na década de 1990 a teoria de desenvolvimento local. O seu foco está pautado em um paradigma territorialista, tendo em vista o processo de globalização, da diversidade de territórios existentes e as peculiaridades de cada localidade (Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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). O desenvolvimento local, portanto, valoriza os recursos locais que possam ser geridos por uma postura participativa da população que conduzirá de forma democrática as necessidades coletivas. Não se rejeita os recursos exógenos, desde que potencializem os recursos endógenos. O foco deixa de ser o outro em um cenário de competitividade e volta-se a uma perspectiva mais interna.

Neste contexto, Boisier (2000, p. 14) que destaca que “el desarrollo endógeno se produce como resultado de un fuerte proceso de articulación de actores locales de variadas formas de capital intangible, en el marco preferente de un proyecto político colectivo de desarrollo del territorio en cuestión”. O desenvolvimento, desta forma, é possibilitado por uma ação coletiva e integrado, podendo ser analisado em uma perspectiva individual ou conjunta através da leitura dos atores, dos recursos, das instituições, da cultura local, dos procedimentos e do entorno.

Corroborando tais idéias, Barquero (2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ) situa a contribuição do entorno inovador para o desenvolvimento das localidades. Para o autor, o entorno inovador é uma formação de redes de atores e sistemas produtivos locais, que inter-relacionam de formas específicas a influenciar o meio. Esses sistemas e atores competem, mas, simultaneamente, mantêm relações de cooperação para propiciar o funcionamento de todas as vertentes necessárias, tomando decisões estratégicas de investimento em tecnologia e organização: tanto de assuntos de interesse pessoal quanto do sistema produtivo em conjunto, gerando uma região com uma produção integrada e fortalecida perante o cenário antagônico da globalização. O resultado dessa ação proporcionará um entorno inovador, capaz de atrair maiores investimentos tanto público quanto privado e, portanto, de novas formas de produção e colaboração, que, de fato, incidam ganhos locais.

O conceito inovador está diretamente associado à forma coletiva, por meio de um clima empresarial, social e institucional, criado em um ambiente favorável para seu surgimento. O conhecimento, portanto, não é somente científico, mas também social, por meio de uma organização da produção e, consequentemente, da sociedade.

Na perspectiva das novas abordagens de desenvolvimento, surge na década de 2000, a noção de desenvolvimento como liberdade, preconizada por Sen (2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ). Esta noção de desenvolvimento está centrada no agente e na sua capacidade de transformar e moldar o seu próprio destino por meio de cinco liberdades: políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. As liberdades não são um fim em si mesmo, mas um meio para atingir o desenvolvimento desejável.

Sen (2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ) diferencia as liberdades em constitutiva e instrumental. A primeira refere-se às liberdades substantivas, que são as capacidades elementares dividida nos cinco tipos de liberdades, isto é, as condições de evitar as privações e possibilitar a ampla participação. A segunda - instrumental - diz respeito à liberdade que as pessoas têm de viver do modo como bem desejarem. Neste caso, para que ocorra o desenvolvimento é necessário eliminar as barreiras de privação das mais diversas liberdades. A origem do conceito de desenvolvimento como liberdade está na aferição das satisfações básicas, logo, o desenvolvimento como liberdade é um processo de desenvolvimento para e pelo ser humano (Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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).

Nesta mesma perspectiva, Putnam (2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.) elabora uma abordagem sobre o capital social a partir de sua experiência na Itália. Para o autor, nas regiões onde as comunidades cívicas participam mais ativamente da política, se organizando em associações, incorporando sensos de responsabilidades sociais e imbuídos de um espírito público, os avanços sociais no processo de desenvolvimento são mais notórios.

Na percepção do autor, capital social é a própria organização da sociedade revestida de confiança, normas, sistemas, podendo acrescentar nesta perspectiva as redes sociais, que contribuam para melhorar a eficácia da sociedade em um processo coordenado surtindo efeitos positivos no processo de construção da democracia e do desenvolvimento social (Putnam, 2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.). Para isto, é necessário que haja igualdade política em um processo horizontal e abertura de espaços de participação, evitando os personalismos, clientelismos e existência de grupos conservadores de poderes dominantes.

Assim, a teoria do capital social se constitui baseado em três fatores: a confiança como componente básico; as normas e cadeia de reciprocidade que possa cumprir as regras por meio de um contrato moral e retribuir os favores recebidos; e de um sistema de participação cívica através de relações horizontais que propiciem a germinação de cooperação mútua, isto é, a participação cívica estimulada por meio de um viés político em seu cotidiano. Os estoques de capital social, de acordo com Putnam (2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.) tendem a ser cumulativos e se reforçam mutuamente, criando círculos virtuosos. Por outro lado, também pode criar círculos viciosos como a deserção, a desconfiança, a omissão, o isolamento e a desordem.

O fator histórico é um elemento determinante para criar tradições cívicas. Assim, a história molda as instituições e, estas a política. Entretanto, para fins deste trabalho, considera que o capital social é propiciado não apenas por um processo histórico (que é um elemento condicionante), mas também por meio de uma quebra de paradigmas com a contribuição de um entorno inovador, dotados de liberdade constitutiva e instrumental, isto é, um conjunto de elementos articulados e bem manejados que colabore com sua constituição (Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ; Boisier, 1996Boisier, S. (1996). Em busca do esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o projeto político. Planejamento e Políticas Públicas, 13, 1-33. ; Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ). Ademais, a constituição de capital social, deve ser considerada não apenas em grandes proporções societárias, mas também a partir da estruturação de pequenos grupos dotados de confiança, normas, sistemas em uma relação em redes na promoção do desenvolvimento.

Considerando as diversas abordagens de desenvolvimento contemporâneas, fica evidente a necessidade do envolvimento da população, em uma construção coletiva, protagonizando e promovendo melhorias nas suas localidades. Com isso, Tineo e Tomazzoni (2017Tineo, D & Tomazzoni, E. (2017). Santos e região convention & visitors bureau e a governance para o desenvolvimento turístico da costa da Mata Atlântica (SP). Caderno Virtual de Turismo, 17 (3), pp. 113-130. ) defendem a necessidade de compartilhamento de poder do Estado com a sociedade no contexto da democracia. Qian, Sasaki, Shivakoti, e Zhang (2016Qian, C., Sasaki, N., Shivakoti, G., & Zhang, Y. (2016). Effective governance in tourism development - An analysis of local perception in the Huangshan mountain area. Tourism Management Perspectives, 20, 112-123. https://doi.org/10.1016/j. tmp.2016.08.003 ) Baum (1994Baum, T. (1994). The development and implementation of national tourism policies. Tourism Management, 15(3), 185-192. https://doi.org/10.1016/0261-5177(94)90103-1
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) entendem que é a comunidade que detém o conhecimento prático, e por isto que o fator humano é consistente no processo de desenvolvimento de políticas e da comunidade como um todo.

Estas concepções influenciaram profundamente as políticas públicas de turismo, que passaram a realizar uma abordagem territorial voltada a cooperação social para alavancar a atividade turística nas regiões. Por isso, que as novas abordagens de desenvolvimento relacionadas com a atividade turística requerem uma visão na comunidade local como agente transformador que articulando com seus pares possam traçar caminhos para o desenvolvimento turístico.

O desenvolvimento, dessa forma, visa à criação de redes de cooperação entre atores, empresas, fornecedores, Estado e clientes que interajam para a organização do entorno, objetivando a colaboração e produtividade das economias no processo de globalização (Castells, 1999; Tomio & Schimidt, 2014Tomio, Marinalva; Schmidt, Carla Maria. (2014). Governança e Ações Coletivas no Turismo Regional: a experiência dos Empreendedores da Região Oeste do Paraná. Revista Turismo Visão e Ação , 16 (3): 710-739. ; Teixeira, Paisana & Vieira, 2017Teixeira, Fatima R.; Paisana, António M. V; & Vieira, Filipa D. (2017) Contribuição do estudo das características culturais do cluster da malacocultura da grande Florianópolis para a gestão das atividades de turismo na região. Revista Turismo Visão e Ação, 19 (1): 5-30. ). Com isso, as redes exercem um relevante papel no turismo; uma vez interligadas podem estabelecer redes locais, interconectando destinos, como também nos principais agentes promotores e distribuidores de produtos e serviços turísticos. De forma eficiente, pode também oferecer uma resposta aos desafios impostos pela globalização (Nóbrega, 2012Nóbrega, W. R. D. M. (2012). Turismo e políticas públicas na amazônia brasileira: instâncias de governança e desenvolvimento nos municípios de Santarém e Belterra, oeste do estado do Pará. Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. ).

De acordo com Capra (1996) a rede é uma teia de relações que se conectam em distintos níveis e dimensões, e, portanto, não há uma organização linear. São conexões que dão sentindo e significado a rede social, isto é, por meio da comunicação que norteará e coordenará a construção dos vínculos de interdependência. Desse modo, as redes sociais caracterizam-se por pessoas que são independentes, que mantêm relações, logo requer o desenvolvimento de habilidades e competências especiais de cada membro da rede. Além disso, precisa contar com um entorno favorável (Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ; Boisier, 1996Boisier, S. (1996). Em busca do esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o projeto político. Planejamento e Políticas Públicas, 13, 1-33. ), para que essas redes se estabeleçam e possibilitem o desenvolvimento local.

O envolvimento de um ator, em uma rede, se dá pela necessidade de compartilhar recursos (e não apenas financeiros) para atingir um objetivo comum, isto é, cada ator representado tem um objetivo particular, embora o êxito esteja vinculado a uma construção de um objetivo maior que tem um valor compartilhado. Permanecem os objetivos e vontades particulares, mas só são alcançados a partir de uma visão global (Urano et al., 2016Urano, D. G., Siqueira, F. D. S., & Nóbrega, W. R. de M. (2016). Articulação em redes como um processo de construção de significado para o fortalecimento do turismo de base comunitária. Caderno Virtual de Turismo , 16(2), 200-210. https://doi. org/10.18472/cvt.16n2.2016.1173
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).

No entanto, é importante destacar o caráter antagônico das redes sociais caracterizado por um lado de integração, diálogo e aproximação, e de outro, a competição, individualismo e intolerância, beneficiando os grandes grupos econômicos. Assim, quanto maior for o nível de interação da rede, menor tenderão a ser suas divergências.

Estas arenas produzem território que incutem relações de poder, em um campo de forças onde se projetou um trabalho. No entanto, a ênfase não está necessariamente no poder, mas na produção territorial. Corroborando Raffestin (1993Raffestin, C. (1993). POR UMA GEOGRAFIA DO PODER (Ática). São Paulo. ), o poder não é possuído ou adquirido, ele é exercido, e a forma como o território é habitado, revelará o poder desta arena. E é neste jogo de poderes que será determinado os diversos interesses do turismo. Assim, o território implica numa interação que resulta em jogo de troca, conduzindo a um sistema de redes.

O foco das redes reside nos processos de interação entre os diferentes atores. Por isso, o que importa não são somente as relações que determinam a posição de cada ator dentro da rede, mas, em especial, a análise da rede em todo seu conjunto. Destarte, Rovere (1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ) estabelece um esquema para identificar vínculos de uma rede, apresentada no quadro 01. Cada nível identificado pelo autor serve de apoio ao que segue: (1) reconhecimento, (2) conhecimento, (3) colaboração, (4) cooperação e (5) associação. Esses vínculos estão associados não, apenas aos níveis, mas também às ações e aos valores que estão envolvidos.

Quadro 01
Níveis de relação de uma rede

O primeiro nível expressa a aceitação que o outro existe, compartilhando o mesmo espaço. O conhecimento é quando o outro é visto como um par, despertando o interesse de conhecê-lo, um interlocutor válido, que também tem direito à palavra. O terceiro nível expressa um interesse de colaboração, no sentido de trabalhar com esse par, que não seja uma ajuda sistemática, e sim espontânea. Em nível de cooperação, supõe um processo mais complexo, portanto mais sistêmico, onde existe um problema em comum, pois há a necessidade de compartilhar para resolvê-lo. No último nível, de associação, exige uma forma mais profunda de contato, compartilhando recursos físicos, financeiros e humanos. Há nesse sentido, uma confiança. É nesse estágio que menores tenderão a ser suas divergências.

É notório que as redes são geridas por um processo autônomo, voluntário e dinâmico, requerendo de todos os atores/agentes o sentimento de pertencimento e cooperação. Os integrantes, assim, devem estar abertos e propícios a novas interferências que venham a beneficiar a localidade, eliminando as barreiras do conhecimento e do estranho.

Não existe uma matriz para começar a se efetivar as ações (de cima para baixo ou de baixo para cima). Os processos começam de onde se pode ou se deseja buscando a solução dos problemas, isto é, as pessoas que compõem as mais distintas redes não podem esperar que o outro concretize as ações que foram pensadas em conjunto e que são de interesses de todos. Como uma rede, seus atores podem e devem se ordenar para concretizá-lo. Entretanto, a horizontalidade é o formato desejado já que devem se envolver e serem envolvidos no processo de participação.

Com isso, a gestão de redes de políticas requer processos de decisões que sejam contínuos e estáveis. Mas, de acordo com Fleury (2005Fleury, S. (2005). Redes de políticas: novos desafios para a gestão pública. Administração Em Diálogo, (7), 77-89. ); Wan & Bramwell (2015Wan, Y. K. P., & Bramwell, B. (2015). Political economy and the emergence of a hybrid mode of governance of tourism planning. Tourism Management , 50, 316-327. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.03.010
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), existem algumas condicionantes nesse processo: esses atores agem em função de suas percepções em relação aos demais atores e às expectativas de seus comportamentos. Com base nisso, cada ator definirá sua estratégia de ação: a capacidade de mobilização de recursos dos atores dependerá tanto dos recursos que cada um controla quanto da sua representação fora da rede; consenso nas decisões para que possa chegar a um entendimento comum; e focar questões realmente relevantes e específicas do setor que representa .

Nesse sentido, o desenvolvimento do turismo deve obedecer a uma formação do processo inovador em redes, focando a colaboração, flexibilidade da organização de produção e a capacidade de integração dos recursos que permitam incidir ganhos na dinâmica econômica local, uma vez que desenvolver implica garantir renda, liberdade, educação, transporte, saúde, enfim, tudo aquilo que venha suprir as necessidades dos indivíduos (Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ; Nóbrega, 2012Nóbrega, W. R. D. M. (2012). Turismo e políticas públicas na amazônia brasileira: instâncias de governança e desenvolvimento nos municípios de Santarém e Belterra, oeste do estado do Pará. Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. ; Tomio & Schimidt, 2014Tomio, Marinalva; Schmidt, Carla Maria. (2014). Governança e Ações Coletivas no Turismo Regional: a experiência dos Empreendedores da Região Oeste do Paraná. Revista Turismo Visão e Ação , 16 (3): 710-739. ; Teixeira, Paisana & Vieira, 2017Teixeira, Fatima R.; Paisana, António M. V; & Vieira, Filipa D. (2017) Contribuição do estudo das características culturais do cluster da malacocultura da grande Florianópolis para a gestão das atividades de turismo na região. Revista Turismo Visão e Ação, 19 (1): 5-30. ).

DESIGN DA PESQUISA

Este estudo se caracteriza como exploratório e em relação ao tratamento do objeto, nomeia-se qualitativo. Assim, o método científico adotado é o dialético, onde pressupõe a conexão universal dos objetos e fenômenos e, portanto, a inseparabilidade entre os opostos (Severino, 2016Severino, A. (2016). Metodologia do Trabalho Científico (Cortez). São Paulo. ).

A compreensão dos aspectos principais da pesquisa se deu a partir da relação e interação dos trinta e cinco participantes do processo de decisão da rede política estadual do turismo do Rio Grande do Norte, instituídos durante o período de 2007 a 2017. Estes atores compõem o Conselho Estadual de Turismo do Rio Grande do Norte (Conetur), de modo que este órgão colegiado passou a ser objeto de investigação.

Para tanto, foram coletados dados bibliográficos, documentais baseados nas atas e no Regimento Interno de Criação, além de se ter realizado entrevistas com os 35 membros participantes para revelar o nível de articulação dentro da rede. Os dados foram sistematizados por meio da análise de conteúdo do tipo temática, que foram codificadas, indicando um tipo de representação (quadro 02).

Quadro 02:
Codificação para análise dos resultados

No que tange as atas das reuniões, estas foram coletadas considerando o período de 2007 a 2017, daquelas que existiam/e ou foram disponibilizadas; e serviram de subsídios para entender o vínculo e a relação da rede em uma perspectiva cronológica, buscando elucidar elementos para além das características da entrevista - que é pontual. Para tanto, as análises e resultados, têm como base a leitura e codificação destas atas, buscando entender as oscilações, profundidade, densidade, relação, conexão da rede em uma perspectiva mais ampla. Para tanto, estabeleceu-se as seguintes categorias, conforme apontada na literatura: Elemento da liberdade humana (Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ); Dimensão da confiança (Putnam, 2006); Dimensão da cooperação e colaboração (Rovere, 1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ); e Dimensão política (Rovere, 1999).

Já as entrevistas, foram coletadas longe do ambiente de reunião, para que os sujeitos pudessem falar abertamente sobre as questões longe das pressões e interferências dos demais participantes e, portanto, foram agendadas com brevidade. Estas foram gravadas com devida autorização tendo no mínimo 30 minutos de duração até 1h e 20 minutos, onde são expostas de maneira mais direta na análise dos resultados.

Ademais, foi utilizada a técnica de observação não participante através da introdução do pesquisador nas reuniões, visando identificar as relações, procedimentos, atores e recursos que são estabelecidos.

Deste modo, com base nos dados obtidos, foi realizada uma triangulação dos dados a fim de possibilitar uma visão mais ampla do objeto a ser investigado e prezar pela validade dos dados, buscando trazer respostas mais fidedignas e corroborar com o processo de produção científica em turismo.

ANÁLISE DA REDE DE TURISMO - SOB A ÓTICA DOS MEMBROS DO CONETUR

Para a análise da relação dos membros no Conetur, foi realizada a análise de conteúdo, do tipo temática, sendo que em um primeiro momento optou-se por separar o nível de relacionamento dessa rede por representação, a saber: setor privado, setor público e terceiro setor; em um segundo momento, evidenciar qual o nível de relação dessa rede, em uma escala mais ampla.

Evidentemente, que a visão de um ator dentro daquele grupo de representação pode ser diferenciada, entretanto busca-se analisar o conjunto dessas individualidades opinantes que possam representar um coletivo, e nesse caso, o de um setor, conforme é a divisão desse conselho. Desse modo, foram sistematizados, no quadro 3, alguns relatos dos membros representantes do setor público do Conetur que evidenciam o nível de relacionamento desses atores para com os demais membros do conselho. Assim, as análises dos resultados bem como sua discussão tem como objeto de análise as diversas coletas de dados realizadas: observação não participante, documental e as entrevistas.

Quadro 3:
Principais relatos dos representantes do setor público que evidenciam o nível de relação da rede do Conetur.

Observa-se que o setor público ora reconhece a rede como um par, que tem direito à palavra; ora considera que a fala e participação pode ser restrita para alguns grupos, gerando relações dialéticas no processo de construção enquanto uma rede de relações sociais. Entretanto, o relacionamento entre eles é saudável e salutar, conforme transcrição das falas, e em alguns casos, não está unicamente restrito aos momentos da reunião, o que pode revelar que as decisões que são tomadas dentro desta rede tenham uma articulação fora dela. Por isto, os atores que compõem a rede, reconhecem a existência do outro, como um espaço legítimo para tomada de decisões, mesmo que esteja imbuído de vontades e desejos particulares, conforme preconiza a literatura (Urano, Siqueira, & Nóbrega, 2016Urano, D. G., Siqueira, F. D. S., & Nóbrega, W. R. de M. (2016). Articulação em redes como um processo de construção de significado para o fortalecimento do turismo de base comunitária. Caderno Virtual de Turismo , 16(2), 200-210. https://doi. org/10.18472/cvt.16n2.2016.1173
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; Wan & Bramwell, 2015Wan, Y. K. P., & Bramwell, B. (2015). Political economy and the emergence of a hybrid mode of governance of tourism planning. Tourism Management , 50, 316-327. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.03.010
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; Fleury, 2002)

Importa evidenciar que esses são representantes do setor público nas suas mais diversas escalas de administração (federal, estadual, regional e até mesmo municipal), tornando-se estritamente necessária a articulação e diálogo entre suas esferas, isto é, que exista uma interlocução e interação em suas estruturas internas para que possam dialogar com os demais setores - fatores externos (setor privado, terceiro setor, setores não envolvidos diretamente com a atividade, etc.). E por isto, devem agir enquanto coletivo, na busca do bem comum, no entanto, em alguns casos não há seu devido envolvimento com a rede, sendo identificado tanto pela participação pontual e esporádica quanto pelas ligações pessoais extra-conselho. Com isso, podem sobressair ações individualizadas para o alcance dos objetivos da entidade que representam, sem que isto signifique um avanço e conquista para o setor de maneira geral.

Em alguns momentos, chega a expor a dificuldade que se tem de dialogar e gerir processos mais participativos, impondo uma postura autoritária, oprimindo os interesses de todos. Esta percepção fica mais evidente a partir da leitura e interpretação das atas, onde verifica que as votações para decisões e encaminhamentos são pontuais ou quase inexistentes. Neste contexto, cabe considerar que, embora todos tenham direito ao voto, cabe a presidência - que também é um representante do setor público - definir os direcionamentos das reuniões, podendo, em muitos casos, realizar inferências e imposição nas decisões tomadas.

Evidenciando esta discussão, na ata da reunião um representante do setor público afirma que “no momento a melhor política do conselho é de aprovar os projetos que estão sendo solicitados neste período, ressaltando que o ministro [do turismo] afirmou que há o compromisso de até junho serem feitas a liberação das emendas individuais” (EE). Com isso, observa-se que há uma limitação no processo participativo e democrático das ações, a partir de uma postura autoritária, o que coaduna com o discurso dos entrevistados em não concordar com a interferência dos participantes e também na limitação da quantidade de atores deste processo. Consequentemente, os resultados alcançados neste tipo de representação, não deflagra nenhuma relação mais conflituosa, conforme evidenciado na leitura das entrevistas, por não compartilharem maiores interesses em busca de uma construção coletiva.

Faz-se uso do território por meio do poder de origem política (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). POR UMA GEOGRAFIA DO PODER (Ática). São Paulo. ), fomentado pelo Estado, buscando a legitimidade por meio de suas ações que são ratificadas entre os diversos setores envolvidos. Com isso, o poder que é exercido fora da arena, com diálogos pontuais e setorizados para o alcance das vontades próprias, reverbera na dinâmica e relações do Conetur, inclusive com a seleção de atores que irão participar a partir das exposições dentro da arena.

Desse modo, correlacionando com a teoria de redes sociais estabelecida por Rovere (1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ), os representantes do setor público estão no nível um (1) que representa, apenas, a aceitação que o outro existe, e partilha de um mesmo espaço, que é heterogêneo, mas sem interesses de dividir maiores experiências. O interesse de conhecimento do estranho está associado às vontades particulares e, por sua vez políticas, denotando o baixo nível de percepção desse setor para com os demais membros da rede. Deflagra-se, assim, o poder exercido por esse setor dentro da arena, que até reconhece a existência do outro, mas não divide as experiências, poderes e decisões dentro dela.

A confiança, que é revelada por meio da teoria de Putnam (2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.), como elemento a ser considerado na constituição de uma análise de rede social, se apresentada de forma limitada na constituição desta arena de política estudada. Os cidadãos que representam esta categoria são pouco prestativos na resolutividade das questões de maneira democrática, criando uma forte máquina administrativa e burocrática que por sua vez reforçam os círculos viciosos. Ademais, as liberdades dos indivíduos tornam-se limitadas, principalmente na perspectiva instrumental, por não possibilitar a ampla participação de todos os atores da rede (Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ).

Tangenciando a discussão, o quadro 4 sistematiza os principais temas dos representantes do setor privado que estão relacionados com a percepção desse setor para com os demais membros.

Quadro 4
Principais relatos dos representantes do setor privado que evidenciam o nível de relação na rede do Conetur

A iniciativa privada expressa um grande interesse na efetivação das propostas discutidas no âmbito das instâncias de governança, uma vez que estes são os que mais percebem a oscilação da atividade. Mantém relações cordiais que extrapolam a relação dentro do conselho, o que vem a contribuir para enfatizar que as decisões que ocorrem dentro do conselho, podem sofrer influências externas. Buscam, de maneira geral, estratégias ora articuladas, ora individualizadas para o alcance dos objetivos comuns. De forma específica, analisando os membros representantes do setor privado do Conetur percebe-se que estes têm o interesse em colaborar para ações mais efetivas, prestando ajuda esporádica, desde que esse esforço esteja em consonância com os interesses pessoais, uma vez que há capital econômico envolvido.

Neste contexto, é importante enfatizar o recurso financeiro como uma importante característica deste setor que está diretamente associada à necessidade de ações rápidas, inclusive se tornado a tônica do discurso para a promoção do turismo em determinada localidade. O relacionamento, dessa forma, se dá por motivos basicamente econômicos, na promoção de ações efetivas. Esta percepção também é latente através da leitura das atas, onde observa a união, relação e interrelação deste setor na busca de pressionar o setor público para ações mais efetivas na promoção do destino. Em um registro da ata é possível observar esta relação, onde cita “O discurso do governo é que o turismo é importante, mas, na prática isso não é percebido. Não há expectativa de participação nos próximos eventos como BRAZTOA, ABAV, entre outras programadas para o final do ano. Diz que é muito delicado o assunto, não entende como o Estado está tratando a atividade turística, entende que a situação é difícil. Não dá para aceitar a não participação em feiras, são ações básicas a serem realizadas para a promoção do desenvolvimento do turismo no estado fora do país” (IP).

Há um poder exercido pelo setor econômico que é moldado na esfera pública de acordo com suas necessidades. De um lado, pressiona o Estado para ações mais práticas; e de outro capitaneia essas ações, configurando o poder hegemônico, portanto, a produção territorial baseada na relação mercado e Estado. Não obstante, convém observar que não é somente o poder econômico (capital) que influencia nas relações dentro do grupo, mas também a sua capacidade de liderança e articulação que esse grupo tem para com a política (sabe-se do interesse do setor público em investimentos no estado atuando como empreendedor promovendo desenvolvimento a localidade); a figura personalista de cada um desses atores que pode ser mais propositiva ou menos participativa; o conhecimento específico na área, por atuar, diretamente, na sua execução; entre outros aspectos, são alguns dos fatores que deve ser considerado ao definir o poder de influência deste grupo moldando o território turístico. O conjunto desses fatores servirá, em alguns casos, inclusive para definir as prioridades orçamentárias e o vínculo de relação na rede (Wan & Bramwell, 2015Wan, Y. K. P., & Bramwell, B. (2015). Political economy and the emergence of a hybrid mode of governance of tourism planning. Tourism Management , 50, 316-327. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.03.010
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).

Portanto, quando não se tem o retorno esperado pelo setor público, prevalece o sentimento de ausência, pressionando a agir. Embora seja o setor privado que detenha o maior acervo de capital financeiro, deve-se considerar que parte da gestão depende do poder público, que norteará as ações de investimentos públicos no que tange à criação de sistemas de estruturas, garantindo as condições necessárias ao desenvolvimento turístico.

Ademais, evidencia-se na análise dos conteúdos das entrevistas, que esse setor tem mais facilidade de articulação em uma escala menor, isto é, entre seus representantes do setor e com diálogos pontuais entre alguns representantes do setor público, para articular e incutir objetivos pessoais, visando atingir a relação mais global do desenvolvimento. O diálogo macro, ou seja, com representantes de diversos setores, é mais raro, apesar de pontuar a importância e relevância desta relação e cooperação.

Assim, de acordo com o esquema estabelecido por Rovere (1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ), percebe-se que este setor participa e se engaja em ações mais pontuais e de menor escala, quando há interesse pessoal envolvido. Há um papel recíproco, prestando ajuda esporádica por meio de seu poder econômico. Neste sentido, o setor privado reconhece a rede do Conetur no seu nível três (3), por meio de sua colaboração pontual.

Entende-se que muito pode ser realizado para o desenvolvimento da atividade turística: a articulação, o interesse e a vontade são fatores fundamentais para que as ações sejam efetivadas, entretanto cabe considerar a previsão orçamentária definida pelo Estado para efetivar as ações práticas ainda é um elemento importante a ser considerado. Nesse sentido, a iniciativa privada possui um alto grau de influência na rede que, em conjunto com o setor público, interfere na capacidade que cada ator possui dentro dessa arena enquanto entidade. Assim, na percepção dos demais membros do conselho quanto maior for o nível de relacionamento com esse setor, maiores são os resultados alcançados, bem como maior será o poder centralizado dominando o território do conselho para ações mais individualizadas (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). POR UMA GEOGRAFIA DO PODER (Ática). São Paulo. ; Putnam, 2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.).

Ainda considerando a análise da rede social, percebe-se um alto grau de envolvimento destes atores, na busca de resultados mais efetivos, o que contribui para a promoção de estratégias de colaboração. Nesta perspectiva, as comunicações estabelecidas contribuem para uma maior formação de um laço de colaboração, mas não necessariamente de vínculos de interdependência, uma vez que não apresenta certa autonomia dos atores envolvidos (Capra, 1996; Barquero, 2000).

Para completar essa correlação, apresenta-se, no quadro 5, os principais temas dos representantes do terceiro setor para identificar o nível de relação dessa rede.

Quadro 5
Principais relatos dos representantes do terceiro setor que evidenciam o nível de relação da rede do Conetur

Os representantes do terceiro setor têm uma percepção do papel que devem representar, buscando engajar e manter relações e ações mais efetivas, sendo evidenciada nas entrevistas, nas atas documentais e na observação não participante. Tais evidências estão em consonância com a ideologia de divisão das entidades dentro do Conetur, reservando a esse setor, representações que buscam a harmonia da atividade, seja com pesquisa (universidade e institutos) ou com ações mais práticas sociais (associações, ONG´s) (verificar quadro 02 na metodologia).

É válido considerar que o Conetur possui trinta e cinco representantes, sendo 15 do setor público, 15 do setor privado e 5 do terceiro setor, sendo que nesta última categoria estão as entidades como instituições de ensino, o Fórum Nacional dos Secretários e dirigentes Estaduais de Turismo (Fornatur), Fundação Seridó e uma ONG que trata de problemas sociais que versam com o turismo, como prostituição, lixos nas praias, políticas públicas, entre outros temas.

Percebe-se, assim, que no que tange a divisão de setores e entidades, ignora a essência de cada setor representado, fazendo-o considerar, apenas, a lógica mercadológica/economicista do turismo, o que faz com que uma universidade, um ente público que pode ser federal ou estadual - seja classificado como membro do terceiro setor; e uma associação que, em sua essência, é representante do terceiro setor seja classificado como representante da iniciativa privada. Parte-se do entendimento de que uma associação, como por exemplo, a ABIH, que representa a classe dos empresariados hoteleiros, tem o poder efetivo financeiro de angariar as ações da atividade turística, e, por isso, é classificada como membro da iniciativa privada. Pelos motivos opostos, a universidade é classificada como membro do terceiro setor.

Desse modo, observa-se que, embora o setor público não estatal tenha desenhado uma nova relação entre Estado e sociedade, fica evidente que os aspectos de regulação e controle ainda permanecem sobre a responsabilidade do Estado. O que parece uma tarefa fácil tem mostrado avanços e entraves no seu modo de operacionalização.

Procedendo uma análise das relações entre os membros, percebe-se que a articulação é mais propositiva entre membros representantes de uma categoria. Atribui-se mais importância à formação do capital social, por serem membros representantes, em sua grande maioria, da academia do que ao poder econômico das entidades e serem constituídos de normas de confiança, com relações de proximidade que contribuem com um sistema de cooperação entre os membros. São representações que têm características fortemente marcadas nos critérios de informação e formação, e por isto, não competem entre si, mas visam o compartilhamento desta formação na promoção do destino e desenvolvimento da localidade.

Nesse sentido, na ausência do poder econômico ou político se constituem na formação de capital social, com normas cívicas, confiança e solidariedade entre os seus membros de representação, passando a identificar esse grupo com um poder autônomo, longe das pressões dos demais setores (Putnam, 2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.). Assim, buscam-se formas alternativas de se estruturar e contribuir, embora seja evidente a estratégia de empobrecimento do setor perante os demais, evidenciado tanto na organização do conselho, quanto na fala dos seus representantes por meio das entrevistas e registros das atas.

Há que considerar que os interesses pessoais desses representantes estão diretamente associados aos interesses gerais da atividade turística, logo, trazem uma discussão mais ampla e propositiva, promovendo atividades que estão ao alcance, mesmo que isso não implique efeito prático. É um setor com a menor representação dentro da rede (5 membros), e por isso confere baixo poder de atuação, estrategicamente concebido pelo setor público para diminuir seu poder de intervenção.

Estabelecendo a correlação com a teoria de redes disseminada por Rovere (1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ), os representantes do terceiro setor prestam uma ajuda esporádica, quando percebe a necessidade e/ou é solicitado, assim, não avançam em níveis maiores justamente por serem pouco representados, mas existe o compartilhamento de problemas em comum na busca da sua resolutividade. Com isso, se relaciona com o nível três (3), a partir de uma colaboração pontual.

Desse modo, correlacionando os três setores representados no Conetur - setor público, setor privado e terceiro setor, convêm considerar, em princípio, a heterogeneidade desses membros, em um sentindo propositivo, uma vez que se torna um ponto positivo a capacidade de construir um ambiente onde todos possam falar e serem ouvidos, extraindo o melhor daquela representação. Tem-se, assim, um poder na heterogeneidade que está ancorado nos vínculos e nas relações.

É preciso respeitar as diferenças e as pluralidades dos atores, reconhecendo que, conjuntamente, há probabilidade de atingir resultados significativos. No entanto, a heterogeneidade dos setores representados não é considerada por seus membros, existindo sempre uma sobreposição do poder hegemônico direcionando as ações do conselho. A ausência de uma tradição participativa, desenhada por um processo histórico do Estado absolutista, liberal e neoliberal, conduz o sistema democrático a permanecer na sua reprodução.

Tal situação reduz o poder de intervenção e influência desse conselho que visa uma gestão mais participativa e democrática com resultados substanciais. Reduz-se, também, a sua capacidade de formular políticas públicas mais coerentes com a necessidade da atividade, pressionando os diferentes setores na busca de resultados mais propositivos e em consonância com a realidade.

Dessa forma, o setor público, interessado na sua legitimação, e não necessariamente nas relações de colaboração da rede, coaduna com a iniciativa privada que detém o poder econômico, continuando a traçar os direcionamentos das ações públicas, e nesse caso do direcionamento do conselho. Ao conduzir os diversos temas para a arena garante-se a legitimidade de suas vontades, considerando o atual cenário da governança pública, que pressiona o Estado à abertura de processos participativos. Assim, o Estado pouco age e se engaja nas ações do conselho e, portanto, na estrutura da rede, refletindo no nível de relação estabelecido. Entretanto, há participação mais pontual do setor privado pressionando a agir e na busca de parcerias nesse processo de construção coletivo. Ainda observa-se a pouca presença do terceiro setor, reconhecendo o seu poder enfraquecido, mas buscando parcerias.

Procedendo uma análise da rede e das teorias de desenvolvimento, percebe-se que a estruturação do conselho, com base na sua distribuição e organização, está direcionada para um modelo que privilegia o fortalecimento das estruturas públicas e, as vezes, da disseminação do capital, isto é, uma composição que reforça a intervenção excessiva do Estado no direcionamento das decisões públicas a partir de seleção/imposição de políticas que podem não ser necessariamente adequadas para a realidade, mas com a reprodução territorial de poder político. Tais idéias são preconizadas pela teoria da dependência (Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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). Continua-se a perpetuar as fragilidades internas do processo de desenvolvimento a partir desta dependência com os grandes centros, não promovendo a expansão das capacidades locais (Moreira & Crespo, 2012).

De igual modo, a constituição do conselho, como espaço onde devem ser discutidas e implementadas as ações de planejamento e gestão da atividade, por meio de diversos atores representativos, ainda não consegue romper com os paradigmas do processo de desenvolvimento em uma concepção mais ampla (Fleury, 2004; Moreira & Crespo, 2012Moreira, S. B., & Crespo, N. (2012). Economia do Desenvolvimento: das abordagens tradicionais aos novos conceitos de desenvolvimento. Revista de Economia, 38(2), 25-50. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5380/re.v38i2.29899
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; Boisier, 2000). A concepção territorial, a partir do olhar das capacidades locais como um meio para resolver as fragilidades internas é um processo que está em construção, considerando o contexto histórico, portanto, precisa ser estruturado a partir destas novas realidades e abertura de espaços mais participativos com mecanismos democráticos. Reconhecer a existência do capital intangível gerado a partir desta articulação deve ser um processo a ser internalizado que propicie a constituição de um entorno inovador, com competição entre os atores, mas também a sua colaboração (Boisier, 2000; Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ).

Neste processo de articulação, também se verifica uma carência nas mais diversas liberdades preconizadas por Sen (2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ), que impede um amplo debate das questões e consequentemente ações de desenvolvimento da localidade. Estas limitações das liberdades são substantivas no direcionamento de ações mais transparentes, igualitárias, onde todos possam ser ouvidos e se sintam representados, reverberando em efeitos práticos. Mas, também são limitadores no sentido instrumental, por não possibilitar que suas colocações sejam debatidas e integradas dentro da rede, por existir um sistema que diminui o seu poder de atuação (Sen, 2000).

Depreende-se, também, que a natureza das instituições, no caso analisado, molda a política no processo de constituição de um capital social, que se torna frágil, não reverberando em uma rede de relações sociais virtuosas (Putnam, 2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.). Assim, o caráter democrático das ações políticas depende da natureza das instituições e muito menos do âmbito no qual se toma decisão. Ademais, a confiança, como um aspecto essencial para a existência de um relacionamento em rede, quase é inexistente na constituição das relações (Putnam, 2004).

Neste sentido, embora o conselho seja criado refletindo as novas perspectivas de desenvolvimento, voltada para o território e das capacidades dos atores locais, não se tem criado um entorno inovador que possibilite romper com as limitações dos indivíduos, na geração de confiança, normas e sistemas (Putnam, 2004Putnam, R. (2004). Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna (FGV). Rio de Janeiro.; Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade (Companhia). São Paulo. ; Boisier, 2000; Barquero, 2001Barquero, A. (2001). Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização (Fundação d). Porto Alegre. ; Rovere, 1999Rovere, M. (1999). Redes En Salud: un nuevo paradigma para el abordaje de las organizaciones y la comunidade Rosario. Secretaría de Salud Pública; AMR, Instituto Lazarte. ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capacidade de mobilização e liderança de cada um dos membros de uma rede, como é o caso de um conselho, interfere no processo de desenvolvimento da atividade e de toda a cadeia que está envolvida tanto direta quanto indiretamente pela atividade turística, que no contexto contemporâneo deve promover de forma conjunta e coordenada as ações de desenvolvimento local.

A partir da análise realizada, tendo o Conselho Estadual de Turismo (Conetur) como objeto através da leitura da teoria de redes e de desenvolvimento local, identificou-se uma notória dificuldade de constituição de um processo democrático no interior do Conetur, onde possa, de fato, existir participação, com debate público, decisões coletivas e controle das decisões tomadas. A rede não se constitui enquanto parceira, apresentando o nível de relação muito baixo, caracterizado pelas inúmeras divergências e incongruências formadas no território.

Há um consenso entre seus representantes de considerar a arena um excelente instrumento de planejamento e gestão da atividade no âmbito estadual, fazendo-o utilizar o território de diversas formas, onde a pluralidade de interesses e debates não é considerada no processo de decisão, isto é, um conjunto de interesses e opiniões divergentes na busca de obter um senso comum e, ao mesmo tempo, garantindo resultados para todos os envolvidos. Com isso, o setor privado teria resultados significativos, evitando adiar mudanças que são necessárias às instalações e permanência das empresas; o setor público garantiria o poder legítimo, por meio do processo de governabilidade; e o terceiro setor a resolutividade das questões sociais e mais amplas do território aplicando os conhecimentos obtidos.

Entende-se que o trabalho em rede significa um alto grau de comunicação e articulação para o alcance de objetivos comuns, as informações devem ser repassadas em uma perspectiva horizontal para que todos se informem e sensibilizem das ações a serem executadas. Essa é condição essencial de um funcionamento e relacionamento em rede, mas o Conetur se articula mais facilmente fora dela. Há uma descrença explícita do poder dessas representações, e, por isso, não reconhece o outro membro da rede como um parceiro, deflagrando uma desarticulação e poder de verticalização no conselho.

Com isso, percebe-se que a articulação da rede tem dificuldade de se estruturar na perspectiva de promover desenvolvimento local, dotando os sujeitos de liberdade e capacidade social. Entende-se que, embora o discurso e os processos tendam a ser inovadores mediante a institucionalização das instâncias de governança, de um modelo descentralizador das políticas brasileiras e a constituição de redes sociais, há um processo prático que não é compatível com o discurso, isto é, um território conservador que utiliza de práticas históricas para se manter no poder.

A pesquisa mostrou uma visão aprofundada sobre o funcionamento, relação e articulação de uma instância de governança e o papel que cada um desempenha dentro da rede correlacionando com as discussões do turismo enquanto impulsionador do desenvolvimento local. No entanto, nesta abordagem também surgiram limitações que são ao mesmo tempo fonte de inspiração para pesquisas futuras a fim de testar a validade das informações e generalizar as descobertas deste estudo. Duas rotas de pesquisas podem ser aqui identificadas. Primeiro, uma vez que o estudo analisou a articulação de uma rede de governança institucionalizada e com isso foi identificado que há um poder exercido fora da arena que interferiu no encaminhamento da pesquisa, assim, pesquisas futuras também podem vir a incluir a perspectiva das instâncias não institucionalizadas e como estas influenciam no poder de decisão dentro da arena. Sugere-se também triangular os resultados das relações que ocorrem dentro e fora da arena, buscando identificar se há outros atores com poder de decisão que não participam da arena, entendendo o porquê de não participar, mas buscando entender a sua influencia dentro da arena de maneira subjetiva. Em segundo lugar, os resultados apresentados sugerem especificidades causadas pelo sistema político brasileiro, a partir da sugestão e posterior criação de diversas instâncias de governança em turismo nos territórios, e com isso uma forte dependência e interferência da gestão pública no desenvolvimento do turismo. Sugere-se, assim, aplicar a mesma metodologia em outro contexto político e institucional, uma vez que pode possibilitar novos insights, desvendando novas realidades e relações.

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  • *
    A pesquisa faz parte de um recorte de uma dissertação de mestrado defendida em instituição pública de ensino.
  • **
    INFRAMÉRICA - Consócio privado de administração aeroportuária; EMPROTUR - Empresa Potiguar de Promoção Turística; IDEMA - Instituto de Defesa do Meio Ambiente do RN; SEPLAN - Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças; PGE - Procuradoria Geral do Estado; SETUR- Secretaria de Estado do RN. ABRASEL - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes; ABRAJET - Associação Brasileira de Jornalista de Turismo; ABAV- Associação Brasileira de Agências de Viagens; ABIH - Associação Brasileira de Indústrias e Hotéis; ABEOC - Associação Brasileira de Empresas de Eventos;ASHTEP - Associação dos Hoteleiros de Tiba do Sul e Pipa; AMANAUTICA - Associação Norte Riograndense das Empresas de Mergulho Autônomo e Turismo Náutico; FECOMERCIO - Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN; SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas; COOHTUR - Cooperativa de Desenvolvimento da Atividade Hoteleira e Turística; SHRBS - Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares; SINDBUGGY - Sindicato do Bugueiros Profissionais; SINGTUR - Sindicato dos Guias de Turismo; UERN - Universidade Estadual do RN; FORNATUR - Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo; IFRN - Instituto Federal do RN
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    A adaptação foi realizada para salvaguardar entidades/pessoas por questões éticas, mas não fora alterado o sentido da frase.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2018
  • Aceito
    07 Ago 2019
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