Acessibilidade / Reportar erro

PRÁTICAS DE HOSPITALIDADE NO ENOTURISMO EM ANDRADAS (MG)

HOSPITALITY PRACTICES IN WINE TOURISM IN ANDRADAS (MG)

PRÁCTICAS DE HOSPITALIDAD EN ENOTURISMO DE ANDRADAS (MG)

RESUMO:

Este artigo objetiva analisar o enoturismo de Andradas (MG) sob a perspectiva de atuação das vinícolas locais, examinadas a partir de suas práticas de visitação associadas à hospitalidade, ao acolhimento e à comensalidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada a partir de pesquisa bibliográfica, observação direta não participante nas vinícolas e no município de Andradas (MG) e de entrevistas semiestruturadas com os gestores das vinícolas abertas para visitação e com um representante do poder público. Como principais resultados, tem-se: o protagonismo das vinícolas no desenvolvimento do enoturismo; a identificação de diferentes tipos de estrutura e de programas de visitação oferecidos pelas vinícolas; a presença da hospitalidade e do acolhimento nas visitações oferecidas de forma mais orgânica do que planejada; a presença da comensalidade principalmente a partir das degustações que ocorrem durante as visitações; a necessidade de investimento público e privado para que o potencial enoturístico se desenvolva.

PALAVRAS-CHAVE:
Hospitalidade; Acolhimento; Comensalidade; Enoturismo; Vinícolas

ABSTRACT:

This article analyzes the wine tourism of Andradas (MG) from the perspective of the performance of local wineries, examined based on their visitation practices associated with hospitality, welcoming and commensality. This is a qualitative study that uses bibliographic research, direct non-participant observation in wineries and in the municipality of Andradas (MG), and semi-structured interviews with managers of wineries that open their doors to visitors, and one government representative. The main results are: the important role of wineries in the development of wine tourism; the identification of different types of structure and visitation programs offered by wineries; the presence of hospitality and welcoming in the visits offered, being carried out in a more organic way than planned; the presence of the commensality, mainly in the wine tastings that are offered during the visits; and the need for public and private investment to develop the tourism potential of this sector.

KEYWORDS:
Hospitality; Welcoming; Commensality; Wine tourism; Wineries

RESUMEN:

Este artículo tiene como objetivo analizar el enoturismo de Andradas (MG) desde la perspectiva del desempeño de las bodegas locales, examinadas a partir de sus prácticas de visita asociadas con la hospitalidad, la acogida y la comensalidad. Es una investigación cualitativa, realizada con base en la investigación bibliográfica, observación directa no participante en bodegas y en el municipio de Andradas (MG) y entrevistas semiestructuradas con gerentes de bodegas abiertas para visitas y con un representante del poder público. Los principales resultados son: el papel principal de las bodegas en el desarrollo del enoturismo; la identificación de diferentes tipos de estructura y programas de visitas que ofrecen las bodegas; la presencia de hospitalidad y acogida en las visitas ofrecidas, realizándose de forma más orgánica de lo previsto; la presencia de la comensalidad principalmente de las degustaciones que tienen lugar durante las visitas; La necesidad de inversión pública y privada para desarrollar el potencial del enoturismo.

PALABRAS CLAVE:
Hospitalidad; Acogida; Comensalidad; Enoturismo; Bodegas

INTRODUÇÃO

O enoturismo brasileiro, a partir do pioneirismo do Rio Grande do Sul, vem se desenvolvendo em diversas localidades. Além de destaques como a Serra Gaúcha (Rio Grande do Sul) e o Vale do São Francisco (entre a Bahia e Pernambuco), é possível encontrar iniciativas de menor porte em diversos estados, como em Minas Gerais (Valduga & Gimenes-Minasse, 2018Valduga, V. & Gimenes-Minasse, M. (2018). O Enoturismo no Brasil: principais regiões e características da atividade, Territoires du vin, 9(1), 9-25. ). No território mineiro são os municípios da Região Sul, como Cordislândia, Três Corações, Três Pontas e Andradas, que vêm ganhando atenção.

Andradas foi fundada em 1890 e em 2010 alcançou 37.270 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE (2010). Pesquisa sobre o município de Andradas, Minas Gerais, 2010. Recuperado de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/andradas/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/an...
). Sua economia está apoiada na pecuária, na indústria cerâmica e têxtil, na agricultura (café, banana) e nas fábricas alimentícias (doce, biscoito e bolacha). Por conta de sua geografia e de seu clima, tornou-se referência na vitivinicultura, atividade iniciada pelos colonos italianos em 1893 (Silva, 1996Silva, J. (1996). Caminhando de Samambaia a Andradas. Andradas: Pontes Editores.), o que lhe rendeu o epíteto “Terra do Vinho”, dado pelo então governador Juscelino Kubistchek na década de 1950 (Portal da Prefeitura Municipal de Andradas, 2019Portal da Prefeitura Municipal de Andradas (2019). História. Recuperado de http://www.andradas. mg.gov.br/historia
http://www.andradas. mg.gov.br/historia ...
). Atualmente, além de um evento anual (a Festa do Vinho), o município possui 7 vinícolas em funcionamento com 6 delas oferecendo visitações. Dentre estas vinícolas, por conta das premiações recebidas em concursos nacionais e internacionais, destaca- se a Casa Geraldo.

De acordo com Gimenes-Minasse (2020Gimenes-Minasse, M. H. S. G. (2020). Turismo Gastronômico como objeto de pesquisa: análise das publicações em periódicos brasileiros (2005-2017). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 14 (1), 92-111. ), o enoturismo foi o subtipo de Turismo Gastronômicoa a O Turismo Gastronômico é definido como “uma vertente do turismo cultural no qual o deslocamento de visitantes se dá por motivos vinculados às práticas gastronômicas de uma determinada localidade” (Gândara, Gimenes, & Mascarenhas, 2009, 181). Ele apresenta subdivisões como o Turismo de Bebidas, caracterizado pelas atividades turísticas concentradas no desejo de degustar e conhecer mais sobre o processo de produção, armazenamento e consumo de diferentes bebidas, tais como cerveja, chá, whisky e vinho (Gimenes-Minasse, 2020). com maior número de publicações entre 2005 e 2017 em periódicos brasileiros, contabilizando 15 artigos dedicados, em sua maioria, à Região Sul. Contudo, uma consulta realizada em 2020 às bases de dados (Scielo, Scopus, Google Schoolar) e aos repositórios de periódicos brasileiros não encontrou nenhuma correspondência à associação “enoturismo” e “Minas Gerais”.

Considerando o potencial de desenvolvimento deste segmento para a região de Andradas, este trabalho busca responder a duas questões de pesquisa: De que forma o enoturismo está sendo desenvolvido no Município de Andradas (MG) e qual o papel das vinícolas locais neste processo? E como os conceitos de hospitalidade, acolhimento e comensalidade estão presentes nas práticas de visitação oferecidas pelas vinícolas do município de Andradas (MG)? A partir da proposição destes dois problemas, determinou-se como objetivo geral: analisar o enoturismo de Andradas (MG) sob a perspectiva de atuação das vinícolas locais, examinadas a partir de suas práticas de visitação associadas à hospitalidade, ao acolhimento e à comensalidade.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nos estudos sobre hospitalidade, destacam-se duas vertentes de diferentes escolas: a francesa e a inglesa. A primeira é caracterizada pela matriz maussiana da tríade dos deveres dar-receber-retribuir, com ênfase na concepção da dádiva (Mauss, 2003Mauss, M. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac e Naify. ), desenvolvendo perspectivas analíticas mais voltadas para as relações humanas em si. Já a escola inglesa ou anglo-saxônica desenvolve abordagens mais voltadas às atividades comerciais, tendo como foco o exercício da hospitalidade em um contexto de prestação de serviços. Neste trabalho, estas duas abordagens se aproximam, tendo em vista a intenção de buscar uma compreensão mais adequada das dinâmicas de interação entre anfitriões e convidados no contexto das práticas de visitação a vinícolas.

Segundo a abordagem francófona, a hospitalidade pode ser entendida como um conjunto de comportamentos sociais regidos pela reciprocidade que envolve o receber e o acolher o “outro” em seu espaço (Bueno, 2016Bueno, M. S. (2016). O desafio da Hospitalidade. Revista Hospitalidade, 13, 04-07. ). Trata-se de uma relação humana baseada em trocas e sentimentos que incluem amizade, amor e calor humano, em que anfitriões e hóspedes exercitam uma série de regras de comportamentos envolvendo a trocas de bens tangíveis e intangíveis (Camargo, 2015Camargo, L. O. de L. (2015). Os interstícios da hospitalidade. Revista Hospitalidade , 12, 42-69. ). Por consequência, a hospitalidade pode ser reconhecida como forma atenuada da dádiva, um vínculo entre dois indivíduos estabelecido pela obrigação de compensação de uma dádiva e contradádivab b Para Mauss (2003), as prestações primitivas de dádivas são os presentes, regulados por três obrigações que são interligadas: dar, receber, retribuir. Toda dádiva, portanto, gera uma contradádiva. (Benveniste, 1995Benveniste, E. (1995). O vocabulário das instituições indo-européias: economia, parentesco, sociedade. Campinas: Unicamp. ; Godbout, 1999Godbout, J. Os lugares da dádiva. (1999). In Godbout, J. & Caillé, A. (Org). O espírito da dádiva. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. ).

Representante da abordagem anglo-saxônica, Lashley (2004Lashley, C. (2004). Para um entendimento teórico. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.) Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. São Paulo: Manole, 1-24. ) propõe a análise da hospitalidade a partir de três domínios: o privado, o social e o comercial, sendo que este último implica na prática da hospitalidade como atividade econômica. Telfer (2004Telfer, E. (2004). A filosofia da “hospitabilidade”. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.). Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado . São Paulo: Manole , 53-78. ) observa que, enquanto a hospitalidade na esfera privada não é monetizada, mas sim regida pela retribuição de favores, na esfera comercial a troca é saldada pelo pagamento. Neste contexto, a empresa prestadora de serviços (anfitriã) deve atender às necessidades do seu hóspede da forma mais satisfatória possível, recebendo em troca uma quantia de dinheiro pré-contratada (Camargo, 2004Camargo, L.O. de L. (2004). Hospitalidade. São Paulo: Aleph. ).

Gotman (2009Gotman, A. (2009). O comércio da hospitalidade é possível? Revista Hospitalidade , 6(2), 3-27. ) reitera que, no domínio comercial, a hospitalidade não pressupõe reciprocidade, já que o pagamento a substitui; contudo não existe garantia de que o cliente voltará. Para que isto aconteça, o anfitrião comercial deverá buscar a fidelização por meio da introdução de um serviço diferenciado e personalizado. Neste contexto, destacam-se os anfitriões comerciais capazes de exceder aos scripts formais de atendimento, tendo em vista que, como defende Telfer (2004Telfer, E. (2004). A filosofia da “hospitabilidade”. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.). Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado . São Paulo: Manole , 53-78. ), um anfitrião comercial também pode ser dotado de hospitabilidade. Este termo designa a característica das pessoas movidas pelo prazer de deixar outras pessoas felizes, acolhendo-as (Telfer, 2004). Logo, se um anfitrião comercial atende seus hóspedes com um interesse autêntico por sua felicidade, cobrando um preço razoável pelo serviço oferecido, suas ações também serão consideradas hospitaleiras e não apenas uma simulação de hospitalidade.

Para Grinover (2009Grinover, L. (2009). A hospitalidade na perspectiva do espaço urbano. Revista Hospitalidade , 7(1), 04-16. ), ser hospitaleiro significa aceitar e receber o hóspede - em sua casa ou cidade -, colocando-se à sua disposição e oferecendo o melhor de si como anfitrião. Neste processo, ressalta o autor, a hospitalidade pode ser manifestada por elementos tangíveis e intangíveis. Avena (2006Avena, B. (2006). Turismo, educação e acolhimento: um novo olhar. São Paulo: Roca. , p. 142) defende que “[...] em todo lugar, sempre há a necessidade de acolhimento e a vida moderna exacerba essa necessidade” e, portanto, este deve estar presente em todas as etapas e elementos da atividade turística, seja na infraestrutura da região ou cidade ou em equipamentos turísticos públicos ou privados. A sinalização turística, por exemplo, tem como finalidade garantir o acesso facilitado a informações sobre quaisquer atrativos turísticos e possibilitar um deslocamento acessível (Silva & Melo, 2012Silva, F., & Melo, R. (2012). A contribuição da sinalização turística para o desenvolvimento turístico da cidade de Parnaíba (PI, Brasil). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo . São Paulo, 6(2), 129-146. ), caracterizando-se como uma manifestação tangível de hospitalidade. No contexto do turismo, inclusive, Avena (2001) aponta a importância do “primeiro acolhimento” por considerar que a primeira impressão causada que pode interferir na percepção da qualidade do serviço que será prestado, podendo mascarar certas imperfeições do local de acolhimento. Gastal, Costa e Machado (2010Gastal, S., Costa, L de C. N. & Machado, F. C. (2010). Hospitalidade e acolhimento: o século XIX no sul do Brasil. Revista Hospitalidade , 7(1), 43-64. ), por sua vez, enfatizam que o acolhimento é indispensável por tornar um destino turístico mais humano e despertar no turista o desejo do retorno, por sentir que sua presença ali é desejada. Em tempos de turismofobia (aversão aos turistas explicitada e manifestada atualmente em diferentes destinos turísticos no mundo), o acolhimento e a hospitalidade podem ser considerados elementos fundamentais na construção de uma boa imagem de um destino.

A comensalidade é uma forma básica de hospitalidade, sendo importante para a formação das estruturas de organização social por meio da sociabilidade manifestada no momento da refeição partilhada (Fischler, 2011Fischler, C. (2011). Commensality, society and culture. Social Science Information, 50(4), 528-548. ). Isto porque o ato de “sentar-se à mesa” não significa apenas uma ocasião para beber e comer em conjunto, mas sobretudo para viver uma experiência de partilha, favorecendo a empatia, a compreensão mútua e a comunhão de sentimentos (Boutaud, 2011Boutaud, J. J. (2011). Comensalidade: compartilhar a mesa. In Montandon, A. (Org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo: Senac, 1213-1220. ). A comensalidade, portanto, constrói e reforça laços sociais e estabelece reciprocidades (Sobal, 2000Sobal, J. (2000). Sociability and meals: facilitation, commensality and interaction, In Meiselman, H. L. (Ed.). Dimensions of the meal: the science, culture, business and art of eating. United States: Aspen Publication, 119-133. ; Boutaud, 2011) a partir da sociabilidade e da socialização.

O enoturismo, por sua vez, pode ser definido como o deslocamento motivado por visitações a vinhedos e vinícolas, além da possibilidade de participar de festivais de vinhos e vivenciar as características de uma região de uvas e vinhos (Hall, Sharples, Cambourne, & Macionis, 2004Hall, C., Sharples, L., Cambourne, B., & Macionis, B. (2004). Wine Tourism around the world: development, management and markets. Oxford: Elsevier. ). Para Valduga (2007Valduga, V. (2007). O processo de desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS). Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. ), além das motivações organolépticas associadas à degustação do vinho, este segmento tem como pontos essenciais o encontro do turista com quem produz vinhos e a paisagem vitivinícola.

Trata-se de uma atividade capaz de gerar desenvolvimento econômico e transformar diversas regiões produtoras de vinhos em destinos turísticos desenvolvidos (Marzo-Navarro & Pedraja-Iglesias, 2012Marzo-Navarro, M. & Pedraja-Iglesias, M. (2012). Critical factors of wine tourism: incentives and barries from the potential tourist’s perspective. International Journal of Contemporary Hospitality Management , 24(2), 312-334. ), configurando-se como uma ferramenta de competitividade, capaz de promover localidades, atrativos e comunidades rurais, criando uma identidade (Alonso & Liu, 2010Alonso, A. & Liu, Y. (2010). Wine tourism development in emerging Western Australian regions. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 22(2), 245-262. ). Para Barbosa, Lacerda, Viegas e Santos (2017Barbosa, F. S., Lacerda, D. P., Viegas, C. V., & Santos, A. S. (2017). Rotas turísticas em regiões vinícolas: enoturismo na campanha do Rio Grande do Sul - Brasil. Revista Turismo - Visão e Ação, 19 (1), 31-51. ), o enoturismo tem sido um fator determinante no desenvolvimento de algumas localidades rurais que não possuem outras alternativas econômicas.

O crescimento dos negócios, a geração de empregos, a venda de produtos locais, a atração de visitantes para as áreas rurais e o crescimento das oportunidades para investimento são alguns dos potenciais benefícios gerados pelo turismo do vinho (Hall et al., 2004Hall, C., Sharples, L., Cambourne, B., & Macionis, B. (2004). Wine Tourism around the world: development, management and markets. Oxford: Elsevier. ). Para as vinícolas, é importante para a construção e o fortalecimento do relacionamento com os clientes, além de impulsionar a venda direta, fornecendo fluxo de caixa e ajudando a alcançar um melhor mix de vendas e um rendimento mais alto, além de aumentar a visibilidade dos produtos, o que pode ser essencial para os negócios de vinícolas menores (Hall et al., 2004).

Iglesias e Navarro (2014), ao estudarem o desenvolvimento do enoturismo a partir de vinícolas familiares na Espanha, observam que muitas vezes os pequenos produtores enfrentam limitações financeiras que impedem uma maior integração à atividade turística. Por conta disto, o turismo é muitas vezes desenvolvido como uma atividade secundária e até mesmo terciária nestes estabelecimentos, já que os esforços se concentram na manutenção da produção. Contudo, principalmente por conta da dificuldade de as pequenas vinícolas alcançarem os canais tradicionais de distribuição (como supermercados e lojas especializadas), o desenvolvimento enoturístico pode dinamizar a venda dos produtos e a fidelização à marca, já que a visitação pode criar uma experiência emocional positiva. Ainda, ressaltam os autores, a eliminação de intermediários na cadeira de distribuição pode contribuir para a saúde financeira destes empreendimentos.

Porém, como destacam Lavandoski, Silva, Vargas-Sanchez e Pinto (2017Lavandoski, J., Silva, J. Vargas-Sanchez, A. & Pinto, P. (2017). Indutores e efeitos do desenvolvimento do enoturismo nas vinícolas: a perspectiva das capacidades dinâmicas. Revista Turismo: Visão e Ação, 19 (3), 458-486. ), é importante observar que no contexto organizacional o desenvolvimento de atividades turísticas exige que as vinícolas ingressem no setor terciário, desenvolvendo a prestação de serviços em conjunto com as atividades tradicionais relacionadas ao setor primário (agricultura) e ao secundário (indústria). Neste processo, alertam os autores, é preciso desenvolver novos processos internos, novas rotinas e capacidades organizacionais, direcionando parte dos recursos humanos para o atendimento de visitantes e realizando adaptações na estrutura física para receber estes fluxos.

O enoturismo teve início no Brasil na década de 1930 (Valduga, 2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Cultur, 6(2), 127-143. ) e desde então vem se desenvolvendo. Valduga e Gimenes-Minasse (2018) observam que, nos últimos 20 anos, a atividade, antes concentrada principalmente no sul do país, vem se descentralizando, resultado da própria expansão da vitivinicultura nacional. Neste contexto, ressaltam os autores, por conta da diversidade climática e de solo (e suas implicações no terroir) e também da multiplicidade cultural das diferentes regiões, o enoturismo brasileiro apresenta diferentes características e níveis de desenvolvimento.

Analisando a literatura acadêmica produzida sobre destinos enoturísticos brasileiros, observa-se que boa parte se dedica a analisar regiões mais consolidadas, como as contribuições de Tonini (2009Tonini, H. (2009). Economia da experiência: o consumo de emoções na Região da Uva e do Vinho. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo , 3(1), 90-107. ) sobre a economia da experiência associada ao enoturismo na Região da Uva e do Vinho (RS); de Zanini e Rocha (2010Zanini, T. & Rocha, J. (2010). O enoturismo no Brasil: um estudo comparativo entre as regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos (RS) e do Vale do São Francisco (BA/PE). Revista Turismo em Análise , 21(1), 643-662.), sobre as regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos (RS) e Vale do São Francisco (BA/PE); de Tonini e Lavandoski (2011), sobre o consumo de experiências no Vale dos Vinhedos (RS); de Valduga (2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Cultur, 6(2), 127-143. ), sobre o desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS); de Dias e Vital (2012Dias, P. & Vital, T. (2012) O desenvolvimento do enotuirsmo no Vale do São Francisco: um segmento em expansão. Revista Turismo em Análise , 23(3), 643-662. ), sobre o desenvolvimento do enoturismo no Vale do São Francisco (BA/PE); de Lavandoski, Tonini e Barretto (2012Lavandoski, J., Tonini, H., & Barretto, M. (2012). Uva, vinho e identidade cultural na Serra Gaúcha (RS), Brasil. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo , 6 (2), 216-232. ), sobre a identidade cultural associada ao enoturismo na Serra Gaúcha (RS); de Castro, Santos, Gimenes-Minasse e Giraldi (2017Castro, V., Santos, G., Gimenes-Minasse, M., & Giraldi, J. (2017). Práticas de visitação nas vinícolas da Serra Gaúcha: unindo vitivinicultura e turismo no sul do Brasil. Revista Turismo em Análise , 28(3), 380-402. ), sobre as práticas de visitação em vinícolas da Serra Gaúcha (RS); Salvagni, Valduga e Nodari (2017Salvagni, J., Valduga, V., & Nodari, C. (2017). Cooperação como propulsora da inovação em turismo na região Uva e Vinho do Rio Grande do Sul,Brasil. Otra Economía, 10(1), 253-262. ), sobre cooperação e inovação na região da Uva e do Vinho (RS); e de Gabardo e Valduga (2020Gabardo, W. & Valduga, V. (2020). Ruralidades e enoturismo no Vale dos Vinhedos/Serra Gaúcha - RS. Campo.Território, 14(1), 1-18. ), sobre a relação entre enoturismo e ruralidade no Vale dos Vinhedos/Serra Gaúcha (RS), dentre outros trabalhos que podem ser mencionados. Estes trabalhos possuem grande relevância por sistematizar e analisar dados de casos de sucesso, apresentando subsídios que podem orientar a tomada de decisões de outras inciativas em fase preliminar de desenvolvimento.

Há, também, pesquisas voltadas para destinos enoturísticos menos conhecidos e em diferentes patamares de desenvolvimento, como o trabalho de Losso e Pereira (2011Losso, F. & Pereira, R. (2011). A produção de vinhos finos de altitude e a introdução do enoturismo na região de São Joaquim (SC): notas preliminares. Revista Turismo: Visão e Ação , 13(2), 186-200. ), sobre o desenvolvimento do enoturismo na Região de São Joaquim (SC); de Losso e Pereira (2014), sobre o desenvolvimento da vitivinicultura de altitude em São Joaquim, Caçador e Campos Novos (SC); de Duarte (2014Duarte, T. (2014). Identidade territorial e vitivinicultura: o enoturismo na Colônia Maciel - Pelotas, RS. Revista de Turismo Contemporâneo, 2(2), 227-247. ), sobre a relação entre vitivinicultura e identidade cultural em Colônia Maciel (RS); de Bizinelli, Manosso, Gimenes-Minasse e Souza (2014Bizinelli, C., Manosso, F., Gimenes-Minasse, M., & Souza, S. (2014). Enoturismo e Turismo de Experiência: novas possibilidades para a inclusão de pessoas com deficiência visual - Vinícola Dezem (Toledo, Brasil). Turismo e Sociedade, 7(3), 495-522. ), sobre o inclusão de pessoas com deficiência visual em visitações na Vinícola Dezem (Toledo, PR); de Nitsche, Neri e Pinheiro (2014Nitsche, L., Neri, L., & Pinheiro, Z. (2014). O potencial de Bituruna para o enoturismo no Estado do Paraná, Brasil. Turismo e Sociedade , 7(3), 542-553. ), sobre o potencial enoturístico do município de Bituruna (PR); de Margraf e Medeiros (2016Margraf, W. & Medeiros, M. (2016). Uva, vinho e anarquismo: perspectivas e possibilidades para o enoturismo na região de Palmeira (PR). Applied Tourism, 1(2), 181-203. ), sobre o desenvolvimento do enoturismo na região de Palmeira (PR); de Barbosa et al. (2017Barbosa, F. S., Lacerda, D. P., Viegas, C. V., & Santos, A. S. (2017). Rotas turísticas em regiões vinícolas: enoturismo na campanha do Rio Grande do Sul - Brasil. Revista Turismo - Visão e Ação, 19 (1), 31-51. ), sobre as rotas turísticas na Região de Campanha (RS); de Santos e Gimenes-Minasse (2019Santos, B. & Gimenes-Minasse, M. (2019). Da Festa do Vinho à Expo São Roque: a trajetória dos eventos gastronômicos de São Roque (SP). Revista Iberoamericana de Turismo, 9(2), 68-86. ), sobre os eventos pautados na vitivinicultura de São Roque (SP); de Bernier, Valduga, Gabardo e Gândara (2020Bernier, E., Valduga, V.; Gabardo, W., & Gândara, J. M. (2020). Enoturismo na região metropolitana de Curitiba: realidades e desafios de um novo território do vinho. Pasos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural (Online), 18 (1), 39-56. ), sobre o enoturismo na região metropolitana de Curitiba (PR), dentre outros trabalhos que podem ser mencionados. Estes trabalhos possuem relevância por darem visibilidade a destinos enoturísticos ainda pouco conhecidos, analisando e problematizando estas iniciativas.

Diante de contextos e realidades tão diversos, diferentes atrativos enoturísticos podem ser desenvolvidos, conforme pode ser observado no Quadro 1:

Quadro 1
Atrativos enoturísticos

Ao analisarem a oferta enoturística brasileira, Valduga e Gimenes-Minasse (2018Valduga, V. & Gimenes-Minasse, M. (2018). O Enoturismo no Brasil: principais regiões e características da atividade, Territoires du vin, 9(1), 9-25. ) destacam algumas iniciativas originais, como a Wine Run (meia maratona realizada no Rio Grande do Sul que acontece em meio a uma programação de atividades voltadas ao vinho) e o Vapor do Vinho (embarcação que percorre o Rio São Francisco (PE/BA) oferecendo atrações musicais e paradas para degustação). Observa-se que a oferta de diferentes atividades é estratégica para suprir diferentes expectativas do enoturista, ampliando a possibilidade de atender diferentes tipos de perfis de visitantes (Alonso & Liu, 2010Alonso, A. & Liu, Y. (2010). Wine tourism development in emerging Western Australian regions. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 22(2), 245-262. ) que podem também visitar a mesma vinícola simultaneamente.

Ilustrando os diferentes perfis de enoturistas, pode-se mencionar o estudo de Charters e Ali-Knight (2002Charters, S. & Ali-Knight, J. (2002). Who is the wine tourist? Tourism Management, 23(3), 311-319. , p. 315-316), realizado na Austrália, que identificou quatro categorias: (1) amante do vinho (wine lover): visitantes que possuem um conhecimento abrangente sobre vinhos e cuja motivação reside na compra de produtos, na degustação e no aprendizado sobre o vinho e em harmonizações com alimentos, usufruindo do estilo de vida associado à bebida e mostrando pouco interesse por atividades secundárias; (2) conhecedor de vinhos (connoisseur): subcategoria do grupo wine lover com interesses específicos sobre a produção de vinhos e o cultivo de uvas; (3) interessado no vinho (wine interested): visitantes que provavelmente já participaram de degustações anteriormente, mas não possuem muito conhecimento, sendo motivados especialmente por informações sobre o armazenamento e o envelhecimento de vinhos, bem como por compras e degustações; (4) novato do vinho (wine novice): curiosos e com pouco conhecimento prévio, interessam-se mais por um passeio mais ativo pela vinícola do que por degustações isoladas. Tem-se claro, portanto, a importância da diversificação de atividades pelas vinícolas que desejam aumentar a sua atratividade diante de diferentes públicos.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo desenvolvida a partir de pesquisa bibliográfica, de observações diretas não participantes no município e nas vinícolas e de entrevistas semiestruturadas com os gestores das vinícolas e com um representante da Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Turismo e Cultura do Município de Andradas (MG).

Uma observação não participante é aquela em que o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, ao grupo ou à situação que pretende estudar, observa de forma espontânea os fatos ocorridos, atuando como um espectador. No município, a observação direta não participante teve como objetivo coletar dados referentes à sinalização e às informações oferecidas aos turistas, entre outros dados. O roteiro desta observação foi baseado em Grinover (2009Grinover, L. (2009). A hospitalidade na perspectiva do espaço urbano. Revista Hospitalidade , 7(1), 04-16. , 2017) e Petrocchi (2005Petrocchi, M. (2005). Turismo: planejamento e gestão (7a ed.). São Paulo: Futura. ). Nas vinícolas, a observação teve como objetivo relatar a estrutura dos empreendimentos, as práticas de visitação e outras atividades oferecidas, além de buscar perceber de que formas a hospitalidade e o acolhimento são manifestados.

O município possui sete vinícolas em operação. Mediante consulta telefônica, foram identificadas aquelas abertas para visitação, apresentadas no Quadro 2:

Quadro 2
Relação das vinícolas do Município de Andradas (MG) e suas principais características

A entrevista com um representante da Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Turismo e Cultura do Município de Andradas (MG) teve como objetivo identificar as ações voltadas para o desenvolvimento turístico local e como este órgão público percebe o enoturismo neste contexto. As entrevistas com os gestores das vinícolas procuraram levantar informações sobre as características de cada empreendimento, além de detalhes sobre o planejamento e a operacionalização das atividades enoturísticas desenvolvidas, bem como a percepção sobre a importância da hospitalidade neste processo.

A caracterização dos depoentes pode ser observada no Quadro 3:

Quadro 3
Relação de depoentes e seus respectivos cargos

O Quadro 4 apresenta o referencial teórico que orientou a construção de cada roteiro.

Quadro 4
Autores que embasaram os roteiros das abordagens de coleta de dados

As entrevistas foram transcritas integralmente (excluindo os vícios de linguagem) e analisadas pelo método de análise de conteúdo categorial proposto por Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70. ), uma técnica que consiste no desmembramento do texto em categoriais agrupadas analogicamente. Este tipo de análise é a melhor alternativa quando se quer estudar valores, opiniões, atitudes e crenças por meio de dados qualitativos. As categorias utilizadas foram selecionadas a piori, sendo elas: enoturismo, acolhimento, comensalidade e hospitalidade. A apresentação dos resultados - das entrevistas e das observações - foi realizada por meio da transcrição de trechos significativos e de quadros síntese.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Andradas limita-se, entre outros municípios, com Poços de Caldas (MG) e Espírito Santo do Pinhal (SP), destinos turísticos de grande apelo regional. Segundo a entrevistada Cancherini, não há estudos sobre a demanda turística, mas a maioria dos turistas é proveniente do interior de Minas Gerais e de São Paulo. A oferta turística do município se baseia no Caminho de Féc c O Caminho da Fé foi inspirado no Caminho de Santiago de Compostela (Espanha) e tem como objetivo apoiar as pessoas que realizam a peregrinação ao Santuário Nacional de Aparecida, oferecendo-lhes pontos de apoio (Caminho da Fé, 2017). , em elementos naturais e no enoturismo (desenvolvido por meio da Festa do Vinhod d A “Festa do Vinho” é realizada desde 1954 e é considerada uma herança da população italiana e de outros agentes sociais que viveram nesta região e se dedicaram ao cultivo de uvas e à fabricação de vinhos. Ela foi reconhecida como patrimônio imaterial do município em 30 de novembro de 2018 com sua inscrição no Livro de Registro das Celebrações. O evento dura 4 dias e conta com shows musicais de estilos variados, praça de alimentação, stands das vinícolas locais e um espaço chamado “Escola do Vinho” (onde são ministrados cursos sobre produção, história, degustação e harmonização com a bebida), além de encenações sobre a história do vinho e a imigração italiana e a realização de um desfile de encerramento (Portal da Prefeitura de Andradas, 2019). Segundo Cancherini, o evento é frequentando principalmente por moradores e visitantes oriundos dos municípios limítrofes. e da atuação das vinícolas).

A divulgação do município atualmente é realizada basicamente pela rede social Facebook e pelo website da Prefeitura. A análise do perfil no Facebook revelou tratar-se de um canal destinado à população; já o website possui um espaço destinado ao enoturismo, onde constam as vinícolas (com endereços e contatos) e uma breve apresentação da Festa do Vinho. É possível encontrar informações em outras fontes digitais, como o website TripAdvisor e em blogs não oficiais com sugestões sobre a região.

Os visitantes que já se encontram na cidade podem recorrer ao Centro de Atendimento ao Turista, localizado na região central. Ali é possível encontrar, dentre outras informações, um folheto sobre a “Rota do Vinhoe e Nunca houve, contudo, uma iniciativa formal para a criação de uma Rota do Vinho no município. ”, um material produzido pela Prefeitura entre 2005 a 2008 que resume a história do vinho em Andradas (MG) e contém uma figura com a distribuição das vinícolas no município (incluindo uma já desativada) identificadas por seus logotipos. Contudo, nas proximidades do Centro não há outdoors ou qualquer outra comunicação sinalizando a direção das vinícolas ou o início da tal Rota. Há apenas, nas proximidades das vinícolas, sinalizações providenciadas pelos próprios empreendimentos: algumas de aspecto profissional (pertencentes às vinícolas maiores), outras improvisadas (pintadas em muros residenciais, pertencentes às vinícolas menores). Observa-se que as carências em termos de divulgação e sinalização dificultam não apenas a captação de visitantes, mas também impedem que aqueles que já estejam na região aproveitem mais adequadamente seu tempo na cidade e conheçam outros atrativos, aumentando assim o potencial de gasto no local.

Práticas de visitação nas vinícolas locais

Atualmente existem sete vinícolasf f As vinícolas Casa Geraldo/Campino e J. Bertoli/Nau Sem Rumo possuem duas marcas distintas para comercialização. em operação: Vinícola Basso, Vinícola J. Bertoli/ Nau sem Rumog g A partir de agora mencionada apenas como J. Bertoli. , Vinícola Muterle, Vinícola Beloto, Vinícola Casa Geraldo/ Campinoh h A partir de agora mencionada apenas como Casa Geraldo. , Vinícola Stella Valentino e Vinícola Marcon (que não abre para visitação e apenas comercializa os vinhos no local). O Quadro 5 apresenta os estabelecimentos que abrem para visitação:

Quadro 5
Quadro síntese das vinícolas que abrem para visitação organizado por ano de fundação

Alguns entrevistados não souberam indicar informações vitais para uma gestão e planejamento mais profissionais de seus empreendimentos. Observou-se que há considerável diferença de volume de produção (e consequente número de funcionários) entre as vinícolas, bem como de padrões de estrutura para visitação, conforme indica o Quadro 6:

Quadro 6
Quadro síntese da estrutura das vinícolas

As vinícolas Basso, Muterle, Casa Geraldo e Stella Valentino possuem estacionamento, parreirais, área de degustação, área de produção e armazenamento. Não possuem parreiral a J. Bertoli e Beloto e não possui área de produção a Stella Valentino. Na vinícola Basso não foram encontrados banheiros exclusivos para os visitantes, o que pode gerar desconforto e constrangimento aos usuários. A Vinícola Casa Geraldo é a que oferece a estrutura mais completa: é a única com restaurante, auditório, sala de degustações e bar; é também a que recebe seus visitantes de forma mais profissional - e a única que cobra pela visitação, dando, de brinde, uma taça de acrílico personalizada.

Em relação à comercialização dos produtos, observa-se que apenas a Beloto e a Casa Geraldo possuem lojas: a da Beloto comercializa apenas suas bebidas; já a loja da Casa Geraldo comercializa suas bebidas e produtos relacionados ao universo do vinho, além de itens como o azeite Casa Geraldo e taças com o logotipo da vinícola. A vinícola Basso e a J. Bertoli produzem vinhos por encomenda, engarrafando vinhos com rótulos personalizados. As demais vinícolas também comercializam seus vinhos para os visitantes, mas sem um ambiente específico. Castro et al. (2017Castro, V., Santos, G., Gimenes-Minasse, M., & Giraldi, J. (2017). Práticas de visitação nas vinícolas da Serra Gaúcha: unindo vitivinicultura e turismo no sul do Brasil. Revista Turismo em Análise , 28(3), 380-402. ) indicam a importância das lojas nas vinícolas e dos itens personalizados (memorabilia) para auxiliar na divulgação e na fixação da marca junto ao consumidor, além de complementar a renda do empreendimento com produtos voltados ou não ao universo de vinhos. A diminuição dos custos com intermediários, como relatado por Iglesias e Navarro (2014), também é um benefício que se estende às vinícolas estudadas, especialmente as menores.

Todas as vinícolas abrem de segunda a domingo, com exceção da Vinícola J. Bertoli, que atende o público apenas por agendamento. Todas as vinícolas oferecem informações sobre a produção e a degustação de vinhos em visitações que são conduzidas normalmente pelos proprietários (com exceção da Casa Geraldo, onde isto só acontece em passeios especiais) e alguns funcionários. Como observado por Iglesias e Navarro (2014) e Lavandoski et al. (2017Lavandoski, J., Silva, J. Vargas-Sanchez, A. & Pinto, P. (2017). Indutores e efeitos do desenvolvimento do enoturismo nas vinícolas: a perspectiva das capacidades dinâmicas. Revista Turismo: Visão e Ação, 19 (3), 458-486. ), o início das atividades enoturísticas envolve também os recursos humanos de cada empreendimento, o que se desdobra principalmente em contratações e treinamentos. No caso de Andradas (MG), observou-se que nas vinícolas menores os funcionários dedicados à produção também assumem funções durante as visitações. Verificaram-se ainda outras formas de multifuncionalidade em todas as vinícolas: funcionários que não estavam guiando visitas se dedicavam à mise-en-place ou à limpeza das áreas de degustação, dentre outras atividades. Os custos relacionados à manutenção de funcionários associado ao fato das visitações serem atividades secundárias ou terciárias das vinícolas visitadas parecem justificar este quadro.

Todas as vinícolas participam da Festa do Vinho, mas apenas a Casa Geraldo realiza eventos próprios, particulares (como casamentos) ou não. O Quadro 7 sintetiza os serviços oferecidos:

Quadro 7
Quadro síntese dos serviços oferecidos pelas vinícolas

A Casa Geraldo se destaca pela variedade de serviços prestados que resultam em um maior potencial para atender diferentes tipos de interesse. O Quadro 8 especifica as visitações oferecidas.

Quadro 8
Quadro síntese dos tipos de visitação das vinícolas

De acordo com as categorias dos programas de visitação propostas por Castro et al. (2017Castro, V., Santos, G., Gimenes-Minasse, M., & Giraldi, J. (2017). Práticas de visitação nas vinícolas da Serra Gaúcha: unindo vitivinicultura e turismo no sul do Brasil. Revista Turismo em Análise , 28(3), 380-402. ), na categoria Regular, estão a Basso, a J. Bertoli e a Beloto, por concentrarem suas atividades em informações gerais, degustação e visitação a algumas áreas da vinícola. Na categoria Diferenciada, estão a Muterle, a Stella Valentino e a Casa Geraldo, por oferecerem informações sobre a produção e a degustação de vinhos, degustações diferenciadas (Stella Valentino e Casa Geraldo), colheita de uva (Vinícola Muterle e Casa Geraldo) e outras atividades. Contudo é evidente que a Casa Geraldo se destaca em relação às demais vinícolas de sua categoria.

Todas as vinícolas possuem adaptações para receber visitantes. O Quadro 9 indica o ano de início de operação de cada vinícola, o ano em que as visitações foram iniciadas e as principais adaptações realizadas para atender visitantes:

Quadro 9
Quadro síntese das principais adaptações para receber os visitantes

As vinícolas se engajaram em atividades enoturísticas em anos distintos, sendo que duas foram inauguradas já oferecendo visitações. As adaptações se concentraram basicamente nas estruturas dos imóveis, sendo a Casa Geraldo a vinícola que mais investiu para criar ambientes específicos. Como observado por Iglesias e Navarro (2014) e Lavandoski et al. (2017Lavandoski, J., Silva, J. Vargas-Sanchez, A. & Pinto, P. (2017). Indutores e efeitos do desenvolvimento do enoturismo nas vinícolas: a perspectiva das capacidades dinâmicas. Revista Turismo: Visão e Ação, 19 (3), 458-486. ), o início das atividades enoturísticas exige adaptações para o bom atendimento dos visitantes, mas, muitas vezes, vinícolas menores enfrentam limitações orçamentárias que impedem alterações mais abrangentes da infraestrutura física, principalmente quando as visitações não são percebidas como uma atividade primordial. Porém, a indicação espontânea por representantes de 5 vinícolas de planos de ampliação e de melhoria das instalações e dos serviços prestados, visando também o aumento de pontos de venda e faturamento, evidencia a importância dada por estes empreendimentos às atividades enoturísticas. Andradas oferece 9 dos 18 atrativos enoturísticos identificados na literaturai i i Participação na elaboração de vinhos, hospedagem na região produtora de vinhos, visitação a feiras e museus, piqueniques nas vinícolas, cursos sobre vinhos, transportes associados ao enoturismo, vinhoterapia e wine run não foram observados. (Quadro 1), a grande maioria a partir de suas vinícolas: visitações aos setores de produção e armazenamento de vinho, visitação aos vinhedos, degustação de vinhos, informações sobre o processo de produção de vinhos, colheita de uvas, harmonizações de vinhos com alimentos, lojas de varejo e produtos locais (artesanato), gastronomia local; além da Festa do Vinho (eventos e festivais do vinho). Isto demonstra certa diversidade da oferta enoturística existente, mas também aponta para outras atividades que podem ser desenvolvidas visando ao fortalecimento do enoturismo local. Porém, a oferta de atrativos não é uniforme: a Casa Geraldo oferece 11; enquanto as vinícolas Muterle e Stella Valentino oferecem 5; a vinícola Stella Valentino, as vinícolas Basso e Beloto apresentam 4; e a vinícola J. Bertoli, 3. Considerando a estrutura física e as atividades ofertadas, a vinícola Casa Geraldo constitui o principal agente do enoturismo local. A análise da oferta das vinícolas indica, considerando a tipologia proposta por Charters e Ali-Knight (2002Charters, S. & Ali-Knight, J. (2002). Who is the wine tourist? Tourism Management, 23(3), 311-319. ), que as vinícolas andradenses em seu conjunto parecem estar preparadas para atender principalmente a categoria “novato no vinho”, havendo também algumas vinícolas que possam receber integrantes da “interessado no vinho” adequadamente (como a Vinícola Casa Geraldo).

Hospitalidade, acolhimento e comensalidade nas Práticas de visitação

Para Grinover (2017Grinover, L. (2017). A cidade à procura da hospitalidade. São Paulo: Aleph .), a hospitalidade e o acolhimento estão relacionados com os espaços e podem ser manifestados por elementos tangíveis e intangíveis. Dentre os elementos tangíveis observados nesta pesquisa, estão placas de “bem-vindo” (indicando acolhimento), sinalização interna (orientando os visitantes) e estrutura bem cuidada (proporcionando conforto). Estes elementos são importantes pois, como indicado por Avena (2001Avena, B. M.(2001). Acolhimento de qualidade: fator diferenciador para o incremento do Turismo. Turismo em Análise, 12(1), 20-29. ), a impressão de “primeiro acolhimento” pode ser crucial na percepção da qualidade do serviço prestado. De maneira geral, as vinícolas apresentaram boa estrutura e cuidados com limpeza e apresentação (exceção feita à vinícola J. Bertoli, que apresentou entulhos no estacionamento, janelas quebradas, paredes mofadas na área interna da vinícola e muitas aves sobrevoando a área de armazenamento de vinhos, o que gerou desconforto e a vontade de não permanecer no local). Dentre os elementos intangíveis relacionados à interação entre pessoas analisados nesta pesquisa, estão a postura dos funcionários diante dos visitantes e a forma de condução das visitas e das degustações, principalmente em relação a como se dá o atendimento, a disponibilidade e a forma de responder às dúvidas, se há preocupação com o bem-estar do grupo. O Quadro 10 sintetiza o primeiro acolhimento proporcionado pelas vinícolas.

Quadro 10
Como os visitantes são recebidos e como se dá a obtenção de informações básicas

As observações permitiram verificar que os funcionários atendem aos visitantes de forma cordial e receptiva, buscando sanar dúvidas e fornecer informações em diferentes momentos e locais, colocando os visitantes à vontade. As degustações (nos passeios ou na venda) foram o principal momento de interação entre funcionários e visitantes e também entre os próprios visitantes.

Há um roteiro estruturado na fala dos atendentes/proprietários, principalmente para contar a história da vinícola e explicar sobre os vinhos e as áreas de produção. Por exemplo, em diferentes visitas o sommelier da Casa Geraldo/Campino repetiu piadas que auxiliam na descontração dos visitantes e favorecem a interação entre eles. Mas também há espontaneidade, com adaptações de acordo com os grupos. Mesmo nas vinícolas que oferecem visitações convencionais (Basso e Beloto), a hospitalidade e o acolhimento proporcionados tornam as visitas muito agradáveis e se constituem um diferencial. Isto ocorre inclusive na Vinícola J. Bertoli, que possui problemas de apresentação física - o acolhimento, neste caso, não apaga os problemas relacionados à apresentação física, mas o ameniza, remetendo ao que é proposto por Avena (2001Avena, B. M.(2001). Acolhimento de qualidade: fator diferenciador para o incremento do Turismo. Turismo em Análise, 12(1), 20-29. ).

A percepção do atendimento proporcionado pelas vinícolas foi muito positivo: em todas se notou uma preocupação genuína com o conforto dos visitantes (principalmente com idosos) e a tentativa de cativá-los a partir da oferta de pequenas surpresas (como a degustação de uma bebida que não estava prevista). Consideram- se tais momentos como manifestações da hospitabilidade, conforme descrito por Telfer (2004Telfer, E. (2004). A filosofia da “hospitabilidade”. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.). Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado . São Paulo: Manole , 53-78. ), e também uma tentativa de oferecer, a partir da hospitalidade e do acolhimento, um serviço diferenciado e personalizado, capaz de garantir a satisfação do visitante, como indicado por Gotman (2009Gotman, A. (2009). O comércio da hospitalidade é possível? Revista Hospitalidade , 6(2), 3-27. ).

Na Casa Geraldo e na Vinícola Beloto, o atendimento aos visitantes é feito quase que exclusivamente por funcionários, tarefa que nas demais vinícolas é exclusiva (Vinícola Basso) ou desempenhada principalmente pelo proprietário (J. Bertoli, Muterle e Stella Valentino). Nas visitas conduzidas pelo proprietário, foi possível perceber o orgulho de levar o sobrenome da vinícola, da trajetória do empreendimento e a preocupação em cuidar e desenvolver uma empresa fundada por seus antepassados. A relação sentimental com aquele espaço fica evidenciada e incentiva os visitantes a estabelecer outro tipo de relação com o local visitado, não se tratando de “mais uma empresa”. A visitação, por meio da hospitalidade, realça seu caráter de relação social entre quem recebe e quem é recebido (Bueno, 2016Bueno, M. S. (2016). O desafio da Hospitalidade. Revista Hospitalidade, 13, 04-07. ). Tal percepção relaciona-se com o que é apontado por Valduga (2007Valduga, V. (2007). O processo de desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS). Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. ): o encontro com o produtor é um dos principais atrativos do enoturismo.

Quando questionados se suas vinícolas são hospitaleiras, todos os depoentes disseram que sim. Dentre as justificativas, constam: fazer de tudo para proporcionar aconchego e atender bem seus clientes para que retornem (Vinícola Basso); fazer tudo o que o cliente pede (Vinícola Bertoli); fazer tudo com amor e dedicação (Vinícola Muterle); ser humilde e tratar bem os visitantes (Vinícola Beloto); ter habilidade para conversar com os clientes (Vinícola Stella Valentino). O gestor da Casa Geraldo ressaltou o bom atendimento e ressaltou que, sem produtos de qualidade e sem um atendimento hospitaleiro, ninguém dura no mercado do enoturismo.

Perguntou-se também sobre o significado do termo hospitalidade, conforme pode ser observado no Quadro 11:

Quadro 11
Quadro síntese referente à visão dos gestores sobre o significado do termo hospitalidade

Alguns comentários enfatizam a perspectiva emocional, que implica no estabelecimento de uma relação com o visitante extrapolando a oferta de um atendimento correto e protocolar: são iniciativas destinadas a receber e acolher, da melhor maneira possível, o outro em seu espaço (uma referência às ideias de Bueno (2016Bueno, M. S. (2016). O desafio da Hospitalidade. Revista Hospitalidade, 13, 04-07. )). Estas concepções aproximam-se, portanto, à concepção de que a hospitalidade está associada à manifestação ou à recriação dos vínculos sociais marcadas pela troca do calor humano e sentimentos como a amizade e o amor (Camargo, 2015Camargo, L. O. de L. (2015). Os interstícios da hospitalidade. Revista Hospitalidade , 12, 42-69. ).

Retoma-se às contribuições de Gastal et al. (2010Gastal, S., Costa, L de C. N. & Machado, F. C. (2010). Hospitalidade e acolhimento: o século XIX no sul do Brasil. Revista Hospitalidade , 7(1), 43-64. ), que enfatizam que, sob a perspectiva do turismo, o acolhimento é indispensável para tornar um destino mais humano e despertar no turista o desejo do retorno por sentir que sua presença é desejada. Entretanto, ao contrário do que estabelece Avena (2006Avena, B. (2006). Turismo, educação e acolhimento: um novo olhar. São Paulo: Roca. ), ao defender que o acolhimento seja pensando desde o planejamento de uma atividade, cidade ou região turística, o que se verifica em Andradas e em suas vinícolas são manifestações acolhedoras de caráter espontâneo, sem que haja um planejamento de ações ou scripts específicos para gerar tal efeito. Em relação às práticas relacionadas à comensalidade, o aspecto mais evidente foi a oferta das degustações, tendo em vista que apenas uma vinícola possui um restaurante e outra ofereça atividades de harmonização mediante agendamento. No momento das degustações, os funcionários se mostraram atenciosos e amigáveis, interagindo a partir das explicações, das respostas aos questionamentos e dos comentários sobre as opiniões emitidas pelos visitantes. Pôde-se notar que estes momentos, em que todos partilhavam suas experiências e conhecimentos, eram importantes para a criação de vínculos entre os próprios visitantes e entre os visitantes e os anfitriões. Como observa Tonini (2011Valduga, V. (2007). O processo de desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS). Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. , p.136), “beber, degustar, contemplar e compartilhar são ações realizadas pelo enoturista que refletem formas de satisfazer a necessidade de encontro com o outro, com o novo e o diferente”.

Todas as vinícolas oferecem degustações gratuitas - na Casa Geraldo é possível fazê-las no Atrium, mesmo sem participar dos passeios. Como já observado, as degustações são momentos privilegiados de interação, confirmando a capacidade da comensalidade de criar e fortalecer laços (Fischler, 2011Fischler, C. (2011). Commensality, society and culture. Social Science Information, 50(4), 528-548. ; Sobal, 2000Sobal, J. (2000). Sociability and meals: facilitation, commensality and interaction, In Meiselman, H. L. (Ed.). Dimensions of the meal: the science, culture, business and art of eating. United States: Aspen Publication, 119-133. ; Lashley & Morrison, 2004Lashley, C. & Morrison, A. (2004). Em busca da hospitalidade. São Paulo: Manole . ; Boutaud, 2011Boutaud, J. J. (2011). Comensalidade: compartilhar a mesa. In Montandon, A. (Org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo: Senac, 1213-1220. ). Nestes momentos, não há obrigatoriedade de compra, mas a aquisição de um produto pode ser motivada por sentimentos como gratidão pelo atendimento prestado ou pela necessidade de retribuir um bom atendimento (além, claro, da qualidade do produto percebida). As duas primeiras motivações podem remeter ao ciclo da dádiva, regulado por três obrigações interligadas: dar, receber, retribuir (Mauss, 2003Mauss, M. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac e Naify. ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa foi conduzida por duas perguntas norteadoras: De que forma o enoturismo está sendo desenvolvido no Município de Andradas (MG) e qual o papel das vinícolas locais neste processo? E como os conceitos de hospitalidade, acolhimento e comensalidade estão presentes nas práticas de visitação oferecidas pelas vinícolas do Município de Andradas (MG)?

Em relação ao primeiro problema de pesquisa, verificou-se que o desenvolvimento enoturístico local não contou e não conta com uma ação de planejamento público e tem ocorrido de forma pouco sistemática, com as vinícolas desempenhando um papel central. A Festa do Vinho, apesar de tradicional, figura em segundo plano, atraindo principalmente os próprios munícipes. Neste sentido, destaca- se a importância da Vinícola Casa Geraldo (a com maior estrutura de visitação e com a programação de atividades mais completa) como geradora de interesse e fluxos de visitação, que podem ser também aproveitados pelas demais vinícolas. Ressalta-se, contudo, a importância de uma adequada divulgação e sinalização do conjunto de atrativos oferecidos pelo município para que isto possa ocorrer. Percebe- se que o enoturismo de Andradas (MG) deve seu desenvolvimento ao esforço individual de vitivinicultores que viram nas atividades de visitação uma possibilidade de complementação de renda (com a venda direta de seus vinhos e outros produtos) e de divulgação de sua produção. O desenvolvimento destas atividades de visitação se deu muitas vezes de forma pouco planejada (com exceção feita às ações da Casa Geraldo), limitada pelas restrições financeiras dos empreendedores, o que resultou em muitos casos em estruturas de visitação bastante simples e em atividades realizadas apenas mediante agendamento, tendo em vista o pequeno número de funcionários.

Em relação ao segundo problema de pesquisa, verifica-se que as observações realizadas nos empreendimentos permitiram perceber a presença dos conceitos de hospitalidade e de acolhimento nas atividades oferecidas, mesmo que não se tenha identificado uma clareza conceitual ou um planejamento específico para colocá-los em prática. A hospitalidade e o acolhimento oferecidos parecem ser mais orgânicos e baseados nas aptidões individuais (simpatia, calor humano, preocupação com o outro) manifestadas pelos proprietários e funcionários que conduzem o atendimento e as visitas, constituindo um exemplo de hospitabilidade na prática (Telfer, 2004Telfer, E. (2004). A filosofia da “hospitabilidade”. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.). Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado . São Paulo: Manole , 53-78. ). A comensalidade acontece principalmente por meio das degustações que ocorrem durante as visitas, tendo em vista que os serviços de alimentação e atividades de harmonização comida/ bebida são atualmente pouco explorados.

Andradas (MG) já se constituiu como uma referência regional para o enoturismo, mas é preciso investimento público e privado para que possa desenvolver seu potencial. Um aspecto bastante positivo é que todos os proprietários e representantes de vinícolas demonstraram orgulho em fazer parte de um município conhecido pela produção de vinho e também bastante otimismo em relação ao futuro, apresentando, espontaneamente, seus planos de expansão e de melhoria de suas instalações e atividades. A menção à união entre as vinícolas, presente no depoimento da representante da Prefeitura, é outro bom indício deste processo.

Referências

  • Alonso, A. & Liu, Y. (2010). Wine tourism development in emerging Western Australian regions. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 22(2), 245-262.
  • Avena, B. M.(2001). Acolhimento de qualidade: fator diferenciador para o incremento do Turismo. Turismo em Análise, 12(1), 20-29.
  • Avena, B. (2006). Turismo, educação e acolhimento: um novo olhar São Paulo: Roca.
  • Barbosa, F. S., Lacerda, D. P., Viegas, C. V., & Santos, A. S. (2017). Rotas turísticas em regiões vinícolas: enoturismo na campanha do Rio Grande do Sul - Brasil. Revista Turismo - Visão e Ação, 19 (1), 31-51.
  • Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo São Paulo: Edições 70.
  • Benveniste, E. (1995). O vocabulário das instituições indo-européias: economia, parentesco, sociedade. Campinas: Unicamp.
  • Bernier, E., Valduga, V.; Gabardo, W., & Gândara, J. M. (2020). Enoturismo na região metropolitana de Curitiba: realidades e desafios de um novo território do vinho. Pasos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural (Online), 18 (1), 39-56.
  • Binfare, P. W., Galvão, P. L. A., & Castro, C. A. B. (2016). Enoturismo: possibilidades e desafios para o desenvolvimento regional do turismo na região vinícola do Vale do São Francisco -Nordeste brasileiro. Revista Turismo y Patrimonio Cultural, 14 (5), 1217-1227.
  • Bizinelli, C., Manosso, F., Gimenes-Minasse, M., & Souza, S. (2014). Enoturismo e Turismo de Experiência: novas possibilidades para a inclusão de pessoas com deficiência visual - Vinícola Dezem (Toledo, Brasil). Turismo e Sociedade, 7(3), 495-522.
  • Boutaud, J. J. (2011). Comensalidade: compartilhar a mesa. In Montandon, A. (Org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas São Paulo: Senac, 1213-1220.
  • Brunori, G. & Rossi, A. (2000). Synergy and Coherence through Collective Action: some insights from wine routes in Tuscany. Sociologia Ruralis, 40(4), 409-423.
  • Bueno, M. S. (2016). O desafio da Hospitalidade. Revista Hospitalidade, 13, 04-07.
  • Camargo, L.O. de L. (2004). Hospitalidade São Paulo: Aleph.
  • Camargo, L. O. de L. (2015). Os interstícios da hospitalidade. Revista Hospitalidade , 12, 42-69.
  • Caminho da Fé. História do Caminho da Fé, 2017. Recuperado de https://caminhodafe.com.br/ptbr/ o-caminho-da-fe/
    » https://caminhodafe.com.br/ptbr/ o-caminho-da-fe/
  • Castro, V., Santos, G., Gimenes-Minasse, M., & Giraldi, J. (2017). Práticas de visitação nas vinícolas da Serra Gaúcha: unindo vitivinicultura e turismo no sul do Brasil. Revista Turismo em Análise , 28(3), 380-402.
  • Charters, S. & Ali-Knight, J. (2002). Who is the wine tourist? Tourism Management, 23(3), 311-319.
  • Clemente-Ricolfe, J.-S., Escribá-Perez, C., Rodriguez-Barrio, E., & Buitrago-Viera, J-M. (2012). The potential wine tourist market: the case of Valencia (Spain). Journal of Wine Research, 23(2), 185-202.
  • Dallanhol, E. & Tonini, H. (2012). Enoturismo São Paulo: Aleph .
  • Dias, P. & Vital, T. (2012) O desenvolvimento do enotuirsmo no Vale do São Francisco: um segmento em expansão. Revista Turismo em Análise , 23(3), 643-662.
  • Duarte, T. (2014). Identidade territorial e vitivinicultura: o enoturismo na Colônia Maciel - Pelotas, RS. Revista de Turismo Contemporâneo, 2(2), 227-247.
  • Fischler, C. (2011). Commensality, society and culture. Social Science Information, 50(4), 528-548.
  • Gabardo, W. & Valduga, V. (2020). Ruralidades e enoturismo no Vale dos Vinhedos/Serra Gaúcha - RS. Campo.Território, 14(1), 1-18.
  • Gândara, J. M., Gimenes, M. H., & Mascarenhas, R. (2009). Reflexões sobre o Turismo Gastronômico na perspectiva da sociedade dos sonhos. In Panosso Netto, A. & Ansarah, M. G. (Org.). Segmentação do mercado turístico: estudos, produtos e perspectivas Barueri: Manole.
  • Gastal, S., Costa, L de C. N. & Machado, F. C. (2010). Hospitalidade e acolhimento: o século XIX no sul do Brasil. Revista Hospitalidade , 7(1), 43-64.
  • Gimenes-Minasse, M. H. S. G. (2020). Turismo Gastronômico como objeto de pesquisa: análise das publicações em periódicos brasileiros (2005-2017). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 14 (1), 92-111.
  • Godbout, J. Os lugares da dádiva. (1999). In Godbout, J. & Caillé, A. (Org). O espírito da dádiva Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • Gonçalves, C. A., Coelho, M. F., & Souza, E. M. (2011). Vrio: Vantagem competitiva sustentável pela organização. Revista Ciências Administrativas, 17(3), 819-855.
  • Gotman, A. (2009). O comércio da hospitalidade é possível? Revista Hospitalidade , 6(2), 3-27.
  • Grinover, L. (2009). A hospitalidade na perspectiva do espaço urbano. Revista Hospitalidade , 7(1), 04-16.
  • Grinover, L. (2017). A cidade à procura da hospitalidade São Paulo: Aleph .
  • Hall, C., Sharples, L., Cambourne, B., & Macionis, B. (2004). Wine Tourism around the world: development, management and markets. Oxford: Elsevier.
  • Iglesias, M. & Navarro, M. (2004) Desarrollo del enoturismo desde la perspectiva de las bodegas familiares. Cuadernos de Turismo, 34(1), 233-249.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE (2010). Pesquisa sobre o município de Andradas, Minas Gerais, 2010. Recuperado de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/andradas/panorama
    » https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/andradas/panorama
  • Lashley, C. (2004). Para um entendimento teórico. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.) Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado São Paulo: Manole, 1-24.
  • Lashley, C. & Morrison, A. (2004). Em busca da hospitalidade São Paulo: Manole .
  • Lavandoski, J., Tonini, H., & Barretto, M. (2012). Uva, vinho e identidade cultural na Serra Gaúcha (RS), Brasil. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo , 6 (2), 216-232.
  • Lavandoski, J., Silva, J. Vargas-Sanchez, A. & Pinto, P. (2017). Indutores e efeitos do desenvolvimento do enoturismo nas vinícolas: a perspectiva das capacidades dinâmicas. Revista Turismo: Visão e Ação, 19 (3), 458-486.
  • Locks, E. & Tonini, H. (2005). Enoturismo: o vinho como produto turístico. Turismo em Análise , 16 (2), 157- 173.
  • Losso, F. & Pereira, R. (2011). A produção de vinhos finos de altitude e a introdução do enoturismo na região de São Joaquim (SC): notas preliminares. Revista Turismo: Visão e Ação , 13(2), 186-200.
  • Margraf, W. & Medeiros, M. (2016). Uva, vinho e anarquismo: perspectivas e possibilidades para o enoturismo na região de Palmeira (PR). Applied Tourism, 1(2), 181-203.
  • Marzo-Navarro, M. & Pedraja-Iglesias, M. (2012). Critical factors of wine tourism: incentives and barries from the potential tourist’s perspective. International Journal of Contemporary Hospitality Management , 24(2), 312-334.
  • Mauss, M. (2003). Sociologia e antropologia São Paulo: Cosac e Naify.
  • Nitsche, L., Neri, L., & Pinheiro, Z. (2014). O potencial de Bituruna para o enoturismo no Estado do Paraná, Brasil. Turismo e Sociedade , 7(3), 542-553.
  • Petrocchi, M. (2005). Turismo: planejamento e gestão (7a ed.). São Paulo: Futura.
  • Portal da Prefeitura Municipal de Andradas (2019). História Recuperado de http://www.andradas. mg.gov.br/historia
    » http://www.andradas. mg.gov.br/historia
  • Salvagni, J., Valduga, V., & Nodari, C. (2017). Cooperação como propulsora da inovação em turismo na região Uva e Vinho do Rio Grande do Sul,Brasil. Otra Economía, 10(1), 253-262.
  • Santos, B. & Gimenes-Minasse, M. (2019). Da Festa do Vinho à Expo São Roque: a trajetória dos eventos gastronômicos de São Roque (SP). Revista Iberoamericana de Turismo, 9(2), 68-86.
  • Silva, J. (1996). Caminhando de Samambaia a Andradas Andradas: Pontes Editores.
  • Silva, F., & Melo, R. (2012). A contribuição da sinalização turística para o desenvolvimento turístico da cidade de Parnaíba (PI, Brasil). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo . São Paulo, 6(2), 129-146.
  • Sobal, J. (2000). Sociability and meals: facilitation, commensality and interaction, In Meiselman, H. L. (Ed.). Dimensions of the meal: the science, culture, business and art of eating United States: Aspen Publication, 119-133.
  • Telfer, E. (2004). A filosofia da “hospitabilidade”. In Lashley, C., & Morrison, A. (Org.). Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado . São Paulo: Manole , 53-78.
  • Tonini, H. (2007). Estado e turismo: políticas públicas e enoturismo no Vale dos Vinhedos Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.
  • Tonini, H. (2009). Economia da experiência: o consumo de emoções na Região da Uva e do Vinho. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo , 3(1), 90-107.
  • Tonini, H. (2011). Enoturismo: contemplando vinhos, degustando paisagens. In Possamai, A. M. D. P. & Peccini, R. (Org.). Turismo, história e gastronomia: uma viagem pelos sabores Caxias do Sul: Educs.
  • Tonini, H. & Lavandoski, J. (2011). Enoturismo: experiências e sensações no Vale dos Vinhedos (RS). Revista Turismo em Análise , 22(1), p.25-43.
  • Valduga, V. (2007). O processo de desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS) Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.
  • Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Cultur, 6(2), 127-143.
  • Valduga, V. & Gimenes-Minasse, M. (2018). O Enoturismo no Brasil: principais regiões e características da atividade, Territoires du vin, 9(1), 9-25.
  • Zanini, T. & Rocha, J. (2010). O enoturismo no Brasil: um estudo comparativo entre as regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos (RS) e do Vale do São Francisco (BA/PE). Revista Turismo em Análise , 21(1), 643-662.
  • a
    O Turismo Gastronômico é definido como “uma vertente do turismo cultural no qual o deslocamento de visitantes se dá por motivos vinculados às práticas gastronômicas de uma determinada localidade” (Gândara, Gimenes, & Mascarenhas, 2009Gândara, J. M., Gimenes, M. H., & Mascarenhas, R. (2009). Reflexões sobre o Turismo Gastronômico na perspectiva da sociedade dos sonhos. In Panosso Netto, A. & Ansarah, M. G. (Org.). Segmentação do mercado turístico: estudos, produtos e perspectivas. Barueri: Manole. , 181). Ele apresenta subdivisões como o Turismo de Bebidas, caracterizado pelas atividades turísticas concentradas no desejo de degustar e conhecer mais sobre o processo de produção, armazenamento e consumo de diferentes bebidas, tais como cerveja, chá, whisky e vinho (Gimenes-Minasse, 2020).
  • b
    Para Mauss (2003), as prestações primitivas de dádivas são os presentes, regulados por três obrigações que são interligadas: dar, receber, retribuir. Toda dádiva, portanto, gera uma contradádiva.
  • c
    O Caminho da Fé foi inspirado no Caminho de Santiago de Compostela (Espanha) e tem como objetivo apoiar as pessoas que realizam a peregrinação ao Santuário Nacional de Aparecida, oferecendo-lhes pontos de apoio (Caminho da Fé, 2017Caminho da Fé. História do Caminho da Fé, 2017. Recuperado de https://caminhodafe.com.br/ptbr/ o-caminho-da-fe/
    https://caminhodafe.com.br/ptbr/ o-camin...
    ).
  • d
    A “Festa do Vinho” é realizada desde 1954 e é considerada uma herança da população italiana e de outros agentes sociais que viveram nesta região e se dedicaram ao cultivo de uvas e à fabricação de vinhos. Ela foi reconhecida como patrimônio imaterial do município em 30 de novembro de 2018 com sua inscrição no Livro de Registro das Celebrações. O evento dura 4 dias e conta com shows musicais de estilos variados, praça de alimentação, stands das vinícolas locais e um espaço chamado “Escola do Vinho” (onde são ministrados cursos sobre produção, história, degustação e harmonização com a bebida), além de encenações sobre a história do vinho e a imigração italiana e a realização de um desfile de encerramento (Portal da Prefeitura de Andradas, 2019). Segundo Cancherini, o evento é frequentando principalmente por moradores e visitantes oriundos dos municípios limítrofes.
  • e
    Nunca houve, contudo, uma iniciativa formal para a criação de uma Rota do Vinho no município.
  • f
    As vinícolas Casa Geraldo/Campino e J. Bertoli/Nau Sem Rumo possuem duas marcas distintas para comercialização.
  • g
    A partir de agora mencionada apenas como J. Bertoli.
  • h
    A partir de agora mencionada apenas como Casa Geraldo.
  • i
    i Participação na elaboração de vinhos, hospedagem na região produtora de vinhos, visitação a feiras e museus, piqueniques nas vinícolas, cursos sobre vinhos, transportes associados ao enoturismo, vinhoterapia e wine run não foram observados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2020
  • Aceito
    10 Set 2020
Universidade do Vale do Itajaí Quinta Avenida, 1100, bloco 7, CEP: 88337-300, Balneário Camboriú, SC - Brasil, Tel.: (47)3261-1315 - Balneário Camboriú - SC - Brazil
E-mail: revistaturismo@univali.br