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ESTRUTURA ENOTURÍSTICA DO VALE DOS VINHEDOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA OFERTA

ENOTURISTIC STRUCTURE OF VALE DOS VINHEDOS: AN ANALYSIS BASED ON THE OFFER

ESTRUCTURA DEL ENOTURISMO EN EL VALE DOS VINHEDOS: UN ANÁLISIS A PARTIR DE LA OFERTA

Resumo:

As novas tendências globais de consumo e transformações nas sociedades agroindustriais têm imposto novos desafios às economias vigentes. Buscando por maior competitividade, os atores do setor do vinho têm investido na diversificação e diferenciação de seus produtos por meio de estratégias como o turismo. No entanto, a incorporação do turismo em territórios típicos da produção vitivinícola, favorece a competição por espaço e recursos naturais, colocando em risco a atividade principal. Assim, o presente trabalho tem como objetivo identificar e categorizar as atividades enoturísticas presentes no território, procurando entender sua estrutura, a fim de fortalecer a prática como instrumento de competitividade e de desenvolvimento local. Para tal, foram aplicados questionários a 48 empreendimentos de enoturismo do Vale dos Vinhedos, sendo levantado seus perfis e características das atividades ofertadas. Neste contexto, observou-se uma diversificação substancial da oferta turísticas do Vale dos Vinhedos, com destaque para o crescimento das atividades vinculadas mais ao cluster turístico do que a esfera vitivinícola, desenhando uma estrutura enoturística singular. A existência de um possível desequilíbrio entre a oferta turística e a aptidão vitivinícola do Vale dos Vinhedos, cada dia mais evidente, traz à tona discussões acerca da preservação da identidade local versus as exigências dos turistas.

Palavras-chaves:
enoturismo; oferta enoturística; turismo

Abstract:

The new global trends in consumption and transformations in agro-industrial societies have imposed new challenges on the current economies. Seeking greater competitiveness, the players in the wine sector have invested in the diversification and differentiation of their products through strategies such as tourism. However, the incorporation of tourism in typical territories of wine production, favors competition for space and natural resources, putting the main activity at risk. Thus, the present work aims to identify and categorize the wine tourism activities present in the territory, seeking to understand its dynamics, in order to strengthen the practice as an instrument of competitiveness and local development. To this end, a questionnaire was applied to 48 wine tourism ventures in Vale dos Vinhedos, and their profiles and characteristics of the activities offered were surveyed. In this context, there was a substantial diversification of the tourist offer in Vale dos Vinhedos, with emphasis on the growth of activities linked more to the tourist cluster than the wine sector, drawing a unique wine tourism dynamic. The existence of a possible imbalance between the tourist offer and the wine aptitude of Vale dos Vinhedos, which is increasingly evident, brings up discussions about the preservation of local identity versus the demands of tourists.

Key-words:
enotourism; enoturistic offer; tourism

Resumen:

Las nuevas tendencias globales de consumo y las transformaciones en las sociedades agroindustriales han impuesto nuevos desafíos a las economías actuales. Buscando una mayor competitividad, los actores del sector vitivinícola han apostado por la diversificación y diferenciación de sus productos a través de estrategias como el turismo. Sin embargo, la incorporación del turismo en territorios propios de la producción vitivinícola favorece la competencia por el espacio y los recursos naturales, poniendo en riesgo la actividad principal. Así, el presente trabajo tiene como objetivo identificar y categorizar las actividades enoturísticas presentes en el territorio, buscando comprender su dinámica, con el fin de fortalecer la práctica como instrumento de competitividad y desarrollo local. Para ello, se aplicó un cuestionario a 48 empresas de enoturismo del Vale dos Vinhedos, relevando sus perfiles y características de las actividades ofertadas. En este contexto, se observó una diversificación sustancial de la oferta turística del Vale dos Vinhedos, con énfasis en el crecimiento de actividades vinculadas más al clúster turístico que al ámbito vitivinícola, diseñando una dinámica enoturística única. La existencia de un posible desequilibrio entre la oferta turística y la aptitud vitivinícola del Vale dos Vinhedos, cada vez más evidente, suscita discusiones sobre la preservación de la identidad local frente a las demandas de los turistas.

Palabras Clave:
enoturismo; oferta enoturistica; turismo

INTRODUÇÃO

A consolidação da sociedade pós-moderna tem imposto novos desafios às economias nacionais e a seus agentes, em especial em países em desenvolvimento, como os países da América Latina. Neste cenário de integração de mercados e emergência de novos atores econômicos, setores como o da produção agroalimentar tem enfrentado a competitividade e os desafios causados pelo hiato da expansão da globalização (Kohls, Anjos & Caldas, 2016Kohls, V. K., Anjos, F. S. & Caldas, N. V. (2016). Mutações no mundo vitivinícola a Indicação Geográfica como estratégia de qualificação. Revista Desenvolvimento Regional em Debate, 6(1), 41-62. https://doi.org/10.24302/drd.v6i1.1068). De acordo com Giddens (2000Giddens, A. (2000). O mundo na era da globalização. Lisboa: Presença.), a globalização é caracterizada por funções multiníveis e atributos de influência, pela erosão dos valores locais, pelo compartilhamento de todos os bens e riscos, pelo desequilíbrio em termos de distribuição econômica; mas também pela mudança cultural em geral. Fenômeno este que pode ser percebido nas ações de produção e de consumo, resultando em produtos altamente estandardizados, bem como em experiências de consumo normatizadas.

Na esfera vitivinícola este processo não é diferente. Nas últimas décadas, com a expansão das tecnologias de produção e o reconhecimento do vinho do chamado “Novo Mundo”a a O termo “Novo Mundo do Vinho” refere-se aos territórios considerados NÃO tradicionais na produção de vinho, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, entre outros, com ênfase na produção de vinhos varietais (Kohls, Anjos & Caldas, 2016). , a comunidade vitivinícola também tem enfrentado as implicações da chamada “Globalização do Sabor do Vinho” e seus desafios de sobrevivência frente à hipercompetição e hiperoferta do mercado mundial de vinho. Roese (2008Roese, M. (2008). O mondovino de cabeça para baixo: as transformações no mercado internacional do vinho e o novo empresariado vinícola. Revista Sociologia Política, 16(31), 71-83. https://doi.org/10.1590/S0104-44782008000200007), ao escrever sobre o processo de globalização e a perda da “aura do vinho” salienta que a transformação do vinho em produto regional de consumo global, a abertura desse mercado para novas regiões produtoras passou pelo rompimento com a ideia de que apenas a tradição permite a produção de vinhos de alta qualidade e que somente em determinadas regiões isso é possível. Assim, emerge a noção de que isso pode ser objeto de aprendizagem, que o investimento em tecnologia e na capacitação de produtores também pode resultar na produção de vinhos de qualidade similar aos produzidos nas regiões tradicionais. Para o autor, a produção de vinhos de alta qualidade e aptos a competir nesse mercado seleto pode ser “criada”, se fomentada por investimento em ciência e tecnologia aplicadas a esse fim (Roese, 2008Roese, M. (2008). O mondovino de cabeça para baixo: as transformações no mercado internacional do vinho e o novo empresariado vinícola. Revista Sociologia Política, 16(31), 71-83. https://doi.org/10.1590/S0104-44782008000200007).

Frente a esse fenômeno, atores e stakeholders dos setores vitivinícolas vêm buscando estratégias de diversificação e a criação de valores “singulares” para seus produtos, como forma de garantir a competitividade no mercado mundial. Entre as ações do setor, que buscam na gênese de uma economia de valor (baseada na qualidade em suas diferentes dimensões) uma ferramenta de diferenciação de seus produtos e territórios, está o turismo.

O turismo em regiões vitivinícolas, quando possui o vinho e seus derivados como elemento principal da motivação de deslocamento dos visitantes, é conhecido como enoturismo ou turismo de vinho. Este pode ser definido como uma atividade turística relacionada ao conhecimento do processo de vinificação, onde o turista visita vinícolas e vinhedos e também pode provar todos os vinhos apresentados; também é possível complementá-lo com algumas visitas a museus, casas típicas da região, conhecer sua história, entre outras (Szmulewizc, Dávila & Pinuer, 2010Szmulewizc, P., Dávila, A. M. & Pinuer, M. (2010). Rutas de turismo enológico y transformaciones en las condiciones de empleo en comunidades rurales. El caso de la ruta del vino del valle de Colchagua, Chile. Revista Lider, 12(16), 141-158.). Para Byrd et al. (2016Byrd, E. T., Canziani, B., Hsieh, Y. C., Debbage, K. & Sommez, S. (2016). Wine tourism: Motivating visitors through core and supplementary services. Tourism Management, (52), 19-29. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.009), as atividades vinculadas ao enoturismo podem ser classificadas em: Core services: quando o produto principal da visita é o vinho, sua degustação ou compra; Augmented winescape services: que são os serviços ligados ao atendimento ao cliente, socialização, educação quanto ao vinho (história, processo de preparação, entre outras); Ancillary services: que são os serviços ligados a oportunidades de relaxamento e recreação, entretenimento e eventos e outros serviços típicos de turismo e hospitalidade, por exemplo, hospedagem, serviços de transporte, centros de visitantes e assim por diante; como mostra a figura a seguir.

Figura 1
Diagrama de classificação das atividades enoturísticas baseadas nas categorias “Core, augmented, and ancillary services in a wine region

Para O'Neill e Charters (2000O’neill, M. & Charters, S. (2000). Service quality at the cellar door: Implication for Western Australia’s developing wine tourism industry. Managing Service Quality, 1(2), 112-122.), o enoturismo é uma atividade capaz de beneficiar as vinícolas de diversas maneiras, incluindo a geração de receita por meio da venda direta e a fidelização dos clientes. A combinação do vinho juntamente com o turismo tem como resultado uma importante estratégia de competitividade capaz de promover localidades, sejam elas turísticas ou não, atrativos e comunidades rurais, criando uma identidade para os mesmos (Alonso & Liu, 2010Alonso, A. D. & Liu, Y. (2010). Wine tourism development in emerging Western Australian regions. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 22(2), 245-262.). Neste sentido, identificar e classificar as atividades e serviços ligados ao cluster enoturístico se torna o primeiro passo para o desenvolvimento de um instrumento de diferenciação de produtos e rotas enoturísticas, de fidelização dos consumidores e de planejamento das regiões enoturísticas. Além de que, o conhecimento de seu funcionamento gera um significativo impacto social e econômico nas áreas em que se desenvolve, afetando toda a comunidade local.

Assim, o presente estudo tem como objetivo identificar e categorizar as diferentes atividades enoturísticas e o perfil dos empreendimentos de enoturismo presentes no território enoturístico do Vale dos Vinhedos, Rio Grande do Sul - maior produtor de vinhos finos do Brasil. Optou-se pelo território do Vale dos Vinhedos, localizado na região da serra do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, pois este vem sendo destaque como principal destino enoturístico e de produção de vinhos finos do país (Valduga, 2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Revista Cultura, 6(2), 127-143.; Vieira & Pellin, 2014Vieira, A. C. P. & Pellin, V. As indicações geográficas como estratégia para fortalecer o território: o caso da indicação de procedência dos vales da uva Goethe. In: Seminário Nacional de Planejamento e Desenvolvimento, 2, 2014, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis, 2014.; Mattia, Macke & Sarate, 2017Mattia, A. A., Macke, J. & Sarate, J. A. R. (2017). Enoturismo e território: o caso do Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Turismo - Visão e Ação, 19(1), 52-78. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n1.p52-78). Segundo dados do IBRAVIN (2019IBRAVIN - Instituto Brasileiro do Vinho. IBRAVIN, 2019. Disponível em: <http://www.ibravin.org.br/Panorama-Geral>. Acesso em: 7 fev. 2019.
http://www.ibravin.org.br/Panorama-Geral...
), o Vale dos Vinhedos, primeira região vitivinícola com reconhecimento como a Denominação de Origem de vinhos finos, responde por 17% da produção nacional de vinhos finos e 12% dos espumantes nacionais. Sendo um destino que se caracteriza por permitir, além do contato com a vitivinicultura e seus produtos singulares - característicos de suas indicações geográficas, a experiência com a cultura e identidade italiana, típica da colonização dessa região, dando ao enoturismo local características singulares (APROVALE, 2019Aprovale - Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos. APROVALE, 2019. Disponível em: <https://www.valedosvinhedos.com.br/vale/index.php>. Acesso em: 7 fev. 2019.
https://www.valedosvinhedos.com.br/vale/...
). Dessa forma, o artigo apresenta no primeiro momento a classificação das atividades turísticas de acordo com seus serviços e produtos centrais, sendo apresentado a partir desta o mapa de oferta enoturística do Vale dos Vinhedos. Por meio destes resultados é evidenciado o perfil socioeconômico dos empreendimentos pesquisados e sua relação com a estrutura da oferta enoturística do território.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A ideia de Desenvolvimento Territorial Sustentável (DTS), segundo Vieira (2003Vieira, P. F. (2003). Rumo ao Desenvolvimento Territorial Sustentável: Esboço de Roteiro Metodológico Participativo. Eisforia, 1(1), 249-309.), exige um movimento efetivo de transferência do poder do espaço nacional para os espaços regionais e locais, compatibilizando a gestão e o planejamento com as especificidades locais de cada um deles, considerando em si, a complexidade inerente aos sistemas vivos e dinâmicos. De acordo com a Liaison Entre Actions de Développement de l'Économie Rurale (LEADER) - experiência de desenvolvimento local em meio rural que surgiu na Europa em 1992 - a abordagem territorial prevê o desenvolvimento a partir das realidades, forças e fraquezas específicas de uma determinada zona com certa homogeneidade e caracterizada pela sua coesão interna, entidade partilhada e presença de recursos endógenos (Ferreira, 2009Ferreira, J. Do desenvolvimento local ao desenvolvimento territorial. In: Encontro Nacional de Geografia Agrária, 19, 2009, São Paulo. Anais [...]. São Paulo, p. 1-21, 2009.). Segundo esta experiência, o território é definido como uma representação coletiva, alicerçada na integração das dimensões geográficas, econômicas, sociais, culturais, políticas, etc. (Aield, 2001Aield. Guia pedagógico da acção LEADER. Observatório do LEADER II, 2001. Disponível em: <http://ec.europa.eu/agriculture/rur/leader2/dossier_p/pt/contents.htm>. Acesso em: 14 fev. 2017.).

Ainda neste sentido, Vieira (2003Vieira, P. F. (2003). Rumo ao Desenvolvimento Territorial Sustentável: Esboço de Roteiro Metodológico Participativo. Eisforia, 1(1), 249-309.) destaca que, a partir da abordagem do DTS, emergem novas formas de reciprocidade econômica, nutridas pela formação de um tecido social especialmente coesivo e cooperativo; a estruturação de sistemas produtivos locais em zonas rurais, integrados em redes de pequenas e médias empresas que transcendem a esfera das relações puramente mercantis e desvelam novos tipos de atividade não-agrícola no meio rural; e a pesquisa de novos arranjos institucionais descentralizados e voltados para o exercício da governança local e territorial, da equidade, da busca de sinergia entre as comunidades locais e os diferentes âmbitos de regulação estatal, e da gestão patrimonial dos recursos naturais.

Vieira e Pellin (2014Vieira, A. C. P. & Pellin, V. As indicações geográficas como estratégia para fortalecer o território: o caso da indicação de procedência dos vales da uva Goethe. In: Seminário Nacional de Planejamento e Desenvolvimento, 2, 2014, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis, 2014.) ressaltam que entre as atividades que vêm sendo implantadas e/ou estimuladas como estratégias de desenvolvimento territorial está a vitivinicultura. Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) vitivinícolas, além de responsáveis pelas características produtivas dos chamados territórios do vinho, estão também atrelados aos aspectos culturais e institucionais do ambiente local. A formação de um cluster de turismo tende a favorecer a cooperação e a participação entre agentes e instituições, o que converge as perspectivas do DTS. Para Baidal, Rebollo e Fernández (2014Baidal, J. A. I., Rebollo, J. F. V. & Fernández, A. A. (2014). Políticas de innovación en turismo y desarrollo de clusters: la percepción gerencial en el programa agrupaciones empresariales innovadoras (AEIS). Cuadernos de Turismo, 33, 97-120.) e Ashton, Valduga e Tomazzoni (2015Ashton, M. S. G., Valduga V. & Tomazzoni, E. L. (2015). Turismo criativo e desenvolvimento da oferta turística do cluster do Vale dos Vinhedos (RS, Brasil). Investigaciones Turísticas, 1(10), 90-116.) as vantagens de implantações de clusters para o desenvolvimento econômico e competitividade territorial justificam o significativo aumento de políticas para proliferação de clusters em nível global. Corroborando com essa ideia, Beni (2012Beni, M. C. (2012). Turismo: planejamento estratégico e capacidade de gestão - desenvolvimento regional, rede de produção e clusters. Barueri: Manole., p. 523) afirma que “o objetivo geral do cluster de turismo é fomentar o desenvolvimento do turismo sustentável, incrementando a competitividade e a atratividade”.

Conforme Hall e Macionis (1998Hall, C. M. & Macionis, N. (1998). Wine tourism in Australia and New In rural areas. New York: John Wiley & Sons.), a prática enoturística é caracterizada pela visitação a vinhedos, cantinas, festivais e exposições do vinho, sendo este - o gosto pelo vinho ou pela região produtora - o elemento central, motivador. Já para os empreendimentos vinícolas o mesmo caracteriza-se como uma estratégia de consolidação das relações consumidor/produtor. Neste sentido, Flores (2018Flores, S. S. (2018). A Região dos "Vinhos da Campanha" e suas Perspectivas de Sustentabilidade. Territoires du Vin, 9, 50-72.) indica o enoturismo como uma forte tendência, uma vez que aliar o vinho e o turismo se torna uma opção interessante por duas frentes: se o vinho é um atrativo para o turismo, por outro lado, o turismo tem papel importante ao contribuir com a divulgação e venda dos produtos, além de auxiliar as vinícolas a estabelecer vínculos com os clientes. Para autores como Chong (2017Chong, K. L. (2017). Thailand wine tourism: a dream or a reality? Asia Pacific Journal of Tourism Research, 22(6), 604-614. https://doi.org/10.1080/10941665.2017.1308389) e O'Neill e Charters (2000), o turismo do vinho pode beneficiar as vinícolas por meio do aumento da geração de receitas, fidelização de clientes e pelo seu efeito multiplicador, por meio do aumento dos gastos dos turistas e aumento da geração de riquezas. Dessa forma, a compreensão do enoturismo pode colaborar para o aumento da competitividade e da sustentabilidade do negócio.

Considerando as diferentes perspectivas em que o enoturismo é abordado, Poitras e Getz (2006Poitras, L. & Getz, D. (2006). Sustainable wine tourism: The host community perspective. Journal of Sustainable Tourism, 14(5), 425-448. https://doi.org/10.2167/jost587.0) afirmam que esta modalidade é considerada também uma combinação de comportamento do consumidor, estratégia de desenvolvimento de regiões turísticas e uma oportunidade de marketing para as indústrias de vinho. Um atributo importante de uma região vinícola é o cenário e o espaço aberto, que incentiva as pessoas a visitar a região. Se uma região pretende ser associada ao vinho, um dos maiores desafios é poder fornecer um conjunto de atrações para os turistas que são encontrados além do ponto de venda direta de vinho na vinha (Roberts & Sparks, 2006Roberts, L. & Sparks, B. (2006). Global wine tourism: Research, management & marketing. In: Enhancing the wine tourism experience: the customers’ viewpoint. Wallingford: CAB International, p. 47-55.). Para Dallagnol e Tonini (2012Dallanhol, E. B. & Tonini, H. (2012). Enoturismo. São Paulo: Aleph.), o território do vinho compreende, além de seu patrimônio cultural, a herança recebida pelas gerações expressa na arquitetura, nos saberes-fazeres, na paisagem, na gastronomia e na qualidade dos vinhos produzidos, garantindo aos visitantes uma experiência não só com o vinho, mas com a região, com o savoir faire da comunidade.

O enoturismo, assim como o turismo rural, apresentam papéis fundamentais no desenvolvimento social e econômico e na proteção do território. Costa e Kastenholz (2009Costa, A. & Kastenholz, E. O Enoturismo como factor de desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. In: Congresso Regional de Desenvolvimento de Cabo Verde, 1, 2009, Cidade da Praia, Cabo Verde. Anais [...]. Cidade da Praia, Cabo Verde, p.1489- 1508, 2009.) argumentam que o enoturismo encontra-se inserido em áreas onde pratica-se o turismo rural, o turismo da natureza e o turismo cultural, com o objetivo de viabilizar a região onde os vinhos são produzidos, com intuito de gerar o desenvolvimento e crescimento local. Para Mazurkiewicz-Pizlo (2016Mazurkiewicz-Pizlo, A. (2016). The importance of non-profit organizations in developing wine tourism in Poland. Journal of Tourism and Cultural Change, 14(4), 339-349. http://dx.doi.org/10.1080/14766825.2015.1102922), o turismo do vinho também pode ser uma oportunidade para promover uma visão positiva sobre uma determinada região para muitos consumidores. Tal visão pode aumentar o interesse não só em vinhos de alta qualidade, mas também em outros produtos como queijos, carne, doces, produtos de padaria e cozinha regional. Ainda de acordo com a autora, a importância econômica do enoturismo não tem crescido apenas em países onde a tradição vitivinícola tem sido cultivada há um grande período, mas também em países onde esta tradição está se iniciando. A conexão entre o vinho e o turismo é altamente utilizada em outros países, como a Alemanha e a Áustria, onde a criação de rotas de vinho começou na primeira metade do século XX e ainda continua. Entre outros exemplos notáveis estão a Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul (Jaffe & Pasternak, 2004Jaffe, E., Pasternak, H. (2004). Developing wine trails as a tourist attraction in Israel. The International Journal of Tourism Research, 6(4), 237-249.).

No Brasil, o enoturismo é uma atividade que vem caminhando lado a lado com a melhoria da produção de vinhos de qualidade, como argumentam Zanini e Rocha (2010Zanini, T. V. & Rocha, J. M. (2010). O Enoturismo no Brasil: um estudo comparativo entre as regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos (RS) e do Vale do São Francisco (BA/PE). Turismo em Análise , 21(1), 3-24. https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v21i1p68-88). De acordo com os autores, com a evolução da vitivinicultura brasileira, percebe-se um incremento no interesse das pessoas em relação ao vinho, sua elaboração, sua história, seu serviço, sua harmonização com a gastronomia e seu papel inserido na história da localidade produtora. Segundo Valduga (2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Revista Cultura, 6(2), 127-143.), no país o principal destino de turismo de vinho é o Vale dos Vinhedos, localizado na encosta do planalto do Rio Grande do Sul. Valduga (2012) salienta que:

Os primeiros indícios do enoturismo na região surgiram nas décadas de 70 e 80, quando algumas empresas familiares investiram na produção de vinhos finos. Esses vinhos finos eram comercializados nas próprias vinícolas, atraindo consumidores regionais, além de turistas que, nesse período, visitavam a vinícola Aurora, em Bento Gonçalves. A década de 90, no Vale dos Vinhedos, foi marcada pelo fortalecimento de vinícolas familiares. Muitas famílias produtoras de uvas deixaram de vender a produção para as grandes vinícolas e passaram a para fazer seu próprio vinho e comercializá-lo. (Valduga, 2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Revista Cultura, 6(2), 127-143., p.134)

De modo geral, as práticas enoturísticas têm sido apontadas como elementos significativos no desenvolvimento socioeconômico e renascimento das regiões rurais. Entre as principais razões está sua contribuição econômica e social para as comunidades rurais. Além disso, há outras razões, como o fornecimento de receitas adicionais para a exploração agrícola, promoção e proteção dos valores ambientais e culturais, bem como a fonte de emprego para os membros das famílias e das comunidades locais. Segundo Mattia, Macke e Sarate (2017) a partir da análise de indicadores para desenvolvimento sustentável do Vale dos Vinhedos, o mesmo possui características e recursos singulares para que se desenvolva com sustentabilidade, como relevo, terroir, processo diferenciado na produção de uvas e vinhos e vinícolas com vinhedos próprios. Além disso, os autores apontam que o Vale possui recursos de acesso restrito, que embora não pertençam a nenhuma firma individual, pode ser acessado pelo cluster que se formou, como por exemplo a localização turística, altitude, insolação, abertura para estudos e pesquisas e a própria criação da APROVALE (Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos).

No entanto, Valduga (2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Revista Cultura, 6(2), 127-143.) e Flores (2018Flores, S. S. (2018). A Região dos "Vinhos da Campanha" e suas Perspectivas de Sustentabilidade. Territoires du Vin, 9, 50-72.) destacam que a atividade turística pode incorrer em aspectos negativos importantes como impactos ambientais, alterações da paisagem rural, especulação imobiliária, questões relacionadas com a biossegurança dos vinhedos, De acordo com Hall (2004Hall, C. M. (2004). Small farms and wine and food tourism in New Zealand: issues of collaboration, clusters and lifestyles. In: Small Firms in Tourism: International Perspectives. Oxford: Elsevier Science.), o enoturismo, assim como possui aspectos positivos, apresenta características negativas como o aumento do custo e tempo necessário para o gerenciamento, o capital requerido para o acolhimento aos visitantes pode afetar o capital de giro para o negócio do vinho, incapacidade de aumentar substantivamente as vendas, entre outros. Para Xu et al. (2016Xu, S., Barbieri, C., Anderson, D., Leung, Y-F. & Rozier-Rich, S. (2016). Residents’ perceptions of wine tourism development. Tourism Management , 5(1), 276-286. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2016.02.016), a expansão da oferta turística tende a resultar em impactos negativos à comunidade residente. Segundo os autores, a massificação dos destinos enoturísticos passa a competir com a atividade principal do território, prejudicando a economia local. Desse modo, afirmar que o enoturismo promove o desenvolvimento dos territórios vitivinícolas requer cautela, sobretudo ao se observar os princípios do DTS.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Buscando atender aos objetivos apontados, tomou-se na presente pesquisa a metodologia mista, de recorte quali e quantitativo. Na primeira etapa, foram coletados dados primários, por meio da aplicação de um questionário referente às características das atividades enoturísticas desenvolvidas no Vale dos Vinhedos, bem como do perfil socioeconômico dos empreendimentos presentes no território.

Além de questões abertas, o questionário apresentou questões fechadas, a fim de identificar e classificar a importância dos diferentes tipos de atividades desenvolvidas pelos empreendimentos estudados. Em relação a amostragem utilizada na pesquisa, foram selecionados 48b b Buscando uma maior liberdade de respostas, e a pedidos dos empreendedores, os empreendimentos não tiveram seus nomes divulgados ao longo do trabalho. empreendimentos associados a Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (APROVALE). Atualmente a associação conta com 62 empreendimentos associados: 22 vinícolas, 7 meios de hospedagem, 14 restaurantes, 3 estabelecimentos de artesanato, 6 agroindústrias, duas operadoras de turismo e 8 outros empreendimentos (APROVALE, 2019Aprovale - Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos. APROVALE, 2019. Disponível em: <https://www.valedosvinhedos.com.br/vale/index.php>. Acesso em: 7 fev. 2019.
https://www.valedosvinhedos.com.br/vale/...
). Optou-se na presente pesquisa em utilizar como critério de delimitação do objeto de estudo a área rural e de maior atividade enoturística do território do Vale dos Vinhedos. Ou seja, o distrito do Vale dos Vinhedos de Bento Gonçalves, mais as áreas rurais de Garibaldi e Monte Belo do Sul que compõem o território e onde concentram-se atividades enoturísticas, totalizando uma área de 4.835,36 hectares. Procurando um melhor resultado dos objetivos propostos, foram eliminados da pesquisa os empreendimentos que estão localizados fora da delimitação proposta na presente pesquisa (Figura 2), as operadoras de turismo, empreendimentos que, até o período da coleta de dados, ainda não estavam atendendo ao público, bem como instituições e organizações de fomento ao enoturismo.

Figura 2
Área delimitada para a pesquisa Localização da Área de Estudo

A aplicação do questionário ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2019, por meio da plataforma Google Forms, após contato prévio com os responsáveis pelos empreendimentos e a APROVALE. Justifica-se a escolha de trabalhar apenas com os empreendimentos associados a APROVALE, pois esta representa um grande número de vitivinicultores e demais agentes do cluster enoturístico do Vale - criada na década de 1990, a fim de promover estratégias para o desenvolvimento e melhoria da infraestrutura enoturística e do setor vinícola na região, bem como o fortalecimento do território Vale dos Vinhedos e seus produtos.

Além dos dados primários, foram coletados, junto a Associação de Turismo da Serra Nordeste (ATUASERRA) e da Secretaria Municipal de Turismo de Bento Gonçalves, via contato por e-mail e visita ao site (dados abertos) das instituições, dados secundários referentes a identificação das motivações dos turistas para visitar a região Uva e Vinho, no ano de 2018, além disso foram verificados os princípios e objetivos da APROVALE.

Após a coleta dos dados foram realizadas as seguintes análises das informações coletadas a campo: a) Categorização das atividades enoturísticas de acordo com categorias de análise desenvolvidas pelos autores com base na classificação “Core, augmented, and ancillary services in a wine region”, elaborada por pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (BYRD et al., 2016Byrd, E. T., Canziani, B., Hsieh, Y. C., Debbage, K. & Sommez, S. (2016). Wine tourism: Motivating visitors through core and supplementary services. Tourism Management, (52), 19-29. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.009); b) Mapa da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos: desenvolvido pelos autores mediante descrição das atividades disponíveis aos turistas; c) Perfil socioeconômico dos empreendimentos pesquisados: construído a partir da análise de suas principais características econômicas e sociais (porte, mão de obra, fluxo de turistas, taxa de visitação, outros); d) Sistema Enoturístico do Vale dos Vinhedos: desenvolvido pelos autores por meio da correlação do mapa de oferta enoturística, perfil dos empreendimentos, percepção dos empreendedores quanto a importância das atividades turísticas, externalidades (motivações dos turistas, objetivos da instituição fomentadora).

Quanto à operacionalização, os dados qualitativos foram sistematizados e analisados com a ajuda do programa Atlas.ti, por meio de análise de conteúdo, sendo desenvolvidas matrizes de correlação entre as características das atividades enoturística e dos empreendimentos e a categorização e construção do mapa de oferta enoturística do Vale dos Vinhedos no ano de 2019. Já as informações quantitativas foram sistematizadas por meio do programa Microsoft Excel e apresentadas por meio de representação gráfica.

RESULTADOS

Mediante a análise dos dados coletados junto aos empreendimentos de enoturismo associados à APROVALE, foi possível observar aspectos importantes a respeito do perfil dos empreendimentos de enoturismo do Vale dos Vinhedos e das características das atividades ofertadas por estes. A classificação das atividades de enoturismo desenvolvidas no Vale dos Vinhedos se deu de acordo com a ótica em que o turismo é desenvolvido pelos empreendimentos, ou seja, qual o seu componente central e tipos de serviços e produtos oferecidos, como mostra o Quadro 1.

Quadro 1
Categorias de análise da oferta enoturística disponível no Vale dos Vinhedos, Rio Grande do Sul, Brasil, no ano de 2019

Dessa forma, chegou-se às seguintes definições de categorias de oferta enoturística no Vale dos Vinhedos: produtos e serviços essenciais: esse grupo tem como elemento central do enoturismo atividades vinculadas diretamente a produção de uva, vinho e seus derivados, tendo como serviços e produtos ofertados a visitação a produção de uva e vinho, degustação guiada de vinhos, venda direta, clubes e confrarias do vinho. Aqui destaca-se a atuação das vinícolas como empreendimento de enoturismo; produtos e serviços complementares: neste grupo o aspecto central do enoturismo é o território vitivinícola e suas características. Aqui as atividades ofertadas têm como base a paisagem vitícola, a gastronomia local, a cultura italiana, os produtos artesanais e agroindustriais. Destacam-se nesta categoria os restaurantes e cafés típicos da gastronomia do imigrante italiano, as atividades culturais e atividades de contemplação da paisagem, como o agroturismoc c Agroturismo é percebido como qualquer atividade de geração de renda conduzida por práticas agropecuárias que visa educar ou divertir os visitantes, incluindo a interpretação dos fatores naturais, culturais, históricos e ambientais da propriedade e da comunidade rural (Silva & Souza, 2015). ; produtos e serviços estendidos: neste grupo o componente principal do enoturismo está no relacionamento e na infraestrutura disponibilizada ao turista. Entre as atividades ofertadas por esta categoria estão os meios de hospedagem, as atividades de lazer, como o turismo de aventura, e as atividades de consumo de bens não ligados ao setor vitivinícola, como o vestuário e outras bebidas.

No diagrama abaixo (Figura 3), pode-se visualizar como os elementos centrais se distribuem entre as três categorias da oferta. Nota-se que o fator uva e vinho se encontra presente nas três categorias de oferta, embora destaque-se por meio dos produtos e serviços essenciais. Já os aspectos ligados diretamente ao território, como cultura e gastronomia local, apresentam-se de maneira mais significativa na oferta de produtos e serviços complementares. Ao passo que, na oferta de serviços e produtos estendidos tem-se destaque para as práticas voltadas às questões de infraestrutura e relacionamento dos turistas.

Figura 3
Diagrama de classificação da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos Rio Grande do Sul, Brasil, no ano de 2019

De acordo com os resultados da pesquisa, 40% dos empreendimentos estão inseridos na categoria de produtos e serviços essenciais, 46% na categoria de produtos e serviços complementares, enquanto apenas 14% dos empreendimentos oferecem atividades ligadas a produtos e serviços estendidos, como mostra a tabela 1.

Tabela 1:
Número de empreendimentos por categoria de oferta de produtos e serviços disponíveis no Vale dos Vinhedos

Embora não seja a categoria com o maior número de empreendimentos, é possível conceber as atividades que integram a categoria de produtos e serviços essenciais, como o que podemos chamar de “coração enoturístico do Vale dos Vinhedos”. Neste tipo de oferta enoturística estão inclusas ações de promoção e valorização do principal produto do Vale dos Vinhedos, o vinho. Produto responsável por caracterizar o território como o mais importante cenário vitivinícola e enoturístico do país. Quanto aos produtos e serviços complementares e estendidos, estes encontram-se associados ao atendimento das necessidades dos turistas (ex.: hospedagem e alimentação) e as práticas suplementares de turismo, que possam integrar a experiência do turista no território, fortalecendo-se como possíveis responsáveis pela agregação de valor à rota enoturística, por meio da ampliação da gama de produtos, serviços e infraestrutura turística disponíveis, como mostra o mapa da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos (Figura 4).

Figura 4
Mapa da oferta enoturística de acordo com as categorias de produtos e serviços presentes no Vale dos Vinhedos

Entre as atividades observadas no mapa da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos, na categoria de produtos e serviços essenciais destacam-se a produção de uva e vinhos e suas atividades subsequentes como: visitação a vinhedos, degustação e venda de produtos vitivinícolas, hospedagem e gastronomia em vinícolas, confrarias e clubes do vinho e aluguel de vinícolas para eventos. Já na tipologia de oferta de produtos e serviços complementares estão atividades como: gastronomia local (imigrantes italianos); degustação e venda de vinhos em estabelecimentos gastronômicos; aluguel de restaurantes, cafés e bistrôs para eventos; clubes e confrarias de vinho em restaurantes; cultura italiana e a venda de produtos artesanais e agroindustriais. Por fim, na oferta de serviços e produtos estendidos concentram-se hospedagem rural (pousadas, hotéis, spas, hospedagem alternativa), turismo de aventura, lazer e relaxamento, comércio de produtos em geral e alimentação “não típica”.

Ainda no que tange às características da oferta enoturística do território, está diretamente vinculada ao perfil dos empreendimentos enoturísticos. Ou seja, de uma maneira geral, os estabelecimentos definem e ampliam seus serviços e produtos de acordo com sua aptidão produtiva e perfil socioeconômico, levando em consideração fatores como o porte do empreendimento, a capacidade de investimento, a capacidade de mão de obra e de fluxo turístico, entre outros - estabelecendo assim, qual sua área de atuação e colaborando para a configuração da estrutura enoturística do território. Este cenário fica evidenciado na presente pesquisa, conforme Figura 5, onde demonstra-se a relação entre a área de atuação enoturística e a principal atividade econômica dos empreendimentos.

Figura 5
Principal atividade econômica por categoria de oferta enoturística disponível no Vale dos Vinhedos

De acordo com os dados, todos os empreendimentos da categoria produtos e serviços essenciais têm como principal atividade econômica a produção de uva e vinho. Na categoria produtos e serviços complementares, 72,7% dos estabelecimentos têm como principal fonte econômica a gastronomia, enquanto os demais empreendimentos possuem outros tipos de atividades como base econômica (visitação a vinhedos, eventos especializados, venda de produtos agroindustriais e artesanais, entre outros). Já no grupo dos produtos e serviços estendidos, 57,14% tem como principal atividade econômica a hospedagem, enquanto 48,86% atuam nas áreas de turismo de aventura, comercialização de outras bebidas não relacionadas à uva e vestuário.

É válido ressaltar que, ainda de acordo com os resultados do estudo, as principais características socioeconômicas dos empreendimentos de enoturismo do Vale dos Vinhedos, não variam de maneira intensa entre as categorias, como pode-se verificar na Tabela 2.

Tabela 2:
Perfil socioeconômico dos empreendimentos enoturístico do Vale dos Vinhedos, de acordo com a classificação da oferta enoturística

Quanto às características básicas, como a localização, a maioria dos empreendimentos das três categorias localizam-se no município de Bento Gonçalves, possuem porte econômico considerado micro/pequeno, com exceção da classe de produtos e serviços estendidos, na qual a maioria dos empreendimentos classifica-se como médio ou grande porte, em virtude do tipo de estabelecimentos da categoria, como hotéis, parques de turismo e indústrias de bebidas e vestuário. A maioria possui mão de obra composta por cinco ou mais empregados, além da mão de obra familiar; média de três a cinco atendentes de enoturismo, com 100% da origem da mão de obra vinda dos municípios que constituem o Vale dos Vinhedos.

Em relação aos turistas, a maioria dos empreendimentos das três categorias possuem um fluxo mensal superior a 500 turistas, sendo junho a agosto o período de maior fluxo. As principais diferenças entre os tipos de oferta turística encontram-se na cobrança da taxa de visitação. Enquanto a maioria dos estabelecimentos de serviços e produtos suplementares (estendidos e complementares) não cobram nenhum tipo de taxa (degustação, visitação), 17 dos 19 empreendimentos de produtos e serviços essenciais cobram taxas de degustação dos produtos.

Sobre a percepção dos empreendedores quanto às atividades enoturísticas do Vale dos Vinhedos, quando questionados sobre qual o nível de importância (de 1 a 4) de cada uma das principais atividades enoturísticas disponibilizadas aos turistas, foi notória a relação entre a importância dada à atividade e o tipo de base econômica do empreendimento, como é visível na tabela 3.

Tabela 3:
Percepção dos empreendedores sobre a relevância das atividades enoturísticas disponíveis no Vale dos Vinhedos

Dessa forma, na categoria de produtos e serviços essenciais - onde a base econômica dos empreendimentos é a produção de uva e vinho, as três práticas consideradas mais relevantes foram degustação e venda direta de vinhos, ambas com média 4 e 100% das respostas consideradas muito relevantes, como mostra o desvio padrão igual a zero. Seguido das atividades sobre as formas de produção e consumo de vinho, com média 3,84 e 89,4% das respostas muito relevante, e um desvio padrão de 0,51, o que identifica alguma discordância entre os entrevistados dessa categoria.

Na classe produtos e serviços complementares - cuja principal atividade econômica concentra-se na gastronomia, as três atividades consideradas muito relevantes para o território foram gastronomia local, seguido de venda de produtos agrícolas e artesanatos e degustação de vinhos. As médias calculadas para estas variáveis foram 3,5; 2,6 e 2,4, sendo a porcentagem de resposta muito relevante 77,2%, 50% e 18,1%, respectivamente. No entanto, vale ressaltar, que nesta categoria os respondentes apresentaram grande discordância sobre a importância das atividades como mostram os altos desvios padrão.

Já para os empreendimentos da categoria de serviços e produtos estendidos, que possuem a hospedagem e a diversificação como fontes principais de renda, as atividades essenciais do enoturismo do Vale dos Vinhedos são a visitação a vinhedos e paisagem vitivinícola, com média 3,28 e 57,14% das respostas muito relevante. Em segundo lugar, lazer e relaxamento, considerada muito relevante por 71,4% dos respondentes e média 3,14, seguido da hospedagem próximo a vinhedos ou área rural, com média 2,71 e 57,14% das respostas muito relevante, sendo estas duas atividades alvo de divergência pelos empreendedores como identifica o alto desvio padrão.

Mediante a análise dos resultados do presente trabalho, pode-se averiguar que a prática do turismo do vinho no Vale dos Vinhedos se dá por meio de uma rede de conexões que ligam desde aspectos como os interesses das diferentes categorias de empreendimentos enoturísticos até fatores externos ao território. Neste contexto, do ponto de vista da perspectiva da oferta (empreendimentos, organizações e território) observou-se, juntamente com a análise das motivações dos turistas e dos princípios e objetivos da principal instituição representativa do setor, a APROVALE, que a estrutura da oferta enoturística no Vale dos Vinhedos é moldada de acordo com as características de infraestrutura física, social e econômica dos empreendimentos atuantes no território, bem como está sob a influência dos interesses dos turistas e das diretrizes das organizações e instituições que representam os principais atores do setor vitivinícola.

Ademais, o principal fator influenciador da forma de atuação dos empreendimentos enoturísticos encontra-se alicerçado na base econômica do estabelecimento. Por exemplo, empreendimentos que trabalham com a produção de uva e vinho tendem a oferecer produtos e serviços enoturísticos ligados a degustação, forma de produção e consumo de vinhos, visitação a parreirais, enquanto estabelecimentos que possuem como atividade principal a gastronomia ou a hospedagem, podem oferecer além de serviços ligados a estas áreas, produtos vinculados a cultura dos imigrantes ou vendas de produtos agrícolas e artesanais, entre outros. Esta tendência é algo natural, mas que já tem apresentado mudanças em outros territórios vitivinícolas, onde por exemplo, vinícolas têm explorado a cultura local como principal atração turística, tendo o vinho apenas como “pano de fundo” (Flores, 2018Flores, S. S. (2018). A Região dos "Vinhos da Campanha" e suas Perspectivas de Sustentabilidade. Territoires du Vin, 9, 50-72.).

Desse modo, a oferta enoturística do Vale dos Vinhedos configura-se pela união das necessidades e desejos dos turistas à vocação profissional dos atores e a capacidade econômica destes, delimitando assim sua forma de exploração enoturística (categoria de serviços e produtos essenciais, complementares ou estendidos). Por sua vez, a área de atuação influencia, em certa medida, fatores como mão de obra, taxas, formas de atendimento ao turista, entre outros. Da mesma forma que molda a percepção dos empreendedores quanto a importância de cada atividade disponibilizada aos turistas, refletindo no fortalecimento de uma oferta enoturística singular e típica do território em questão.

DISCUSSÃO

O conceito de território vincula-se à categoria poder, porém não apenas ao poder no sentido concreto de dominação (poder político), mas também ao poder simbólico, ligado à apropriação de determinados grupos para com seu espaço de vivência (Haesbaert, 2004Haesbaert, R. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. In: Anais do I Seminário Nacional sobre Múltiplas Territorialidades. Porto Alegre: Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS, 2004.). Sendo o espaço delimitado por e a partir de relações de poder, o território não se refere somente aos limites político-administrativos estabelecidos por linhas ou marcos divisórios (Souza, 2003Souza, M. J. L. (2003). O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In I. E. Castro, & R. L. Corrêa (Eds.), Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.). Sua abrangência é múltipla, envolvendo diferentes espaços e agentes sociais, indo desde a ação do Estado delimitando as fronteiras de um país, por exemplo, até a definição da abrangência espacial das organizações comunitárias de bairros, de conjuntos habitacionais, de ocupações etc.

Neste contexto, um território vitivinícola é composto por três elementos centrais: um ambiente rural propício à produção de uvas e atividades relacionadas como o vinho, uma paisagem típica vitivinícola e espaços para a degustação dos vinhos (Hall et al., 2000Hall, M., Sharples, L., Cambourne, B. & Macionis, N. (2000). Wine tourism around the world. Development, management and markets. In: Wine tourism around the world. Oxford: Butterworth- Heinemann.). Isto é, embora todos os aspectos e singularidades que constituem um território vitivinícola sejam relevantes na construção de um destino enoturístico, a produção de uva e vinho estabelece-se como o elo central da oferta turística local. Neste contexto, diferentes autores (Mitchell & Hall, 2000Mitchell, R. & Hall, C. M. (2000). Wine tourism in the Mediterranean: A tool for restructuring and development. Thunderbird International Bussiness Review, 42(4), 445-465. ; Alonso & Liu, 2010Alonso, A. D. & Liu, Y. (2010). Wine tourism development in emerging Western Australian regions. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 22(2), 245-262.; Bruwer & Lesschaeve, 2012Bruwer, J. & Lesschaeve, I. (2012). Sources of Information Used by Tourists Travelling to Visit Canadian Winery Tasting Rooms. Tourism Planning and Development, 9(3), 269-289. https://doi.org/10.1080/21568316.2012.672452 ; Byrd et al., 2016Byrd, E. T., Canziani, B., Hsieh, Y. C., Debbage, K. & Sommez, S. (2016). Wine tourism: Motivating visitors through core and supplementary services. Tourism Management, (52), 19-29. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.009; Falcade, 2016Falcade, I. (2016). The geography of vine and wine industry in Brazil: Territory, culture and heritage / Geographie de la vigne et du vin Bresilien: territoire, culture et patrimoine. BIO Web of Conferences, 7(03028).) argumentam que o vinho é o motivador primário dos deslocamentos dos turistas em regiões vitivinícolas, sendo do ponto de vista operacional, a principal área de produção de serviços no enoturismo. Para López e Sanchez (2008López, T. G. & Sánchez, S. M. C. (2008). La creación de productos turísticos utilizando rutas enológicas. Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 6(2), 159-171.), a importância das vinícolas na configuração da oferta enoturística é tamanha, que o autor argumenta que a presença destas em prédios históricos ou contemporâneos, quando associada a um vinho de qualidade, um ambiente natural atrativo e a proximidade de atrativos culturais, garantem o sucesso do enoturismo.

No entanto, esta não é a realidade atual do Vale dos Vinhedos, onde o número de empreendimentos que possuem a produção de uva e vinho como principal atrativo turístico é inferior ao número de estabelecimentos que apresentam outras atividades como principal atração (categoria de produtos e serviços complementares e estendidos), o que pode expor uma fragilidade do território. Apesar disso, Tonini e Lavandoski (2011Tonini, H. & Lavandoski, J. (2011). Enoturismo: experiências e sensações no Vale dos Vinhedos (RS). Turismo em Análise, 22(1), 1-19.) apontam que o vinho é o principal motivador para turistas que frequentam o Vale dos Vinhedos. Para Hall e Mitchell (2002Hall, C. M. & Mitchell, R. D. (2002). The tourist terroir of New Zealand wine: the importance of region in the wine tourism experience. In: Food and Environment: Geographies of Taste. Rome: Societa Geografica Italiana.), entre os fatores-chave para o sucesso do enoturismo estão também as características da região, a paisagem local e sua combinação com elementos culturais. Corroborando com essa ideia, Getz (2000Getz, D. (2000). Explore wine tourism, management, development & destinations. New York: Cognizant Communications Corporation.) afirma que a paisagem vitivinícola também é importante na formação de um destino enoturístico, sendo sustentado por arquiteturas e patrimônios complementares e outros tipos de valores encontrados nos territórios vitivinícolas. Neste sentido, Mattia, Macke e Sarate (2017) apontam que a paisagem bucólica do Vale dos Vinhedos, associada ao clima e aos relevos da região, somam-se a gastronomia acolhedora e aos vinhos de reconhecida qualidade colocando o mesmo como um dos principais pontos turísticos da cultura do vinho no Brasil.

Além disso, Orta, Cruz e Quiñones (2018Orta, M. R., Cruz, L. & Quiñones, R. J. (2018). Estrategia de gestión pública para un enoturismo sustentable a partir de la percepción de problemas ambientales el Valle de Guadalupe (México). Estudios y Perspectivas en Turismo, 27(2), 375-389.) salientam que alguns territórios agrícolas-rurais têm transformado sua vocação natural em função do crescimento da atividade turística, gerando uma pressão sobre os recursos naturais e exigindo estratégias que permitam um desenvolvimento controlado. Para os autores, a incorporação do turismo em territórios típicos da produção vitivinícola, favorece a competição por espaço e recursos naturais, colocando em risco a atividade principal - viticultura - que deu origem a estes territórios. Desse modo, percebe-se que o crescimento sem planejamento das atividades turísticas em territórios como o Vale dos Vinhedos, pode representar uma ameaça a preservação das singularidades do território, como a paisagem, a identidade local e a vocação do mesmo.

Todavia, alguns autores defendem a diversificação dos territórios enoturísticos. Para Río-Rama, Peris-Ortiz e Merigó-Lindahl (2016Río-Rama, M. C., Peris-Ortiz, M. & Merigó-Lindahl, J. M. (2016). Monterrei Wine Tourist Route (Galicia- Spain): Analysis from the Perspective of Offer. In: Wine and Tourism: A Strategic Segment for Sustainable Economic Development. Viena: Springer, p. 57-69.), a inclusão de atividades turísticas às práticas de produção de vinho não gera benefícios apenas ao cluster turístico ou para as vinícolas, mas contribui também para o desenvolvimento rural e para a geração de empregos. Ainda de acordo com os autores, muitas rotas enoturísticas enfrentam dificuldades de consolidação pela falta de investimentos em atividades de lazer e cultura, uma vez que existe uma mudança no comportamento dos turistas que estão cada vez mais informados, exigentes e sofisticados, buscando no enoturismo experiências únicas e autênticas, com produtos locais singulares (Río-Rama, Peris-Ortiz & Merigó-Lindahl, 2016). Bowen, Siehl e Schneider (1989Bowen, D. E., Siehl, C. & Schneider, B. (1989). A framework for analyzing customer service orientations in manufacturing. Academy of Management Review, 14(1), 75-95. ) salientam que os serviços destinados aos clientes, que acompanham os produtos, podem ser denominados produto ampliado ou produto aumentado, sendo fonte potencial de diferenciação do produto. Para Lovelock (1996Lovelock, C. H. (1996). Adding value to core products with supplementary services. Services Marketing, [s. l.], 337-360.), para a obtenção da diferenciação, não basta dar ao cliente o que ele espera, mas oferecer mais do que ele pensa que necessita ou do que se acostumou a esperar. Dentro desta perspectiva, Byrd et al. (2016Byrd, E. T., Canziani, B., Hsieh, Y. C., Debbage, K. & Sommez, S. (2016). Wine tourism: Motivating visitors through core and supplementary services. Tourism Management, (52), 19-29. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.009) ressaltam que a oferta de serviços aumentados pode ser identificada para os produtos vitivinícolas, sendo esses serviços suplementares “facilitadores” do produto, aumentando seu valor percebido pelos consumidores.

Frente a este cenário, o enoturismo passa a ser idealizado não mais como uma visita superficial a vinícolas ou vinhedo, para a degustação ou compra de vinhos, mas sim como uma experiência singular que envolve aspectos culturais, paisagem vitivinícola, ambiente, gastronomia, entre outras características específicas dos territórios (Grybovych; Lankford, 2013Grybovych, O. & Lankford, S. (2013). Motivations of wine travelers in rural Northeast Iowa. International Journal of Wine Business Research, 25(4) 285-309.; Byrd et al., 2016Byrd, E. T., Canziani, B., Hsieh, Y. C., Debbage, K. & Sommez, S. (2016). Wine tourism: Motivating visitors through core and supplementary services. Tourism Management, (52), 19-29. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2015.06.009). Nesta perspectiva, Valduga (2012Valduga, V. (2012). O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos (RS/Brasil). Revista Cultura, 6(2), 127-143.), ao explicar o sistema enoturístico definido por Hall (2004Hall, C. M. (2004). Small farms and wine and food tourism in New Zealand: issues of collaboration, clusters and lifestyles. In: Small Firms in Tourism: International Perspectives. Oxford: Elsevier Science.), argumenta que este consiste em uma organização e sistema de arranjos entre os diversos atores e setores de interesse, que formam uma rede, uma teia complexa de organizações, que envolvem desde fatores precedentes à viagem até o contato com a região vitivinícola. Já López e Sánchez (2008López, T. G. & Sánchez, S. M. C. (2008). La creación de productos turísticos utilizando rutas enológicas. Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 6(2), 159-171.) definem o sistema enoturístico como um conjunto de subsistemas compostos por território, cultura vitivinícola e turismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O enoturismo do Vale dos Vinhedos, sob o ponto de vista da oferta, é a principal experiência do cenário vitivinícola brasileiro, contando um número variado de diferentes tipos de atividades e infraestruturas turísticas. Neste contexto, o território destaca-se por oferecer aos turistas mais que práticas enoturísticas associadas apenas à produção e consumo de vinho. De modo geral, a oferta enoturística do Vale dos Vinhedos conta com mais de 20 tipos diversificados de produtos e serviços ofertados distribuídos nas categorias essenciais, complementares e estendidos.

Nesta perspectiva, o enoturismo apresenta-se como uma estratégia de valorização dos produtos locais e do território em geral. No que tange à oferta de produtos e serviços essenciais, as atividades de interação entre os visitantes e as formas de produção e consumo de vinhos - como a visitação a vinícolas e vinhedos, a degustação guiada, confrarias de vinho, entre outras, tendem a estabelecer-se como uma importante forma de conexão entre o setor vitivinícola e os consumidores, fidelizando cliente e agregando valor ao principal produto do território. Já a presença de serviços e produtos suplementares (complementares e estendidos), como a gastronomia típica e atividades de lazer e relaxamento, permitem em determinada medida a valorização do território da perspectiva do cluster turístico, proporcionando a divulgação da vitivinicultura local.

Todavia, a expansão do número de empreendimentos voltados exclusivamente ao atendimento das necessidades e desejos dos turistas e, sem conexão direta com a vitivinicultura ou com a identidade local, como os meios de hospedagem, centros de compras e estabelecimentos de gastronomia não típicos da cultura do imigrante italiano, tem insurgido em questionamentos quanto ao futuro do território. Ou seja, a existência de um desequilíbrio entre a oferta turística e a aptidão vitivinícola do Vale dos Vinhedos - cada dia mais evidente, traz à tona discussões acerca da preservação da identidade local versus as exigências dos turistas e principalmente os interesses dos empresários estabelecidos no território.

Ademais, pode-se concluir que o presente estudo alcançou os objetivos propostos, uma vez que identificou as diferentes categorias da oferta de produtos e serviços enoturísticos, com base em seus elementos centrais e no perfil dos empreendimentos promotores desta prática turística, reconhecendo também as lacunas resultantes da expansão e configuração desta prática. De outro lado, verifica-se que embora composta por diferentes atrações, a estrutura da oferta do enoturismo do Vale dos Vinhedos é formada por um conjunto de interações entre os interesses do setor vinícola, a infraestrutura física e socioeconômica dos empreendimentos enoturísticos e os objetivos e interesses das organizações de fomento dos setores turísticos e vinícola. Em suma, o sistema enoturístico do Vale dos Vinhedos, quando analisado a partir da oferta, nos possibilita percebê-lo como um sistema complexo, sob a ingerência de múltiplos aspectos - tangíveis e intangíveis - e atores, com variadas percepções e interesses, não apenas sobre o desenvolvimento do enoturismo, mas também sobre as perspectivas e diretrizes sob as quais o território deve ser subjugado.

Quanto às limitações e estudos futuros, é importante destacar que o território do Vale dos Vinhedos não é composto apenas por empreendimentos associados à APROVALE, o que indica os limites da investigação e interpretação do presente estudo. Além disso, é importante destacar a necessidade de análise da relação entre oferta e demanda, verificando a percepção dos turistas em relação a atual configuração da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos. Desse modo, recomenda-se que estudos futuros aprofundem as análises da oferta enoturística do Vale dos Vinhedos, ampliando sua amostra e estendendo as investigações às perspectivas da demanda.

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  • a
    O termo “Novo Mundo do Vinho” refere-se aos territórios considerados NÃO tradicionais na produção de vinho, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, entre outros, com ênfase na produção de vinhos varietais (Kohls, Anjos & Caldas, 2016).
  • b
    Buscando uma maior liberdade de respostas, e a pedidos dos empreendedores, os empreendimentos não tiveram seus nomes divulgados ao longo do trabalho.
  • c
    Agroturismo é percebido como qualquer atividade de geração de renda conduzida por práticas agropecuárias que visa educar ou divertir os visitantes, incluindo a interpretação dos fatores naturais, culturais, históricos e ambientais da propriedade e da comunidade rural (Silva & Souza, 2015Silva, M. A. C. & Souza, M. (2015). Motivações e benefícios socioeconômicos do turismo rural pedagógico para os empreendedores e a comunidade rural: o caso do projeto Viva Ciranda e roteiro Caminhos Rurais. Turismo: Visão e Ação, 17(3). https://doi.org/10.14210/rtva.v17n3.p630-657).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2022
  • Aceito
    21 Mar 2022
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