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EXPERIÊNCIAS TURÍSTICAS MEMORÁVEIS EM AMBIENTES RURAIS: PESQUISA-AÇÃO COM EMPREENDEDORES DA ROTA DO QUEIJO - TERROIR VERTENTES, MINAS GERAIS, BRASIL

EXPERIENCIAS TURÍSTICAS MEMORABLES EN AMBIENTES RURALES: INVESTIGACIÓN-ACCIÓN CON EMPRENDEDORES DE LA ROTA DO QUEIJO - TERROIR VERTENTES, MINAS GERAIS, BRASIL

Resumo:

Experiências turísticas memoráveis vêm se tornando progressivamente relevantes para o contexto do turismo no espaço rural. Para atender às expectativas de turistas, produtores e gestores locais devem conhecer as características das experiências memoráveis com o propósito de estruturar produtos turísticos que se sedimentem positivamente nas lembranças dos turistas, influenciando suas atitudes e comportamentos durante e após as viagens. Neste artigo, objetivou-se investigar o processo de desenvolvimento de técnicas e conhecimentos para a criação de experiências turísticas memoráveis junto a produtores da agricultura familiar. Realizou-se um estudo qualitativo, empregando o método da pesquisa-ação junto a 17 produtores agroalimentares de nove municípios da Região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais. As estratégias metodológicas utilizadas foram oficinas remotas, questionários para criação de experiências via Google Forms, visita de campo e anotações em diário eletrônico dos pesquisadores. As oficinas remotas dividiram-se em cinco etapas e resultaram na criação de 12 experiências. Constatou-se que, com a intervenção das oficinas, os agricultores familiares foram capazes de elaborar junto aos pesquisadores um plano de oferta de experiências turísticas memoráveis, considerando aspectos de identificação, caracterização e comercialização dos produtos. O principal resultado desta pesquisa foi a construção de conhecimentos junto aos agricultores familiares de modo a promover autonomia para a oferta de experiências turísticas com inovação, qualidade técnica e hospitalidade. As 12 experiências criadas evidenciam que os produtores rurais foram capazes de associar os conhecimentos sistematizados nas oficinas com suas realidades locais e recursos naturais e culturais.

Palavras-chave:
turismo rural; experiências turísticas memoráveis; pesquisa-ação; roteiro turístico; Minas Gerais

Resumen:

Las experiencias turísticas memorables se han vuelto cada vez más relevantes en el contexto del turismo rural. Para cumplir con las expectativas de los turistas, los productores y gestores locales deben conocer las características de las experiencias memorables para estructurar productos turísticos que sedimenten positivamente en la memoria de los turistas, influyendo en sus actitudes y comportamientos durante y después del viaje. En este artículo, el objetivo fue investigar el proceso de desarrollo de técnicas y conocimientos para la creación de experiencias turísticas memorables con agricultores familiares. Se realizó un estudio cualitativo, utilizando el método de investigación-acción, con 17 productores agroalimentarios de 9 municipios de la región de Campo das Vertentes en Minas Gerais. Las estrategias metodológicas utilizadas fueron talleres a distancia, cuestionarios para crear experiencias a través de Google Forms, visitas de campo y notas en el diario electrónico de los investigadores. Los talleres remotos se dividieron en cinco etapas y dieron como resultado la creación de 12 experiencias. Se encontró que, con la intervención de los talleres, los agricultores familiares lograron desarrollar un plan con los investigadores para ofrecer experiencias turísticas memorables, considerando aspectos de identificación, caracterización y comercialización de los productos. El principal resultado de esta investigación fue la construcción de conocimiento con agricultores familiares con el fin de promover la autonomía para ofrecer experiencias turísticas con innovación, calidad técnica y hospitalidad. Las 12 experiencias creadas muestran que los productores rurales lograron asociar los saberes sistematizados en los talleres con sus realidades locales y los recursos naturales y culturales.

Palabras Clave:
Turismo rural; experiencias turísticas memorables; investigación-acción; ruta turística; Minas Gerais

Abstract:

Memorable tourism experiences have become progressively relevant to the context of rural tourism. To meet the expectations of tourists, producers and local managers must know the characteristics of memorable experiences to structure tourist products that tourists remember positively, influencing their attitudes and behaviors during and after their trip. This paper aims to investigate the process of developing techniques and knowledge to create memorable tourism experiences with family farmers. A qualitative study was carried out using the action research method, with 17 cheese marketers from 9 municipalities in the Campo das Vertentes region in Minas Gerais. The methodological strategies used were remote workshops, questionnaires to create experiences via Google Forms, field visits and notes in the researchers’ electronic diary. The remote workshops were divided into five stages and resulted in 12 experiences. We found that with the intervention of the workshops, family farmers were able to develop a plan with the researchers to offer memorable tourist experiences, considering aspects of identification, characterization, and commercialization of products. The main result of this research was the construction of knowledge with family farmers to promote autonomy to offer tourist experiences with innovation, technical quality, and hospitality. The 12 experiences created demonstrate that rural producers could associate the knowledge systematized in the workshops with their local realities and natural and cultural resources.

Keywords:
rural tourism; memorable tourism experiences; action research; tourist itinerary; Minas Gerais

INTRODUÇÃO

O planejamento e a gestão do turismo são processos intrinsecamente relacionados e que mobilizam uma complexidade de ações, agentes sociais e também conceitos (Hall, 2004Hall, C. M. (2004). Planejamento turístico: políticas, processos e relacionamentos. Contexto.). A dimensão temporal desses dois elementos é diferente, haja vista que o planejamento se ocupa das ações de médio e longo prazo, enquanto a gestão costuma lidar com o aqui e o agora (Fratucci, 2014Fratucci, A. C. (2014). Turismo e território: relações e complexidades. Caderno Virtual de Turismo , 14(1), 87-96.). Embora sejam conceitos e processos distintos, é a confluência do planejamento e da gestão que pode tornar o turismo um catalisador de benefícios para os diferentes setores e agentes da sociedade envolvidos com seu desenvolvimento (Fratucci, 2014Fratucci, A. C. (2014). Turismo e território: relações e complexidades. Caderno Virtual de Turismo , 14(1), 87-96.). Nesse sentido, existem diferentes estratégias e táticas para operacionalizar os processos de planejamento e gestão, de acordo com o espaço em que ocorre e seu contexto histórico, cultural, político e institucional.

O recorte geográfico da presente pesquisa está no espaço rural. De acordo com Souza Neto e Marques (2021Souza Neto, V. R., & Marques, O. (2021). Rural tourism fostering welfare through sustainable development: A conceptual approach. In Rebuilding and restructuring the tourism industry: Infusion of happiness and quality of life (pp. 38-57). IGI Global.), os benefícios do turismo para o espaço rural costumam transbordar para outras áreas, podendo provocar como efeitos a diminuição do êxodo rural, o aumento da qualidade de vida e bem-estar da população, a preservação da cultura e dos modos de vida tradicionais, entre outros aspectos relacionados ao desenvolvimento local. No meio rural, observa-se uma vivência turística geralmente oposta ao turismo de massa e suas consequentes aglomerações sociais. A demanda pelo turismo rural pode ser considerada mais modesta, assim como a oferta de equipamentos e serviços geralmente é reduzida, permitindo aos turistas experienciar momentos de lazer vinculados à natureza e ao modo de vida tradicional campesino (Valduga et al., 2021Valduga, M. C., Oliveira, R. L., Silva, M. S., & Tavares, B. C. (2021). Inovação e empreendedorismo no turismo rural: limites e potencialidades de novas tendências no cenário brasileiro. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, 15(3), 25-51. https://doi.org/10.17648/raoit.v15n3.7144).

As atuais tendências de mercado, no Brasil, valorizam as experiências turísticas em ambientes mais isolados, com a possibilidade de estada mais longa, deslocamento em pequenos grupos, oportunidades de transporte particular e o maior contato direto com a natureza, características essas que destacam o turismo rural das demais modalidades turísticas (Valduga et al., 2021Valduga, M. C., Oliveira, R. L., Silva, M. S., & Tavares, B. C. (2021). Inovação e empreendedorismo no turismo rural: limites e potencialidades de novas tendências no cenário brasileiro. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, 15(3), 25-51. https://doi.org/10.17648/raoit.v15n3.7144). Outra tendência contemporânea reside no interesse pelas experiências turísticas memoráveis, aquelas que se sedimentam positivamente nas lembranças dos turistas e influenciam suas atitudes e comportamentos durante e após a viagem (Kim, 2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ). Existem alguns estudos que enquadram as características das experiências memoráveis no espaço rural (Kastenholz et al., 2018Kastenholz, E., Carneiro, M. J., Marques, C. P., & Loureiro, S. M. C. (2018). The dimensions of rural tourism experience: impacts on arousal, memory, and satisfaction. Journal of Travel and Tourism Marketing, 35(2), 189-201. https://doi.org/10.1080/10548408.2017.1350617; Ye et al., 2020). No entanto, o foco dessas pesquisas costuma residir na mensuração de aspectos da experiência turística memorável na perspectiva dos turistas, deixando uma lacuna de estudos sobre como os agentes sociais da oferta podem formatar experiências no espaço rural com foco na memorabilidade.

Visando aos potenciais benefícios gerados pelo turismo rural, a Universidade Federal Fluminense (UFF) executou o projeto Experiências do Brasil Rural (EBR), em parceria com o Ministério do Turismo (Mtur) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O projeto teve início em fevereiro de 2021, com a publicação do Edital de Chamada Pública n. 001/2021/SNDTUR. Sua finalidade foi qualificar, fomentar e apoiar o desenvolvimento do turismo em áreas rurais, por meio de um trabalho focado nos produtos associados ao turismo, e que, em sua primeira edição, se encontravam inseridas em rotas turísticas pertencentes às cadeias agroalimentares do queijo, do vinho, da cerveja e dos frutos da Amazônia.

Neste artigo, relata-se a criação e o planejamento de experiências turísticas memoráveis junto a agricultores familiares da Rota do Queijo - Terroir Vertentes, situada na Região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais. O objetivo do artigo é avaliar o processo de desenvolvimento de técnicas e conhecimentos para a criação de experiências turísticas memoráveis junto a produtores da agricultura familiar. Para isso, realizou-se um estudo qualitativo, empregando o método da pesquisa-ação junto a 17 produtores de queijo. As estratégias metodológicas utilizadas foram oficinas remotas, questionários para criação de experiências via Google Forms, visita de campo e anotações em diário eletrônico dos pesquisadores.

Após esta introdução, o artigo divide-se em cinco seções. A primeira apresenta uma revisão de literatura sobre experiências turísticas e as características que levam à memorabilidade. Na sequência, descreve-se o projeto “Experiências do Brasil Rural”, a fim de situar a pesquisa empírica. A seção seguinte detalha os procedimentos metodológicos e descreve a Rota do Queijo para, então, realizar a apresentação e discussão dos resultados da pesquisa-ação. Por fim, apresentam-se as considerações finais, compostas pelo apontamento de contribuições, limitações, e possibilidades de aprofundamento teórico evidenciadas neste estudo.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As vivências das pessoas durante as viagens estão no rol das questões fundamentais nos estudos do turismo. Autores clássicos como Cohen (1979Cohen, E. (1979). A phenomenology of tourist experiences. Sociology, 13(2), 179-201. https://doi.org/10.1177/003803857901300203), Jafari e Ritchie (1981Jafari, J., & Ritchie, J. R. B. (1981). Toward a framework for education: Problems and prospects. Annals of Tourism Research, 8(1), 13-34. https://doi.org/10.1016/0160-7383(81)90065-7), Krippendorf (1987Krippendorf, J. (1987). Holiday makers: Understanding the impact of leisure and travel. Routledge.) e Urry (1990Urry, J. (1990). The tourist gaze. Sage.) examinaram o que motiva turistas, quais são suas expectativas e experiências, quais são os impactos gerados e como esses fatores se traduzem em comportamentos durante viagens. As dimensões temporal e espacial são determinantes nessa discussão, uma vez que o que distingue a experiência trivial da experiência turística reside justamente no período extraordinário da viagem (Urry & Larsen, 2011Urry, J., & Larsen, J. (2011). The tourist gaze 3.0. Sage.; Pezzi & Viana, 2015Pezzi, E., & Vianna, S. L. G. (2015). A Experiência Turística e o Turismo de Experiência: um estudo sobre as dimensões da experiência memorável. Revista Turismo em Análise , 26(1), 165-187.). Entretanto, a experiência turística não é vivenciada de forma uniforme por todos os viajantes. Primeiramente, porque a palavra “turista” abarca uma ampla variedade de indivíduos com diferentes necessidades, desejos, modos de ser e de agir (Cohen, 1979). Nesse sentido, viagens são experienciadas de formas distintas. Em segundo lugar, todo indivíduo carrega consigo um repertório de vivências prévias que condiciona a sua interpretação da experiência turística e, portanto, a viagem torna-se imbuída de uma variedade de significados (Trigo, 2013Trigo, L. G. G. (2013). A viagem: caminho e experiência. Aleph.).

Quando desponta na sociedade pós-industrial, o turismo se caracteriza como uma atividade econômica do setor de serviços - como até hoje é considerado para fins estatísticos. No entanto, o aumento da competitividade entre empresas, o avanço das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e as necessidades dos consumidores vêm transformando economias de serviços em “economias de experiências”. Pine e Gilmore (1999) introduzem esse conceito na década de 1990 desenvolvendo uma analogia entre os serviços e o teatro. Segundo os autores, “empresas encenam uma experiência sempre que se relacionam com clientes, se conectando a eles de forma personalizada e memorável” (Pine & Gilmore, 1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review., p. 3). Destarte, tornou-se um ponto recorrente na literatura que o turismo faz parte da economia da experiência (Shaw & Williams, 2004Shaw, G. & Williams, A. M. (2004). Tourism and tourism spaces. Sage.). O palco de interações do turismo envolve a performance de diversos atores sociais que, juntos, compõem a cena da viagem e propiciam a experiência turística.

O sucesso de prestadores de serviços na economia da experiência depende de alguns fatores. Antes de tudo, depende do domínio das características que tornam experiências memoráveis. Originalmente, Pine e Gilmore (1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review., 2011Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (2011). The experience economy. Harvard Business Press.) sugeriram quatro dimensões principais para essas experiências, divididas pelo grau de imersão e participação dos indivíduos: as dimensões de aprendizagem e escapismo são as mais ativas, enquanto o entretenimento e a estética requerem participação mais passiva.

Além disso, Pine e Gilmore (1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review., 2011Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (2011). The experience economy. Harvard Business Press.) propõem cinco princípios para o design de experiências memoráveis. O primeiro se refere à tematização da experiência, isto é, ela deve fazer alusão a alguma temática que perdure a experiência. Em segundo lugar, a experiência deve ser permeada por sinais positivos, instruções fáceis de se seguir. Em contraste ao segundo ponto, o terceiro é eliminar referências ou distrações negativas. A quarta orientação sugere a materialização das experiências - souvenirs, lembrancinhas, fotografias ou outros elementos de cultura material que tornam a memória da experiência tangível. Por último, a quinta diretriz sugere que uma experiência estimule o máximo de sentidos possível.

Nos estudos do turismo, pesquisas vêm esmiuçando o escopo da memorabilidade das experiências turísticas. Fatores afetivos vêm sendo progressivamente investigados (Bastiaansen et al., 2019Bastiaansen, M., Lub, X. D., Mitas, O., Jung, T. H., Ascenção, M. P., Han, D. I., & Strijbosch, W. (2019). Emotions as core building blocks of an experience. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 31(2), 651-668. https://doi.org/10.1108/IJCHM-11-2017-0761 ; Coelho, Gosling & Almeida, 2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ; Servidio & Ruffolo, 2016Servidio, R., & Ruffolo, I. (2016). Exploring the relationship between emotions and memorable tourism experiences through narratives. Tourism Management Perspectives, 20, 151-160. https://doi.org/10.1016/j.tmp.2016.07.010 ), assim como cognitivos (Kastenholz et al., 2018Kastenholz, E., Carneiro, M. J., Marques, C. P., & Loureiro, S. M. C. (2018). The dimensions of rural tourism experience: impacts on arousal, memory, and satisfaction. Journal of Travel and Tourism Marketing, 35(2), 189-201. https://doi.org/10.1080/10548408.2017.1350617; Kim & Ritchie, 2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ) e ambientais (Kastenholz, Marques & Carneiro, 2020).

Experiências turísticas memoráveis (ETM) são aquelas que se sedimentam positivamente nas lembranças de turistas (Kim, Ritchie & McCormick, 2012Kim, J. H., Ritchie, J. B., & McCormick, B. (2012). Development of a scale to measure memorable tourism experiences. Journal of Travel Research , 51(1), 12-25. https://doi.org/10.1177/0047287510385467). Embora não sejam exclusivamente positivas, estudos evidenciam que experiências positivas tendem a sedimentar mais na memória do que experiências negativas, tratando-se de contextos de viagem (Coelho, Gosling & Almeida, 2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ; Kim, Ritchie & McCormick, 2012). As características dessas experiências positivamente memoráveis têm se tornado um campo fértil de estudos nos últimos anos. Kim (2014Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). (2008). Dossiê Interpretativo - Queijo artesanal de Minas: Patrimônio Cultural do Brasil Disponível em: Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_modo_fazer_queijo_minas.pdf . Acesso em: 14 fev. 2022.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfin...
) indica dez construtos relevantes para a mensuração da memorabilidade de destinos turísticos: cultura local; variedade de atividades; hospitalidade; infraestrutura; gestão do destino; acessibilidade; qualidade de serviços; geografia física; apego ao lugar; e superestrutura. Esses fatores operam como antecedentes da potencial memorabilidade de destinos, o que pode ser útil a gestores públicos e privados no planejamento do turismo.

Por outro lado, a experiência turística não está condicionada apenas a fatores objetivos como alguns dos mencionados acima. Na verdade, a experiência turística corresponde a processos de significação, perdurando no antes, durante e após uma viagem e, portanto, não se limita apenas a atributos do destino, mas também aos atributos da experiência individual (Coelho, Gosling & Almeida, 2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ).

Em consonância e complementarmente a esses componentes, Coelho, Gosling e Almeida (2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ) examinam qualitativamente os elementos nucleares das ETMs, desenvolvendo um modelo processual com três dimensões: emoção e reflexão, ambiência, socialização. Os processos que envolvem socialização, emoção e reflexão possuem pontos de convergência com os fatores de Kim e Ritchie (2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ). Por exemplo, a interação com a cultura local guarda semelhanças com os processos de socialização, apesar de este último abranger também interações com outros turistas ou companheiros de viagem (Coelho, Gosling & Almeida, 2018). A dimensão afetiva presente no hedonismo, significado e envolvimento de Kim e Ritchie (2014) também se manifesta em Coelho, Gosling e Almeida (2018). Há autores que consideram as emoções o ponto nevrálgico da experiência memorável (Bastiaansen et al., 2019Bastiaansen, M., Lub, X. D., Mitas, O., Jung, T. H., Ascenção, M. P., Han, D. I., & Strijbosch, W. (2019). Emotions as core building blocks of an experience. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 31(2), 651-668. https://doi.org/10.1108/IJCHM-11-2017-0761 ), mais do que elementos cognitivos como a atenção, envolvimento e imersão, por exemplo. No entanto, essa não é uma unanimidade dentre os diferentes autores sobre o tema.

O grau de novidade da experiência turística é um dos fatores que encontram mais concordância na literatura do turismo sobre experiências memoráveis (Coelho, Gosling & Almeida, 2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ; Kim & Ritchie, 2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ). Para Ye et al., (2020) a novidade de uma experiência está dentro do escopo do extraordinário, junto ao prazer da viagem. Contrastam o extraordinário com aspectos comuns, que seriam qualidade e satisfação percebida. Esses autores revelam que os fatores extraordinários favorecem mais a formação de memórias perenes do que os ordinários no contexto do turismo rural (Ye et al., 2020).

Além dos fatores cognitivos e afetivos, a literatura vem incorporando aspectos ambientais aos estudos da memorabilidade da experiência turística. Coelho, Gosling e Almeida (2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 , p. 17) explicam que “a ambiência evoca a imersão do turista no ambiente onde a atividade ocorre. Envolve tanto o contato com os atrativos turísticos quanto a infraestrutura básica de acesso”. A compreensão da atratividade dos fatores ambientais é fundamental para o design de experiências turísticas, porque ela possibilita a criação de oportunidades de estimular sentidos e emoções, desejavelmente gerando relações de apego ao lugar por parte dos turistas (Kastenholz, Marques & Carneiro, 2020). Esses autores demonstram como diferentes experiências sensoriais condicionam as emoções de turistas e excursionistas no espaço rural: “[...] a visão, o olfato e o tato mostram mais potencial de proporcionar alegria, enquanto visão, audição e olfato parecem estar mais relacionados ao relaxamento” (Kastenholz, Marques & Carneiro, 2020, p. 8).

Perante a literatura exposta, observa-se que tratar das ETMs exige compreendê-las como um construto multidimensional, isto é, afirmar que as experiências memoráveis resultam de um conjunto de elementos e processos que permeiam a experiência turística. Coelho (2017Coelho, M. (2017). Viagens de brasileiros: um modelo de relações entre experiência turística memorável, mindfulness, transformações pessoais e bem-estar subjetivo. [Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais]. Repositório da UFMG: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AZNKY3.) examina, em uma amostra de viajantes brasileiros, os aspectos que tornam uma viagem memorável (figura 1). O tratamento estatístico dos dados revelou quatro dimensões principais que afetam a memorabilidade da experiência: o ambiente; a cultura; as relações interpessoais; e as influências individuais e psicológicas. Cada dimensão é operacionalizada por um conjunto de variáveis, das quais as mais significantes para a memorabilidade são: o grau de novidade proporcionado pela experiência turística, corroborando Kim & Ritchie (2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ), o ambiente, o significado proporcionado pela viagem, a renovação, os aspectos emocionais e a sensação de realização de um sonho.

O modelo apresentado na figura 1 é particularmente relevante para este artigo por dois motivos. Primeiramente, o trabalho foi realizado em contexto brasileiro, o que o torna mais aderente ao contexto empírico apresentado na presente pesquisa. Coelho (2017Coelho, M. (2017). Viagens de brasileiros: um modelo de relações entre experiência turística memorável, mindfulness, transformações pessoais e bem-estar subjetivo. [Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais]. Repositório da UFMG: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AZNKY3.), inclusive, relata que outros atributos tradicionalmente presentes na literatura internacional, como hedonismo e envolvimento, não demonstraram consistência estatística na amostra de brasileiros consultados. Em segundo lugar, porque esses aspectos que impactam a geração de memórias possuem implicações práticas para os prestadores de serviços no turismo.

Figura 1
Aspectos que impactam a memória de experiências de viagens de brasileiros

Os atributos presentes à direita da figura 1 podem inspirar adaptações em experiências turísticas pré-existentes e também servir de guia para empreendedores que buscam formatar novos produtos experienciais. É justamente sob esse pano de fundo teórico que se insere este trabalho.

PROJETO “EXPERIÊNCIAS DO BRASIL RURAL”

O Projeto Experiências do Brasil Rural (EBR) ocorreu de fevereiro de 2021 a janeiro de 2022, de forma remota, e contou com diversas etapas, ilustradas na figura 2.

Figura 2
Etapas do projeto “Experiências do Brasil Rural”

A primeira etapa - elaboração e lançamento do edital - referiu-se à construção e divulgação do edital de Chamada Pública do Projeto EBR, de acordo com a proposta idealizada pela parceria entre a UFF, o Mtur e o MAPA. A partir da avaliação dos roteiros turísticos inscritos durante a segunda etapa - seleção dos roteiros - foram contemplados oito roteiros turísticos de quatro regiões do país, sendo elas: a Norte, a Nordeste, a Sudeste e a Sul. Após a conclusão do processo de seleção, deu-se início à terceira etapa - diagnóstico - que contou com atividades voltadas aos empreendedores participantes do projeto, por meio de um diagnóstico participativo, realizado integralmente no formato remoto, empregando metodologia própria, desenvolvida pela equipe da UFF. A seguir, a quarta etapa - visões de mercado - proporcionou palestras via Youtube com conteúdo inovador para o turismo rural, com foco na agricultura familiar, a fim de expandir a visão mercadológica dos produtores participantes do projeto. Na quinta etapa - capacitação - cada roteiro obteve a indicação para participar de quatro temas de capacitação, de acordo com as necessidades percebidas na etapa de diagnóstico.

Na sequência, a sexta etapa do projeto - Oficina de experiências - proporcionou cursos para a criação de ETMs aos participantes do projeto, em busca de qualificar os roteiros por meio da inserção de produtos e de serviços da agricultura familiar no mercado turístico brasileiro, além de apoiar a formatação e o posicionamento de produtos e roteiros turísticos de experiências no meio rural. Por fim, a sétima etapa - Apoio à promoção e comercialização - providenciou suporte, juntamente ao Mtur e ao MAPA, para a divulgação dos roteiros contemplados no Edital, como a participação dos roteiros nas feiras e eventos relevantes que ocorreram de forma presencial, em 2021, como o Festival Internacional de Turismo (FESTURIS), em Gramado (RS) e o Festival das Cataratas, em Foz do Iguaçu (PR), elaboração de um catálogo com imagens e fotos dos membros do roteiro, dentre outros.

Sobre a elegibilidade dos roteiros turísticos para o projeto, além da participação de, pelo menos, um agricultor familiar vinculado a uma das cadeias produtivas específicas de queijo, vinho, cerveja ou frutos amazônicos, ou 10% dos estabelecimentos da rota. Tais proprietários rurais deveriam apresentar Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP). Essa declaração é um instrumento utilizado para identificar e qualificar as Unidades Familiares de Produção Agrária (UFPA) da agricultura familiar e suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas. A DAP permite ao agricultor familiar ingressar em políticas públicas de incentivo à produção e geração de renda.

A fim de garantir a inscrição e alcançar a aprovação no processo seletivo, os representantes ou gestores dos roteiros turísticos deveriam apresentar documentos comprobatórios como declarações de órgãos municipais ou estaduais de turismo, atestando a existência do roteiro; comprovantes de divulgação e comercialização do roteiro e dos empreendimentos rurais, como folders, páginas das redes sociais e outros materiais promocionais; além de declarar e certificar a presença de atrativos e empreendimentos turísticos no espaço que concerne o roteiro.

Vale destacar que, em fevereiro de 2022, foi lançado edital para nova edição do projeto, contemplando as cadeias produtivas de cachaça, café, mel e farinha de mandioca.

METODOLOGIA

Para avaliar o processo de desenvolvimento de técnicas e conhecimentos para a criação de experiências turísticas memoráveis junto a produtores da agricultura familiar, optou-se pela pesquisa qualitativa-descritiva, estratégia considerada, juntamente com a pesquisa qualitativa-exploratória, uma das mais utilizadas em estudos em nível de Mestrado no Brasil (Costa et al., 2018Costa, W. F., De Albuquerque Tito, A. L., Brumatti, P. N. M. & De Oliveira Alexandre, M. L. (2018). Uso de instrumentos de coleta de dados em pesquisa qualitativa: um estudo em produções científicas de turismo. Turismo Visão e Ação, 20(1), 2. https://doi.org/10.14210/rtva.v20n1.p02-28; Ferro & Rejowsky, 2020Ferro, R. C. & Rejowski, M. (2020). Metodologia da pesquisa em Gastronomia no campo científico do Turismo. Revista Rosa dos Ventos - Turismo e Hospitalidade, 12(3), 463-483. http://dx.doi.org/10.18226/21789061.v12i3p463), realizada por meio da pesquisa-ação. A pesquisa-ação visa à transformação, em qualquer área do conhecimento humano, na medida em que promove formas de executar com maior eficiência e eficácia as atividades envolvidas no projeto a ser trabalhado. Para tanto, busca desenvolver técnicas e conhecimentos necessários ao fortalecimento das atividades desenvolvidas por determinado grupo social, valorizando os saberes e as práticas cotidianas dos envolvidos (Thiollent, 1992Thiollent, M. (1992). Metodologia da Pesquisa-Ação. Cortez.).

A pesquisa-ação é uma abordagem de pesquisa que utiliza “técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática” (Tripp, 2005, p. 447), devendo essas técnicas atender aos critérios e rigores comuns à pesquisa acadêmica. O método permite ao pesquisador se aproximar dos dados e, assim, desenvolver os componentes analíticos, conceituais e explicativos (Roesch, 1999).

A finalidade da pesquisa-ação é a transformação da realidade que afeta as pessoas envolvidas (Baldissera, 2001Baldissera, A. (2001). Pesquisa-ação: uma metodologia do “conhecer” e do “agir” coletivo. Sociedade em Debate, 7(2), 5-25.). Para o referido autor, essa técnica exige uma estrutura de relação entre os pesquisadores e os envolvidos no estudo da realidade do tipo participativo/coletivo. É necessário que haja uma ampla interação entre essas partes para que haja maior acúmulo de conhecimento dos pesquisadores e dos grupos participantes do processo, contribuindo para discussões e avançando o debate acerca das questões abordadas (Thiollent, 1992Thiollent, M. (1992). Metodologia da Pesquisa-Ação. Cortez.), caracterizando, de fato, um método de pesquisa participativo.

A ação aqui analisada situa-se na etapa Oficinas de Experiências do Projeto EBR, cujas ferramentas metodológicas empregadas foram oficinas remotas, questionários via Google Forms, visita de campo e anotações em diário eletrônico dos pesquisadores. Como o projeto objetivou a criação de ETMs, um importante indicador que será verificado é a validação das atividades criadas pelos produtores rurais familiares, cujos registros das impressões dos pesquisadores foram feitos logo após a validação in loco de tais atividades.

A seguir, será apresentada a Rota do Queijo - Terroir Vertentes, um dos oito roteiros turísticos contemplados pelo Projeto EBR, escolhido como recorte do presente estudo por ser o que contém o maior número de produtores rurais familiares e envolve a maior quantidade de municípios.

Rota do Queijo - Terroir Vertentes, Minas Gerais

A Rota do Queijo foi um dos oito integrantes contemplados pelo primeiro Edital de Chamada Pública n. 001/2021 do projeto EBR. Está localizada na mesorregião do Campo das Vertentes, no centro-sul do estado de Minas Gerais (Gajo et al., 2017), conforme a Figura 3, a seguir. A região fica a 1578 km da capital, Belo Horizonte e possui uma área total de 12.563,667 km.

Figura 3
Mapas da mesorregião do Campo das Vertentes, MG

Do total de 36 municípios encontrados no Campo das Vertentes, 26 fazem parte do objeto de estudo selecionado (Ministério do Turismo, 2021Ministério do Turismo. (2021). Experiências do Brasil Rural: as delícias da Rota do Queijo Terroir Vertentes, em Minas Gerais. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/experiencias-do-brasil-rural-as-delicias-da-rota-do-queijo-terroir-vertentes-em-minas-gerais . Acesso em: 14 fev. 2022
https://www.gov.br/turismo/pt-br/assunto...
). Contudo, foram apresentados 23 municípios na inscrição de participação do projeto EBR, sendo eles: Alfredo Vasconcelos, Antônio Carlos, Barbacena, Barroso, Carrancas, Conceição da Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Dores de Campos, Entre Rios de Minas, Ibituruna, Itutinga, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, Nazareno, Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis, Santa Cruz de Minas, São João del Rei, São Tiago, São Vicente de Minas e Tiradentes.

Com relação ao quantitativo de empreendimentos da agricultura familiar presentes na Rota do Queijo, foram 33 inscritos no processo seletivo, sendo oito detentores de DAP. Deste quantitativo, 12 empreendimentos prosseguiram até a etapa final do projeto, sendo quatro detentores de DAP, que obtiveram a validação de suas ETMs formatadas ao longo das oficinas de criação de experiências turísticas. Os municípios representados por esses empreendimentos foram: Barbacena, Coronel Xavier Chaves, Entre Rios de Minas, São João Del Rei, Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis e São Tiago.

Os visitantes da Rota do Queijo - Terroir Vertentes têm a oportunidade de conhecer a cultura e a rotina dos agricultores familiares, além de experimentar diversas iguarias tradicionais da região mineira, especialmente, o queijo minas artesanal (QMA), declarado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como Patrimônio Cultural do Brasil. O queijo é um produto milenar, que pode ser atribuído tanto como um alimento quanto uma manifestação cultural do estado de Minas Gerais, considerando a ancestralidade de seu modo de fazer e sua importância para a sustentabilidade das famílias da região mineira (IPHAN, 2008Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). (2008). Dossiê Interpretativo - Queijo artesanal de Minas: Patrimônio Cultural do Brasil Disponível em: Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_modo_fazer_queijo_minas.pdf . Acesso em: 14 fev. 2022.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfin...
).

Ainda sobre a Rota do Queijo - Terroir Vertentes, o Ministério do Turismo (2021Ministério do Turismo. (2021). Experiências do Brasil Rural: as delícias da Rota do Queijo Terroir Vertentes, em Minas Gerais. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/experiencias-do-brasil-rural-as-delicias-da-rota-do-queijo-terroir-vertentes-em-minas-gerais . Acesso em: 14 fev. 2022
https://www.gov.br/turismo/pt-br/assunto...
) articula que os visitantes contam com

a possibilidade de se hospedar em algumas propriedades do roteiro e realizar atividades típicas do meio rural, como cavalgadas e a ordenha dos animais que fornecem a matéria-prima do produto, sempre orientados por anfitriões quanto aos processos de elaboração da especiaria. Outra opção é se deliciar em restaurantes típicos da tradicional gastronomia, que inclui, ainda, cafés especiais, doces e cachaça artesanal, entre outras atrações, além de participar de atividades pedagógicas vinculadas ao contexto rural.

Com relação ao cenário de governança da rota, percebe-se a presença de duas instâncias de governo, sendo elas: o Circuito Trilha dos Inconfidentes e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER-MG). A primeira é uma organização sem fins lucrativos, fundada em agosto de 2000, que possui como objetivo fomentar o turismo sustentável na região Trilha dos Inconfidentes e foi responsável pela sua inscrição no projeto EBR. Enquanto a segunda, a EMATER-MG, fundada em 1948 e maior empresa pública do setor no Brasil, possui como objetivo a promoção de assistência técnica e extensão rural para os agricultores familiares do estado de Minas Gerais, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável e fomentar qualidade de vida para a sociedade mineira.

A seguir, apresentam-se os resultados e as discussões, de acordo com o que foi realizado e registrado nas fases de criação e validação das experiências turísticas desenvolvidas pelos proprietários rurais da Rota do Queijo - Terroir Vertentes, sob a orientação da equipe do projeto.

RESULTADOS

As oficinas de criação de ETMs foram divididas em cinco fases correspondentes aos verbos: conhecer, aprender, criar, consolidar e validar. As primeiras quatro fases ocorreram de forma virtual, enquanto a última fase foi destinada à visita presencial aos roteiros. Cada fase e seus respectivos objetivos podem ser observados na Figura 4, a seguir:

Figura 4
Fases das oficinas de criação de Experiências Turísticas Memoráveis

Para a execução dos dez encontros remotos referentes às oficinas, utilizou-se o aplicativo Zoom ao longo de todo o mês de outubro. A primeira e a segunda semana contaram com dois encontros de duas horas cada, referentes às fases ‘conhecer’ e ‘aprender’, respectivamente. A terceira e a quarta semanas apresentaram três encontros também com duas horas cada. Sobre a fase ‘validar’, esta ocorreu em semanas variadas para cada roteiro, tendo ocorrido na segunda semana de novembro para a Rota do Queijo.

Vale destacar que a metodologia desenvolvida pela equipe do projeto seguiu um referencial teórico composto principalmente pelas seguintes referências: Coelho (2017Coelho, M. (2017). Viagens de brasileiros: um modelo de relações entre experiência turística memorável, mindfulness, transformações pessoais e bem-estar subjetivo. [Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais]. Repositório da UFMG: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AZNKY3.), Coelho, Gosling e Almeida (2018), Jim e Ritchie (2013), Pine e Gilmore (2011Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (2011). The experience economy. Harvard Business Press.), Kastenholz et al. (2018Kastenholz, E., Carneiro, M. J., Marques, C. P., & Loureiro, S. M. C. (2018). The dimensions of rural tourism experience: impacts on arousal, memory, and satisfaction. Journal of Travel and Tourism Marketing, 35(2), 189-201. https://doi.org/10.1080/10548408.2017.1350617), Pezzi e Viana (2015Pezzi, E., & Vianna, S. L. G. (2015). A Experiência Turística e o Turismo de Experiência: um estudo sobre as dimensões da experiência memorável. Revista Turismo em Análise , 26(1), 165-187.).

A seguir serão analisadas as cinco fases que compõem as Oficinas de ETM.

Fase Conhecer

A fase ‘Conhecer’ focou na apresentação das principais abordagens teóricas sobre ETMs, e exemplos de tendências de mercado, preferencialmente nacionais. Sobre as abordagens teóricas, buscou-se analisar quais aspectos fomentam a memorabilidade de uma experiência turística, portanto, foram utilizados conceitos de Pine e Gilmore (1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review.), Trigo (2010) e Coelho (2017Coelho, M. (2017). Viagens de brasileiros: um modelo de relações entre experiência turística memorável, mindfulness, transformações pessoais e bem-estar subjetivo. [Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais]. Repositório da UFMG: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AZNKY3.) para fazer com que os agricultores desenvolvessem esse conhecimento, conforme a Figura 5.

Figura 5
Slide sobre experiência memorável

Com relação aos exemplos de tendências de mercado para os agricultores familiares, objetivou-se apresentar as principais tendências globais que podem vir a transformar o turismo nas próximas décadas; analisar as tendências de curto prazo com impacto imediato nas experiências de turismo; e prepará-los para desenhar experiências no presente, em sintonia com o médio e o longo prazos. Além dos exemplos sobre turismo sustentável, turismo espacial, entre outras modalidades originadas após a pandemia de covid-19, foram apresentadas plataformas virtuais de experiências como o TripAdvisor e o AirBnB Experiences, que divulgam e comercializam tendências e modismos que podem vir a influenciar o mercado turístico. Dessa forma, segundo Valduga et al. (2021Valduga, M. C., Oliveira, R. L., Silva, M. S., & Tavares, B. C. (2021). Inovação e empreendedorismo no turismo rural: limites e potencialidades de novas tendências no cenário brasileiro. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, 15(3), 25-51. https://doi.org/10.17648/raoit.v15n3.7144) os participantes do projeto poderiam vir a se tornar capazes de inovar a sua oferta turística, enquanto mantêm as raízes tradicionais da vida campesina, respeitando o primeiro princípio de Pine e Gilmore (1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review., 2011) sobre a tematização, neste caso, de uma experiência rural.

Fase Aprender

A fase ‘Aprender’ apresentou diversas ferramentas que podem ser utilizadas na construção de experiências, sempre à luz de exemplos diversificados que pudessem contribuir para reflexões e inspirações sobre a memorabilidade (conforme a Figura 6, a seguir). As ferramentas apresentadas foram storytelling, gamificação, eventos, demonstração gastronômica, oficinas de preparação de alimentos, degustação de alimentos, inserção de artefatos tradicionais para uso do turista, demonstração de trabalhos artesanais, oficinas de preparação de artesanato, uso de recurso visual, visitação guiada conectando o turista à demonstração gastronômica, à degustação de alimentos, à oficina de preparação de biodiversidade local, organização de espaços para relaxamento junto à natureza, trilhas, oficinas com atividades voltadas à preservação ambiental, ambientação, atividade lúdica, benchmarking e conhecimento sobre fauna, flora e estrelas. Tais ferramentas podem servir como fatores de estímulo à memorabilidade, por meio da afetividade (Bastiaansen et al., 2019Bastiaansen, M., Lub, X. D., Mitas, O., Jung, T. H., Ascenção, M. P., Han, D. I., & Strijbosch, W. (2019). Emotions as core building blocks of an experience. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 31(2), 651-668. https://doi.org/10.1108/IJCHM-11-2017-0761 ; Coelho, Gosling & Almeida, 2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ; Servidio & Ruffolo, 2016Servidio, R., & Ruffolo, I. (2016). Exploring the relationship between emotions and memorable tourism experiences through narratives. Tourism Management Perspectives, 20, 151-160. https://doi.org/10.1016/j.tmp.2016.07.010 ), da cognição (Kastenholz et al., 2018Kastenholz, E., Carneiro, M. J., Marques, C. P., & Loureiro, S. M. C. (2018). The dimensions of rural tourism experience: impacts on arousal, memory, and satisfaction. Journal of Travel and Tourism Marketing, 35(2), 189-201. https://doi.org/10.1080/10548408.2017.1350617; Kim & Ritchie, 2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ) e do ambiente (Kastenholz, Marques & Carneiro, 2020).

Figura 6
Slide com exemplo de ETM

Com relação às ferramentas utilizadas no exemplo acima, observou-se o storytelling, oficina de preparação de alimentos e a visitação guiada, conectando o turista à biodiversidade local. Foi possível observar a ativação de todos os sentidos, considerando a presença de música e dança (audição, visão), artesanato (tato) e práticas culinárias (paladar e olfato), respeitando o último princípio de Pine e Gilmore (1998Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review., 2011) para o sucesso de uma experiência, o estímulo do máximo de sentidos possíveis.

Fase Criar

A fase ‘Criar’ contou com a orientação da equipe, em três etapas diferentes, e com a ferramenta Google Forms como apoio e registro do que os proprietários idealizavam para suas atividades. As oficinas voltadas para a criação das atividades contaram com três etapas, sendo elas: 1) Identificação, 2) Caracterização e 3) Comercialização da atividade, cada uma subdividida em tarefas, conforme o Quadro 1, a seguir, a serem executadas em três encontros:

Quadro 1
Composição das etapas de criação das ETMs

Cada uma das etapas foi realizada em um dos encontros diários com os participantes do projeto. Após cada encontro, foram disponibilizados formulários via Google Forms para o preenchimento por parte dos produtores. Para a realização dos formulários da semana, sugeriu-se que eles pensassem nas características que tornassem suas propriedades únicas ou seus talentos que poderiam ser transformados em experiências, sempre em busca de atingir a memorabilidade positiva e o sentimento extraordinário dos turistas, conforme os estudos de Kim e Ritchie (2014Kim, J. H., & Ritchie, J. B. (2014). Cross-cultural validation of a memorable tourism experience scale (MTES). Journal of Travel Research, 53(3), 323-335. https://doi.org/10.1177/0047287513496468 ), Coelho, Gosling e Almeida (2018Coelho, M., Gosling, M., & Almeida, A. S. A. (2018). Tourism experiences: Core processes of memorable trips. Journal of Hospitality and Tourism Management, 37, 11-22. https://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.08.004 ) e de Ye et al. (2020).

O primeiro encontro teve como objetivo identificar os fatores centrais para a criação das ETMs e ocorreu por meio de diversos exemplos nacionais vinculados ao turismo rural. Os agricultores foram instruídos a pensar em características básicas de uma experiência como seu objetivo e onde ocorreriam. Ao final da reunião, foi liberado o link do primeiro formulário para preenchimento, sobre os seguintes aspectos da ETMs em criação: nome, objetivo, local de realização e descrição das experiências.

Com relação à segunda reunião, buscou-se discutir as características das experiências em formatação. Dessa forma, foram apresentadas novas ETMs e ressaltadas suas características de cunho técnico, como a definição do público-alvo, os recursos necessários para a realização da experiência (equipamentos e insumos), os sentidos humanos estimulados, quem seriam os responsáveis pela execução da experiência e potenciais parcerias para sua realização. Mais uma vez, ao término da reunião, os produtores receberam acesso ao segundo formulário, para o preenchimento dos itens mencionados.

Sobre a terceira e última reunião da fase ‘Criar’, a equipe analisou junto aos agricultores os aspectos referentes à divulgação e comercialização das ETM, como o número mínimo e máximo de participantes, conforme a Figura 7.

Fonte. Elaboração
própria (2022).

Como de praxe, ao término da reunião foi disponibilizado o formulário que requisitava as informações comerciais das ETMs, sendo elas: tempo de duração, número mínimo e máximo de participantes, preço e os métodos de divulgação e comercialização (redes sociais, etc).

Os formulários de todos os encontros deveriam ser entregues até às 16h do dia seguinte, para que os pesquisadores responsáveis pela Rota do Queijo pudessem fornecer um feedback aos produtores rurais a tempo da próxima fase das oficinas.

Fase Consolidar

Durante a fase ‘Consolidar’, os produtores apresentaram o resultado do planejamento de suas ETMs para que os demais integrantes do roteiro obtivessem ciência das atividades alheias e pudessem pensar em parcerias, em busca de maior autonomia e desenvolvimento de uma rede de serviços local. Por meio da manutenção de sua comunidade, acredita-se que os produtores rurais poderiam intervir na sua realidade local, por meio das novas técnicas e ferramentas para a atividade turística (Souza & Klein, 2019Souza, M.; Klein, A. L. (2019) Rural ruralidade, pluriatividade e multifuncionalidade do desenvolvimento rural. In: Souza, M. de; Dolci, T. S. Turismo rural: fundamentos e reflexões, UFRGS.) difundidas ao longo não somente das Oficinas de Experiências, mas de todo o projeto EBR.

A equipe de pesquisadores do projeto desenvolveu um modelo de pitch para que os produtores rurais apresentassem suas ETMs de forma clara e objetiva, conforme a Figura 8.

Figura 8
Registro da apresentação de produtor rural da Rota do Queijo - Terroir Vertentes

Além disso, o instrumento pode vir a ser utilizado como padrão para apresentações posteriores, em oportunidades de divulgação de suas ETMs em formato remoto, feiras ou outros eventos de fim comercial. Ao total, foram criadas 12 ETMs, conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Nome e descrição das ETMs da Rota do Queijo - Terroir Vertentes

Foi possível perceber a presença das quatro dimensões de Coelho (2017Coelho, M. (2017). Viagens de brasileiros: um modelo de relações entre experiência turística memorável, mindfulness, transformações pessoais e bem-estar subjetivo. [Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais]. Repositório da UFMG: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AZNKY3.), ao considerar-se o aproveitamento, por parte dos produtores, de suas histórias e modo de vida para alcançar o encantamento dos turistas, que correspondem às dimensões ‘cultura’ e ‘relações interpessoais’. Os agricultores familiares utilizaram diversos elementos relacionados à dimensão ‘ambiente’, reforçando e respeitando a esfera rural de seus empreendimentos (Kastenholz, Marques & Carneiro, 2020), por meio da apresentação de suas propriedades e respectivas criações de animais. Com relação à dimensão ‘influências individuais e psicológicas', percebeu-se a utilização de ferramentas como storytelling, visitas guiadas, observação de fauna e flora, além da preparação e degustação de alimentos.

Na sequência, os produtores rurais tiveram um período de preparação de, em média, duas semanas até a etapa seguinte, referente à validação das experiências criadas.

Fase Validar

A última fase, ‘Validar’, referiu-se à execução das ETMs planejadas pelos participantes da Rota do Queijo e contou com a avaliação presencial da equipe da UFF e de um representante do Ministério do Turismo para vivenciar as experiências apresentadas pelos agricultores familiares e atestar a sua memorabilidade. A fase de validação na Rota do Queijo teve a duração de cinco dias a considerar a data de chegada e a de retorno para o Rio de Janeiro, com média de três visitas a diferentes propriedades em cada um desses dias.

Durante as visitas foram analisados os aspectos ambientais, culturais, estruturais e sensoriais de cada experiência por meio de um questionário de validação na plataforma Google Forms. Nesse processo, foram consideradas características como criatividade, inovação, singularidade, memorabilidade, segurança, higiene, relacionamento interpessoal, significância, entre outras questões tratadas ao longo de todo o projeto EBR.

Ao fim da fase de validação, após as visitas e avaliação das respostas dos formulários da equipe e das informações inseridas no diário de campo virtual dos pesquisadores responsáveis, todas as 12 ETMs apresentadas na Rota do Queijo - Terroir Vertentes foram validadas e seguiram para a etapa ‘Apoio à Comercialização’.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, relatou-se uma pesquisa conduzida no âmbito do projeto “Experiências do Brasil Rural”, realizada em 2021. A Universidade Federal Fluminense executou o projeto em parceria com o Ministério do Turismo e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, beneficiando 163 agentes locais de oito roteiros de turismo rural, sendo 83 agricultores familiares e 80 representantes de equipamentos turísticos. Ao todo, foram criadas e validadas 71 experiências turísticas em seis estados brasileiros. Para este estudo, foi selecionada a Rota do Queijo - Terroir Vertentes como recorte geográfico, por ser o roteiro com mais agricultores familiares envolvidos e ter sido um dos roteiros que mais planejou e validou experiências turísticas. Ao enquadrar o artigo no referido roteiro, foi possível descrever e analisar o processo de desenvolvimento de técnicas e conhecimentos para a criação de experiências turísticas memoráveis junto aos produtores da agricultura familiar.

O projeto “Experiências do Brasil Rural” ostenta características da pesquisa-ação, método de investigação em que a pesquisa é concebida e realizada em estreita associação com uma intervenção ou resolução de um problema (Thiollent, 1992Thiollent, M. (1992). Metodologia da Pesquisa-Ação. Cortez.). Por conseguinte, neste artigo, empregou-se o referido método. Na pesquisa-ação, pesquisadores e a comunidade participante são coprodutores do processo da pesquisa, o resultado dessa interação sendo a proposição de soluções práticas para uma questão de interesse coletivo. Formatar experiências turísticas memoráveis foi o interesse coletivo na ocasião do projeto, em que agricultores familiares participaram do processo de conceber, estruturar, apresentar e, finalmente, oferecer comercialmente experiências turísticas com foco na memorabilidade.

O principal resultado desta pesquisa foi a construção de conhecimentos junto aos agricultores familiares, de modo a promover autonomia para a formatação e oferta de experiências turísticas com inovação, qualidade técnica e hospitalidade. As 12 experiências criadas são evidência de que os produtores rurais foram capazes de associar os conhecimentos sistematizados nas oficinas com suas realidades locais e recursos naturais e culturais. Ademais, a organização das oficinas em cinco etapas mostrou-se eficaz para, em um primeiro momento, construir saberes e aproximar os agricultores dos conceitos e técnicas que influenciam a experiência dos turistas; em segundo lugar, fazer com que os produtores assumissem a responsabilidade do planejamento da experiência, determinando sua identificação, suas características e aspectos de comercialização; por fim, os produtores apresentam e discutem coletivamente suas propostas para, então, representantes da UFF e MTur visitarem o roteiro e procederem à validação das experiências.

As contribuições deste artigo são de duas naturezas: uma metodológica e outra prática. Do ponto de vista metodológico, empreendeu-se uma pesquisa-ação para desenvolver experiências turísticas com agricultores familiares, servindo de referência para futuras intervenções que se proponham a formatar experiências turísticas no espaço rural. A metodologia das oficinas foi criada à luz da literatura sobre experiências memoráveis e traduz um esforço de operacionalizar a teoria em procedimentos práticos para melhor estruturar a oferta turística de roteiros de turismo rural. Do ponto de vista prático, as etapas e processos apresentados neste artigo podem servir de guia para gestores públicos e privados interessados em estruturar experiências turísticas memoráveis na forma de um produto comercializável. Ademais, ressaltamos os impactos positivos para a comunidade participante da pesquisa, que se tornou mais hábil no planejamento de seu produto turístico.

Dois fatores limitam os resultados deste estudo. Em primeiro lugar, observou-se, ao final da validação das experiências, pouca ênfase sobre a viabilidade econômica das ETMs. Os produtores rurais podem e devem planejar experiências que visem ao impacto positivo e transformador na subjetividade dos turistas. No entanto, isso deve ser planejado de modo que os agricultores familiares obtenham lucro com suas atividades. Afinal, o objetivo de qualificar a oferta turística rural perpassa a independência e autonomia financeira dos agricultores, sendo um pilar estruturante para a melhoria da qualidade de vida dessa população. Além disso, embora o arcabouço teórico da pesquisa tenha sido o das experiências turísticas memoráveis, um fator que limita este artigo é a ausência de mensuração da memorabilidade na perspectiva dos consumidores.

Nesse sentido, futuras pesquisas devem contemplar procedimentos de validação das experiências turísticas memoráveis do ponto de vista dos consumidores da experiência, a fim de munir os produtores locais com instrumentos de avaliação da memorabilidade de suas experiências. Embasados em dados, os produtores locais poderão implementar processos de melhoria contínua e maximizar percepções positivas sobre as experiências que oferecem. Além disso, sugere-se adicionar no processo de criação de experiências uma etapa destinada à apuração da viabilidade financeira das experiências propostas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Ministério do Turismo e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento pelo financiamento da Pesquisa Aplicada na Área de Agricultura Familiar e Circuitos Turísticos, contexto em que foi desenvolvida a pesquisa que resultou neste artigo.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2022
  • Aceito
    14 Dez 2022
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